Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02A3338
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERNANDES MAGALHÃES
Nº do Documento: SJ200211260033386
Data do Acordão: 11/26/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 352/02
Data: 04/08/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

"A" , B e marido C, e D e mulher E instauraram contra F e mulher G execução ordinária para entrega de coisa certa, com base em transacção obtida em acção de demarcação e homologada por sentença transitada em julgado.

Embargaram os executados e contestaram os exequentes pedindo a procedência dos embargos tendo-se acabado por elaborar um despacho saneador a julgar improcedente a invocação da ineptidão da petição inicial, e a incerteza ou iliquidez da obrigação exequenda, e procedeu-se à enumeração dos factos assentes e da base instrutória.

Dessa decisão recorreram embargantes e embargados para o Tribunal da Relação, mas sem êxito.

Recorrem agora uns e outros para este Supremo Tribunal.

Corridos os vistos, cumpre decidir.
I - Recurso de F e mulher

Foram formuladas pelos recorrentes as seguintes conclusões:
1ª O título executivo que serve de base à presente execução não determina nem o fim nem os limites da acção executiva, pelo que o douto despacho impugnado violou o disposto no nº 1 do artigo 45° e o disposto na alínea a) do artº 46° do CPC.
2ª Os exequentes não delimitaram com rigor e precisão qual a área da faixa de terreno (largura e comprimento) que alegam terem-se os ora recorrentes apropriado.
3ª Consequentemente, deverá considerar-se que na petição da acção executiva faltam a causa de pedir e o pedido ou, quando assim se não entenda, devem aqueles considerar-se ininteligíveis, razão por que a petição da execução deve ser liminarmente indeferida.
4ª Inexiste no título executivo a obrigação de os recorrentes procederem à entrega de coisa certa, sendo certo que esse é o desiderato que os exequentes procuram atingir ao terem instaurado a presente execução.
5ª Ao assim não decidir o douto acórdão violou o disposto no artº 811°-A, nº 1, als. a), b) e c) e o artº 193°, nº 2, al. a) do CPC.
6ª Mostra-se incerta e ilíquida a pretensa obrigação exequenda, pelo que o douto acórdão impugnado violou o disposto no artigo 811°, nº1, al. c) e al. e) do artigo 813° do CPC.
7ª Deve, assim, julgar-se procedente o presente recurso de revista e, revogando-se o douto acórdão impugnado, serem os embargos julgados procedentes, com as legais consequências.

Ora por decisão do STJ, proferida em apenso dos presentes autos em 15-02-2001, foi já decidido, com trânsito em julgado, que constitui título executivo a transacção devidamente homologada com que as partes puseram termo à acção de demarcação.

Sustentam agora os recorrentes, de acordo com as conclusões das alegações, que na petição da acção executiva faltam a causa de pedir e o pedido ou, quando assim se não entenda, são ininteligíveis, a entrega de coisa certa é inexigível e a obrigação exequenda é incerta e ilíquida.

No rigor dos princípios serão estas as questões a decidir, embora na realidade o problema resida fundamentalmente na opção por uma execução para entrega de coisa certa, que não será a mais adequada à concretização no terreno da transacção e que serve de pretexto aos recorrentes para suscitarem aquelas questões.

Mais adiante voltar-se-á a esta observação.

Para quem considere que na acção executiva a causa de pedir coincide com o título executivo (acórdãos do STJ de 06-12-2001, processo nº 3586/01, e de 18-11-1997, processo nº 676/96, ambos da 2ª secção), assente a existência deste pela referida decisão transitada, necessariamente existe causa de pedir.

A dúvida só terá cabimento para quem perfilhe entendimento diverso e largamente maioritário no STJ, ou seja, que a causa de pedir não se confunde com o título executivo, antes consiste no concreto facto de que emerge o pedido, a obrigação exequenda, que o título incorpora e demonstra (acórdãos do STJ de 15-05-2001, processo nº 1113/01, de 04-04-2000, processo nº 91/00, de 05-12-2000, processo nº 2634/00, e de 01-07-1997, processo nº 141/97, todos da 1ª secção) ou na "factualidade essencial reflectida em formal título executivo", conforme acórdão da mesma secção de 27-01-1998, processo nº 857/97.

Mas mesmo nesta perspectiva, perante os factos concretos alegados não parece haver fundamento sério para questionar a sua existência em face do conteúdo da transacção e da sentença que a homologa.

Coloca-se em seguida a questão da alegada ininteligibilidade do pedido e da causa de pedir .

Esta questão não pode deixar de ser vista em função do título dado à execução, pois é em função do título executivo que os fundamentos que constituem a causa de pedir da acção executiva, e posteriormente o pedido, têm de ser apresentados e desenvolvidos.

No caso dos presentes autos o título executivo é constituído por uma transacção judicial e respectiva sentença homologatória.

O conteúdo da transacção reflecte um acordo típico em acções de demarcação, susceptível de permitir às próprias partes dividir os seus terrenos, o que inclusivamente terá sucedido mas por pouco tempo.

Naturalmente os termos desse acordo satisfaziam as partes, eram em si inteligíveis para ambas, tanto para efeito de concretização extra judicial como judicial, designadamente por meio da intervenção de peritos capazes de transporem para o terreno os termos da divisão tal como ficou idealizada e redigida. E ninguém duvida de que aquilo que pretendem os exequentes é a sua efectivação.

Sendo tal acordo em si inteligível (ambas as partes sabiam o que pretendiam) e limitando-se os exequentes na petição executiva a apresentar o título e a relatar os termos do diferendo entretanto surgido - não obstante todo um prévio historial que seria, porventura, desnecessário - não fará grande sentido falar em ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir .
Mas quando, na conclusão 4a, os recorrentes afirmam inexistir no título executivo a obrigação de os recorrentes procederem à entrega de coisa certa, do meu ponto de vista colocam finalmente o dedo na ferida. Porém, o problema não estará na inexistência da obrigação ou na inexigibilidade de entrega de coisa certa, o que implica voltar à questão da opção por uma execução com essa finalidade, a que se aludiu no início desta trabalho.

Da homologação da transacção decorre inequivocamente o direito dos ora exequentes a verem concretizado no próprio terreno, judicial ou extrajudicialmente, o que ficou acordado por escrito. É o que se reconhece no referenciado acórdão de 15-02-2001, onde expressamente se reconhece que a sentença homologatória de uma transacção em acção de demarcação constitui título executivo.

A tal direito tem que corresponder um meio processual capaz de o concretizar, atento o disposto no artº 2°, nºs 1 e 2 do CPC: enquanto o nº 1 não se limita à apreciação da pretensão deduzida em juízo, garantindo também a possibilidade de a fazer executar, o nº 2 determina que em regra a todo o direito corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo e a realizá-lo coercivamente - ou seja, por via duma acção executiva. E, acrescenta, "bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção".
A dificuldade surge na medida em que não é possível utilizar directamente a fase de índole executiva do antigo processo especial de demarcação (artº 1058° do CPC, na versão anterior à reforma de 1995/96) e a tipologia de acções executivas é limitada, tendo os exequentes de optar em cada caso por aquela que seja a mais adequada à concretização coerciva do seu direito.

Perante a especificidade de tal acção de demarcação e dos termos do acordo homologado que constitui o título executivo em causa, há que optar por uma das modalidades disponíveis por forma a permitir ao tribunal actuar, na medida do possível, de forma análoga à da referida fase de índole executiva do suprimido processo especial.

Assim, a tramitação mais adequada seria a da execução para prestação de facto e não a da execução para entrega de coisa certa.

Não se vê como poderão os exequentes alcançar os seus objectivos com a subsequente tramitação. Só a primeira permitirá, com mais ou menos adaptações, a materialização no terreno por marcos e com referência à linha traçada a azul no croquis referido na transacção, tal como dela consta, a efectuar por peritos se os executados não o fizessem voluntariamente no prazo legal.

Conclui-se, portanto, que estamos perante um caso de erro na forma de processo, de que o tribunal pode conhecer oficiosamente - artºs 199º e 202º do CPC.

II- Recurso de A e outros

Concluem estes recorrentes nas suas alegações, em suma, que no acórdão recorrido se não cumpriu o ordenado por este Supremo Tribunal de Justiça, devendo, por isso, ser revogado e substituído por outro que julgue não provados os embargos de executado.

Ora em face do que se explanou no recurso anterior fique prejudicado o conhecimento do objecto deste.

Decisão:
1- Quanto ao recurso de F e mulher julga-se que há erro na forma de processo de que este tribunal pode conhecer oficiosamente (artºs 199 e 202 CPC) e anula-se todo o processado.
2- Quanto ao recurso de A e outros julga-se prejudicado o seu conhecimento pela decisão anterior.
3- Custas de ambos os recursos por A e outros.


Lisboa, 26 de Novembro de 2002
Fernandes Magalhães
Silva Paixão
Armando Lourenço