Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7135/20.1T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: ARRENDAMENTO URBANO
SENHORIO
ARRENDATÁRIO
RENOVAÇÃO
PRAZO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
PRAZO DE VIGÊNCIA
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Data do Acordão: 01/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I. A Lei n.º13/2019, de 12 de fevereiro visou estabelecer um conjunto de medidas com a finalidade de corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, privilegiando a posição dos primeiros, através do reforço da segurança e a estabilidade do arrendamento urbano.

II. Tendo o contrato sido celebrado em data anterior à entrada em vigor deste diploma legal, apesar de a nova lei lhe ser aplicável, impõe-se a interpretação conjunta destes dois normativos, o artigo 1096.º e o artigo 1097.º, n.º3, do Código Civil.

III. Como a 1.ª renovação do contrato de arrendamento habitacional celebrado entre as partes (a que teve lugar em 1/02/2019, data em que se completou o prazo inicial de um ano convencionado para a sua vigência) ainda ocorreu à sombra do regime jurídico anterior à entrada em vigor da citada Lei n.º 13/2019, a renovação subsequente (a que teria lugar em 1/02/2020, já que a renovação ocorrida em 1/02/2019 – a primeira – o foi por um ano, ao abrigo da estipulação contratual contida na Cláusula Terceira do contrato celebrado entre as partes em 7/02/2018, estipulação essa consentida pelo n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil, na redação introduzida pela então vigente Lei n.º 31/2012) escapou à disciplina imperativa instituída pela mesma Lei n.º 13/2019 para a 1.ª renovação dos arrendamentos habitacionais com prazo certo.

IV. Assim sendo, a oposição a essa 2.ª renovação, comunicada pelo senhorio à arrendatária por carta datada remetida em 5/07/2019 e recebida em 7/07/2019, não deixou de produzir efeitos, visto ter sido feita com observância da antecedência exigida pela al. b) do n.º 1 do artigo 1097.º do Código Civil, obstando assim à renovação (por mais um ano) do contrato de arrendamento, em 1/02/2020.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1. AA intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Sociedade de Construções Modelar Pedroguense. Lda., pedindo:

a) que fosse declarada válida e eficaz a oposição deduzida pelo Autor, em 4 de julho de 2019, à renovação do contrato de arrendamento celebrado com a Ré, nos termos e para os efeitos da alínea b) do n.°l do art.° 1097.° do Código Civil;

b) que fosse declarado extinto o contrato de arrendamento celebrado entre o Autor e a Ré, em 7 de fevereiro de 2018, referente à fração urbana identificada pela letra ..., correspondente ao ... andar ..., destinado a habitação, do prédio sito na Rua ..., n°ll, freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz com o ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n° ...66 da freguesia ...;

c) a condenação da Ré a entregar o locado ao Autor, devoluto de pessoas e bens;

d) a condenação da Ré a pagar ao Autor o valor de 2.700,00 € (dois mil e setecentos euros), desde 1 de fevereiro de 2020, por cada mês de atraso, até efetiva entrega do locado.

O Autor alega, em síntese, que:

- é proprietário da fração urbana identificada pela letra ..., correspondente ao ... andar ..., destinado a habitação, do prédio sito na Rua ..., n.°ll, freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz com o ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.° ...66 da freguesia ...;

- por contrato datado de 7/02/2018, o Autor deu de arrendamento a referida fração à ora Ré, para habitação própria e temporária, pela renda mensal bruta de €1.350,00, pelo prazo de um ano, com início em 1 de fevereiro de 2018, renovando-se por igual período, sem prejuízo de as partes se oporem à sua renovação nos termos da lei;

- em 5/07/2019, o Autor remeteu à Ré uma carta registada com aviso de receção, pela qual comunicou a denúncia do contrato de arrendamento e solicitou a entrega do arrendado, desocupado e limpo, até 31 de janeiro de 2020.

- a aludida carta foi recebida pela Ré no dia 8/07/2019;

- a Ré não procedeu à entrega do locado, continuando a utilizar a fração arrendada.

2. Citada, a Ré veio contestar, por exceção e por impugnação, alegando, em síntese que:

- com a entrada em vigor da Lei n.° 13/2019, de 12 de fevereiro, o contrato de arrendamento passou a ter uma duração inicial de, pelo menos, 3 anos (cf. a nova redação dada por aquele diploma ao n.° 3 do artigo 1097.° do Código Civil, aplicável ao contrato em causa ex vi do art. 16.° da referida Lei n.° 13/2019), prazo esse que ainda não se havia completado à data de 31 de janeiro de 2020, pelo que a oposição à renovação comunicada pelo Autor em 4 de julho de 2019 é ineficaz para o efeito a que se propôs;

- tendo o arrendamento sido feito pelo prazo de um ano, renovável, a Ré pagou, logo na data da assinatura do contrato, a totalidade das rendas (12 meses) relativas ao 1.° ano de vigência do arrendamento e uma caução no valor de € 1.350,00.

3. Foi proferido Saneador/Sentença, com o seguinte teor decisório:

«Nestes termos, julgo a presente ação improcedente e, em consequência, absolvo a ré Sociedade de Construções Modelar Pedroguense Lda. dos pedidos formulados pelo autor AA.

Custas a cargo do autor, cfr. artigo 527 e, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.

Fixo o valor da causa em €40.500,00, cfr. artigo 298 e, n.º 1 e 306.º do Código de Processo Civil.»

4. Inconformado com esta decisão, o Autor interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa.

5. O Tribunal da Relação de Lisboa veio a proferir Acórdão, com o seguinte teor decisório:

“Acordam, em conferência, os juízes desta Relação em confirmar a Decisão sumária do relator que:

a) concedeu provimento à Apelação do Autor, tendo revogado consequentemente a sentença recorrida e julgado a acção procedente, por provada, declarando válida e eficaz a oposição deduzida pelo Autor/Apelante, em 4 de Julho de 2019, à renovação do contrato de arrendamento celebrado com a Ré/Apelada, nos termos e para os efeitos da alínea b) do n°l do artigo 1097° do Código Civil, declarando extinto, por caducidade, o contrato de arrendamento celebrado entre o Autor/Apelante e a Ré/Apelada, em 7 de Fevereiro de 2018, referente à fracção urbana identificada pela letra ..., correspondente ao ... andar ..., destinado a habitação, do prédio sito na Rua ..., n°ll, freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz com o art.º ...47 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n° ...66 da freguesia ..., e condenado a Ré ora Apelada a pagar ao Autor, a título de indemnização pelo atraso na restituição do imóvel arrendado, a quantia total de €64.800,00 (sessenta e quatro mil e oitocentos euros);

b) Julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto ao pedido de condenação da Ré ora Apelada na entrega do locado, livre de pessoas e bens, ao Autor/Apelante;

Do mesmo passo, julgam improcedente a imputação à Decisão sumária do relator da pretensa nulidade, por falta de fundamentação de facto (art. 615°, n° 1, al. c), do Código de Processo Civil) em que ela teria, alegadamente, incorrido, por ter condenado a Ré/Apelada ora Reclamante no pagamento duma indemnização no valor de € 64.800,00, pelo atraso na restituição do imóvel arrendado, no pressuposto (não demonstrado) de que a Recorrida nada teria pago ao Recorrente, a esse título, no período transcorrido entre 1-02-2020 e 31-01-2022, apesar de nada constar a tal respeito na matéria de facto fixada em 1.ª instância, porquanto, como o pagamento não se presume, carecendo de ser invocado e provado (art. 342°, n° 2, do Código Civil), competiria à ex-arrendatária o ónus de alegar (no requerimento apresentado em juízo em 01.02.2022, em que informou esta Relação de que, na pendência do recurso, havia restituído o imóvel arrendado à Autora em 31.01.2022) ter pago a renda até essa data - o que ela omitiu completamente -, pelo que a condenação da Reclamante no pagamento duma indemnização líquida de € 64.800,00 (€1.350,00 x 2 x 24 meses) está factualmente estribada nos factos que as partes curaram de alegar e provar, nos respectivos articulados e requerimentos, não podendo o tribunal presumir um pagamento extra-judicial não invocado, na sede própria, por quem tinha o ónus de o fazer (art. 5.º, n° 1, do Cód. de Proc. Civil) - razão pela qual indeferem esse segmento da Reclamação da Ré/Apelada contra a Decisão Sumária do relator.

6. Inconformada com tal decisão, veio a Ré interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

1.ª Consideram-se aqui integralmente reproduzidos os factos dados como provados na 1ª instância, que não foram objecto de qualquer impugnação junto do Tribunal “a quo”.

2.ª O douto Acórdão recorrido violou manifestamente o disposto na 2ª parte, do nº 2, do artº 12º do Código Civil.

3.ª Dispõe o artº 12º do Código Civil:

1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.

2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.

4.ª O artº 12º, nº 2, distingue entre as leis ou normas que dispõem sobre os requisitos de validade – formal e substancial - de quaisquer factos jurídicos ou sobre os efeitos de quaisquer factos (1ª parte) e aquelas que dispõem sobre o conteúdo de certas situações jurídicas e o modelam sem olhar aos factos que a tais situações deram origem (2.ª parte).

5.ª Enquanto as primeiras apenas se aplicam a factos novos, as segundas aplicam-se a situações jurídicas constituídas antes da entrada em vigor da lei nova, mas que subsistem nessa essa data. Além disso, a lei nova pode regular o conteúdo das relações jurídicas atendendo aos factos que lhes deram origem, que é o que se verifica no domínio dos contratos de execução duradoura ou continuada.

6.ª A Lei nº 13/2019, ao abrigo do artº 12º, nº 2, 2ª parte, do Código Civil, na medida em que as suas disposições se revistam de natureza imperativa, aplica-se às relações jurídico-arrendatícias que subsistam à data do seu início de vigência, porquanto dispõe sobre o seu conteúdo e o conforma abstraindo do facto que lhes deu origem.

7.ª Refere Juíza Conselheira do STJ, Professora Maria Olinda Garcia, in “Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei nº 12/2019 e pela Lei 13/2019, JULGAR On line, março de 2019, pág. 10: “Uma breve leitura das alterações introduzidas nestas normas permite facilmente concluir que o legislador teve como propósito a proteção da estabilidade do arrendamento habitacional, limitando os direitos extintivos do locador e limitando a liberdade das partes para modelarem o conteúdo do contrato.”

8.ª O artº 1097º, nº 3, do Código Civil, na redação dada pela Lei 13/2019, será aplicável à oposição à renovação do contrato de arrendamento efetuada pelo aqui Recorrido após o início de vigência desta Lei nº 13/2019, aplicando-se aos dos contratos de arrendamento celebrados antes da sua entrada em vigor.

9.ª O artº 1097º, nº 3 do Código Civil, na redação que lhe foi dada pela Lei 13/2019, aplica-se à denúncia efetuada pelo aqui Recorrido, por carta recebida pela Recorrida a 08 de julho de 2019, já depois da entrada em vigor da lei nova, ainda que o contrato se tenha renovado, por um ano ao abrigo da lei antiga, uma vez, para que pudesse produzir efeitos extintivos do contrato a 31 de janeiro de 2020.

10.ª Neste sentido e segundo a Autora citada, Maria Olinda Garcia na mesma obra, págs. 11 e 12, nos seguintes termos:

“Mais delicada é a questão de saber se as partes podem estipular um prazo renovação inferior a 3 anos (hipótese em que o prazo legal de 3 anos teria natureza supletiva). Atendendo ao segmento literal que diz que o contrato se renova “por períodos sucessivos de igual duração, pareceria poder concluir-se que, se o período inicial pode ser de 1 ou de 2 anos, as partes também teriam liberdade para convencionar igual prazo de renovação. Todavia, ao estabelecer o prazo de 3 anos para a renovação, caso o prazo de renovação seja inferior, parece ser de concluir que o legislador estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação. Afigura-se, assim, que a liberdade das partes só terá autónomo alcance normativo se o prazo de renovação estipulado for superior a 3 anos (sublinhado nosso)

Conjugando esta disposição com o teor do artigo 1097º, nº3, que impede que a oposição à renovação, por iniciativa do senhorio, opere antes de decorrerem 3 anos de duração do contrato, fica-se com a ideia de que o legislador pretende que o contrato tenha, efetivamente, uma vigência mínima de 3 anos (se for essa a vontade do arrendatário). Assim, o contrato só não terá duração mínima de 3 anos se o arrendatário se opuser á renovação do contrato no final do primeiro ou do segundo ano de vigência. No final destes períodos (tratando-se de contrato celebrado por 1 ano), o senhorio não terá direito de oposição à renovação. Tal direito extintivo cabe, assim, exclusivamente ao arrendatário antes de o contrato atingir 3 anos de vigência.

Se as partes não convencionarem a exclusão da renovação, o senhorio só poderá impedir que o contrato tenha uma duração inferior a 3 anos na hipótese que agora é criada pelo nº 4 do artº 1097º, ou seja, em casos de necessidade da habitação pelo próprio ou pelos descendentes em primeiro grau”. (sublinhados nossos).

11.ª Assim, sendo a declaração negocial de oposição à renovação irrevogável depois de chegar ao poder do destinatário ou de ser dele conhecida, nos termos gerais (artº 230º do Código Civil), o contrato de arrendamento dos autos   cessaria apenas após o decurso do período de 3 anos previsto no nº 3, do artº 1097º do Cód. Civil.

12.ª Este período serve para que o destinatário da declaração se possa precaver ou acautela perante a extinção anunciada do vínculo contratual em matéria de arrendamento habitacional.

13.ª É a comunicação de não oposição (denúncia, no caso dos autos) que constitui o facto principal, que determina a lei aplicável.

14.ª A ausência de comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento por parte do Senhorio, aqui Recorrido, após o 1º ano de vigência do contrato não teve qualquer relevância ao abrigo da lei nova, considerando que é a comunicação de oposição á renovação que constitui o pressuposto de aplicação da nova lei.

15.ª A comunicação de oposição à renovação efetuada já na vigência da lei nova teria, pois, que ser “tempestiva”, por parte do senhorio, isto é, de ser apenas eficaz decorridos 3 anos da data da celebração do contrato, mantendo-se em vigor até esse termo.

15.ª O decurso do prazo de 01 (um) ano à data da comunicação da oposição à renovação anos não tem o valor de um facto extintivo (constitutivo ou modificativo) de uma situação jurídica, pois este já se encontrava verificado aquando do início de vigência da lei nova, (artº 1097º, nº3, do Código Civil, na redação dada pela Lei n.º13/2019.

16.ª A declaração de oposição à renovação encontra-se, por conseguinte, abrangida pelo âmbito de competência ou de aplicabilidade da lei nova (artº 1097º, nº 3, do Código Civil), porquanto é ela que determinou a competência da lei aplicável.

17.ª Como tal, o exercício deste direito, pelo Senhorio, aqui Recorrido, não pode resultar a cessação do contrato de arrendamento celebrado com a Recorrida com efeitos a 31 de Janeiro de 2020, pois:

a) O facto que produz a cessação do contrato e é, portanto, o facto extintivo do contrato de arrendamento é a declaração de denúncia (retius, de oposição à renovação) efetuada pelo Recorrido. A cessação do arrendamento é o efeito ou consequência da comunicação feita pelo senhorio ao arrendatário;

b) Para efeitos de determinação da lei aplicável à comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento habitacional, afigura-se decisiva a data da sua comunicação pelo senhorio ao arrendatário, o que, no caso dos autos, sucedeu a 05 de julho de 2019 e foi recebida pela arrendatária a 08 de julho de 2019, já depois da entrada em vigor da Lei 13/2019 (13 de fevereiro de 2019);

c) É o que resulta do artº 12º, no 1 e 2, do Código Civil, pois, o facto que desencadeia o efeito extintivo do contrato de arrendamento não é a renovação do contrato por um ano, mas antes, reitere-se, a comunicação da oposição à renovação pelo senhorio à arrendatário;

d) Logo, não se traduzindo a renovação por um ano do contrato num facto extintivo (constitutivo ou modificativo) de uma situação jurídica, afigura-se irrelevante saber se esse prazo se havia completado aquando do início de vigência da lei nova (13 de fevereiro de 2019).

18.ª Pelo que, o contrato de arrendamento dos autos não cessou antes do decurso do período de três anos subsequente à celebração do contrato, pois a declaração de comunicação da oposição à sua renovação foi exercido já depois do início de vigência da lei nova, e não antes da sua entrada em vigor.

19.ª O Acórdão recorrido interpretou e aplicou, assim, a lei de forma manifestamente incorreta, determinando a condenação da aqui Recorrente numa indemnização injusta e num montante líquido concreto de €64 800,00 sem suporte fatual e que não se verificaria se tivesse aplicado a lei corretamente.

20.ª Tudo motivos pelos quais deve o presente recurso de REVISTA proceder, revogando-se o douto acórdão recorrido, na sua totalidade, e, em consequência, julgar totalmente improcedente a ação interposta pelo Autor, absolvendo a aqui Recorrente dos pedidos, com as legais consequências.

E conclui: “deve ser dado integral provimento ao presente recurso de Revista, devendo consequentemente ser revogado o acórdão recorrido e a ora Recorrente ser absolvida dos pedidos da ação com as legais consequências”.

7. O Autor contra-alegou, pugnando pelo infundado da revista, concluindo pela improcedência do recurso, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

1.ª A Cláusula 3ª do contrato de arrendamento analisado nos autos, estipulava que o arrendamento era feito pelo prazo de um ano e se poderia renovar, no seu termo, por igual período de tempo, sem prejuízo da oposição à sua renovação, prevendo assim uma única renovação.

2.ª Por tal as partes só contemplaram a hipótese de o arrendamento durar dois anos.

3.ª Essa pretensão é válida face à disciplina decorrente da Lei 13/2019 de 12 de fevereiro, pois o novo artº 1096º permite a celebração de contratos sem renovação automática.

4.ª A redação atual do artº 1097º nº3 do Código Civil, não é aplicável à situação sub judice, visto estar em causa a segunda renovação do contrato e não a primeira como ali visado.

5.ª À data de entrada em vigor da Lei 13/2019 de 12 de fevereiro, já estava em curso o período de renovação iniciado em 1 de fevereiro de 2019 e que terminava em 31 de janeiro de 2020, pelo que não lhe poderia ser aplicada a redação que aquela conferiu ao artº 1096º nº1 do Código Civil, por violação do princípio geral da não retroatividade da lei constante do artº 12º do Código Civil.

6.ª Atenta a possibilidade de celebração de contratos de arrendamento pelo período mínimo de um ano com exclusão de renovação, a limitação temporal mínima de três anos, do período de duração do contrato de arrendamento, após a sua renovação, não assume natureza imperativa.

8. Cumpre apreciar e decidir.

II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela Ré / ora Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à seguinte questão:

saber se a oposição à renovação do contrato de arrendamento comunicada pelo Autor/senhorio à Ré/arrendatária, através de carta registada com aviso de receção, remetida em 5/07/2019, recebida no dia 8/07/2019, foi válida e eficaz, determinando a extinção, por caducidade, do arrendamento no dia 31/01/2020, tendo ainda em consideração o regime legal previsto na Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro.

III. Fundamentação

1. As instâncias deram como provados os seguintes factos:

1.1. O autor é o proprietário inscrito da fração urbana identificada pela letra ..., correspondente ao ... andar ..., destinado a habitação, do prédio sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz com o artº ...47 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...66 da freguesia ....

1.2. Por contrato datado de 7 de fevereiro de 2018, o autor deu de arrendamento a fração ... à sociedade ré.

1.3. O arrendamento destinou-se a habitação própria e temporária.

1.4. A renda mensal bruta estipulada foi de 1.350,00 €.

1.5. E o contrato foi celebrado pelo prazo de um ano, com início em 1 de fevereiro de 2018, renovando-se por igual período, sem prejuízo de as partes se oporem à sua renovação nos termos da lei.

1.6. Em 5 de julho de 2019, o autor remeteu à ré uma carta registada com aviso de receção, pela qual comunicou a denúncia do contrato de arrendamento e solicitou a entrega do arrendado, desocupado e limpo, até 31 de janeiro de 2020.

1.7. A carta foi recebida pela ré no dia 8 de julho de 2019.

1.8. A ré não procedeu à entrega do locado.

2. Apreciação do recurso

Quer a sentença quer o Acórdão recorrido convergem quanto à qualificação do contrato, não colocando as partes em causa tal entendimento que, nos encontramos perante um contrato de locação, em concreto um contrato de arrendamento urbano para fins habitacionais, com duração limitada, previsto nos artigos 1022.º e ss. e em especial nos artigos. 1064.º e ss. e 1092.º e ss., todos do Código Civil.

As instâncias convergem igualmente no tocante à imediata aplicação da lei nova, isto é da Lei n.º 13/2019 de 12 de fevereiro, nos termos do artigo 12.º, n.º 2, 2.ª parte, do Código Civil, por se tratar de questão que regula sobre o conteúdo da relação jurídica do arrendamento, aplicando-se, assim, às relações de arrendamento já constituídas e que se mantém, por se tratarem de contratos de execução duradoura.

- cf. Maria Olinda Garcia, in Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei 13/2019, in Revista Julgar Online, março de 2019/25; cf. igualmente o artigo 14.º da Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro -.

Porém, divergem as instâncias no que se refere à interpretação das normas previstas nos artigos 1096.º e 1097.º do Código Civil, na versão que foi dada pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro.

No saneador sentença proferido pelo Tribunal de 1.ª instância, entendeu-se que o Autor não poderia exercer o direito de oposição à renovação do contrato de arrendamento porquanto, por força do disposto no artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, na versão dada em 2019, referindo: “(…) em 13 de fevereiro de 2019, o contrato de arrendamento celebrado entre as partes, renovado automaticamente em 1 de fevereiro de 2019, passou a considerar-se renovado pelo prazo mínimo de três anos nos termos do estabelecido no n.º 1 do artigo 1096º do Código Civil, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 13/2019.

Posto isto, o novo termo ocorrerá apenas findo o decurso desse prazo de três anos, ou seja, em 31 de janeiro de 2022.

Logo, a comunicação efetuada pelo autor datada de 4 de julho de 2019 no sentido de se opor à renovação do contrato de arrendamento com efeitos a partir de 31 de janeiro de 2020, não respeita aquele prazo, não produzindo efeitos contra a ré e mantendo-se o contrato em vigor pelo menos até 31 de janeiro de 2022”.

Ao invés, o Acórdão recorrido considerou que o Autor poderia exercer o direito de oposição à renovação do contrato de arrendamento, obstando à renovação do contrato com efeitos em 1/02/2020, porquanto “como a 1.ª renovação do contrato de arrendamento habitacional celebrado entre as partes (a que teve lugar em 01-02-2019, data em que se completou o prazo inicial de um ano convencionado para a sua vigência) ainda ocorreu à sombra do regime jurídico anterior à entrada em vigor da cit. Lei n.º 13/2019, a renovação subsequente (a que teria lugar em 01-02-2020, já que a renovação ocorrida em 01-02-2019 – a primeira – o foi por um ano, ao abrigo da estipulação contratual contida na Cláusula Terceira do contrato celebrado entre as partes em 07-02-2018, estipulação essa consentida pelo n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil, na redacção introduzida pela então vigente Lei n.º 31/2012) escapou à disciplina imperativa instituída pela mesma Lei n.º 13/2019 para a 1.ª renovação dos arrendamentos habitacionais com prazo certo.

Assim sendo, a oposição a essa 2.ª renovação, comunicada pelo senhorio à arrendatária por carta datada remetida em 05-07-2019 e recebida em 07-07-2019, não deixou de produzir efeitos, visto ter sido feita com observância da antecedência exigida pela al. b) do n.º 1 do art. 1097.º do Cód. Civil, obstando assim à renovação (por mais um ano) do contrato de arrendamento, em 01-02-2020”

Pugna, assim, a Recorrente pela repristinação da sentença e o recorrido pela manutenção do Acórdão recorrido.

No caso presente, há que ter em consideração os seguintes factos:

- As partes celebraram o contrato de arrendamento para habitação, em 7/02/2018, pelo prazo de 1 ano, com início em 1/02/2018, e renovação automática pelo mesmo período de 1 ano (factos provados sob os pontos 2, 3 e 5);

- Em 5/07/2019, o Autor remeteu à Ré uma carta registada com aviso de receção, pela qual comunicou a denúncia do contrato de arrendamento e solicitou a entrega do arrendado, desocupado e limpo, até 31 de janeiro de 2020, tendo a Ré recebido a carta em 8/07/2019 (factos provados sob os pontos 6 e 7).


Para o caso importa convocar as seguintes normas do Código Civil, na versão da Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, porquanto se trata de um contrato de execução continuada, sendo a nova versão da lei aplicável aos presentes autos, por força do disposto nos artigos 14.º deste diploma legal e do artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil:

Artigo 1096.º

Renovação automática

1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

2 - Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos previstos n.º 3 do artigo anterior.

3 - Qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes.

Artigo 1097.º

Oposição à renovação deduzida pelo senhorio

1 - O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte:

a) 240 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos;

b) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos;

c) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis meses e inferior a um ano;

d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a seis meses.

2 - A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação.

3 - A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

4 - Excetua-se do número anterior a necessidade de habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em 1.º grau, aplicando-se, com as devidas adaptações, o disposto no artigo 1102.º e nos n.ºs 1, 5 e 9 do artigo 1103.º.

Por força do disposto no artigo 1080.º do Código Civil, são imperativas as normas sobre a resolução, a caducidade e a denúncia do arrendamento urbano.

O artigo 1096.º do Código Civil, conforme é entendimento dominante na doutrina, não tem carácter imperativo, pelo que é permitido às partes excluírem a renovação automática. Impõe imperativamente, porém, que, caso seja clausulada a renovação, esta tem como período mínimo uma renovação pelo período de 3 anos. Ou seja, o legislador permite às partes que convencionem um contrato de arrendamento urbano para habitação pelo período de um ou dois anos, não renovável. Mas, caso seja convencionada uma cláusula de renovação automática, terá de obedecer ao disposto neste normativo, ou seja, o contrato sofre uma renovação automática de 3 anos.

É esta a posição assumida por Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde e António Barrosos Ramalho Rodrigues (In “Denúncia e oposição à renovação do contrato de arrendamento urbano”, Revista de Direito Civil, Ano IV (2019), n.º 2, Coimbra, Edições Almedina, 2019, pp. 302 e 303.), José António de França Pitão e Gustavo França Pitão (In Arrendamento Urbano Anotado, 2-ª Edição, Quid Iuris, 2019, pp. 375 e 376.) e Edgar Alexandre Martins Valente (In Arrendamento Urbano - Comentário às Alterações Legislativas Introduzidas ao Regime Vigente, Coimbra, Edições Almedina, 2019, pp. 31 e 32.).

O Conselheiro Pinto Furtado (In Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Almedina, 2021, pp. 651 a 653.) faz uma interpretação um pouco mais restritiva deste normativo e em conjunto com o artigo 1097.º, n.º 3 do Código Civil, ao considerar que esta renovação de três anos apenas ocorre na primeira renovação, permitindo a liberdade contratual outro clausulado. Posiciona-se assim este autor, “Se, pois, se tiver estabelecido, como duração contratual, um prazo inferior a três anos, por exemplo, um ou dois anos (o que é legítimo – arts. 1095-2 e 1096-1), o que resulta, quanto a nós, do disposto no art. 1097-3 – e insiste-se – é, tão-somente, que esses contratos serão necessariamente não renováveis (o que é legítimo – n.º 1 do presente artigo).

E se, por acaso, nesses contratos de duração inferior a três anos, o arrendatário venha a permanecer no prédio após ter decorrido o período contratual, e uma sua renovação assim se verificar, então ela terá de protelar-se até o contrato durar três anos.

Depois disso, ou há cláusula estabelecendo os períodos de renovação contratual, ou não há: havendo-a, será ela que se aplica; não a havendo, regerá a parte final do n.º 1 do presente artigo e as renovações, por falta de estipulação nos referidos contratos, serão de períodos sucessivos iguais à duração contratual.

Deste modo e se bem pensamos, ultimados os três primeiros anos sobre uma celebração contratual, para a sua primeira oposição à renovação, não exige depois a lei, para nenhuma outra oposição à renovação, qualquer limite específico de duração convencional; podem, pois, as partes fixar, para estas, aquela que bem lhes parecer, salvo, claro está, se outra disposição legal, que não esta, impusesse algum limite à liberdade contrato.

Ora, já se viu que o n.º 1 do presente artigo só dispõe para o silêncio contratual e, como no art. 1097-3 também não se estabelece qualquer dimensão para o ulterior período de renovação, em si, daí se seguirá, se bem nos parece, que, quando pretenda estabelecer-se renovação para um arrendamento habitacional de prazo certo terá de atribuir-se à própria duração desse contrato, pela aplicação conjugada dos dois preceitos, uma duração mínima de três anos.

Cremos, por conseguinte e em conclusão poder, pois, validamente estabelecer-se, ao celebrar-se um contrato, que este terá necessariamente, uma duração de três anos, prorrogando-se, no seu termo, por sucessivas renovações, de dois ou de um ano, quatro ou cinco – como, enfim, se pretender.”.

No mesmo seguimento, em comentário ao artigo 1097.º do Código Civil, o Conselheiro Pinto Furtado (In Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Almedina, 2021, pp. 656 a 657.) esclarece que a interpretação a dar ao n.º 3 deste normativo, em conjugação com artigo 1096.º, do seguinte modo, “Sendo assim, quanto aos contratos de arrendamento habitacional existentes, que se submetiam ao disposto na Lei n.º 31/2012 e, não havendo estipulação contratual, estavam a renovar-se supletivamente, sem mais, segundo períodos de dimensão igual à duração contratual, interessará considerar os celebrados por um ou dois anos.

Estando estes contratos a renovar-se então, supletivamente, por períodos de um ano ou de dois, respetivamente, segundo a lei antiga, chegado o novo normativo agora imposto no art. 1097-3, uma de duas soluções parecerão, em princípio, aplicáveis.

Será a primeira que aqueles contratos habitacionais de durações menores, que já completaram a sua renovação ou renovações, à sombra da lei antiga, mas ainda não tenham atingido os três anos de duração contratual para haver uma primeira renovação pela lei nova, deverão submeter-se a esta, computando-se nesses três anos os períodos menores já cumpridos, preenchendo-se desse modo a bitola do art. 1097-3.

Outra será, antes, que a nova lei exige o pré-decurso trienal só para a primeira renovação: logo, os contratos que já então completaram uma primeira renovação, ainda que sem preenchimento dos três anos de duração prévia, não estão abrangidos por ela, visto o prazo renovatório menor a que obedeceram já se ter completado.

Cremos, pela nossa parte, que será esta segunda opção o entendimento a subscrever, pois como declara o art. 297-2, os prazos mais longos da lei nova só se inserem nos prazos mais curtos da lei anterior que ainda “estejam em curso”.

Assim, os contratos com duração de um ano que, findo o seu prazo de duração, se renovaram pelo mesmo período e o completaram antes de entrar em vigor a nova lei, continuam a renovar-se pelo mesmo período depois disso; mas aqueles que ainda não consumiram esse período de renovação terão de prosseguir no tempo já decorrido até perfazer o triénio de duração para que ocorra uma nova renovação (…).

Naturalmente, este entendimento é aplicável, não apenas às renovações supletivas, mas também as convencionadas nas mesmas condições.”.


Ora, é, precisamente, a situação retratada nos nossos autos.

Aqui, o contrato de arrendamento urbano para habitação permanente, foi celebrado em 7/02/2018, com início em 1/02/2018, à luz da Lei n.º 30/2012, pelo prazo de um ano, renovável por igual período. A primeira renovação deste contrato, ocorreu em 1/02/2019, ainda no âmbito da referida Lei, porquanto a Lei n.º 13/2019 entrou em vigor em 13/02/2019.

O Autor, ora Recorrido, remeteu à Ré, ora Recorrente, em 5/07/2019, carta registada com aviso de receção, a comunicar a denúncia do contrato, solicitando a entrega do arrendado até 31/01/2020.

Daqui resulta, claramente, que a primeira renovação contrato, a renovação anual ocorreu em 1/02/2019, quando a Lei n.º 13/2019 ainda não estava em vigor, pelo se verificou a primeira renovação do contrato.

É já no âmbito da segunda renovação do contrato que o Autor pretende opor-se à sua renovação, pelo que, seguindo a posição assumida pelo Conselheiro Pinto Furtado e bem assim a que foi seguida no Acórdão recorrido, não tem aplicação neste contrato a renovação por três anos, porquanto se trata da segunda renovação contratual, sendo que as partes estipularam expressamente a renovação anual.

Conforme acentua o Acórdão recorrido, este contrato de arrendamento “escapou” à disciplina imperativa resultante do artigo 1097.º, n.º 3, do Código Civil, porquanto a primeira renovação que se verificou teve lugar ainda na anterior versão da Lei e não quando a Lei n.º 13/2019 já se encontrava em vigor.

Como é sabido a Lei n.º 13/2019 visou estabelecer um conjunto de medidas com a finalidade de corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, privilegiando a posição dos primeiros, através do reforço da segurança e a estabilidade do arrendamento urbano. Todavia, não podemos esquecer que o presente contrato foi celebrado em data anterior à entrada em vigor deste diploma legal pelo que, apesar de a nova lei lhe ser aplicável, impõe-se a interpretação conjunta destes dois normativos, o artigo 1096.º e o artigo 1097.º, n.º 3, do Código Civil. In casu, uma vez que a primeira renovação contratual já teve lugar antes da entrada em vigor da Lei n.º 13/2019, a única interpretação conforme e permitida será aquela que o Acórdão recorrido efetuou.


Desta forma, uma vez que se mostra válida a oposição à renovação operado pelo Autor, o contrato de arrendamento cessou em 31/01/2020, sendo obrigação da Ré a sua entrega até esta data. Mas na verdade, a Ré apenas entregou o locado ao Autor em 1/02/2022, conforme referido no Acórdão recorrido, pelo que deverá a Ré ser condenada no pagamento da renda em dobro, nos termos do artigo 1045.º, n.º 2, do Código Civil, pelo atraso na entrega do locado (cf. os Acórdãos do STJ, de 29/09/2020 (Revista n.º 9158/15.3T8VNG.P1. S1), e de 4/05/2010 (Revista n.º 5002/05.8TBCSC.L1.S1).


Deste modo, o recurso tem de improceder.


IV. Decisão

Posto o que precede, acorda-se em negar a revista, e, consequentemente, em manter o Acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 17 de janeiro de 2023


Pedro de Lima Gonçalves (Relator)   

Maria João Vaz Tomé          

António Magalhães