Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2146/20.0T8VCT.G1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA LOBO
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS FUTUROS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
CRITÉRIOS
EQUIDADE
LIQUIDAÇÃO ULTERIOR DOS DANOS
Data do Acordão: 02/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Sumário :
I – Mostra-se ajustado o valor de 30 000,00€ para indemnizar o dano patrimonial futuro do lesado nascido em 1988, com um rendimento laboral médio mensal de 1015,26€, que ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 8 pontos cujas sequelas implicam esforços suplementares que não o impedem de exercer toda e qualquer profissão.

II. A consideração dos danos futuros como imediatamente ressarcíveis, art.º 564.º, n.º 2 do Código Civil, ainda que liquidáveis em momento posterior, implica que estes não se apresentem como uma mera eventualidade de um prejuízo futuro, mas se mostrarem acompanhados de um elevado grau de probabilidade de que efectivamente virão a ocorrer no futuro.

Decisão Texto Integral:

Recorrente: Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S.A, ré.

AA, autor (recurso subordinado)

Recorrido: AA , autor

Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S.A, ré (recurso subordinado)


*

I – Relatório

I.1 – Questões a decidir

Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S.A, ré no processo por ter incorporado por fusão a sociedade Ocidental - Companhia Portuguesa de Seguros, S.A.., contra quem foi interposta a acção, conforme decisão proferida nos autos em 21 de Março de 2022 – ref.ª Citius [48 385 107] , veio interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão proferido, em 10 de Julho de 2023, pelo Tribunal da Relação de Guimarães que julgou parcialmente procedente a acção, condenando a ré no pagamento ao autor:

A) Da quantia de 85000€ (oitenta e cinco mil euros), sendo:

- 30000,00€ (trinta mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, contados desde a prolação da sentença e até efectivo e integral pagamento;

- 55000,00€ (cinquenta e cinco mil euros) a título de défice funcional permanente da integridade física e psíquica, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, a contar desde a prolação desta decisão e até efectivo e integral pagamento;

B) Da quantia 14135,97€ (catorze mil, cento e trinta e cinco euros e noventa e sete cêntimos) a título de danos patrimoniais, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação até efectivo e integral pagamento;

C) Da quantia que vier a ser liquidada para indemnizar o Autor pelas despesas com os tratamentos previstos supra em 136), dos factos provados, absolvendo-a do restante pedido.

A ré apresentou as correspondentes alegações, que terminam com as seguintes conclusões:

1. O Tribunal da Relação de Guimarães julgou parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelo A. e condenou a R. no pagamento das seguintes quantias, acrescidas de juros: € 30.000,00 a título de danos não patrimoniais; € 55.000 a título de défice funcional permanente da integridade físico psíquica; € 14.135,97 a título de danos patrimoniais (diferenças salariais); a quantia que vier a ser liquidada para indemnizar o Autor pelas despesas com tratamentos previstas na alínea 136) dos factos provados.

2. Porém, a R. não se conforma com os montantes indemnizatórios arbitrados no Acórdão em crise e pugna pela sua revogação, no que toca aos danos patrimoniais já liquidados e danos cuja liquidação foi remetida para liquidação posterior.

3. Relativamente à indemnização pelo défice funcional permanente sofrido pelo A., a consideração de mais € 300 de rendimentos mensais (não declarados e não tributados) nunca permitiria chegar a uma indemnização de € 55.000,00 como a que foi fixada pelo Tribunal da Relação.

4. As sequelas de que o A. padece não o impedem de exercer toda e qualquer profissão, nem a sua própria profissão principal, nem os “biscates”.

5. Em face da matéria de facto que vem dada como provada, não se poderá sustentar que as sequelas de que o A. padece em consequência do presente sinistro venham a acarretar no futuro, uma perda efetiva de rendimentos que justifique – tout court – a atribuição de uma indemnização por danos patrimoniais futuros nos termos em que foi fixada.

6. É certo que, discutida a questão dos autos, resultou demonstrado que em consequência do acidente o A. padece de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 8 pontos e que as sequelas de que é portador implicam esforços suplementares.

7. Não resultou demonstrado nos autos que o sobredito défice funcional permanente vá acarretar uma efetiva perda de rendimentos do seu trabalho na mesma medida daquele défice, ou noutra.

8. Não estando demonstrado o efetivo rebate nos rendimentos do seu trabalho, não assiste ao A. o direito a ser indemnizado nessa vertente, não havendo fundamento para que se recorra a tabelas financeiras, ou outros métodos de cálculo semelhantes, que aludem essencialmente aos sobreditos parâmetros indemnizatórios.

9. Ao A. assiste sim o direito a ser ressarcido pela incapacidade de que padece, traduzida na diminuição da sua condição física, o chamado “dano biológico”.

10. Em face do enquadramento factual resultante da douta decisão sob censura, não é previsível qual o dano patrimonial futuro decorrente do défice permanente de integridade físico-psíquico (art. 564º n.º 2 do Cod.Civil), pelo que o dano biológico do A. deve ser compensado, apenas, enquanto dano não patrimonial.

11. Ou, no limite, ter em conta na fixação do montante indemnizatório o défice de 8 pontos, assumindo especial relevo os critérios de equidade.

12. Na ponderação do quantum da indemnização, o julgador não pode deixar de ter em consideração alguns elementos, como seja, por exemplo, as tabelas financeiras de cálculo de danos patrimoniais que se repercutam no futuro, que podem servir como critério coadjuvante, permitindo aferir o máximo da indemnização que seria devida para o caso de se verificar uma efetiva perda de rendimentos.

13. Também a comparação dos valores atribuídos noutras decisões judiciais em casos análogos, poderá contribuir para uma justa quantificação da indemnização.

14. Bem como os critérios estabelecidos na legislação respeitante à quantificação das indemnizações devidas pelas Seguradoras na fase extrajudicial em resultado de um acidente de viação.

15. De facto, tais critérios, fixados nas aludidas portarias e aplicáveis por força do DL 291/2007, decorre um efeito de grande utilidade para o julgador, que é, precisamente o de densificar e esclarecer os critérios da equidade na determinação da indemnização.

16. Tais critérios devem, pois, ser tidos como justos e conducentes à fixação da indemnização em valores equitativos face à lesão que pretendem reparar.

17. Sendo, de resto, tais critérios resultado direto não só de estudos sobre sinistralidade e da experiência das seguradoras e Fundo de Garantia Automóvel no domínio da regularização de sinistros (cfr. preâmbulo da portaria 377/2008), como também coincidentes com o sentido maioritário da jurisprudência dos nossos tribunais superiores.

18. Aliás, como se decidiu no douto Acórdão da Relação de Évora de 10/04/2012, “Os valores constantes da Portaria nº 377/2008, que cuida da apresentação de propostas de indemnização pelas seguradoras, não são de aplicação judicial obrigatória. Não devem, no entanto, os tribunais menosprezar as virtualidades de um diploma que se pretende uniformizador, o que apenas se prossegue se judicialmente se lhe atender como quadro de critérios ou valores de referência”.

19. Esse foi, também, o sentido do Acórdão do STJ de 14/09/2010, onde se lê que “O que veio a ter concretização na Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, a qual veio fixar «os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal» (art.º 1.º, n.º 1).

Esse diploma veio, no seu anexo IV, estabelecer tabelas «de compensação devida pela violação do direito à integridade física e psíquica – dano biológico», tabelas de cálculo essas que se destinam mais às fases pré ou extrajudiciais e às relações internas entre as vítimas e as empresas seguradoras (fases de negociação) – em ordem a prevenir e limitar o mais possível a pura discricionariedade em tal domínio e ao objetivo declarado de prevenção dos litígios, por isso mesmo não vinculativa em processos judiciais.

O que não significa que, sem abdicarem do seu poder soberano e da sua liberdade de julgamento, não possam os tribunais servir-se de tais tabelas insertas, como critério orientador e aferidor preferencial, face ao seu grau de racionalidade, razoabilidade e atualização”.

20. De acordo com os critérios estabelecidos na portaria 679/2009, a compensação do dano biológico do A. acrescido dos parâmetros previstos para os esforços acrescidos deve situar-se em quantia inferior a € 12.000,00.

21. Quanto às tabelas financeiras, a fazer-se uso das mesmas, haveria que entrar em linha de conta com os seguintes fatores que vêm dados como demonstrados: a idade da A. à data da alta: 29 anos; o valor do seu rendimento anual de € 13.613,64 (€ 715,26 x 14 / € 300,00 x 12); o défice funcional permanente: 8 pontos.

22. Por outro lado, uma vez que o recebimento imediato da indemnização corresponde a uma vantagem, a verba obtida com recurso a essas tabelas financeiras deve ser resultado de uma capitalização, a uma taxa não inferior à de 4%.

23. Na verdade, se fosse atribuída ao lesado uma indemnização cifrada na mera multiplicação da “perda salarial anual” pelo número de anos de vida ativa restantes, aquele, através do investimento desse capital em aplicações financeiras ou de outra natureza, facilmente o duplicaria.

24. A taxa acima proposta é justa e adequada em face da atual conjuntura económica.

25. Por fim, não se pode deixar de ter em conta que nunca seria de esperar que o A. continuasse a desenvolver a sua atividade para além dos seus 70 anos de idade.

26. Assim, numa perspetiva de ressarcimento de uma efetiva perda de rendimentos, considerando uma retribuição anual de € 13.613,64, uma esperança de vida ativa de 41 anos, a taxa de crescimento salarial, uma incapacidade de 8 pontos e uma taxa de capitalização de 2%, chegaríamos a verba inferior a € 25.000,00.

27. Como tal, não pode a R. aceitar o cômputo da indemnização atinente ao dano biológico do A. em € 55.000,00.

28. Consultando a jurisprudência, encontram-se, entre outras, as seguintes decisões que revelam bem o exagero da indemnização fixada ao A. a este título:

• O Acórdão do S.T.J. de 20/11/2014, proferido no âmbito do Procº nº 5572/05.0TVLSB.L1.S1, onde se atribuiu a uma sinistrada com 24 anos de idade uma indemnização de 7.000,00€, pela IPG de 10 pontos de que a mesma ficou a padecer;

• O Acórdão do T.R.P. de 05/05/2014 com o Procº nº 779/11.4 TBPNF.P1 atribuiu uma indemnização de €12.500,00 a um lesado de 19 anos, com uma IPG de 7 pontos;

• O Acórdão da Relação de Lisboa 11/11/2014, proferido no Procº nº 2987/11.9TBPDL.L- 71, que, numa situação com sequelas muito mais graves, atribuiu a um lesado com 19 anos, portador de uma incapacidade permanente de 25 pontos, sem repercussão patrimonial, a indemnização de 25.000,00€ pelo dano biológico;

• O Acórdão STJ 28/01/2016, proferido no processo 7793/09.8T2SNT.L1.S1, que arbitrou a um lesado com 17 anos de idade e que ficou a padecer de uma incapacidade permanente geral de 23%, impeditiva do exercício da sua atividade habitual, uma indemnização a este título de 50.000,00€.

• O Acórdão do STJ de 21/01/2016, proferido no processo 1021/11.3TBABT.E1.S1, no qual foi fixada na verba de 32.500,00€ a indemnização pelo dano biológico de um jovem de 27 anos que ficou portador de sequelas que lhe conferiram uma IPG de 16 pontos, envolvendo claudicação da marcha e rigidez da anca direita, com limitações da marcha, corrida e todas as atividades físicas que envolvam os membros inferiores e determinando alteração relevante no padrão de vida pessoal.

29. Perante os montantes fixados nos casos acima citados, bem como analisando a jurisprudência citada no Acórdão recorrido, parece não existir dúvida de que o valor de € 55.000,00 arbitrado ao A. se afigura manifestamente excessivo e injustificado.

30. Tendo em conta os critérios supra enunciados, de cálculo matemático, de equidade e de proporcionalidade, justifica-se a redução da indemnização pelo dano patrimonial futuro em valor nunca superior a € 25.000,00, tal como foi fixada na 1ª Instância.

31. Quanto às perdas salariais, não olvidando a alteração à matéria de facto (147-A)), sempre haveria que considerar que os € 300,00 que o A. Auferia mensalmente são líquidos das despesas da atividade, mas não líquidos de impostos e contribuições para a Segurança Social.

32. Considerar-se estas perdas salariais é permitir ao A. contornar o incumprimento da lei, pelo que a indemnização considerada pela Iª Instância é a justa e equitativa, face ao enquadramento factual.

33. Finalmente, quanto à indemnização a liquidar em execução de sentença, não resultou da prova que o A. vai necessitar de se submeter a uma ou mais intervenções cirúrgicas às regiões do seu corpo atingidas, nomeadamente aos ossos do seu ombro direito; nem que para o efeito, vai necessitar de recorrer a múltiplas consultas médicas, das especialidades de neurologia, ortopedia, medicina, de cirurgia e de fisiatria, além de outras;nem que vai necessitar de efetuar exames de diagnóstico, tais como R.X., ECO, TAC e RMG, além de outros; nem que vai ter necessidade de adquirir e de tomar medicamentos vários, nomeadamente analgésicos, anti-inflamatórios e antibióticos, ao longo de toda a sua vida.

34. Considerou a 1ª Instância que “Resultou provado que, relativamente a ajudas técnicas permanentes, tratamentos médicos regulares, o A. Pode beneficiar de realizar tratamentos de fisioterapia nas crises álgicas. Esta factualidade não reveste o grau de certeza necessário para que possamos relegar a quantificação de um dano para momento posterior. Não se pode relegar a demonstração do dano futuro meramente hipotético para liquidação em execução de sentença.”.

35. Ora, o Tribunal deve condenar no que se liquidar em execução de sentença sempre que se encontrem reunidas duas condições: (i) que o réu tenha efectivamente causado danos ao autor; e (ii) que o montante desses danos não esteja determinado na acção declarativa por não terem sido concretamente apurados (art. 609.º do CPC).

36. O requisito essencial para que o Tribunal possa remeter para liquidação em execução de sentença é que se prove a existência de danos, ainda que se desconheça o seu valor, i.e., ainda que não seja possível quantificar o seu montante.

37. Não tendo o A. logrado provar os danos que alegou, não é possível relegar para execução o apuramento, a determinação e a prova dos próprios danos.

38. Muito bem esteve a 1ª Instância ao considerar que se está perante um dano futuro meramente hipotético, que não reveste o grau de certeza necessário para relegar a sua quantificação para momento posterior.

39. Só pode ser relegada para liquidação em execução de sentença a fixação da indemnização quando na acção declarativa se provou a existência de danos mas haver possibilidade de logo fixar o seu quantitativo.

40. Não se tendo provado a efetiva existência de danos, impunha-se a improcedência do respectivo pedido indemnizatório.

41. Ao decidir como decidiu, o Tribunal “a quo” violou o disposto nos arts. 342º, 349º, 496º, 562º, 563º, 564º, 566º, 805º nº 3 e 806º nº 1, do Código Civil, 564º e 609º do CPC.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso nos estritos termos supra requeridos.

O autor apresentou contra-alegações onde requer a integral confirmação do acórdão recorrido que terminam com as seguintes conclusões:

I — DAS CONTRA-ALEGAÇOES:

1. Resulta dos pontos 118), 119), 121), 122), 131), 112), 133), 137), 139), 140), 141), 142) e 143) dos Factos provados da sentença recorrida que o Autor/Recorrido ficou a padecer de várias sequelas que, não obstante serem compatíveis com a actividade de condutor-manobrador de máquinas de terraplanagem, implicam esforços suplementares.

2. Do relatório de exame medico elaborado pelo Gabinete Medico-Legal (pag. 10) resulta que foi atribuído ao Autor/Recorrido um défice funcional permamente de integridade físico-psiquica de 8 pontos devido às limitações funcionais do ombro direito (lado dominante) e que essas sequelas, sendo compatíveis com a actividade profissional habitual de manobrador de máquinas de terraplanagem, implicam esforços suplementares (pag. 11).

No que à actividade actual de motorista de pesados díz respeito, resulta desse exame que o Autor/Recorrido sente dificuldade em manipular cargas no camião.

3. O défice funcional permanente de 8 pontos de que o Autor/Recorrido ficou afectado representa uma perda de capacidade de ganho de igual proporção, atentos os esforços acrescidos que o mesmo tem de fazer, com a consequente lentificação da sua prestação profissional e afectação do seu rendimento laboral daí decorrente.

4. Esse dano deverá ser indemnizado nas suas vertentes patrimonial e não patrimonial.

5. Para a fixação da indemnização pelo dano futuro sofrido pelo Autor/Recorrido, era necessário ter em conta os seguintes factos:

a. o Autor ficou a padecer de um défice funcional permanente para a integridade físico- psíquica de 8 pontos (ponto 132) dos Factos provados);

b. as sequelas por si sofridas, sendo compatíveis com a actividade habitual, implicam esforços suplementares (ponto I 33) dos Factos provados);

c. A consolidação médico-legal das lesões ocorreu cm 24 de Novembro de 2017 (ponto 127) dos Factos provados)

d. O Autor auferia como trabalhador por conta da sociedade "C...., Lda" uma remuneração mensal de CT, 715,26 (pontos 137) e 138) dos Factos provados);

e. O Autor exercia por conta própria, de forma onerosa, trabalhos agrícolas, compra e abate de árvores e venda de madeira a terceiros (pontos 140), 141), 142) e 143) dos Factos provados);

f. Como remuneração das actividades por si desenvolvidas por conta própria, o Recorrente auferia quantia média mensal líquida de pelo menos, € 300,00 (ponto 143-A) dos Factos provados - facto aditado pelo tribunal a quo na sequência do recurso de apelação).

g. O Recorrente contava 27 anos de idade, tendo nascido em 29 de Outubro de 1998 (ponto 123) dos Factos provados).

6. Perante a factualidade referida na precedente conclusão, o rendimento a levar em linha de conta para efeitos de calculo da indemnização do dano futuro deveria ser constituído por todas as quantias auferidas mensalmente pelo Recorrente como trabalhador por conta de outrem e como trabalhador por conta própria, num valor global de (€ 715,26 + € 300,00) € 1.015,26 (mil quinze euros e vinte e seis cêntimos).

7. Assim sendo, atento esse salário, o défice funcional permanente para a integridade físico psíquica de que o Recorrente ficou a padecer (8 pontos), a idade do mesmo (27 anos) e a esperança media de vida (77 anos), era justa e equitativa para ressarcir o dano futuro sofrido pelo Recorrente uma quantia não inferior a C 55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros).

8. Nessa medida decidiu bem o tribunal a quo ao arbitrar essa quantia indemnizatória, fazendo uma correcta aplicação do direito, nomeadamente dos art°. 5629, art9. 5639, art°. 5649, n° 1 e 2 e art°. 566g, n° 1, 2 e 3 do Cod. Civil, devendo ser negado provimento ao recurso de revista nessa parte.

9. De acordo com os pontos 139)340), 141), 142), 143) e 143-A) dos Factos provados, o Recorrido exercia por conta própria, nas horas vagas, trabalhos como tractorista, trabalhos agrícolas e de compra e abate de madeira, dos quais retirava um rendimento líquido mensal de € 300,00 (trezentos euros).

10. Por outro lado, de acordo com os pontos 144), 145) e I47-A) dos Factos provados, no período de 671 dias em que esteve com incapacidade temporária absoluta para o trabalho, o Recorrido deixou de auferir daquelas actividades que exercia por conta própria, a quantia de € 6.710,00 (seis mil setecentos e dez euros).

11. Nos termos dos artigos 562º e 566° do Código Civil quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, sendo que a indemnização deverá ter como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos.

12. Ao ter dado como provado que, como consequência directa e necessária do acidente, o Autor/Recorrido sofreu um prejuízo de € 6.710,00 (seis mil setecentos e dez euros), não poderia esse dano deixar de ser indemnizado.

13. Bem decidiu, pois, o tribunal a quo ao condenar a Recorrente a pagar ao Recorrido a quantia de € 6.710,00 (seis mil setecentos e dez euros) a título de lucros cessantes decorrentes da actividade por este desenvolvida por conta própria, não merecendo essa decisão qualquer censura.

14. Resulta das "CONCLUSÕES" do EXAME PERICIAL efectuado ao Recorrido que este necessitará, como tratamentos médicos regulares de fisioterapia nas crises álgicas (cfr. pag. 12 do relatório de exame medico do GML - item "Ajudas técnicas permanentes"). Essa necessidade está devidamente explicada no item "DISCUSSÃO" do relatório do exame pericial (pag. 11 do referido relatório), onde se esclarece que tal será um paliativo nas crises álgicas.

15. Trata-se, assim, de uma necessidade certa.

16. O que não é certa é a periodicidade das sessões de fisioterapia, as quais estarão dependentes das crises álgicas que o Recorrido possa vir a ter.

17. Tratando-se de danos futuros cuja dimensão não é possível quantificar na presente data, o tribunal deveria, como fez, remeter a quantificação dos mesmos para execução de sentença - art°.s 358°, n°1 e 2 e art°. 609° e ss do Código de Processo Civil - condenando a Recorrente em conformidade.

18. Bem decidiu, pois, o tribunal a quo ao condenar a Recorrente a pagar ao Recorrido a quantia que vier a liquidar-se em execução de sentença respeitante aos tratamentos de fisioterapia que este se veja na necessidade de suportar em períodos de crises álgicas, não merecendo tal decisão qualquer censura.

19. A decisão recorrida não merece a censura que lhe é desferia nas doutas alegações de recurso apresentado pela Ré, devendo este ser julgado não provado e totalmente improcedente.

II - DO RECURSO SUBORDINADO:

20. A indemnização arbitrada pelo tribunal a quo para ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor é manifestamente insuficiente.

21. Efectivamente, resulta dos factos provados que:

a. O Autor sofreu um enorme susto - ponto 120) dos Factos provados.

b. Em consequência do sinistro, o Autor sofreu lesões graves ao nível, designadamente fractura dos ossos do ombro direito e lesões ao nível da anca e dos dois joelhos, assim como queimaduras e escoriações - pontos 96) e 97) dos Factos provados.

c. Por força das mesmas, o Autor teve que ser transportado para o serviço de urgência no Hospital de ... de ..., onde recebeu fez exames e tratamentos — pontos 92), 93), 94), 95), 96), 97), 98), 99) e 100) dos Factos provados.

d. Posteriormente o Autor continuou a necessitar de efectuar consultas, exames, tratamentos, fisioterapia e tomar medicação durante mais de um (1) ano — pontos 1041, 105), 106), 1081109), 110), 111), 112), 113), 114), 115), 116) dos Factos provados.

e. O Autor só teve alta clínica em 28 de Dezembro de 2017, apenas tendo conseguido retomar o trabalho em 4 de Fevereiro de 2018 — pontos 117) e 118) dos Factos provados.

f. O Autor sofreu dores intensas, com um quantum doloris de grau 4 (em 7) — pontos 103), 121), 122) e 1311dos Factos provados.

g. O Autor ficou a padecer de sequelas de enorme gravidade, as quais implicam para o mesmo um défice funcional para a integridade físico-psíquica de 8 pontos, com repercussão permanente na sua actividade profissional, implicando esforços suplementares - pontos 121), 122), 132) e 133) dos Factos provados.

h. O Autor esteve 661 dias sem poder trabalhar — ponto 130), 144) e 145) dos Factos provados.

i. E ficou a padecer de um dano estético de grau 1 (em 7) e de uma repercussão nas actividades desportivas e de lazer de grau 1 (em 7) — pontos 134) e 135) dos Factos provados.

j. Antes do acidente o Autor era um jovem saudável, ágil, forte e robusto, não padecendo de qualquer enfermidade física ou funcional ou limitação corporal — pontos 12+) e 125) dos factos provados.

k. As limitações de que ficou a padecer causam-lhe desgosto — ponto 126) dos Factos provados.

22. Os factos descritos na precedente conclusão traduzem-se em danos não patrimoniais que, pela sua gravidade e extensão, merecem a tutela do direito — art°. 496° do Código Civil -, não devendo a indemnização dos mesmos computar-se em quantia inferior a €40.000,00 (quarenta mil euros).

23. Ao decidir de forma diversa, o tribunal a quo fez errada interpretação e aplicação do art°. 496°, n°1 e 4 do Código Civil.

24. Pelo que deve a sentença recorrida ser revogada nesta parte, devendo ser proferido douto acórdão que condena a Ré a pagar ao A. uma indemnização pelos danos não patrimoniais por si sofridos em consequência do sinistro de montante não inferior a 40.000,00 (quarenta mil euros).

Termos em que deve ser negado provimento ao recurso interposto pela Ré "AGEAS PORTUGAL COMPANHIA DE SEGUROS, SA", devendo, pelo contrário, ser dado provimento ao recurso subordinado interposto pelo ora contra-alegante e alterando- se a decisão recorrida em conformidade com as conclusões aí formuladas.


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I.2 – Questão prévia

Admissibilidade do recurso

Nos termos conjugados do disposto nos art.º 671.º, n.º1 do Código de Processo Civil o recurso é admissível.


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I.3 – O objecto do recurso

Tendo em consideração o teor das conclusões das alegações de recurso e o conteúdo da decisão recorrida, cumpre apreciar as seguintes questões:

1. Indemnização por défice funcional permanente.

2. Indemnização por danos patrimoniais futuros a liquidar em execução de sentença.

3. Indemnização por danos não patrimoniais.


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I.4 - Os factos

As instâncias consideraram provados os seguintes factos, organizados por critério temporal:

1. No dia ... de ... de 2016, pelas 11h00m, ocorreu um acidente de trânsito, na Estrada Nacional nº 202, ao quilómetro número 6,700, na freguesia de ..., concelho de ....

2. Nesse acidente, foram intervenientes os seguintes veículos automóveis:

- o motociclo de matrícula ..-NR-..;

- o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-IM-...

3. O motociclo de matrícula ..-NR-.. era propriedade do Autor, AA.

4. E, na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, era por ele conduzido.

5. O veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-IM-.. era propriedade de BB residente na Avenida da..., nº 225, ... ..., ....

6. E, na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, era por ele conduzido.

7. A Estrada Nacional nº 202, no local do sinistro, configura um traçado rectilíneo.

8. Com uma extensão superior a trezentos metros.

9. A sua faixa de rodagem tinha uma largura de 6,20 metros.

10. O seu piso era pavimentado a asfalto.

11. O tempo estava bom e seco.

12. E o pavimento asfáltico da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº 202 encontrava-se limpo, seco e em bom estado de conservação.

13. Sobre o eixo divisório da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº 202, existia, ao longo de todo o referido sector de recta – superior a trezentos metros, uma linha descontínua – Marca M2.

14. Pelas suas duas margens, a faixa de rodagem da Estrada Nacional nº 202 apresentava bermas.

15. Também pavimentadas a asfalto.

16. Com uma largura:

a. de 9 metros, a situada do lado esquerdo, tendo em conta o sentido Poente-Nascente, ou seja, V....-P...;

b. de 1 metro, a situada do lado direito, tendo em conta o sentido Poente-Nascente, ou seja, V....-P....

17. Essas duas referidas bermas asfálticas encontravam-se separadas, em relação à faixa de rodagem da Estrada Nacional nº 202, através de linhas delimitadoras contínuas – Marcas M19.

18. A faixa de rodagem – asfáltica - da Estrada Nacional nº 202 encontrava-se dividida em duas hemi-faixas de rodagem distintas.

19. Através de uma linha descontínua – Marca M2.

20. Com uma largura de 3,10 metros, cada uma.

21. Pelo lado esquerdo da berma asfáltica, situada do lado esquerdo da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº 202, tendo em conta o sentido Poente- Nascente, ou seja, V....-P..., existia, ainda, uma segunda berma, tipo rego ou valeta, com o seu leito em terra, sobre a qual cresciam ervas, com uma largura de 9 m e com uma profundidade de 0,30 m.

22. A ladear esta berma térrea, tipo rego ou valeta, existia ainda, pela sua margem esquerda, tendo em conta o sentido Poente-Nascente, um muro, construído em blocos de granito, de vedação da propriedade correspondente ao número de polícia “967”, ali existente.

23. A hemi-faixa de rodagem da Estrada Nacional nº 202, situada do lado Sul – resultante da supra-referida divisão, é destinada à fluência do trânsito automóvel que desenvolve a sua marcha no sentido Poente-Nascente.

24. A hemi-faixa de rodagem da Estrada Nacional nº 202, situada do lado Norte – resultante da supra-referida divisão, é destinada à fluência do trânsito automóvel que desenvolve a sua marcha no sentido Nascente-Poente.

25. A visibilidade, no local da deflagração do sinistro, ao longo da Estrada Nacional nº 202, era muito boa.

26. Na altura da ocorrência do acidente de trânsito, era dia alto, eram 11h00m, do dia ... de ... de 2016, com claridade natural, proveniente da luz do sol.

27. O motociclo de matrícula ..-NR-.. – propriedade do Autor seguia com todos os seus faróis, frontal e traseiros, acesos.

28. Sendo que o farol frontal seguia comutado na posição de médios.

29. No dia ... de ... de 2016, pelas 11h 00m, o Autor conduzia o seu referido motociclo de matrícula ..-NR-.. pela Estrada Nacional nº 202.

30. O motociclo de matrícula ..-NR-.. desenvolvia a sua marcha no sentido Poente-Nascente, ou seja, V....-P....

31. Inicialmente, o motociclo de matrícula ..-NR-.. transitava pela metade direita da faixa de rodagem da referida via, tendo em conta o seu indicado sentido de marcha: Poente-Nascente.

32. E animado de uma velocidade reduzida, não superior a quarenta quilómetros por hora.

33. Imediatamente, à frente do motociclo de matrícula ..-NR-.., circulavam dois veículos automóveis ligeiros de passageiros.

34. O veículo automóvel que seguia imediatamente à frente do motociclo de matrícula ..-NR-.. – tripulado pelo Autor - era o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-IM-.., propriedade de BB e por ele conduzido.

35. O veículo automóvel que seguia à frente desse veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-IM-.. era o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula JV-..-.., propriedade de CC e por ele conduzido.

36. Esses dois veículos circulavam a uma distância não superior a cinco metros um do outro.

37. O Autor decidiu levar a efeito a manobra de ultrapassagem aos dois referidos veículos automóveis ligeiros de passageiros, que circulavam imediatamente à sua frente.

38. O Autor olhou pelo espelho retrovisor do motociclo para a sua retaguarda, ao longo da Estrada Nacional nº 202, no sentido Poente, em direcção à cidade de ....

39. E certificou-se de que, atrás de si, não existia, naquele preciso momento, qualquer veículo a circular pela metade esquerda da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº 202, tendo em conta o sentido Poente-Nascente.

40. Existia, sim, um veículo automóvel ligeiro de passageiros, o qual circulava, também, pela Estrada Nacional nº 202, à retaguarda do Autor, a uma distância não inferior a sessenta metros.

41. Mas esse veículo automóvel ligeiro de passageiros transitava totalmente sobre a metade direita da faixa de rodagem da referida via – Estrada Nacional nº 202, tendo em conta o seu indicado sentido de marcha: Poente-Nascente, ou seja, V....-P....

42. E sem o seu sinal luminoso – “pisca” – em funcionamento.

43. O Autor olhou, depois, para a sua frente, ao longo da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº 202, no sentido Nascente, em direcção a P.....

44. E certificou-se, também, de que, naquele preciso momento, no espaço para si visível da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº 202, superior a cento e cinquenta metros, não circulava, no sentido Nascente-Poente, qualquer veículo.

45. O Autor accionou o sinal acústico - “apito” - do motociclo de matrícula ..-NR-...

46. Pôs em funcionamento o sinal luminoso - “pisca” - do lado esquerdo do motociclo.

47. E passou a circular pela metade esquerda da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº 202, tendo em conta o sentido Poente-Nascente.

48. O Autor continuou a sua marcha.

49. Sempre sobre a metade esquerda da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº 202, tendo em conta o sentido Poente-Nascente e ao longo de uma distância superior a quarenta metros.

50. Sempre com o sinal luminoso - “pisca” - do lado esquerdo do motociclo de matrícula ..-NR-.. em funcionamento, de forma intermitente, em execução da manobra de ultrapassagem.

51. O motociclo de matrícula ..-NR-.., tripulado pelo Autor, encontrava-se já em posição paralela em relação ao ligeiro de passageiros de matrícula ..-IM-...

52. Com a zona do corpo do Autor e a zona média do motociclo de matrícula ..-NR-.. ao nível e no enfiamento do espelho retrovisor lateral esquerdo do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-IM-...

53. E, nesse preciso momento, de forma súbita, brusca, imprevista e inopinada, BB, condutor do veículo de matrícula ..-IM-.., decidiu levar a efeito a manobra de ultrapassagem ao veículo automóvel ligeiro de passageiros, que circulava imediatamente à sua frente (de matrícula JV-..-..).

54. O condutor do veículo de matrícula ..-IM-.. não olhou, previamente, para o seu lado esquerdo, nem para a sua retaguarda, para se certificar se, naquele momento, estava ou não a ser ultrapassado.

55. BB não pôs, previamente, em funcionamento o sinal luminoso - “pisca” - do lado esquerdo, do veículo automóvel.

56. Não accionou sinal acústico – “buzina” – do veículo automóvel.

57. Não se certificou se a metade esquerda da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº 202, tendo em conta o sentido Poente-Nascente, se encontrava livre e disponível, na extensão necessária à realização da sua pretendida manobra de ultrapassagem, ao veículo automóvel que o precedia.

58. E não se certificou, também, se nenhum outro condutor, que circulasse atrás de si, no mesmo sentido de marcha, havia já iniciado e desenvolvido a manobra de ultrapassagem relativamente a ele e ao veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-IM-...

59. Guinou, de forma rápida, súbita, brusca, imprevista e inopinada, o veículo automóvel que tripulava para a sua esquerda.

60. Numa altura em que o motociclo de matrícula ..-NR-.., tripulado pelo Autor, se encontrava já em plena execução da sua manobra de ultrapassagem, devidamente sinalizada, nas circunstâncias supra descritas.

61. BB invadiu, com o ligeiro de passageiros de matrícula ..-IM-.., a metade esquerda da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº 202, tendo em conta o sentido Poente-Nascente, ou seja, V....-P....

62. O Autor, perante tal manobra, travou, de imediato, o motociclo que tripulava.

63. Ao mesmo tempo que guinou o motociclo para a sua esquerda.

64. Em manobra de evasão e de salvação.

65. Numa tentativa de evitar o acidente.

66. Mas, foi-lhe impossível evitar o embate.

67. O veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-IM-.. embateu com o espelho retrovisor lateral esquerdo contra o membro superior direito e contra o cotovelo direito do Autor.

68. Esse embate ocorreu totalmente sobre a metade esquerda da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº 202, tendo em conta o sentido Poente-Nascente.

69. Por força dessa colisão e, como consequência directa e necessária dessa colisão, o motociclo de matrícula ..-NR-.., tripulado pelo Autor, foi projectado para o seu lado esquerdo.

70. E para o solo.

71. Onde foi imobilizar a sua marcha.

72. Sobre a berma, tipo rego ou valeta, situada na margem esquerda da Estrada Nacional nº 202, tendo em conta o sentido Poente-Nascente.

73. O Autor, também por força dessa colisão e, como consequência directa e necessária dessa colisão, foi projectado para o seu lado esquerdo.

74. E para o solo.

75. Onde ficou estatelado.

76. Sobre a linha, pintada a cor branca, Marca M19, que delimita a berma do lado esquerdo da Estrada Nacional nº 202, tendo em conta o sentido Poente-Nascente, da faixa de rodagem desta via.

77. O condutor do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-IM-.. apercebeu-se, perfeitamente, do acidente de trânsito que deu origem à presente acção.

78. No entanto, pôs-se em fuga.

79. E foi-se refugiar na sua casa de habitação.

80. Enviou a sua filha ao local da deflagração do acidente de trânsito.

81. E trancou-se no interior da sua casa de habitação.

82. Onde se manteve e de onde não saiu, mesmo perante as ordens dos Agentes da Autoridade – GNR, que se deslocaram ao seu domicílio.

83. A Ré Companhia de Seguros “OCIDENTAL COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” levou a efeito as competentes averiguações sobre as circunstâncias em que ocorreu o acidente de trânsito que deu origem à presente acção.

84. E concluiu que a culpa na produção do acidente é exclusivamente imputável ao condutor do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-IM-.., BB, seu segurado.

85. Tendo assumido as suas responsabilidades pelas consequências danosas resultantes do acidente.

86. Após condenação na acção de processo comum nº 3922/18.9..., do Juízo Local Cível, Juiz 3, de ..., a R. pagou ao Autor a quantia de 6.000,00 €, correspondente ao valor do motociclo de matrícula ..-NR-.., incluindo a privação do seu uso/paralisação.

87. E pagou, também, ao Autor, a quantia de 450,00 €, a título de adiantamento, por conta da indemnização global que, a final, vier a ser fixada.

88. Correu termos, pelo D.I.A.P. de ..., um inquérito contra o condutor do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-IM-..: BB – processo de inquérito nº 121/16.8...

89. Correu, também, termos pelo Juízo Local Cível de ..., a acção de Processo comum nº 3922/18.9..., ... 3, que teve, na sua origem, o mesmo acidente de trânsito que está na génese da presente acção.

90. Nesse processo, figura como Autor o Instituto da Segurança Social, IP. e, como Ré, a Companhia de Seguros “Ocidental Seguros - Companhia de Seguros, S.A.”.

91. O Autor foi assistido, no local do sinistro, pelos socorristas dos Bombeiros de ..., com aplicação de um colar cervical e colocação em plano duro.

92. O Autor foi transportado, de ambulância, para o Hospital de ..., de ...

93. Onde lhe foram prestados os primeiros socorros, no respectivo Serviço de Urgência.

94. Foram-lhe, aí, efectuados exames radiológicos a todas as regiões do seu corpo atingidas.

95. Foi-lhe efectuada uma Tomografia Computorizada – TAC – à região do ombro direito.

96. A qual revelou fractura dos ossos do ombro direito – colo do úmero direito.

97. Foram-lhe efectuadas lavagens cirúrgicas às lesões – queimaduras e escoriações – sofridas: na anca direita e nos dois joelhos.

98. Foram-lhe efectuadas desinfecções às lesões – queimaduras e escoriações – sofridas.

99. Foi-lhe efectuada imobilização da região do ombro direito, com o auxílio de uma ligadura, que lhe passou a envolver toda a região do tórax – Suspensão Braquial.

100. Foram-lhe, aí, prescritos medicamentos vários, nomeadamente, analgésicos, anti-inflamatórios e antibióticos.

101. No próprio dia da ocorrência do acidente de trânsito, o Autor obteve alta hospitalar.

102. E regressou à sua casa de habitação.

103. O Autor continuou a ser acometido de dores.

104. Quatro dias após a sua alta, o Autor regressou ao Hospital de ...de ... e foi recebido no Serviço de Urgência da referida Unidade Hospitalar.

105. Fez novos exames radiológicos às regiões do seu corpo atingidas.

106. Foram-lhe prescritos mais medicamentos, nomeadamente analgésicos, anti-inflamatórios e antibióticos injectáveis.

107. Após o que Autor obteve, novamente, alta hospitalar para o seu domicílio.

108. Onde se manteve, com o ombro direito imobilizado, ao longo de um período de tempo de um mês e meio.

109. Um mês após a sua alta hospitalar, o Autor dirigiu-se à Consulta do Centro de Saúde de ... – Dr. DD.

110. O qual lhe prescreveu tratamento de Medicina Física e Reabilitação (MFR) – Fisioterapia.

111. O qual o Autor cumpriu, ao longo de sessenta sessões.

112. Posteriormente, o Autor dirigiu-se à Consulta Externa da Especialidade de Ortopedia, no Hospital de ..., de ...

113. A qual lhe prescreveu, também, tratamento de Medicina Física e Reabilitação (MFT) – Fisioterapia.

114. O qual o Autor cumpriu, desde o dia 19 de Agosto de 2016 até ao dia 27 de Outubro de 2017.

115. O Autor frequentou, também, a consulta da Especialidade de Ortopedia Dr. EE, com consultório na cidade do ....

116. Ao longo de quatro consultas.

117. No dia 28 de Dezembro de 2017, o Autor obteve alta clínica.

118. E, no dia 4 de Fevereiro de 2018, o Autor retomou o trabalho, mas não o seu trabalho habitual como Manobrador de Máquinas Pesadas Industriais.

119. Mas sim, como motorista de automóveis pesados de mercadorias, na actividade de transportes internacionais de mercadorias.

120. No momento do acidente e nos instantes que o precederam, o Autor sofreu um enorme susto.

121. Como queixas, o A. apresenta:

1. A nível funcional, compreendendo este nível as alterações das capacidades físicas ou mentais (voluntárias ou involuntárias), características de um ser humano, tendo em conta a sua idade, sexo e raça, que surgem na sequência das sequelas orgânicas e são influenciadas, positiva ou negativamente, por factores pessoais (como a idade, o estado físico e psíquico anterior, a motivação e o esforço pessoal de adaptação) e do meio (como as barreiras arquitectónicas, as ajudas técnicas ou as ajudas humanas), refere:

Postura, deslocamentos e transferências: dificuldade em caminhar longas distâncias (mais de 30 minutos) pelas queixas álgicas ao nível dos joelhos; dificuldade em permanecer longos períodos em posição ortostática, pelas queixas álgicas a nível da coluna lombar;

- Manipulação e preensão: dificuldade em colocar a mão direita no espaço acima do nível da cabeça; sensação de perda de força ao nível do membro superior direito;

- Comunicação: sem alterações;

- Cognição e afectividade: sem alterações;

- Controlo de esfíncteres: sem alterações;

- Sexualidade e procriação: sem alterações;

- Fenómenos dolorosos: omalgia direita, contínua, mas que agrava com as mudanças do tempo e os esforços, e demandam a toma de Ben-U-Ron em SOS, cerca de 2 vezes por semana; refere ainda queixas álgicas ligeiras esporádicas ao nível de ambos os joelhos e coluna lombar, quando realiza esforços prolongados;

- Outras queixas a nível funcional: sem alterações.

2 -A nível situacional, compreendendo este nível a dificuldade ou impossibilidade de uma pessoa efectuar certos gestos necessários à sua participação na vida em sociedade, em consequência das sequelas orgânicas e funcionais e de factores pessoais e do meio, refere:

- Atos da vida diária: dificuldade em alcançar prateleiras altas, impossibilidade em "ir ao monte buscar lenha" e "rachá-la" e em utilizar a motosserra; refere ter deixado de andar de mota, devido às queixas álgicas ao nível do ombro; refere ter-se habituado a vestir as peças de roupa do tronco, assim como outras adaptações que foi fazendo no seu dia-a-dia, como por exemplo colocar o cinto de segurança do carro com a mão esquerda;

- Vida afectiva, social e familiar: refere que montava a cavalo (tinha um) e deixou de o fazer por ter dificuldade em prender a sela e apertar as cintas, assim como montar, actividade que praticaria todos os fins de semana; refere ter abandonado a prática de futebol que faria cerca de duas vezes por semana, à noite, entre amigos porque tem medo de se magoar no ombro direito e pelas dores ao nível dos joelhos;

- Vida profissional ou de formação: no seu trabalho anterior (que realizava à data do acidente) como condutor/manobrador de máquinas de terraplanagem refere que sentia muita dificuldade em manobrar as máquinas de terraplanagem, pelo que mudou de profissão. Actualmente, na sua profissão como motorista de pesados, refere ter dificuldade em atar cargas, puxar o toldo, ter dificuldade em desenterrar a carrinha com a pá quando isso acontece, e refere ainda ter dificuldade em conduzir quando está muito frio ou em colocar as mudanças de velocidade, actualmente exercerá mais trabalho de gerente do que motorista, apesar de que sempre preferiu trabalhar no terreno e o trabalho de gerência é mais estressante.

122. Como sequelas, o A. apresenta:

O examinando apresenta as seguintes sequelas:

- Crânio: sem alterações;

- Face: sem alterações;

- Pescoço: sem alterações;

- Ráquis: sem alterações;

- Tórax: sem alterações;

- Abdómen: sem alterações;

- Períneo: sem alterações;

- Membro superior direito: na face superior do ombro, presença de uma área cicatricial hipercrómica, irregular, com 4 por 2 cm de maiores dimensões, ténue; sem amiotrofias do braço, com perimetria de 30 cm medida a 10 cm do olecrâneo (contralateral de 29 cm); arcos de movimento: anteflexão activa 0-90º (contralateral 0-180º), retroflexão activa 0-50º (contralateral 0-50º), abdução 0-75º activa (contralateral 0-180º), rotação externa 0-80º (contralateral 0-90º) e rotação interna 0-45º (contralateral 0-80º); consegue levar a mão ao ombro contralateral, nuca e região lombossagrada; força muscular conservada;

- Membro superior esquerdo: sem alterações;

- Membro inferior direito: na região da crista ilíaca, presença de uma área cicatricial eucrómica, com 7 por 3 cm de maiores dimensões, ténue, sem repuxamentos ou dor referida à palpação; no joelho, presença de uma área cicatricial ligeiramente hipercrómica, com 3 por 1 cm de maiores dimensões localizada na face anterior, ténue, sem repuxamentos ou dor referida à palpação; força muscular e mobilidade do joelho conservadas; testes meniscais e ligamentares negativos; sem amiotrofias aparentes da coxa ou perna;

- Membro inferior esquerdo: no joelho, presença de uma área cicatricial hipercrómica com 4 por 1 cm de maiores dimensões localizada na face anterior, ténue, sem repuxamento ou dor referida à palpação; força muscular e mobilidade do joelho conservadas; testes meniscais e ligamentares negativos; sem amiotrofias aparentes da coxa ou perna.

Lesões e/ou sequelas sem relação com o evento

O examinando apresenta as seguintes alterações:

- Ráquis: na região lombar, refere dor à palpação da musculatura paravertebral bilateral e das apófises espinhosas lombares, com presença de contracturas musculares; refere dor nos últimos graus de extensão e flexão da coluna, distância dos dedos da mão ao chão de 12cm; consegue caminhar nas pontas dos pés e nos calcanhares; teste de Laségue e Bragard negativos bilateralmente.

123. O Autor contava, à data da deflagração do acidente de trânsito que deu origem aos presentes autos, vinte e sete anos de idade, tendo nascido no dia 29 de Outubro de 1988.

124. Era um homem ainda jovem, saudável, ágil, forte e robusto.

125. E não sofria de qualquer enfermidade ou incapacidade física ou funcional, nem qualquer limitação na utilização do seu corpo.

126. As lesões e as sequelas sofridas pelo A. causam-lhe desgosto.

127. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 24/11/2017.

128. O período de défice funcional temporário total é fixável em um dia.

129. O período de défice funcional temporário parcial é fixável em seiscentos e setenta dias.

130. O período de repercussão temporária na actividade profissional total é fixável em seiscentos e setenta e um dias.

131. O quantum doloris é fixável no grau 4/7.

132. O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é fixável em 8 pontos.

133. As sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual (de condutor-manobrador de máquinas de terraplanagem), mas implicam esforços suplementares.

134. O dano estético permanente é fixável no grau 1/7.

135. A repercussão permanente nas actividades desportistas e de lazer é fixável no grau 1/7.

136. Relativamente a ajudas técnicas permanentes, tratamentos médicos regulares, o A. pode beneficiar de realizar tratamentos de fisioterapia nas crises álgicas.

137. O A. exercia, à data da ocorrência do acidente dos presentes autos, a profissão de condutor-manobrador de máquinas pesadas industriais, por conta da sociedade “C...., Lda”, com sede na Rua ..., nº 298, ... ..., ....

138. No recibo de ordenado, como contrapartida do trabalho desenvolvido nessa sua profissão de condutor-manobrador de máquinas pesadas industriais, por conta da sociedade “C...., Lda”, era processado, ao Autor, o seguinte rendimento do seu trabalho:

ordenado-base 545,50 €

subsídio de alimentação 124,30 €

subsídio de férias 22,73 €

subsídio de Natal 22,73 €

Soma 715,26 €.

139. O Autor, nas horas vagas deixadas pelo exercício da sua profissão de condutor-manobrador de máquinas pesadas industriais, por conta da sociedade “C...., Lda”, aos fins-de-semana e nos períodos de férias, exercia, também, por contra própria, a profissão de tractorista, com um tractor agrícola e florestal de que era proprietário.

140. Em trabalhos agrícolas, para terceiras pessoas que, para o efeito, o contratavam, para lavrar e fresar terrenos agrícolas.

141. O Autor dedicava-se, também, nas horas livres, nos fins-de-semana e nas férias, à actividade de compra e abate de árvores.

142. E à sua transformação em canhotas – combustível doméstico.

143. Que, depois, vendia, a terceiras pessoas que para o efeito o procuravam e contratavam.

144. Com os trabalhos descritos em 139), 140), 141) e 142) o Autor auferia um rendimento médio mensal líquido de pelo menos, cerca de 300 euros.

145. Durante 671 dias, o Autor viu-se impossibilitado de desempenhar a sua profissão de condutor-manobrador, por conta da sociedade comercial “C...., Lda”.

146. Bem como se viu absolutamente impossibilitado de desempenhar qualquer outra profissão e/ou actividade.

147. E a sua entidade patronal – “C...., Lda” - nada lhe pagou, ao longo desse tempo de doença.

148. O que se traduziu num prejuízo de 15.998 €.

149. O Autor deixou de auferir, no período mencionado em 144), supra, nas apontadas actividades mencionadas em 139) a 143), supra, pelo menos 6710 euros.

150. O Autor recebeu da Segurança Social, a título de subsídio de doença, o valor de 8.572,03 €.

151. Entretanto, o A. foi trabalhar por conta da sociedade” T..., Lda.”, com sede na Zona Industrial, 2ª fase, Lotes 13 e 14, freguesia de ..., concelho de ....

152. Para a R. estava transferida a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-IM-.., identificado nos autos como causador do acidente, através de contrato de seguro, válido e eficaz, titulado pela apólice nº AU ......88, em vigor à data da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção.

Não se provaram os seguintes factos:

1. No momento do acidente, o Autor receou pela própria vida.

2. À data do acidente, o A. auferia o rendimento do seu trabalho de (5 €/hora x 10 horas/dia) = 50,00 €/dia, ao longo de cinco dias por semana, no valor global de (22 dias úteis/mês x 50,00 €) 1.100,00 €, por mês.

3. Com os trabalhos descritos em 139) e 140), o Autor auferia, ao longo do ano, um rendimento mensal nunca inferior a 500,00 €.

4. Com os trabalhos descritos de 141) a 143), o A. auferia uma média nunca inferior a 500 €.

5. Durante o período de incapacidade temporária absoluta o A. teve um prejuízo de 72.659,68 €.

6. A partir da data da ocorrência do acidente, das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes, o Autor jamais pôde, nem vai poder, no futuro, exercer as suas actividades/profissões de: condutor-manobrador de máquinas pesadas industriais; tractorista, no sector agrícola; compra, abate e transformação, para venda, de madeira em canhotas, para combustível doméstico.

7. O Autor passou a sofrer de irritação fácil perante todos os problemas da sua vida.

8. O Autor vai ter necessidade, toda a sua vida, de ingerir medicação analgésica e anti-inflamatória.

9. Foram as limitações físicas que levaram o Autor a desistir do desempenho da sua anterior profissão de condutor-manobrador de máquinas pesadas industriais, por conta da sua entidade patronal e a ingressar, no mercado de trabalho, como motorista de veículos automóveis pesados de transportes internacionais de mercadorias.

10. Das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes adveio, para o Autor, como consequência directa e necessária, uma Incapacidade Parcial Permanente Profissional, para o trabalho de 17,00% - 17,00 pontos, de acordo com a Tabela Nacional das Incapacidades – Défice Funcional Permanente da Actividade Físico-Psíquica.

11. O Autor efectuou as seguintes despesas, como consequência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes:

a. consultas médicas e obtenção dos Relatórios Médicos junto aos autos (410,00 € + 408,00) 818,00 €; outras consultas médicas 300,00 €;

b. medicamentos 16.04 €;

c. taxas moderadoras 906,80 €;

d. tratamentos de fisioterapia 89,00 €;

e. tratamentos de enfermagem 12,00 €;

f. meios complementares de diagnóstico 27,00 €;

g. material ortopédico 263,75 €;

h. custo de parques de estacionamento 5,90 €;

i. custo de gravação de 1 CD 1,00 €;

f) refeições no restaurante 25,00 €;

g) 1 certidão de nascimento, junta aos autos 20,00 €;

h. custo da certidão da part. de acid. de viação-GNR 70,00 €;

i. deslocações em veículo automóvel próprio, para consultas e tratamentos 500,00 €.

SOMA 3.054,49 €.

1. O A. viu danificadas e inutilizadas as seguintes peças de vestuário, de calçado e objectos de uso pessoal, que usava na altura do sinistro:1 par de sapatos, 1 par de calças de ganga, 1 camisola, 1 cinto de calças, 1 pulseira em ouro, 1 fio de ouro, com crucifixo, 1 relógio de pulso, 1 capacete de protecção, 1 casaco de motociclista, 1 par de luvas de motociclista, 1 telemóvel, no valor de (35,00 € + 25,00 € + 22,50 € + 16,50 € + 325,00 € + 590,00 € + 120,00 € + 255,00 € + 260,00 € + 55,00 € + 500,00 €)) 2.204,00 €.

2. O A. vai necessitar de se submeter a uma ou mais intervenções cirúrgicas, às regiões do seu corpo atingidas, nomeadamente aos ossos do seu ombro direito.

3. Para o efeito, vai necessitar de recorrer a múltiplas consultas médicas, das especialidades de neurologia, ortopedia, medicina, de cirurgia e de fisiatria, além de outras.

4. Vai necessitar de efectuar exames de diagnóstico, tais como R.X., ECO, TAC e RMG, além de outros.

5. Vai ter necessidade de adquirir e de tomar medicamentos vários, nomeadamente analgésicos, anti-inflamatórios e antibióticos, ao longo de toda a sua vida.


*

II - Fundamentação

1. Indemnização por défice funcional permanente

Na petição inicial o autor formulou o pedido de condenação da ré a pagar-lhe uma indemnização global líquida de 267.918,07 €, composta pelas seguintes parcelas:

a) danos de natureza não patrimonial 40.000,00 €;

b) ITA de 24 meses e 7 dias: (41.166,24 € + 399,11 € + 6.861,00 € + 24.000,00 € + 233,33 €) 72.659,68 €;

c) IPP de 17,00 pontos – 17,00% 150.000,00 €;

d) despesas efectuadas 3.054,49 €;

e) outros prejuízos – peças de vestuário e objectos pessoais 2.204,00 €., acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação, até efectivo pagamento e a indemnização ilíquida que vier a ser fixada, por força dos factos alegados nos artigos 273º. a 282º., desta petição inicial.

O Tribunal de 1.ª instância julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência condenou a ré a pagar a quantia global de 62.425,97 € (sessenta e dois mil, quatrocentos e vinte e cinco euros e noventa e sete cêntimos), composta pelas seguintes parcelas:

- 30.000,00 € (trinta mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, contados desde a prolação da presente decisão e até efectivo e integral pagamento;

- 25.000,00 € (vinte e cinco mil euros) a título de défice funcional permanente da integridade física e psíquica, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação até efectivo e integral pagamento;

- 7.425,97 € (sete mil, quatrocentos e vinte e cinco euros e noventa e sete cêntimos) a título de danos patrimoniais (diferenças salariais), acrescidos de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação até efectivo e integral pagamento.

Em recurso de apelação apresentado pelo A., veio o Tribunal recorrido a fixar a indemnização devida ao autor:

A - na quantia de 85000€ (oitenta e cinco mil euros), composta pelas seguintes parcelas:

- 30000,00€ (trinta mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, contados desde a prolação da sentença e até efectivo e integral pagamento;

- 55000,00€ (cinquenta e cinco mil euros) a título de défice funcional permanente da integridade física e psíquica, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, a contar desde a prolação desta decisão e até efectivo e integral pagamento;

B) Da quantia 14135,97€ (catorze mil, cento e trinta e cinco euros e noventa e sete cêntimos) a título de danos patrimoniais, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação até efectivo e integral pagamento;

C) Da quantia que vier a ser liquidada para indemnizar o Autor pelas despesas com os tratamentos previstos supra em 136), dos factos provados;

Pretende a recorrente que deve ser mantida a decisão do tribunal de 1.ª instância que fixou em 25 000,00€ a indemnização por danos patrimoniais futuros, por o entender justo e equitativo e considera não existirem factos provados que suportem a condenação bem como a ausência de condenação em indemnização pelos danos cuja liquidação foi remetida, no acórdão recorrido para liquidação posterior.

Argumenta quanto ao montante indemnizatório relativo ao dano patrimonial futuro que entre a decisão proferida pela 1.ª instância e a decisão proferida pelo tribunal recorrido existe apenas uma alteração para mais 300,00€ mensais do rendimento laboral considerado que não justifica a alteração de 25 000,00€ para 55 000,00€. Em seu entender tendo-se provado que o A. padece de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 8 pontos e que as sequelas de que é portador implicam esforços suplementares que não o impedem de exercer toda e qualquer profissão, nem a sua própria profissão principal, nem os “biscates” tal significa que a mesma não acarreta uma efectiva perda de rendimentos do seu trabalho na mesma medida daquele défice, ou noutra qualquer pelo que, deve ser atendida em sede de danos não patrimonial, ou, a ser tido em conta na fixação do montante indemnizatório o défice de 8 pontos, serem tidos em conta para tanto os critérios de equidade.

O autor considera que os factos provados apontam para a correcção do montante indemnizatório fixado pelo Tribunal recorrido.

Na fixação do valor indemnizatório correspondente ao dano de défice funcional permanente da integridade física e psíquica estamos em presença de um dano patrimonial indeterminado, mas previsível, que se projecta no futuro, com repercussões seja ao nível da capacidade laboral seja da capacidade funcional do indivíduo, ambas a partir da lesão a desenvolver com acréscimo de esforço relativamente ao que acontecia antes do acidente de viação a estabelecer segundo critérios de equidade por a sua indeterminabilidade afastar a possibilidade de recurso à teoria da diferença, consagrada no art. 566.º, n.º 2, do Código Civil.

Assim, mesmo que não implique a impossibilidade de exercer a sua profissão, importa durante toda a vida esforços acrescidos para realizar, neste caso quer as tarefas laborais, quer as tarefas do dia a dia.

O salário do lesado é tido em conta na determinação da indemnização por este dano em virtude de ele espelhar o estatuto socioeconómico do lesado e não para apurar que salários, ou parte de salários irá deixar de receber.

As tabelas financeiras nomeadamente a constante da Portaria n.º 377/2008 de 26 de Maio definem os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, nos termos do disposto no capítulo iii do título ii do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, pelo que serão elementos atendíveis em sede de fixação de indemnização por acidente de viação do mesmo tipo de danos, pelo menos como elemento do mínimo indemnizatório a fixar, não vinculando o tribunal à estrita adopção dos valores com elas atingíveis, desde que se mostrem insuficientes para indemnizar o dano, no caso concreto.

O acórdão recorrido ponderou o seguinte:

“(…) Nesse ponto, discute-se o que a decisão em crise definiu como “dano biológico, traduzido numa incapacidade funcional ou fisiológica de 8 pontos, a repercussão negativa centra-se na diminuição da condição física e numa penosidade, dispêndio e desgaste físico acrescido na execução de tarefas antes desempenhadas, sem o mesmo esforço, no seu dia-a-dia.

Posto isto, cremos que, pelas partes e pelo Tribunal a quo, é indiscutível a existência de um dano biológico com reflexo não patrimonial.

Nesse pressuposto, atendo-nos, à discussão da quantificação do dano biológico, há que ter em conta o seguinte.

O art. 564º, nº 2, do Código Civil, precisa que na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.

E o art. 566º, desse Código dispõe ainda com relevo para o caso, que (1.) A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor. (…) 3. Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados. (…) Estamos perante um dano em que a reconstituição natural ainda não é completamente viável, atento o estado da ciência, pelo que a reparação será tendencialmente feita em dinheiro.

Na fixação do montante global da compensação devida por esse desvalor, designado como dano biológico, que deve ser concretizada em termos equitativos nos termos acima notados, este Tribunal não está obrigado a aplicar determinadas fórmulas utilizadas para calcular indemnizações na jurisdição laboral ou as que se utilizem em tabelas financeiras devendo apenas delas socorrer-se como elemento de trabalho. No caso, o valor dessa vertente não patrimonial do dano biológico de que padece o Autor AA, já acima enunciado, está reflectido, desde logo, na factualidade exarada, v.g., nos pontos 114, 121, 122, 123 (idade – 27 anos) a 125, 127, 132, 133, 134, 135, 137, 139 a 143 e em todos os demais, da factualidade assente, nos quais se espelha, apenas e só, a mencionada afectação da capacidade de execução das actividades não só profissionais mas também diárias e do esforço e energia que são necessários desenvolver para lidar com as limitações de que padece, sem que se tenha provado ou antecipado qualquer perda de ganho efectiva.

Não é despiciendo neste caso particular a circunstâncias de a actividade corrente do lesado conter uma componente física determinante.

Deve aqui também ter-se em conta que o Autor, nascido em ........1988, terá, um tempo médio de vida que actualmente é previsível ser de cerca 81 anos de idade, e terá, portanto, de padecer do deficit apurado, presumivelmente agravado pelo envelhecimento, por cerca de 54 anos (no caso do reflexo na actividade profissional, pelo menos até à idade da reforma).

É de considerar ainda que a responsável pela indemnização, seguradora, se presume ter uma capacidade financeira bastante acima da média e que os factos apurados apontam para a culpa exclusiva e grosseira do responsável pelo acidente, conforme resulta, v.g., dos factos apurados em 37) a 69).

A este título o Autor pedia inicialmente 150 000 euros.

Pede agora valor não inferior a 55000.

O que resulta da jurisprudência, que temos aqui de ter em conta como factor adicional de equalização (art. 8º, nº 3, do C.C.) aponta para valores próximos desse montante.”

Por se tratar da fixação de um valor indemnizatório assente em critérios de equidade cumpre ao Supremo Tribunal de Justiça essencialmente aferir dos limites e pressupostos do juízo equitativo formulado pelo Tribunal recorrido.

Foi tido como elemento de cálculo que tendo o Autor, nascido em ........1988, terá, um tempo médio de vida que actualmente é previsível ser de cerca 81 anos de idade. Apresenta-se inexacta esta afirmação na medida em que o valor mais alto alcançado em Portugal foi de 80,96 para as pessoas do sexo feminino nascidas em 2018, e, tendo o autor nascido em 1988 a sua esperança de vida não ultrapassa os 70,03 anos – como resulta do quadro que se segue:


Consultável em https://www.cig.gov.pt, suportada na base de dados do INE.

Tal tem como imediata consequência a diminuição em 10 anos do período a considerar em que o autor previsivelmente desempenhará as suas tarefas diárias com esforço acrescido.

Na comparação entre a situação dos autos e as indemnizações que têm vindo a ser fixadas pelo Supremo Tribunal de Justiça, sempre difíceis por dependerem de inúmeras variáveis de cada caso concreto com oscilações para mais e para menos quanto ao salário, a taxa de défice funcional, a idade dos lesados, a esperança de vida, mesmo que tendo apenas em conta que se trate de situações em que estão em causa não diminuição da capacidade de exercer a actividade profissional habitual mas apenas a realização de todas as tarefas, profissionais e da vida quotidiana com esforços acrescidos, numa análise mais fina que a levada a cabo pelo tribunal recorrido por fazer oscilar os valores indemnizatórios finais na proporção das variáveis assinaladas como tidas em conta e que divergem em cada caso, e, ponderando quer as decisões mencionadas naquele acórdão quer outras, alargando assim “a base de comparação”, nomeadamente o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 12 de Janeiro de 2021, no processo 2787/15.7T8BRG.G1.S1, consultável em https://juris.stj.pt relativo a uma lesão na clavícula, bastante próxima da sofrida pelo lesado nestes autos, com tratamento inicial igual, apenas conservatório, mas seguido de intervenção cirúrgica, e as decisões nesse acórdão mencionado, chegamos a uma ordem de valores indemnizatórios inferiores aos atingidos pelo acórdão recorrido a rondar os 30 0000,00€.

Assim, com a alteração das variáveis a ter em conta, antes analisadas, e, na análise comparativa dos montantes indemnizatórios que têm vindo a ser fixados pelo Supremo Tribunal de Justiça em situações similares, para alcançar a justiça do caso concreto, deverá naquele montante de 30 000,00€ ser fixado o valor indemnizatório correspondente à vertente patrimonial do dano constituído por défice funcional permanente da integridade física e psíquica, descontado já o valor antecipadamente pago pela Ré, procedendo, nesta parte, parcialmente a pretensão recursória formulada pela ré.


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2. Indemnização por danos patrimoniais futuros a liquidar em execução de sentença

A este propósito considerou o Tribunal de 1.ª instância que:

Relativamente ao pedido ilíquido, não resultou provado que o Autor vai necessitar de se submeter a uma ou mais intervenções cirúrgicas às regiões do seu corpo atingidas, nomeadamente aos ossos do seu ombro direito. E que para o efeito, vai necessitar de recorrer a múltiplas consultas médicas, das especialidades de neurologia, ortopedia, medicina, de cirurgia e de fisiatria, além de outras. Também não resultou provado que vai necessitar de efetuar exames de diagnóstico, tais como R.X., ECO, TAC e RMG, além de outros; nem que vai ter necessidade de adquirir e de tomar medicamentos vários, nomeadamente analgésicos, anti-inflamatórios e antibióticos, ao longo de toda a sua vida.

Resultou provado que, relativamente a ajudas técnicas permanentes, tratamentos médicos regulares, o A. pode beneficiar de realizar tratamentos de fisioterapia nas crises álgicas. Esta factualidade não reveste o grau de certeza necessário para que possamos relegar a quantificação de um dano para momento posterior. Não se pode relegar a demonstração do dano futuro meramente hipotético para liquidação em execução de sentença. “

Por seu turno, diversamente, o Tribunal recorrido entendeu que:

Por fim, no seu capítulo 10., as conclusões do Autor incidem sobre a condenação em indemnização por alegados danos futuros decorrentes do que ficou apurado em 136), dos factos provados, concluindo que era viável a sua liquidação em execução de sentença, tendo a sentença violado o disposto nos arts. 358º e 609º e ss., do Código de Processo Civil.

(…) Ora, conforme ficou acima expresso, o art. 564º, nº 2, do Código Civil, define esses danos futuros como sendo aqueles que sejam previsíveis e acrescenta que, se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.

No caso, com devido respeito pela posição emitida em primeira instância, julgamos que o que ficou apurada em 136), dos factos provados - relativamente a ajudas técnicas permanentes, tratamentos médicos regulares, o A. pode beneficiar de realizar tratamentos de fisioterapia nas crises álgicas – é bastante para se considerar previsível que o Autor necessitará/beneficiará desses tratamentos para atenuar essa sequela (referida em 121 dos factos provados).

Neste conspecto, será de remeter a liquidação da respectiva indemnização nos termos do citado art. 564º, nº 2, e do nº 2, do art. 609º, do Código de Processo Civil, dado que inexistem elementos para antecipar o valor das despesas que o Autor terá de suportar com esses tratamentos.”

Foi considerado provado que:

136 - Relativamente a ajudas técnicas permanentes, tratamentos médicos regulares, o A. pode beneficiar de realizar tratamentos de fisioterapia nas crises álgicas.

Deste ponto da matéria provada decorre que os tratamentos de fisioterapia posteriores podem, ou não beneficiar o Autor a superar as crises álgicas daí resultando uma dúvida sobre quer a sua necessidade quer sobre a sua eficácia. Mas esta dúvida assenta ainda numa outra – o grau de probabilidade de o Autor vir a sofrer crises álgicas imputáveis às lesões sofridas com o acidente.

A matéria de facto não contém elementos que permitam concluir que as crises álgicas, provocadas exclusiva ou predominantemente pelo acidente de viação vão ocorrer.

Resultou não provado que:

- O Autor vai ter necessidade, toda a sua vida, de ingerir medicação analgésica e anti-inflamatória.

- Vai ter necessidade de adquirir e de tomar medicamentos vários, nomeadamente analgésicos, anti-inflamatórios e antibióticos, ao longo de toda a sua vida.

Na matéria de facto relatam-se as queixas que o Autor apresenta queixas a nível funcional e a nível situacional, sem qualquer indicação de serem as mesmas apenas subjectivas ou de serem compatíveis com as lesões sofridas, e, descrevem-se as sequelas, indicando que:

- membro superior direito apresenta uma área cicatricial hipercrómica, irregular, com 4 por 2 cm de maiores dimensões, ténue, mas não há amiotrofia do braço;

- membro inferior direito: na região da crista ilíaca, presença de uma área cicatricial eucrómica, com 7 por 3 cm de maiores dimensões, ténue, sem repuxamentos ou dor referida à palpação; no joelho, presença de uma área cicatricial ligeiramente hipercrómica, com 3 por 1 cm de maiores dimensões localizada na face anterior, ténue, sem repuxamentos ou dor referida à palpação; força muscular e mobilidade do joelho conservadas;

- membro inferior esquerdo: no joelho, presença de uma área cicatricial hipercrómica com 4 por 1 cm de maiores dimensões localizada na face anterior, ténue, sem repuxamento ou dor referida à palpação; força muscular e mobilidade do joelho conservadas; testes meniscais e ligamentares negativos; sem amiotrofias aparentes da coxa ou perna.

E apresenta lesões e/ou sequelas, com dor à palpação, mas sem relação com o evento.

Assim, sem prejuízo de o autor poder vir, mais tarde a demonstrar que é atingido por crises álgicas, quando ocorrerem, originadas pelas lesões que lhe foram provocadas pelo acidente, e, não por quaisquer outras, e de que o alívio de tal sofrimento carece de tratamentos de fisioterapia que, nesse caso terão de ser suportadas pela ré, não decorre da matéria provada que tais danos futuros sejam, neste momento previsíveis, tal como exigido pelo art.º 564.º, n.º 2 do Código Civil.

Tais danos emergem da matéria de facto como uma mera eventualidade de um prejuízo futuro sem se mostrarem acompanhados de um elevado grau de probabilidade de que efectivamente venham a ocorrer no futuro, o que obsta à sua consideração como imediatamente ressarcíveis, ainda que liquidáveis em momento posterior.

Procede, pois, a revista apresentada pela ré com este fundamento.

3. Indemnização por danos não patrimoniais

O Autor, em recurso subordinado, vem requer que a indemnização por danos não patrimoniais seja fixada em montante nunca inferior a 40 000,00€, tendo o acórdão recorrido fixado em 30 000,00€ esse valor.

A indemnização por danos não patrimoniais foi fixada segundo o critério da equidade e suportado nos seguintes parâmetros:

“(…) Da factualidade apontada resulta que o Autor sofreu lesões relativamente graves que foram causa de tratamentos diversos, internamentos que se prolongaram por quase dois anos, padeceu e padecerá da descrita deformação e sofrimento físico e psíquico para o resto da sua vida (tenha-se em atenção que tinha cerca de 27 anos à data do evento e é provável que sobrevida pelo menos até aos 81 anos), sendo que aqui se está a considerar o sofrimento passado e futuro no âmbito acima descrito.

Posto isto, não pode duvidar-se da amplitude e da gravidade dos danos em causa, que atinge um homem na flor da vida e saudável.

A equidade consubstanciada por estes factos não prescinde, contudo, passe a repetição, da equalização. (…) Salienta-se ainda que, tal como vem sendo decidido pelos Tribunais em geral, por norma, a indemnização a fixar em juízo deve atender aos factos mais recentes, em cumprimento do disposto no art. 611º, nº 1, do Código de Processo Civil.”.

Relativamente aos elementos ponderados pelo Tribunal recorrido de que apenas nos afastaremos quanto à esperança média de vida, como acima analisado, e na análise comparativa dos montantes indemnizatórios que têm vindo a ser fixados pelo Supremo Tribunal de Justiça em situações similares, para alcançar a justiça do caso concreto, não encontramos dissonâncias significativas que possam importar a irrazoabilidade do montante fixado pelo Tribunal recorrido para indemnização dos danos não patrimoniais sofridos pelo autor, que, nessa medida se confirma.


* ** *

III – Deliberação

Pelo exposto, concede-se parcialmente a revista e em consequência:

1. confirma-se o acórdão recorrido na parte impugnada quanto à indemnização atribuída a título de indemnização por danos não patrimoniais em 30 000,00€ (trinta mil euros);

2. revoga-se o acórdão recorrido na parte impugnada quanto à indemnização a liquidar em execução de sentença por danos futuros relativa a tratamentos de fisioterapia em crises álgicas, e quanto à indemnização por dano patrimonial futuro - a título de défice funcional permanente da integridade física e psíquica – fixando-se esta em 30 0000,00€ (trinta mil euros), absolvendo a ré do respectivo pedido.

3. Julga-se improcedente o recurso subordinado.

Custas em todas as instâncias, por ambas as partes na proporção do respectivo decaimento – art.º 527.º do Código de Processo Civil -.


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Lisboa, 29 de Fevereiro de 2023

Ana Paula Lobo (relatora)

Fernando Baptista

Afonso Henrique Cabral Ferreira