Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5267/15.7T8SNT-A.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DO VALE
Descritores: INSOLVÊNCIA
CRÉDITO
GARANTIA DO PAGAMENTO
OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
PAGAMENTO
EXTINÇÃO
Data do Acordão: 04/05/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARICALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR - PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO - DECLARAÇÃO DA SITUAÇÃO DE INSOLVÊNCIA / EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA / EFEITOS SOBRE OS CRÉDITOS / PAGAMENTO AOS CREDORES.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÕES SOLIDÁRIAS.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10.ª Ed., 765 e ss..
- Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas" Anotado, 2.ª ed., 175.
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 6.ª Ed., 169.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, Vol. I, 4.ª Ed., 534.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º 2, 512.º, N.º 1, 519.º, N.º1.
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE):- ARTIGOS 1.º, Nº 2, 17.º-F, N.º 3, 94.º, 95.º, N.º 1, 179.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 53.º, N.º 1, 635.º, N.º 5.
Sumário :
I - Traduzindo uma garantia concedida ao credor, o qual, assim, assegura maior eficácia ao seu direito, que se pode exercer integralmente contra qualquer um dos devedores, no regime da denominada solidariedade passiva, cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera.

II - Verificando-se a situação económica difícil ou de insolvência iminente previstas no art. 1.º, n.º 2, do CIRE, ocorre a “razão atendível” salvaguardada na parte final do art. 519.º, n.º 1, do CC.

III - O crédito submetido ao regime de solidariedade passiva permite que a respetiva (eventual e futura) liquidação integral ou parcial por qualquer dos devedores solidários possa ser encarada como condição resolutiva a que aquele se encontra sujeito, com a inerente repercussão na extinção integral ou parcial do respetivo montante, a ser invocada pelos devedores, como facto, total ou parcialmente, impeditivo do direito do credor (art. 342.º, n.º 2, do CC).

IV - Daí que tal crédito deva ter o tratamento legal previsto no art. 94.º do CIRE.
Decisão Texto Integral:

Proc. nº 5267/15.7T8SNT.L1.S1[1]

               (Rel. 237)

                        Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça

1 - Nos autos em epígrafe, a credora “AA, S. A.”, impugnou o crédito condicional reconhecido a “BB PLC”, no montante de € 1 114 964,88, defendendo a sua exclusão da lista definitiva de créditos (FIs. 404 e ss.).

       Alegou, em síntese, que:

--- Tal crédito emerge da celebração de um contrato de financiamento celebrado com a “CC” e todas as demais empresas do grupo “DD”, aqui se incluindo a ora impugnante e a requerente / devedora;

--- O financiamento acabou por ser creditado somente na conta da “CC”, no montante de € 1 OOO OOO, 00 {um milhão de euros), e foi por esta integralmente utilizado;

--- Na sequência do incumprimento por parte da “CC”, o “BB PLC” procedeu à resolução do contrato, preencheu a livrança de garantia que tinha, devidamente subscrita pela “CC”, e intentou contra esta execução judicial que corre os seus termos sob o número 698/14.2TBVNO, no Tribunal da Comarca de Santarém, Instância Central, J1;

--- Com o preenchimento da livrança subscrita pela “CC” e com a interposição da execução em questão optou o “BB PLC” por pedir à “CC” a totalidade do valor em dívida, o que o inibe de pedir aos outros devedores o que ao primeiro tenha exigido, conforme previsto no art. 519º do Código Civil;

--- Acresce que o “BB PLC” deduziu reclamação pelo mesmo crédito no âmbito do processo de revitalização interposto pela “CC”, processo esse que corre termos, sob o número 5249/15.9T8SNT, nesse Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste, Sintra, Instância Central - Juiz 1, crédito esse que ali foi recebido e consta da lista como crédito comum;

--- Sendo a ora impugnante e a empresa devedora no presente “PER” parte do mesmo grupo de empresas - sendo possível e expectável que o plano de recuperação seja global e as abranja a todas - o facto é que o eventual reconhecimento de todos os créditos que o “BB PLC” virá a reclamar em todas e cada uma das sociedades que outorgaram o contrato de financiamento equivaleria a dar-lhe uma ponderação na votação do plano de recuperação correspondente ao valor real do crédito multiplicado pelo número das sociedades que assinaram o contrato, o que não é curial, justo ou, mesmo, legal.

       A devedora, “EE, S. A.”, veio impugnar a referida lista com os mesmos fundamentos invocados pela credora “AA, S. A.”, na respetiva impugnação (Fis. 498 e segs.).

      Alegou, em síntese, que o “BB PLC” apenas detém sobre a requerente/devedora um crédito de natureza comum, no valor de € 243 931,22, e não também o crédito a que foi reconhecida natureza condicional, no valor de € 1 114 964,88.

       O credor “BB PLC” veio responder às impugnações deduzidas ao seu crédito reconhecido como condicional (Fls. 587 e ss).

       Defendeu, em síntese, que lhe assiste o direito de exigir o seu crédito de todas as empresas do “FF” que celebraram o contrato donde emerge o crédito impugnado, não sendo aplicável, no caso dos autos, o disposto no art. 519°, do Código Civil.

       A Sra. AJP (Administradora Judicial Provisória) veio responder às impugnações apresentadas, nos termos constantes de fls. 638-641, não tendo alterado a sua posição vertida na lista junta aos autos.

       Foi, então, proferida esta decisão:

"... Pelo exposto, improcedem as impugnações apresentadas pela credora “AA, S. A.” e pela devedora “EE, S. A. ..”.

      Tendo recorrido as impugnantes, a Relação de Lisboa, por acórdão de 05.11.15 e na procedência da apelação, revogou a decisão apelada, julgando procedentes as impugnações em causa.

       Daí a presente revista interposta pela apelada, com invocação da oposição prevista no art. 14º, nº1, do CIRE - tida por verificada -, visando a revogação do acórdão recorrido, conforme alegações culminadas com a formulação das seguintes conclusões:

                                                     /

1ª - Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que não reconheceu o crédito detido pela ora recorrente, sobre a devedora, ora recorrida;

2ª - Tal como oportunamente provado, a recorrente celebrou, com as recorridas e outras sociedades pertencentes ao denominado "FF", um contrato de empréstimo sob a forma de abertura de crédito, ao abrigo do qual aquela disponibilizou às mutuárias a quantia de € 1 000 000,00, tendo-a creditado, integralmente, na conta de uma delas, a “CC - …, S. A.”;

3ª - Nos termos do aludido contrato, as sociedades mutuárias confessaram-se expressa e solidariamente responsáveis pelo cumprimento de quaisquer obrigações dali emergentes, assentindo que ao credor cabia o direito de exigir o cumprimento integral das obrigações a qualquer uma delas (cláusulas 7 e 16.2 do respectivo contrato junto, a fls. 410-429);

4ª - Na sequência do incumprimento das obrigações emergentes para as sociedades mutuárias, a recorrente instaurou acção executiva contra a referida sociedade “CC, S. A.” que, posteriormente, entrou em Processo Especial de Revitalização, tendo a recorrente, nesse seguimento, aí apresentado a sua reclamação de créditos;

5ª - No âmbito dos presentes autos de Processo Especial de Revitalização, a recorrente reclamou igualmente o seu crédito, no valor total de € 1 358 896,10, tendo as recorridas impugnado o seu reconhecimento, o que foi rejeitado pela sentença da Primeira Instância, esta posteriormente revogada pelo acórdão recorrido, segundo o qual «se o credor executou a obrigação exequenda, a única sociedade a quem poderá pedir se exigido o pagamento será à CC» e que «a partir do momento em que existe a execução, o credor limitou o âmbito da sociedade passiva». É desta decisão que vem interposto o presente recurso;

6ª - A mesma questão de reconhecimento do crédito da recorrente, fundado no mesmo contrato de empréstimo aqui em causa, foi apreciada no Processo Especial de Revitalização da sociedade “GG, Lda”, também pertencente ao "FF", tendo aí o mesmo Tribunal da Relação de Lisboa se pronunciado favoravelmente à ora recorrente, no sentido do reconhecimento do seu crédito;

7ª - A decisão - já transitada em julgado - em contradição com o acórdão ora recorrido, entendeu, que «[n]o processo especial de revitalização, o crédito reclamado à devedora, em que esta tem a qualidade de responsável solidária, deve constar na lista de créditos, mesmo se a quantia correspondente já foi reclamada a um devedor solidário diferente em outro processo, constituindo um crédito sob condição resolutivo, o que se referem os artigos 50º e 94º do CIRE, que se extingue caso venha a ser pago por qualquer dos outros devedores solidários».

8ª - A contradição evidente entre a decisão recorrida e o acórdão-fundamento e o facto de não ser conhecida jurisprudência de uniformização conforme com a decisão recorrida, justificam, nos termos do artigo 14º, nº 1, segunda parte, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a interposição do presente recurso de revista;

9ª - Nas duas decisões, discutem-se os mesmos factos, a natureza e regime das obrigações assumidas no mesmo contrato de empréstimo e a questão fundamental do reconhecimento, ou não, do crédito reclamado pela ora recorrente num e noutro processo;

10ª - O Tribunal “a quo”, apesar de não questionar a natureza solidária das obrigações decorrentes do contrato de empréstimo, não andou bem na aplicação que fez do artigo 519º, nº 1, do Código Civil;

11ª - Em primeiro lugar, a regra prevista na segunda parte do artigo 519º, nº 1, do Código Civil, não é aplicável ao caso sub judice, desde logo porque a natureza do Processo Especial de Revitalização nunca o permitiria subsumir à regra prevista no artigo 519º, nº 1: o processo especial de revitalização não consubstancia um procedimento judicial a que o credor possa lançar mão contra o devedor com vista a exigir o pagamento do seu crédito, mas um mero instrumento processual, com um propósito negocial, centrado no devedor e na sua viabilidade;

12ª - Em segundo lugar, porque esta regra é afastada quando «houver razão atendível, como a insolvência ou risco de insolvência do demandado, ou dificuldade, por outra causa, em obter dele a prestacão»(Cfr. artigo 519º, nº1  “in fine”, do Código Civil) e o Processo Especial de Revitalização pressupõe e traduz, precisamente, a situação económica difícil ou de insolvência iminente em que a devedora se encontra;

13ª - Em terceiro lugar, o artigo 519º, nº 1, do Código Civil não tem carácter imperativo, podendo ser afastado por convenção das partes em contrário, o que efectivamente sucedeu, tendo as partes previsto que assistia «ao BB a faculdade de exigir o cumprimento das obrigações emergentes do presente contrato, a qualquer um dos seus intervenientes, independentemente de o fazer em relação aos restantes» (Cfr. cláusula 16.2 do contrato de empréstimo).;

14ª - Acresce ainda que artigo 95º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas estabelece que «[o] credor pode concorrer pela totalidade do seu crédito a cada uma das diferentes massas insolventes de devedores solidários e garantes, sem embargo de o somatório das quantias que receber de todas elas não poder exceder o montante do crédito»;

15ª - Quer a doutrina, quer a jurisprudência, têm sustentado que as situações em que 0s co-devedores se encontrem em situação de insolvência ou meramente em situação económica difícil permitem que o credor accione judicialmente cada um deles, ao abrigo dos já referidos artigos 519º, nº 1, “in fine”, do Código Civil, 95º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas: é entendimento unânime que ao credor é concedida a faculdade de reclamar os seus créditos em cada um dos processos de insolvência dos devedores solidários, apenas com o limite lógico de não receber, por via dos vários processos, mais do que lhe é devido;

16ª - Ainda sobre a articulação destes dois preceitos, a jurisprudência entende que a regra prevista na insolvência (artigo 95.º) consolida o regime excepcional previsto no artigo 519º, quanto à possibilidade de, em situação económica difícil ou de insolvência, o credor reclamar, autonomamente, dos co-devedores, o seu crédito;

17ª - Logicamente, a prerrogativa concedida ao credor pelo artigo 519º, nº 1, “in fine”, do Código Civil, e pelo artigo 95ºdo Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas é mitigada pelo artigo 179º deste Diploma, que condiciona o pagamento ao credor à exibição da certidão comprovativa dos montantes recebidos nos processos de insolvência dos restantes devedores, por forma a acautelar que aquele não enriquece indevidamente;

18ª - Em face das razões de Direito expostas, é forçoso concluir pela total falta de fundamento do acórdão recorrido e pela bondade da decisão do acórdão- fundamento, quanto ao reconhecimento do crédito da recorrente sobre as diversas sociedades do "FF", nos Processos Especiais de Revitalização e de Insolvência onde a recorrente tenha, nos termos da lei, exercido o seu direito de reclamação de créditos;

19ª - A decisão ora recorrida deverá ser revogada por outra que reconheça o crédito reclamado pela recorrente como um crédito comum ou, em consonância com a orientação defendida no acórdão-fundamento, como um crédito sujeito a uma condição resolutiva, devendo, nesta hipótese, ser tratado como incondicionado até ao momento em que a condição se preencha, nos termos e para os efeitos dos artigos, conjugados, 94º, 95º e 179º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com o que V. Exas farão a habitual justiça.

       Contra-alegando, defendem as recorridas a manutenção do julgado ou, assim não sendo entendido, que seja decidido que a ponderação do crédito invocado pela recorrente, na votação do plano de recuperação a apresentar, seja fixado em zero.

       Corridos os vistos e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.

                                                     /

2 - Com relevância para a apreciação e decisão do recurso, está provado:

                                                    /

1 - O crédito (de € 1 114 964,88) reclamado por “BB PLC” emerge do incumprimento daquilo que foi acordado nos termos constantes do documento junto a fis. 410-429, intitulado "Contrato de Empréstimo sob a forma de Abertura de Crédito", facto que não vem posto em causa;

2 - Fizeram parte de tal contrato, na qualidade de "Creditadas", doze empresas do mesmo grupo empresarial (“DD”), aqui se incluindo a credora impugnante e a requerente/devedora;

3 - O montante financiado - € 1 000 000,00 - foi creditado na conta de apenas uma das empresas do grupo, mais concretamente na conta da empresa “CC e, por motivo de incumprimento, o “BB PLC” procedeu à resolução do referido contrato, preencheu uma livrança dada como garantia, subscrita pela referida “CC” e intentou contra esta execução judicial;

4 - Consta do referido contrato o seguinte:

RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DAS CREDITADAS

         7.1.      As CREDITADAS obrigam-se, de forma irrevogável, em regime de solidariedade plena entre si, a assumir todas e cada uma das responsabilidades decorrentes do presente Contrato, designadamente do reembolso do capital, pagamento dos juros, comissões, encargos e despesas;

         7.2.      As CREDITADAS aceitam sem qualquer restrição e na íntegra o teor e alcance do presente Contrato e, assumem os direitos e obrigações que derivam do mesmo, responsabilizando-se solidariamente pelas obrigações - assumidas como obrigações com pluralidade de devedores - que para elas decorrem do mesmo, pelo que o BB poderá exigir a qualquer uma delas o cumprimento de todas as obrigações decorrentes do presente Contrato;

         7.3.      Em consequência do disposto nos números anteriores da presente Cláusula, as CREDITADAS renunciam mutuamente a invocar qualquer direito de divisão ou excussão prévia relativa ao património de cada uma delas, assumindo, assim, uma obrigação directa de pagamento de todas as obrigações que advenham do presente Contrato, independentemente da afectação concretizada do crédito;

         7.4.      As CREDITADAS declaram não existir qualquer óbice legal ou outro, que impeça ou limite a solidariedade, reconhecendo que a cessação do presente Contrato, independentemente da causa que lhe der origem, designadamente ocorrendo a sua denúncia ou resolução, não prejudica o regime de solidariedade acima referido, relativamente ao cumprimento das obrigações pecuniárias assumidas pelas CREDITADAS e que se encontram por liquidar à data em que a cessação produza efeitos”.

                                                     *

3 - Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente e não havendo lugar a qualquer conhecimento oficioso, constata-se que a questão por si suscitada e que, no âmbito da revista, demanda apreciação e decisão por parte deste Tribunal de recurso consiste em saber se deve, ou não, ser reconhecido, no âmbito do PER em que figura como devedora/requerente “EE S. A.”, o seu reclamado crédito de € 1 114 964,88.

       Apreciando:

                                                    *

4 - I - O crédito reclamado pela recorrente emerge do incumprimento do contrato mencionado em 2 supra e em que as recorridas figuram como co-creditadas pela recorrente, tendo-se, aí, constituído co-devedoras, em regime de solidariedade, das importâncias que, por força do sobredito incumprimento, viessem a ser devidas à creditante e, ora, recorrente.

       Como decorre do relatório que antecede, a recorrente reclamou o seu correspondente crédito de € 1 114 964,88, no âmbito do PER em que figura como requerente/devedora uma das empresas integrantes do denominado e por si creditado “FF”, ou seja, a sobredita “EE, S. A.

      Como também resulta dos autos, esse reclamado crédito foi reconhecido como condicional pela Ex. ma AJP, vindo a ser impugnado pela requerente/devedora e pela credora “AA, S. A.”, ambas integrantes do grupo creditado e que se haviam constituído, nos sobreditos termos, em co-devedoras solidárias do montante que, em consequência do incumprimento do aludido contrato celebrado com “BB PLC”, a este viesse a ser devido.

      Na 1ª instância, foi julgada improcedente aquela impugnação, em sintonia, aliás, com o que se mostra acolhido no acórdão-fundamento. Em contrapartida, no acórdão recorrido, foi revogada a sentença apelada, com a inerente procedência das mencionadas impugnações.

      Adianta-se, desde já, que se subscreve o entendimento acolhido quer na sentença da 1ª instância, quer no acórdão-fundamento, suscitando-nos genérica concordância o que vem propugnado nas doutas alegações da recorrente.

       Vejamos:

                                                      /

II - As recorridas escudam-se, essencialmente, em duas linhas argumentativas: por um lado, a recorrente estaria, por força do preceituado no art. 519º, nº1, do CC e dado ter já demandado, em acção executiva, uma outra co-devedora (a “CC”, subscritora da livrança por si preenchida e mencionada em 3 de 2 supra), impedida de acionar qualquer outra co-devedora solidária para cobrança do crédito - ali - exequendo; e, por outro lado, a entender-se o contrário, incorrer-se-ia no absurdo de considerar o crédito reclamado pela recorrente tantas vezes quantas as co-devedoras se socorressem do recurso ao PER, com a fatal implicação de não ser tido em conta o verdadeiro montante de tal crédito, mas, antes, este multiplicado pelo número das co-devedoras que recorressem a tal processo especial.

       Não lhes assiste razão!

      Como é sabido, o art. 1º, nº2, do CIRE, na redação introduzida pela Lei nº 16/12, de 20.04, passou a dispor que “Estando em situação económica difícil, ou em situação de insolvência meramente iminente, o devedor pode requerer ao tribunal a instauração de processo especial de revitalização, de acordo com o previsto nos arts. 17º-A a 17º-I”. Como é, unanimemente, reconhecido, tratou-se de uma inflexão na perspetiva subjacente ao originário CIRE, até aí virado, essencialmente, para a satisfação dos credores do insolvente, mediante um processo de verdadeira execução universal.

       Nos termos do disposto no art. 17º-F, nº 3, do CIRE, “Considera-se aprovado o plano de recuperação que reúna a maioria dos votos prevista no nº1 do art. 212º, sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista de créditos a que se referem os nº/s 3 e 4 do art. 17º-D, podendo o juiz computar os créditos que tenham sido impugnados se considerar que há probabilidade séria de tais créditos deverem ser reconhecidos, caso a questão ainda não se encontre decidida”. Anotando Carvalho Fernandes e João Labareda (in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 2ª ed., pags. 175) que, “Quanto aos votos que cabem a cada credor, na falta de norma própria, não há dificuldade em aplicar analogicamente a disposição da primeira parte do nº 1 do art. 73º”, ou seja, um voto por cada euro ou fração.

      Ocorre, singularmente, que o crédito reclamado pela recorrente encontra-se a coberto do regime da denominada solidariedade passiva, abarcando neste todas as empresas por si creditadas, de acordo com o contrato entre todas celebrado e mencionado em 2 supra: trata-se de um dado adquirido e não controvertido nos autos.

      Em tal regime, cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera (art. 512º, nº1, do CC). Trata-se de uma garantia concedida ao credor, o qual, assim, assegura maior eficácia ao seu direito, que se pode exercer integralmente contra qualquer um dos devedores (citado art. 512º, nº1 e art. 519º, nº1, também do CC - Cfr., a propósito, Prof. Menezes Leitão, in “Direito das Obrigações”, Vol. I, 6ª Ed., pags. 169; Prof. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 10ª Ed., pags. 765 e segs; e Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in “CC Anotado”, Vol. I, 4ª Ed., pags. 534).

      O que, conjugado com a ponderação que segue e dando acolhimento ao propugnado pela recorrente, nos encaminha para a total rejeição dos argumentos “ex adverso” invocados pelas recorridas.

       Com efeito:

--- Não tem qualquer cabimento a deslocada invocação do preceituado no art. 519º, nº1, do CC, porquanto, para além de não nos confrontarmos com qualquer procedimento judicial destinado à cobrança coerciva do crédito da recorrente, tendo a requerente/devedora lançado mão de um PER, tal significa que a mesma se considera e tem de ser considerada em situação económica difícil, ou em situação de insolvência iminente (art. 1º, nº 2 do CIRE), o que consubstancia a “tal” razão atendível salvaguardada na parte final do mencionado art. 519º, nº1, do CC e que obsta à aplicação do regime que resultaria da observância do demais, aí, preceituado;

--- A recorrente é, nos mencionados termos, titular indiscutível, do reclamado direito de crédito sobre todas e cada uma das creditadas, não se vislumbrando, pois, qualquer atendível razão para o mesmo não lhe ser como tal reconhecido. Sendo, por outro lado, certo que tal direito seria meramente “platónico” e desprovido da vantagem e utilidade, assim, prosseguidas pela credora, caso esta não pudesse exercer as correspondentes faculdades no âmbito de um PER relativo a qualquer das devedoras solidárias, com a inerente transcendência quanto ao respetivo destino e sobrevivência económica: equivaleria a negar ao credor os poderes de que, genericamente, disfruta em sede de conservação da respetiva garantia patrimonial;

--- À semelhança dos mecanismos constantes do CIRE e destinados a prevenir que o credor receba dos respetivos devedores solidários montante superior ao do respetivo crédito (Cfr., designadamente, os arts. 94º, 95º, nº1 e 179º, nº1 daquele Cod), também no âmbito da votação prevista no art. 17º-F, nº3 do CIRE, não deixarão os devedores solidários, restantes credores, AJP e o próprio requerente do PER de noticiar qualquer ocorrida liquidação integral ou parcial do crédito submetido ao regime da solidariedade passiva, assim obviando, se disso for o caso, a que aquele seja considerado no seu montante global;

--- Face aos termos em que as creditadas se vincularam perante a recorrente e constantes de 4 de 2 supra, irreleva o facto do montante financiado ter sido creditado na conta de apenas uma das empresas do grupo: todas as empresas integrantes do grupo aceitaram que o BB poderia exigir a “qualquer uma delas o cumprimento de todas as obrigações decorrentes do contrato”, “independentemente da afectação concretizada do crédito”;

--- O facto de ter sido demandada na ação executiva apenas a subscritora da livrança, para além de consubstanciar opção da exequente, não deixa de harmonizar-se com o preceituado no art. 53º, nº1, do CPC, não podendo, por outro lado, interferir com o regime legal da solidariedade passiva;

--- O crédito submetido ao regime de solidariedade passiva permite que a respetiva (eventual e futura) liquidação integral ou parcial por qualquer dos devedores solidários possa ser encarada como condição resolutiva a que aquele se encontra sujeito, com a inerente repercussão na extinção integral ou parcial do respetivo montante, a ser invocada pelos devedores, como facto, total ou parcialmente, impeditivo do direito do credor (art. 342º, nº2, do CC). Devendo, pois, o mesmo ter o tratamento legal previsto no art. 94º do CIRE.

      

                                                    *

5 - Aqui chegados, constata-se que o crédito da recorrente foi reconhecido como condicional pela Ex. ma AJP, contra o que a, ora, recorrente, então, se não insurgiu.

       Assim, considerando o preceituado no art. 635º, nº 5 do CPC e não obstante o que ficou expendido, manter-se-á o respetivo reconhecimento como condicional, não podendo, nesta parte, acolher-se a pretensão da recorrente.

                                                     *

6 - Na decorrência do exposto, acorda-se em conceder, parcialmente, a revista, em consequência do que se revoga o acórdão recorrido, para ficar a subsistir o decidido na 1ª instância.           

      Custas, aqui e na Relação, por recorrente e recorridas, na proporção de 1/10 e de 9/10, respetivamente, sendo as da 1ª instância imputadas nos termos previstos no art. 304º do CIRE.

                                                     /

                                        Lx     05  /    04  /  2016   /

Fernandes do Vale (Relator)

Ana Paula Boularot

Pinto de Almeida

                                                            

_____________
[1] Relator: Fernandes do Vale (01/16)
  Ex. mos Adjuntos
  Cons. Ana Paula Boularot
  Cons. Pinto de Almeida