Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
908/17.4PDAMD.L1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: JOÃO RATO
Descritores: RECURSO PER SALTUM
IN DUBIO PRO REO
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Data do Acordão: 01/31/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :
I - O recurso interposto para o STJ de acórdão final proferido por tribunal coletivo, que condene em pena superior a cinco anos de prisão, além da matéria de direito, pode também fundar-se nos vícios da decisão previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP, cuja indagação pelo tribunal ad quem constitui ainda “uma tarefa puramente jurídica”, que se basta com o texto da própria decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência, sem qualquer recurso a elementos a ela externos, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 434.º e 432.º, n.º 1, al. c), do mesmo diploma legal.
II - Nessa eventualidade, que é a que se perfila no caso em apreço, o conhecimento desses vícios, que, aliás, o tribunal de recurso pode e deve conhecer ex officio, cabe nos poderes de cognição do STJ, como resulta inequívoco da letra dos mencionados normativos, neles se incluindo a violação do princípio do in dubio pro reo, que que tem sido jurisprudencialmente analisado como vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP.
III - O caso em apreço enquadra-se na jurisprudência fixada pelo acórdão do STJ n.º 5/2017, publicado no DR. n.º 120/2017, Série I, de 23-06-2017, a pp. 3170 – 3187, por força do qual incumbe ao STJ apreciar as medidas das penas parcelares e única ou conjunta em que o recorrente foi condenado, salvo aquela parcelar de 4 anos de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, em face da improcedência do pedido de absolvição que relativamente à mesma formulou e da não apresentação de qualquer outro, ainda que a título subsidiário, expresso ou tácito, quanto à respetiva medida.
IV - A determinação concreta da pena não está dependente de qualquer exercício discricionário ou “arte de julgar” do juiz, não se compadece com o recurso a critérios de índole aritmética, nem almeja uma “precisão matemática”, antes reclama a ponderação e valoração das finalidades das penas e dos critérios da sua escolha e dosimetria, sempre por referência à culpa do agente, como seu necessário pressuposto e limite inultrapassável, em conformidade com o disposto nos artigos 40º, 70º e 71º do CP, no que às penas singulares concerne, ao que acresce, quanto à pena única ou conjunta, resultante do cúmulo jurídico das penas fixadas para os crimes em concurso, um critério peculiar estabelecido no seu art. 77.º, n.º 1, in fine, qual seja, o da consideração, “em conjunto, (d)os factos e (d)a personalidade do agente”.
V - Constitui jurisprudência uniforme e constante do STJ que, se a fundamentação do acórdão recorrido revelar o cumprimento daquelas operações e o respeito pelas referidas finalidades e critérios, o tribunal de recurso deve, em princípio, abster-se de qualquer modificação na medida concreta da pena, salvo desconformidade com as regras da experiência ou manifesta injustiça, por desproporcionalidade ou desnecessidade.
VI - Mostrando-se o acórdão recorrido bem fundado e tendo em conta as finalidades das penas, em particular as elevadas exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, sob pena de postergação da proteção dos bens jurídicos que com as incriminações se pretendem acautelar, o da propriedade privada, direito económico que goza do regime dos direitos, liberdades e garantias, nos termos dos arts. 62.º e 17.º da CRP, as penas de prisão, parcelares e única, aplicadas ao arguido, são justas, adequadas e fixadas de harmonia com os princípios da necessidade e da proporcionalidade das penas, sem ultrapassar a medida da sua culpa.
VII - Mostram-se, além disso, mais próximas do limite mínimo do que do limite máximo das correspondentes molduras abstratas ou legais e em sintonia com os habituais parâmetros do STJ para situações equivalentes, como pode ver-se dos acórdãos, de 05-07-2012 e de 10-05-2023, proferidos nos processos n.os 246/11.6GAGRD.S1 e 23/20.3GABNV.C1.S1, relatados pelos Conselheiros Raúl Borges e Orlando Gonçalves, respetivamente.
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 908/17.4PDAMD L1.S1.


(Recurso Per Saltum)


*


Acordam, em Conferência, na 5.ª Secção Criminal, do Supremo Tribunal de Justiça


*


I. Relatório


1. Por acórdão, de 24.03.2023, do Juízo Central Criminal … (JCC…) – J ., do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, foi o arguido AA, com os demais sinais dos autos, condenado, nos termos do seguinte dispositivo, que se transcreve na parte que ora releva:


«(…) 9. DISPOSITIVO


Pelo exposto, ao abrigo dos preceitos legais citados e dos abaixo indicados, os Juízes que constituem este Tribunal Coletivo decidem julgar a acusação parcialmente procedente e, consequentemente:


(…)


3. condenar o Arguido AA pela prática, em autoria material e concurso real:


a. de 1 (um) crime de furto, na forma consumada, p. e p. pelo art.º 203º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 15 (quinze) meses de prisão (NUIPC 908/17.4 PDAMD);


b. de 1 (um) crime de furto qualificado, na forma consumada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 203º, n.º 1, e 204º, n.º 2, al. e), todos do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão (NUIPC 908/17.4 PDAMD);


c. de 1 (um) crime de furto, na forma consumada, p. e p. pelos art.ºs 203º, n.º 1, e 204º, n.ºs 2, al. e), e 4, e 202º, al. c), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão (NUIPC 765/17.0...);


d. de 1 (um) crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203º, n.º 1, e 204º, n.ºs 2, al. e), e 4, e 202º, al. c), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão (NUIPC 860/17.6...) 1;


e. de 1 (um) crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelo art.º 203º, n.º 1, 204º, n.º 2, alínea e), 22.º, e 23º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão (NUIPC 46/18.2...);


f. de 1 (um) crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203º, n.º 1, e 204º, n.º 2, al. e), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão (NUIPC 71/18.3... e NUIPC 81/18.0...);


g. Em cúmulo jurídico das penas parcelares descritas em a., b., c., d., e. e f., nos termos do art.º 77º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, condenar o Arguido na pena única de 6 (seis) anos e 9 (nove) meses de prisão;


(…)».


2. Inconformado, interpôs o referido arguido, em 8.05.2023, recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), apresentando as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):


«CONCLUSÕES:


1. A factualidade dada como provada no NUIPC de 908/17 fundamentou-se essencialmente nas declarações do Arguido, que colaborou com a descoberta da verdade, em sede de interrogatório judicial.


2. No que respeita à factualidade vertida em sede do NUIPC ... e ... os elementos constantes no processo não oferecem segurança bastante para imputar autoria dos factos ao arguido.


3. Na verdade, assim o impõe o princípio in dubio pro reo, desde logo porque ficou em absoluto por apurar a que título é que o arguido se mostrava na posse do dito cofre quando:


- conforme ficou cabalmente provado:


- i) o cofre só poderia ser transportado por duas pessoas;


- ii) estava na residência do arguido a testemunha BB, que se encontrava detido à data do seu depoimento, e com antecedentes criminais;


- iii) além desta testemunha estavam lá mais pessoas na residência do arguido, que a testemunha BB mencionou…


- iv) o arguido não admitiu a prática dos factos, tendo mencionado que foi a testemunha BB a levar o cofre para a sua residência.


4. Termos em que o arguido deverá ser absolvido da prática do crime de furto qualificado em que foi condenado, e em 4 anos de pena de prisão (NUIPC ... e NUIPC ...).


5. As penas parcelares e a pena única desrespeitaram os princípios da proporcionalidade, necessidade, adequação e proibição de excesso.


6. Efetivamente, as medidas parcelares das penas foram manifestamente excessivas, tendo em conta o constante no processo, pelo que foi violado o escopo do preceituado no artigo 71º do Código Penal.


7. O mesmo se diga à aplicação da pena única, nos termos do preceituado no disposto no artigo 77º do Código Penal, a qual deveria ter sido inferior a quatro anos de pena de prisão, tendo em conta, nomeadamente, à distância da ocorrência dos factos, o arguido encontrar-se em liberdade há mais de 3 anos e não serem conhecidas quaisquer ilicitudes, e a factualidade ocorrida foi num período muito concreto de descontrole da sua adição de toxicodependência, que tudo indica que atualmente está controlada, pelo que inexiste in totum uma tendência criminosa por parte do arguido.


ASSIM SE FAZENDO A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA!»


3. O recurso foi admitido por despacho da Juíza Presidente do tribunal coletivo, de 15.06.2023, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.


4. O Ministério Público junto do tribunal da condenação, respondeu, em 12.07.2023, ao recurso do arguido, concluindo (transcrição):


«(…) IV – Conclusões do Ministério Público:


1-O Tribunal “a quo” explicou fundamentadamente da razão pela qual julgou os factos respeitantes aos NUIPC 71/18.3... e NUIPC 81/18.0..., conjugando toda a prova produzida, designadamente valorando e conjugando as declarações do arguido, os depoimentos de CC, Agente da PSP, de DD, funcionária do Centro de Saúde da ... e de BB relativamente ao furto que ocorreu no Centro de Saúde da ..., tendo ainda sido tido em conta pelo teor do auto de notícia de fls. 236 a 237, auto de busca e apreensão de fls. 239 a 240, auto de exame e avaliação de fls. 241, fotografias de fls. 245 a 247, auto de reconhecimento de fls. 249 (do cofre).


2-No que particularmente o recorrente impugna de que não ficou de facto claro da prova produzida a que título é que o arguido tinha na sua posse o cofre em questão, o Tribunal Coletivo, explicou detalhadamente das razões que o levaram à sua convicção de que tal se deve ao facto de ter sido o arguido a efetuar a subtração do cofre do interior do Centro de Saúde com vista a apropriar-se do seu recheio.


3-Resulta de forma clara e devidamente suportada na prova produzida da razão pela qual o Tribunal Coletivo deu como assentes os factos provados, nomeadamente sustentando a sua convicção no que respeita à factualidade referente aos NUIPCs71/18.3... e NUIPC81/18.0....


4-Nenhuma censura merece a decisão do Tribunal Coletivo no que tange à matéria de facto, na medida em que percorreu toda a prova produzida, conjugou todos os elementos coligidos, explicou de forma clara as razões da sua convicção que são lógicas, objetivas e coerentes à luz da experiência de vida, razão pela qual se considera que a mesma assim se deve manter.


5-Atenta a moldura penal abstratamente aplicável prevista para os crimes em causa afiguram-se objetivamente adequadas as penas aplicadas, considerando os contornos dos casos em concreto, nomeadamente o valor dos bens subtraídos e não recuperados pelas vítimas, os estragos provocados pelo arguido, as elevadas necessidades de prevenção geral considerando a frequência com que situações semelhantes ocorrem na Comunidade, a qual manifesta censura e considerável para com as mesmas e bem ainda as elevadas necessidades de prevenção especial atendendo ao facto de que o arguido já cumpriu penas de prisão tendo sido condenado por factos semelhantes, que não tiveram o efeito dissuasor pretendido na medida em que o arguido ao cometer os factos objetos dos presentes autos atentou com maior intensidade e violência as normas jurídicas que protegem os bens jurídicos referentes ao património dos ofendidos.


6-Entende-se adequadas e proporcionais as penas parcelares aplicadas ao arguido, não merecendo as mesmas, assim como a medida concreta da pena única, qualquer censura, porquanto foram consideradas todas as circunstâncias pertinentes para este efeito nos termos do disposto no artigo 40.º e 71.º ambos do Código Penal.


Nestes termos, devem Vossas Excelências julgar improcedente o recurso e, em consequência, manter na íntegra, o douto acórdão recorrido, fazendo assim, como sempre, a costumada JUSTIÇA (…)».


5. O Ministério Público junto do TRL, em 10.10.2023, emitiu parecer no qual suscitou a questão prejudicial da incompetência material e em razão da hierarquia do mesmo Tribunal, porque o recurso era limitado à matéria de direito, assim também configurando a alegada violação do princípio do in dubio pro reo, integrável no vício da decisão do erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410º, n.º 2, al. c), interposto de decisão de tribunal coletivo que aplicou pena única superior a cinco anos de prisão, por isso, cabendo ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ) a competência para o seu conhecimento, nos termos dos artigos 11º, n.º 4, al. b), , 427º, 432º, n.º 1, al. c), e 434º, do CPP, e, subsidiariamente, no sentido da improcedência do recurso, nos termos constantes da resposta do Ministério Público na 1ª instância.


6. Por decisão da Juíza Desembargadora relatora, de 31.10.2023, sufragando o antes referido parecer do Ministério Público nesse sentido, foi o TRL declarado incompetente para conhecer do recurso, no entendimento de que visa apenas o reexame da matéria de direito, e ordenada a remessa dos autos ao STJ, por ser o material e hierarquicamente competente


7. Neste Tribunal, o Ministério Público, em 4.12.2023, emitiu fundamentado parecer, que, após considerar não se suscitar “qualquer questão que obste ao conhecimento do recurso interposto, devendo o mesmo ser julgado em conferência, nos termos do disposto no artigo 419.º, n.º 3, alínea c), do C.P.P”, rematou com a seguinte síntese conclusiva:


«(…) 12. Pelo exposto, e secundando a posição da Digna Procuradora da República junto da 1ª instância e, por conseguinte, subscrevendo na íntegra, com a devida vénia, os fundamentos exarados no acórdão condenatório, pronunciamo-nos igualmente pela improcedência do recurso interposto e pela manutenção do decidido.


(…)».


8. Observado o contraditório, o recorrente não respondeu ao parecer do Ministério Público.


9. Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.


II. Objeto do recurso


1. Considerando a motivação e conclusões do recurso, as quais, como é pacífico, delimitam o respetivo objeto2, as questões nele colocadas cingem-se:


a) À violação do princípio do in dubio pro reo, por via do qual devia ter-se considerado insegura a prova produzida relativamente aos factos que eram imputados ao arguido nos processos com o NUIPC ... e..., e, persistindo a dúvida/incerteza sobre a sua autoria, funcionar ela em seu favor, sendo absolvido do correspondente crime de furto, por cuja pratica foi condenado numa pena de prisão de 4 (quatro) anos [conclusões 2ª a 4ª];


b) Ao excesso da medida das penas, parcelares e única, de prisão aplicadas, em desrespeito dos princípios da proporcionalidade, necessidade, adequação e proibição de excesso e em violação dos artigos 71º e 77º do CP [conclusões 1ª e 5ª a 7ª].


III. Fundamentação


1. Na parte que aqui releva, é do seguinte teor o acórdão recorrido:


«(…)


3. Fundamentação


3.1. Matéria de facto provada


Realizado o julgamento, mostram-se exclusivamente provados, com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos:


NUIPC 908/17.4 PDAMD


1) No dia 24.08.2017, pelas 16h16, o Arguido AA deslocou-se à Lavandaria .... .., sita na Praça ..., na ..., e, aproveitando o facto de não estar ninguém na receção, introduziu o braço no interior do balcão e daí retirou um telemóvel de marca LG, modelo k4, com o valor de €90,00, apoderando-se do mesmo e abandonando o local, fazendo-o seu;


2) Dois dias mais tarde, no dia 26.08.2017, pelas 21h00, o Arguido voltou à aludida Lavandaria que se encontrava fechada, mas em regime de self service, e, arrombando a porta que dava acesso ao interior da mesma, penetrou no espaço vedado ao público e daí retirou um televisor, avaliado em €150,00, e um comando de uma box, de valor não concretamente apurado;


3) A reparação dos estragos causados na porta importaram o custo de €300,00;


4) O espaço em causa estava munido de circuito interno de videovigilância que captou a trajetória seguida pelo mencionado indivíduo;


NUIPC 765/17.0...


5) No dia 02.10.2017, pelas 23h30, o Arguido dirigiu-se à Praceta ..., em ..., na ..., com a intenção de aí se introduzir nas arrecadações do aludido edifício e se apoderar dos objetos de valor que aí encontrasse;


6) Aí chegado e munido de uma chave de fendas, o Arguido dirigiu-se à arrecadação do 3.º esq. e arrombando a porta de acesso à mesma, retirou do seu interior uma aparelhagem, de valor não concretamente apurado, mas inferior a €100,00, que fez sua, abandonando o local com esta;


7) O Arguido deixou vestígios palmares no interior da arrecadação;


NUIPC 860/17.6...


8) No dia 01.11.2017, pelas 19:45 horas, o Arguido dirigiu-se à Rua ..., na ..., com o intuito de se introduzir nas garagens e/ou arrecadações do prédio de modo a se apoderar dos objetos de valor que aí encontrasse;


9) Aí chegado, munido de uma chave de fendas, o Arguido forçou a porta da garagem do 1.º Esq. (box fechada), e introduzindo-se no seu interior retirou uma bicicleta e duas caixas com câmaras de filmar, momento em que foi surpreendido por EE, proprietário da aludida garagem;


10) De imediato, o Arguido colocou-se em fuga, deixando a bicicleta para trás e levando consigo as caixas com as câmaras;


11) Ao ver que estava a ser seguido pelo Ofendido EE arremessou uma das caixas para a via pública e seguiu o seu caminho, ainda com uma caixa em seu poder, despistando o Ofendido;


12) O Ofendido apanhou do chão a caixa arremessada pelo Arguido, verificando que se tratava de uma das suas câmaras;


13) Momentos mais tarde, pelas 20h25, o Arguido foi abordado pela PSP, no bairro da ..., na posse da aludida caixa com uma câmara no interior da mochila que transportava, de marca, AXIS M10, no valor de €200,00, pertencente a EE.


NUIPC 31/18.4...


14) No dia 13.01.2018, pelas 02h38, indivíduo não identificado dirigiu-se ao Centro Social “D.. ......... .. ........” ..., Creche, sito na Rua ..., na ..., com a intenção de aí se introduzir e se apoderar dos objetos de valor que aí encontrasse;


15)Aí chegado, o mencionado indivíduo, introduzindo-se por uma janela, que dá para um parque, nas traseiras do edifício, conseguiu entrar no aludido Centro e do seu interior retirou uma televisão, de marca e valor não concretamente apurado, um computador portátil de marca Toshiba, no valor de €2.245,52, uma máquina CANON modelo Ixus 160, no valor de €109,99, e alguns bens alimentares, que fez seus, abandonando o local;


NUIPC 46/18.2...


16)No dia 18.01.2018, pelas 22h00, o Arguido AA deslocou-se à Lavandaria W... ...., sita na Rua ..., na ..., que se encontrava fechada, mas em regime de self service, e, munido de uma chave de fendas, um ferro e um alicate de pressão tentou arrombar a porta que dava acesso a uma área técnica reservada a funcionários, com o intuito de se apoderar dos bens que aí estivessem dentro;


17)Na aludida área técnica encontrava-se a máquina de pagamento contendo valor monetário não inferior a €200,00;


18)O Arguido apenas não logrou os seus intentos por ter sido interrompido pelos agentes da PSP que foram chamados ao local e o surpreenderam;


19)Os estragos efetuados pelo Arguido na porta da lavandaria importaram o custo de €80,00;


NUIPC 71/18.3... e NUIPC 81/18.0...


20)Entre o dia 28.01.2018 e o dia 29.01.2018, em hora não concretamente apurada, mas antes das 07h30, o Arguido dirigiu-se ao Centro de Saúde da ..., sito na Rua ..., na ..., com a intenção de aí se introduzir e se apoderar dos objetos de valor que aí encontrasse;


21)Aí chegado, o Arguido logrou arrombar, de modo não apurado, a porta de acesso ao centro e do seu interior retirou um cofre com diversos objetos no interior, entre os quais envelopes com dinheiro no valor de €190,00, blocos de guias de tratamento, carimbos, vinhetas médicas, etc, que fez seus, abandonando o local;


22)No âmbito de queixas relativas a ruído, agentes da PSP foram chamados à habitação sita na ..., na ..., residência do Arguido;


23)Aí chegados, depararam-se com a porta da habitação entreaberta e um barulho ensurdecedor, tendo avistado o Arguido, munido de uma rebarbadora elétrica, a abrir o aludido cofre, que tinha retirado do Centro de Saúde;


24)O Arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, com a intenção de fazer seus os bens que encontrasse nos referidos locais, nos quais entrou da forma descrita, bem sabendo que tais bens não lhe pertenciam e que agia contra a vontade dos seus respetivos proprietários;


25)O Arguido bem sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;


26)O Arguido aufere uma pensão de invalidez, de valor não concretamente apurado, mas não inferior a €200,00;


27)Não é conhecida ocupação profissional, nem outros rendimentos ao Arguido;


28)O Arguido vive com uma prima e o marido desta;


29)Os progenitores do Arguido já faleceram;


30)O Arguido tem o 4º ano de escolaridade;


31)Não são conhecidos filhos ao Arguido;


32)O Arguido padece de psicose esquizofrénica, associada ao consumo de múltiplas drogas, potencialmente tratável com psicofármacos;


33)O Arguido foi condenado:


a. Por decisão proferida em 06.03.1997, proferida no âmbito do Proc. n.º 204/97.1..., do .. Juízo Criminal do Tribunal de ..., pela prática, em 05.03.1997, de factos consubstanciadores de 1 (um) crime de furto simples, p. e p. pelo art.º 203º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 20 (vinte) dias de multa, à taxa diária de €250,00;


b. Por decisão datada de 03.11.1999, transitada em julgado em 18.11.1999, proferida no âmbito do Proc. n.º ..., da...Seção da... Vara Criminal de ..., pela prática, em 15.02.1998 e 16.02.1998, de factos consubstanciadores de 1 (um) crime de furto qualificado, 3 (três) crimes de furto qualificado e 5 (cinco) crimes de furto qualificado, na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;


c. Por decisão datada de 24.04.2001, proferida no âmbito do Proc. n.º ..., do...Juízo,...Secção, do Tribunal Criminal de ..., pela prática, em 22.11.1998, de factos consubstanciadores de 1 (um) crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203º e 204º, n.º 1, al. f), do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 (três) anos;


d. Por decisão datada de 12.12.2001, transitada em julgado em 18.01.2002, proferida no âmbito do Proc. n.º..., da .. Seção da .. Vara Criminal, na pena única de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses, em cúmulo jurídico das penas que lhe foram aplicadas no âmbito dos Procs. n.ºs ... (da .. Seção da .. Vara Criminal de ...) e 317/2000 (do...Juízo,... Secção, do Tribunal Criminal de ...);


e. Por decisão datada de 22.03.2006, transitada em julgado em 06.04.2006, proferida no âmbito do Proc. n.º 973/04.4..., da .. Seção da 2ª Vara Criminal de ..., pela prática, em 13.08.2004, de factos consubstanciadores de 1 (um) crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203º, n.º 1, e 204º, n.º 2, als. d) e e) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão. Esta pena veio a ser declarada extinta, pelo cumprimento, em 06.08.2008;


f. Por decisão datada de 23.03.2006, transitada em julgado em 19.07.2006, proferida no âmbito do Proc. n.º 233/05.3..., da .ª Seção da 2ª Vara Criminal de ..., pela prática, em 24.02.2005, de factos consubstanciadores de 1 (um) crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.º 204º do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão;


g. Por decisão datada de 25.01.2007, transitada em julgado em 09.02.2007, proferida no âmbito do Proc. n.º 1388/05.2..., da .. Seção da 5ª Vara Criminal de ..., pela prática, em 02.12.2005, de factos consubstanciadores de 1 (um) crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.º 204º do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão;


h. Por decisão datada de 04.04.2008, transitada em julgado, proferida no âmbito do Proc. n.º 1252/04.2..., da .. Vara Criminal de ..., pela prática, em 03.02.2003, de factos consubstanciadores de 2 (dois) crimes de furto qualificado, p. e p. pelo art.º 204º do Código Penal, na pena única de 3 (três) anos de prisão;


i. Por Acórdão cumulatório proferido em 31.05.2010, transitado em julgado em 20.09.2010, no âmbito do Proc. n.º 1252/04.2..., da 6ª Vara Criminal de Lisboa, que englobou as penas parcelares aplicadas no âmbito dos Procs. n.ºs 1388/05.2... (da .. Seção da 5ª Vara Criminal de ...), 973/04.4... (da .. Seção da 2ª Vara Criminal de Lisboa), 233/05.3... (da 2ª Seção da .. Vara Criminal de Lisboa), 1252/04.2... (da .. Vara Criminal de Lisboa) e 879/04.7..., na pena única de 6 (seis) anos, pena essa que veio a ser declarada extinta, pelo cumprimento, em 05.06.2012;


j. Por decisão datada de 29.11.2017, transitada em julgado em 09.01.2018, proferida no âmbito do Proc. n.º 910/17.6..., do Juiz . do Juízo Local Criminal da ..., pela prática, em 20.11.2017, de factos consubstanciadores de 1 (um) crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 22º, 23º, 203º e 204º, n.º 2, al. e), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;


k. Por decisão datada de 08.01.2019, transitada em julgado em 13.02.2019, proferida no âmbito do Proc. n.º 897/17.5..., pela prática, em 16.11.2017, de factos consubstanciadores de 1 (um) crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86º, n.º 1, al. d), da Lei n.º 5/2006, de 23.02, na pena de 3 (três) anos de prisão. Por decisão proferida em 11.04.2020 foi-lhe perdoado o remanescente da prisão e declarada extinta a pena sob condição resolutiva deste não praticar infração dolosa no ano subsequente, caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce a pena perdoada.


*


3.2. Matéria de facto não provada


a) Que a box descrita no ponto 2) dos Factos Provados tivesse o valor de €20,00;


b) Que a aparelhagem descrita no ponto 6) dos Factos Provados tivesse o valor de €200,00;


c) Que tenha sido o Arguido a praticar os factos descritos nos pontos 14) a 15) dos Factos Provados;


d) Que a televisão descrita no ponto 15) fosse da marca LG e tivesse o valor de €239,00;


e) Que na ocasião descrita no ponto 15) dos Factos Provados tenha sido igualmente subtraído um telemóvel de marca Nokia com cartão da operadora MEO com o n.º .......88, de valor não inferior a €100,00;


f) Que o Arguido tenha sido identificado nas imagens recolhidas através do sistema de videovigilância existente na creche identificada no ponto 14) dos Factos Provados;


g) Que nas máquinas existentes na área técnica da lavandaria W... .... na ocasião descrita no ponto 16) dos Factos Provados estivesse a exata quantia monetária de €220,00.


*


De resto, não se logrou provar quaisquer outros factos relevantes, alegados ou não, resultantes da discussão da causa, e/ou que estivessem em oposição com os factos atrás referidos.


*


3.3. Motivação da decisão de facto


Serviram de base para formar a convicção do Tribunal a análise critica e conjugada dos vários elementos probatórios abaixo discriminados, apreciados segundo as regras de experiência comum e a livre convicção do julgador, nos termos do art.º 127º do Código de Processo Penal:


- nas declarações prestadas pelo Arguido em sede de Primeiro Interrogatório de Arguido Detido, realizado em 30.01.2018, onde foi dado cumprimento ao preceituado no art.º 141º, n.º 4, al. b), do Código de Processo Penal, e em que o Arguido assumiu a prática da factualidade que lhe é imputada referente aos NUIPCs 908/17.4 PDAMD, 765/17.0... e 860/17.6... e falou sobre as suas condições pessoais;


- no testemunho prestados por FF, sócio da Lavandaria .... .., que se mostrou esclarecedor quanto à forma como tomou conhecimento, em tempo real, através das câmaras instaladas na lavandaria, que a mencionada lavandaria estava a ser assaltada no dia 26.08.2017, perto da hora do fecho, o que fez com que chamasse as autoridades policiais e para aí se deslocasse imediatamente. Foi perentório ao afirmar ter visualizado, através das câmaras, o referido indivíduo a abandonar a lavandaria com um televisor (cujo valor quantificou em €150,00) e o comando da box (cujo valor afirmou desconhecer), que não mais recuperou. Declarou que a reparação da porta teve o custo de €300,00. Tratou-se de um testemunho claro e seguro;


- no testemunho prestado por GG, engomadeira na Lavandaria .... .., e que se mostrou esclarecedora quanto ao circunstancialismo em que lhe foi subtraído o telemóvel pelo indivíduo que, conjuntamente com o marido, anterior testemunha, visualizou, dias depois, através das camaras existentes na lavandaria, a assaltá-la;


- no testemunho prestado por HH, agente da PSP, que se deslocou à Lavandaria .... .. na sequência do descrito no ponto 2) dos Factos Provados, e que, de relevante, confirmou recordar-se que a porta da lavandaria se encontrava aberta quando aí chegou;


Os referidos testemunhos, concatenado entre si, bem como com as declarações prestadas pelo Arguido em sede de primeiro interrogatório judicial (onde este assumiu ter praticado tais factos), o teor do auto de notícia constante de fls. 3 , fotogramas constantes de fls. 11 a 14 (onde se observa um indivíduo a retirar algo do interior do balcão, que fez seu, no dia 24.08.2017, pelas 16:16 horas, bem como esse mesmo indivíduo no interior da referida lavandaria no dia 26.08.2017, pelas 21:02 horas) e 33 a 35 (onde são visíveis os estragos provocados na porta de acesso ao espaço vedado ao público e o local onde se encontravam os objetos subtraídos) e certidão permanente da sociedade .... .., Lda junta a fls. 298 a 299 dos presentes autos mostraram-se determinantes para prova da factualidade exarada nos pontos 1) a 4) dos Factos Provados, nos termos aí exarados.


Não tendo sido demonstrado, por qualquer meio de prova admissível, o valor da box subtraída da lavandaria considerámos como não provada a factualidade exarada na al. a) dos Factos Não Provados.


Não valorámos o testemunho prestado por II, porquanto esta demonstrou não ter conhecimento direto dos factos em apreço nos autos;


- no testemunho prestado por JJ, que se mostrou esclarecedora quanto ao circunstancialismo em que tomou conhecimento, por uma vizinha, que a sua arrecadação tinha sido assaltada, o que motivou que chamasse as autoridades policiais ao local. Foi elucidativa quanto à forma como o assaltante se introduziu na arrecadação (arrombando a porta), bem como quanto ao que este daí subtraiu (aparelhagem, que afirmou nem €100,00 valer). Afirmou, ainda, que a chave de fendas constante da segunda fotografia de fls. 96 dos presentes autos, que lhe foi exibida, encontrada na janela da arrecadação, não lhe pertence;


- no testemunho prestado por KK, que, de forma clara, segura e coerente, descreveu o circunstancialismo em que se apercebeu que a arrecadação sita exatamente por cima do seu apartamento estava a ser assaltada e medidas por si tomadas (chamando as autoridades policiais e contactando a vizinha a quem pertencia a arrecadação assaltada). Descreveu ainda o indivíduo que visualizou, da janela do prédio, a sair do prédio, levando algo na mão, e que descreveu como sendo um indivíduo alto e ágil;


- no testemunho prestado por LL, agente da PSP que se deslocou à arrecadação descrita no ponto 6) dos Factos Provados, após a ocorrência dos factos aí narrados, que se mostrou esclarecedor quanto ao que aí encontrou, bem como quanto ao facto de aí terem sido recolhidas impressões digitais;


Os referidos testemunhos, concatenados com as declarações prestadas pelo Arguido em sede de primeiro interrogatório judicial (onde este assumiu ter praticado tais factos), o teor do auto de notícia de fls. 80 (determinante para prova da data em que os factos ocorreram), fotografias da arrecadação constantes de fls. 90 a 96 (onde não só são visíveis os estragos causados na porta de acesso à arrecadação, o local onde foram recolhidos os vestígios hemáticos e a chave de fendas deixada pelo assaltante), relatório de inspeção judiciária constante de fls. 87 a 88, relatório do exame pericial constante de fls. 121 a 126 dos presentes autos (de acordo com o qual os vestígios palmares recolhidos na arrecadação pertencem ao Arguido) mostraram-se, assim, determinantes para prova da factualidade constante dos pontos 5) a 7) dos Factos Provados, nos exatos termos aí exarados.


Tendo a testemunha JJ avaliado a aparelhagem subtraída em valor inferior a €100,00 considerámos como não provada a factualidade constante da alínea b) dos Factos Não Provados;


- no testemunho prestado por EE, que, de forma franca, clara e objetiva, descreveu o circunstancialismo em que encontrou um indivíduo a fechar a sua garagem/box (sita na Rua do ..., na ...), que inicialmente pensou ser o seu filho, mas que, ao aproximar-se deste, verificou não ser, trazendo este caixas com câmaras de filmar, que reconheceu como sendo suas, e que, ao aperceber-se da presença da testemunha, se colocou em fuga, a correr. Afirmou ter prosseguido em perseguição do mencionado indivíduo, vindo este a largar, durante a fuga, uma das câmaras, que a testemunha recuperou. Declarou ter, entretanto, contactado as autoridades policiais, que aí se deslocaram. Esclareceu, ainda, que veio a verificar que o aludido indivíduo havia selecionado outros objetos, que já havia colocado no exterior da garagem/box, para também levar (uma bicicleta, um macaco hidráulico e umas ferramentas). Relatou, por fim, ter tomado conhecimento, pela polícia, que o referido indivíduo havia sido detido e que tinham recuperado a segunda câmara. Foi perentório ao afirmar que o indivíduo detido pela polícia era o que tinha visto junto à sua garagem, o que justificou por o ter reconhecido, quer pela roupa, quer pelas feições e caraterísticas físicas (1,78/1,80m, franzino, cabelo escuro, caucasiano, cerca de 35/40 anos). Avaliou as câmaras furtadas em €200,00, cada. O testemunho prestado foi concatenado com o teor das fotografias de fls. 191 a 193 e 183 dos presentes autos, que lhe foram exibidas, e onde reconheceu o seu prédio, garagem/box, zona forçada na porta da mesma e câmara apreendida ao Arguido como sendo uma das que lhe foi furtada nessa ocasião.


- no testemunho prestado por MM, agente da PSP, que confirmou ter apreendido ao Arguido uma câmara de TV que veio, mais tarde, a ser reconhecida pelo seu proprietário, através do número de série. Este testemunho foi concatenado com o aditamento ao auto de notícia constante de fls. 174 a 175 dos presentes autos, por este elaborado, após intercetar o Arguido, bem como como teor do auto de apreensão constante de fls. 180 a 181, auto de exame e avaliação de fls. 182 e fotografias de fls. 183 dos presentes autos (onde são visíveis os objetos apreendidos ao Arguido);


Os aludidos testemunhos, que nos mereceram total credibilidade, concatenados com as declarações prestadas pelo Arguido em sede de primeiro interrogatório judicial (onde este assumiu ter praticado tais factos), o teor do auto de notícia constante de fls. 165 (determinante para prova da data em que os factos ocorreram), auto de apreensão de fls. 180 a 181 (da câmara e chave de fendas ao Arguido), auto de exame e avaliação dos objetos apreendidos ao Arguido de fls. 182, fotografias desses mesmos objetos constantes de fls. 183, fotografias de fls. 191 a 193 (onde é visível o acesso às garagens, bem como a porta da garagem arrombada e o interior dessa mesma garagem) foram determinantes para prova da factualidade constante dos pontos 8) a 13) dos Factos Provados, nos exatos termos aí exarados.


- no testemunho prestado por NN, segurança/vigilante, que, tendo sido contactado pela central da “Securitas”, por se terem verificado vários disparos de alarme, se deslocou à creche e pediu para a central contactar a PSP. Vistoriou o local, acompanhado dos agentes da PSP, ficando convencido que o assaltante se introduziu na creche pela janela que dá acesso ao parque, nas traseiras do edifício, janela essa que a PSP tentou fechar o melhor possível;


- no testemunho prestado por OO, que exercendo funções na creche da A........, se mostrou esclarecedora quanto aos objetos daí subtraídos (televisão, cuja marca não se recorda, um computador portátil de marca Toshiba e uma máquina fotográfica CANON), bem como quanto ao valor destes (que avaliou em €200,00, €500,00 e €90,00, respetivamente), frisando que estes não foram recuperados. Afirmou terem sido igualmente subtraídos alguns bens alimentares. Declarou que existia recolha de imagens no local, que foram entregues à PSP.


Os referidos testemunhos, que se mostraram claros e sinceros, concatenados com o teor do auto de notícia constante de fls. 445, faturas juntas a fls. 476 (da máquina CANON modelo Ixus 160 no valor de € 109,99) e 478 (do computador portátil de marca Toshiba, no valor de €2.245,52), elementos referentes aos disparos do alarme constantes de fls. 481 a 483 e relatório de visionamento de imagens constante de fls. 484 a 487 dos presentes autos (atinente às imagens captadas na creche do dia dos factos em apreço) foram determinantes para prova da factualidade constante dos pontos 14) a 15) dos Factos Provados, nos termos aí exarados.


Tendo a audiência de julgamento decorrido na ausência do Arguido, o que impossibilitou ao Tribunal confirmar, com a segurança que se impunha, que o indivíduo que surge nas imagens constantes de fls. 484 a 486 dos presentes autos é o Arguido, e inexistindo qualquer outra prova nos autos demonstrativa de que foi efetivamente o Arguido que se introduziu na creche nas condições descritas nos pontos 14) e 15) dos Factos Provados, considerámos tal factualidade como não provada (alíneas c) e f) dos Factos Não Provados) Não tendo sido demonstrado que em tal ocasião foi igualmente subtraído um telemóvel, nem a marca e valor da televisão subtraída considerámos tal factualidade como não provada (alíneas d) e e) dos Factos Não Provados).


Não valorámos a fatura junta a fls. 477 dos presentes autos porquanto desta não resulta a que se reporta.


- no testemunho prestado por PP, que, de forma clara, segura e espontânea, descreveu o circunstancialismo em que, ao visualizar, em tempo real, o sistema de videovigilância instalado na lavandaria W... ...., sita na Rua ..., em ..., ..., tomou conhecimento que estava um indivíduo, com uma chave de fendas, a tentar assaltar a sua lavandaria. Afirmou ter chamado de imediato as autoridades, bem como ter-se deslocado para o local. Foi perentório ao afirmar que nada foi subtraído, tendo, no entanto, sido danificada a porta, com o que despendeu €80,00. Confirmou, ainda, que na área técnica estava a máquina de pagamento, com a quantia monetária de €200,00/€300,00. O testemunho prestado foi corroborado com as imagens constantes de fls. 363 a 365 dos presentes autos, que lhe foram exibidas, e que afirmou corresponderem ao que visualizou antes de contactar as autoridades policiais. Questionado relativamente à data e hora apostas nas imagens declarou corresponderem ao dia e hora em que as imagens estavam a ser captadas;


- no testemunho prestado por QQ, que, de forma convincente e clara, esclareceu o que o levou a abandonar as instalações da lavandaria W... ...., quando aí se encontrava, a lavar a sua roupa, e se apercebeu da presença em tal local de um indivíduo, sem qualquer roupa para lavar, com uma mochila, a olhar fixamente para a máquina das moedas, frisando que tal fez com que temesse pela sua integridade. Afirmou ter aguardado no exterior da lavandaria que o indivíduo se fosse embora, por forma a recolher a sua roupa que havia deixado no interior da lavandaria, tendo-se apercebido da chegada da polícia, que tem ideia que intercetou o aludido indivíduo;


- no testemunho prestado por RR, agente da PSP, que, de forma objetiva e franca, relatou o circunstancialismo em que se deslocou à Lavandaria descrita no ponto 16) dos Factos Provados e o motivo pelo qual, na ocasião aí descrita, abordou o Arguido (por o ter visto no exterior da lavandaria e este ter as características que lhe tinham sido transmitidas, correspondentes às indicadas pelo dono da lavandaria, quando, este último, comunicou à polícia que estava a visualizar nas camaras instaladas na lavandaria que esta estava a ser assaltada). Afirmou ter efetuado revista ao Arguido, verificando que este tinha uma ferramenta oculta dentro do casaco, bem como uma mochila com ferramentas. O testemunho prestado foi concatenado com o teor do auto de notícia de fls. 303 a 304, que lhe foi exibido, e cuja autoria e teor confirmou, bem como com o teor de fls. 313 (auto de apreensão ao Arguido de uma chave de fendas, um ferro, um alicate e uma chave de bocas) e 314 a 317 dos presentes autos (autos de exame e avaliação dos objetos apreendidos ao Arguido).


Confirmou, ainda, ter-se deslocado, em ocasião distinta, a uma creche sita na Rua ..., em ..., que havia sido igualmente assaltada. Afiançou a autoria, bem como o teor do auto de notícia de fls. 408 dos presentes autos, que lhe foi exibido. Referiu ter ideia que havia captagem de imagens, esclarecendo que as não visualizou. Nesta situação não intercetou o assaltante.


Os testemunhos prestados pelas testemunhas PP, SS e RR, articulado com as imagens constantes de fls. 363 a 365, o auto de notícia de fls. 303 a 304, o teor de fls. 313 (auto de apreensão ao Arguido de uma chave de fendas, um ferro, um alicate e uma chave de bocas) e 314 a 317 dos presentes autos (autos de exame e avaliação dos objetos apreendidos ao Arguido) mostraram-se cruciais para prova da factualidade constante dos pontos 16) a 19) dos Factos Provados, nos exatos termos aí exarados.


Não tendo sido confirmado que nas máquinas existentes na área técnica da lavandaria W... .... na ocasião descrita no ponto 16) dos Factos Provados estivesse a quantia monetária exata de €220,00 considerámos tal factualidade como não provada (alínea g) dos Factos Não Provados);


- no testemunho prestado por CC, agente da PSP, que tendo-se deslocado a casa do Arguido nas circunstâncias descritas nos pontos 22) a 23) dos Factos Provados, se mostrou esclarecedor quanto ao cenário que aí encontrou, estando o Arguido a tentar abrir o cofre, com uma rebarbadora. Frisou que, tendo tido conhecimento que, durante a noite anterior, tinha sido assaltado o Centro de Saúde, suspeitou que o cofre encontrado fosse daí proveniente, o que motivou que contactassem o Centro de Saúde, tendo o cofre apreendido sido reconhecido como sendo o aí subtraído. Afirmou que o Arguido já tinha conseguido aceder ao interior do cofre, pela parte de trás do mesmo, estando aí guardadas vinhetas médicas, envelopes, agrafadores... O testemunho prestado foi corroborado pelo teor do auto de notícia de fls. 236 a 237 (que lhe foi exibido, e cuja autoria e teor confirmou), auto de busca e apreensão de fls. 239 a 240, auto de exame e avaliação de fls. 241, fotografias de fls. 245 a 247, auto de reconhecimento de fls. 249 (do cofre pela testemunha TT) dos presentes autos;


- no testemunho prestado por DD, à data funcionária do Centro de Saúde da ..., que prestou um testemunho convincente e claro, descrevendo o circunstancialismo em que tomou conhecimento que o Centro de Saúde tinha sido assaltado e daí subtraído o cofre existente na secretaria do Centro. Confirmou o conteúdo do cofre. Assumiu que o cofre, que reconheceu (e que foi aberto pela polícia com o código por si fornecido), foi localizado, frisando, no entanto, que este está inutilizado (por ter sido aberto pela sua parte traseira). Reconheceu o cofre como sendo o que se mostra fotografado a fls. 245 dos presentes autos, que lhe foi exibido;


- no testemunho prestado por BB, que se encontrava com o Arguido quando as autoridades se deslocaram a casa deste e o Arguido aí procurava abrir um cofre, com uma rebarbadora. Afirmou desconhecer como é que o cofre foi levado para casa do Arguido;


Os referidos testemunhos, articulados entre si, bem como com o teor dos autos de notícias de fls. 236 a 237 e 253 (determinantes para prova da data em que os factos ocorreram), auto de busca e apreensão de fls. 239 a 240, auto de exame e avaliação de fls. 241, fotografias de fls. 245 a 247, auto de reconhecimento de fls. 249 (do cofre pela testemunha TT) e imagens constantes de fls. 288 dos presentes autos foram valorados para prova da factualidade exarada nos pontos 20) a 24) dos Factos Provados.


Sempre se referindo, nesta sede, que, pese embora o Arguido tenha, em sede de declarações prestadas aquando do primeiro interrogatório, negado ter sido ele a assaltar o Centro de Saúde e tenha alegado que apenas ajudou BB a transportar o cofre para sua casa por este o ter ameaçado com uma arma, tal versão dos factos não nos mereceu credibilidade, tendo sido contrariada pela demais prova produzida nos autos, designadamente pelo testemunho prestado pelo agente da PSP CC, que afirmou ter visualizado o Arguido (e não a testemunha BB) a tentar abrir o cofre com a rebarbadora.


Pese embora se admita que o Arguido possa ter sido auxiliado a transportar o cofre, não só este foi transportado para sua casa, como este é que demonstrou interesse em se apropriar do seu conteúdo, procurando abri-lo, com a rebarbadora.


Para prova das condições pessoais do Arguido ativemo-nos às declarações por este prestadas em sede de Primeiro Interrogatório Judicial de Arguido Detido (realizado em 30.01.2018), concatenadas com os elementos clínicos a este referentes constantes de fls. 701 a 725 e 730 a 806 e o teor do relatório de perícia médico legal de psiquiatria constante de fls. 810 a 814 dos presentes autos (cfr. pontos 26) a 32) dos Factos Provados).


Para prova dos antecedentes criminais do Arguido mostrou-se crucial o certificado de registo criminal junto aos autos extraído em 25.01.2023 (ponto 33) dos Factos Provados).


Os meios de prova que se descriminaram foram todos conjugados, confrontados e entrecruzados, procurando-se encontrar os pontos de confluência e de coerência dos mesmos, tendo o resultado da sua ponderação global sido determinante para prova da factualidade exarada nos pontos 24) a 25) dos Factos Provados, nos termos aí exarados.


Não podemos ainda deixar de salientar que parte da convicção que se forma em relação aos testemunhos prestados alavanca-se precisamente na imediação do interrogatório, ou seja, pelos seus gestos, tom de voz, atitude corporal, forma como se referem aos factos, a qual nos permite percecionar a realidade do seu depoimento e testemunhos de forma diferente do que seria caso esta fosse descrita sem a mencionada imediação.


E tais fatores adicionais reforçam a nossa convicção sobre a matéria de facto considerada provada nos termos supra exarados e a credibilidade que os testemunhos prestados nos mereceram para prova dessa mesma factualidade.


(…)


2. Avancemos para a apreciação das questões antes enunciadas e que delimitam o objeto do recurso.


2. 1. Violação do princípio do in dubio pro reo [conclusões 2ª a 4ª].


O recorrente, sem impugnar amplamente a matéria de facto considerada provada e não provada no acórdão recorrido, nos termos do artigo 412º, n.ºs 3 e 4, do CPP, suscita a questão da incerteza ou insuficiência da prova produzida para dar como certa ou assente a prática dos factos (factos 20 a 25) que lhe foram imputados relativos aos processos n.ºs 71/18.3... e 81/18.0..., pelos quais foi condenado, como autor material e na forma consumada de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, n.º 1, e 204º, n.º 2, al. e), do CP, na pena de 4 (quatro) anos de prisão.


Essa incerteza, acrescenta, obrigaria a que se instalasse na espírito e convicção dos juízes que integraram o tribunal coletivo uma dúvida sobre a respetiva autoria, a qual, por força do princípio do in dubio pro reo, devia ter sido resolvida a seu favor e, em consequência, conduzido à sua absolvição, nessa parte.


Como resulta cristalino do artigo 434º do CPP, “o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º”, sendo que na al. c) deste preceito se prevê precisamente a hipótese de recurso como o presente, é dizer aquele interposto para o Supremo Tribunal “de acórdãos finais proferidos pelo tribunal de júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º” .


Donde, se a pretensão do recorrente fosse a de impugnar amplamente a matéria de facto, ela teria de improceder, por o seu conhecimento exorbitar os poderes de cognição do STJ3.


Porém, se, como se considerou no despacho que excecionou a incompetência do TRL, se entender que os fundamentos do recurso não abrangem a matéria de facto, antes se circunscrevendo à matéria de direito e, eventualmente, aos vícios da decisão previstos no artigo 410º, n.º 2, do CPP, cuja indagação pelo tribunal ad quem constitui ainda “uma tarefa puramente jurídica4, que se basta com o texto da própria decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência, sem qualquer recurso a elementos a ela externos, diferentemente da atividade a desenvolver para suprir esses vícios, quando existam, já a questão pode ser apreciada pelo STJ.


Efetivamente, nessa eventualidade, que é a que se perfila no caso em apreço, o conhecimento desses vícios, que, aliás, o tribunal de recurso pode e deve conhecer ex officio, cabe nos poderes de cognição do STJ, como resulta inequívoco da letra dos mencionados normativos.


Por outro lado, a violação do princípio do in dubio pro reo tem sido analisada jurisprudencialmente como erro notório na apreciação da prova, vício previsto no artigo 410º, n.º 2, al. c), do CPP5.


Vejamos, então, se neste caso ocorre esse ou qualquer outro dos vícios previstos no artigo 410º, n.º 2, do CPP.


O princípio do in dubio pro reo constitui corolário necessário ou “contra face” dos da presunção da inocência e da livre apreciação da prova, consagrados, respetivamente, nos artigos 32º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP)6 e no artigo 127º do CPP, que se projeta em todo o processo penal e, em particular, no âmbito da valoração da prova, “no sentido de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido7.


Será que o recorrente tem razão quando sustenta a verificação, no caso, de uma dúvida insuperável acerca da autoria dos factos provados sob os números 20 a 24 e, nesse caso, necessariamente também no número 25, relativo ao elemento subjetivo típico de toda a sua atuação submetida a julgamento no processo sub judice?


A resposta só pode ser negativa.


Com efeito, não ocorre no caso em apreço qualquer violação do princípio da livre apreciação da prova convocado pelo recorrente, bastando para tanto ter em conta a fundamentação do acórdão recorrido acima transcrita, na qual, para além da indicação e identificação dos meios de prova documental [autos vários, da notícia do crime aos de apreensão e avaliação do cofre subtraído e seu conteúdo, relatórios de exame e periciais e certificado de registo criminal (CRC)], real (os objetos apreendidos, nomeadamente o cofre, o seu conteúdo, as ferramentas usadas na sua abertura e as imagens) e pessoal (três testemunhas, desde o agente da PSP que o viu e deteve em plena atividade de abertura do cofre, com uma máquina rebarbadora, na casa onde morava, à pessoa que com ele ali se encontrava nesse momento, BB, passando pela Diretora do Centro de Saúde de onde o cofre havia sido subtraído), se procedeu ao seu exame crítico de modo objetivo e conjugado com as regras da experiência, sem escamotear, desmontando, a própria negação do recorrente e a possibilidade de ter sido auxiliado por terceiros ou com eles atuado conjuntamente, numa cabal demonstração do iter racional percorrido na sua apreciação, valoração e contributo para a formação da convicção do tribunal, de molde a permitir o seu escrutínio externo pelos sujeitos processuais e pelo tribunal de recurso, sem que dela ressalte qualquer dúvida capaz de justificar a intervenção da “contra face” daquele princípio, é dizer o do in dubio pro reo, por ele convocado com base na sua própria versão, naturalmente parcial, conveniente e especulativa quanto a supostas possibilidades alternativas, mas que não contende com a plausibilidade da versão afirmada no acórdão sob escrutínio, suportada naquela convicção objetivamente fundamentada e compatível com as regras da experiência comum.


Tão pouco o acórdão recorrido evidencia contradição insanável na respetiva fundamentação ou entre esta e a decisão ou insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, pelo que não se verifica, neste caso, qualquer dos vícios da sentença previstos no artigo 410º, n.º 2, als. a), b) e c), do CPP


Improcede, assim, esta primeira questão, com a consequente manutenção da condenação do recorrente pelos factos nela questionados e correspondente subsunção jurídico-penal.


2.2. Medida das penas, parcelares e única, de prisão aplicadas, [conclusões 1ª e 5ª a 7ª].


Como resulta das transcritas conclusões, o recorrente discorda da medida das penas parcelares e única que lhe foram aplicadas, considerando-as excessivas, por ultrapassarem a medida da culpa e desrespeitaram os princípios da proporcionalidade, necessidade, adequação e proibição do excesso, à luz dos artigos 71º e 77º do CP, dos quais, numa adequada interpretação aplicativa, diferente da que entende erradamente adotada pelo tribunal a quo, decorreria a fixação das seguintes penas de prisão, todas inferiores às fixadas no acórdão recorrido, conforme consignou na motivação do recurso, mas sem expressa menção a essas medidas nas conclusões, salvo quanto à pena única8:


- Inferiores a 8 e 18 meses de prisão, pelos crimes de furto simples e qualificado a que respeita o processo n.º 908/17.4PDAMD, por oposição aos 15 meses e 3 anos de prisão em que por eles foi condenado, respetivamente (als. a. e b. do dispositivo)9;


- Inferior a 12 meses de prisão, pelo crime de furto simples a que respeita o processo n.º 765/17.0..., por oposição aos 2 anos de prisão em que por ele foi condenado (al. c. do dispositivo);


- Inferior a 18 meses de prisão, pelo crime de furto qualificado, respeitante ao processo n.º 860/17.6..., por oposição aos 3 anos de prisão em que por ele foi condenado (al. d. do dispositivo)10;


- Inferior a 12 meses de prisão pelo crime de furto qualificado, na forma tentada, a que respeita o processo n.º 46/18.2..., por oposição aos 2 anos de prisão em que por ele foi condenado (al. e. do dispositivo);


- Na pena única inferior a 4 anos de prisão, por oposição aos 6 anos e 9 meses em que foi condenado (al. g. do dispositivo).


A estas penas terá de se aditar a de 4 anos de prisão pelo crime de furto qualificado a que respeitam os processos n.ºs 71/18.3... e 81/18.0... (al. f. do dispositivo), que o recorrente não incluiu nesta sede por pretender a sua absolvição, pedido que, todavia, e como supra consignado, terá de improceder.


Para sustentar tal entendimento e pretensão, convoca as circunstâncias da concentração da sua atuação num curto lapso temporal e já distante no momento da condenação – 24.08.2017 a 29.01.2028 -, causada pela sua toxicodependência, de não constar do certificado de registo criminal (CRC) qualquer infração praticada nos últimos 3 anos - desde 11.04.2020, data em que terminou um período de reclusão iniciado em 29.05.2018 -, e da antiguidade dos seus antecedentes criminais registados – o primeiro remonta a um crime praticado e objeto de condenação em 1997 -, outrossim da confissão parcial dos factos no 1º interrogatório judicial de arguido detido e da não verificação de uma sua “tendência criminosa”.


Delas, no pressuposto de constituírem circunstâncias gerais suficientes para atenuar a sua culpa e as necessidades de prevenção geral e especial, conclui estarem preenchidas as condições para a pretendida e exposta redução da medida das penas de prisão, parcelares e única, a aplicar-lhe, sem questionar a sua espécie.


Vejamos se lhe assiste razão.


Antes de prosseguir, importa relembrar que o caso em apreço se enquadra na jurisprudência fixada pelo acórdão do STJ n.º 5/2017, publicado no DR. n.º 120/2017, Série I, de 23.06.2017, a pp.3170 – 3187, segundo a qual «A competência para conhecer do recurso interposto de acórdão do tribunal do júri ou do tribunal coletivo que, em situação de concurso de crimes, tenha aplicado uma pena conjunta superior a cinco anos de prisão, visando apenas o reexame da matéria de direito, pertence ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do CPP, competindo-lhe também, no âmbito do mesmo recurso, apreciar as questões relativas às penas parcelares englobadas naquela pena, superiores, iguais ou inferiores àquela medida, se impugnadas».


Serão, por conseguinte, objeto de apreciação as medidas das penas parcelares e única ou conjunta em que o recorrente foi condenado, salvo aquela parcelar de 4 anos de prisão pela prática de um crime de furto qualificado a que respeitam os processos n.ºs 71/18.3... e 81/18.0... (al. f. do dispositivo), em face da improcedência do pedido de absolvição que relativamente à mesma formulou e da não apresentação de qualquer outro, ainda que a título subsidiário, expresso ou tácito, quanto à respetiva medida, conforme resulta da motivação e conclusões do recurso.


E, ainda, que as molduras penais abstratas ou legais previstas para as tipologias criminais em apreço e para a pena única ou conjunta resultante do concurso de crimes, tendo em conta a inviabilidade de modificação daquela pena de 4 anos e o disposto nos artigos 203º, 204º, n.ºs 2, al. e), e 4, 202º, al. c), 22º, 23º, 72º, 73º, e 77º, n.º 2, do CP, são as consideradas no acórdão recorrido, ou seja, as penas de 30 dias a 3 anos de prisão11, pelo crime de furto simples, 2 a 8 anos de prisão pelo crime de furto qualificado, na forma consumada, de 30 dias a 5 anos e 4 meses de prisão pelo crime de furto qualificado, na forma tentada, e de 4 anos de prisão até ao limite máximo da soma de todas as penas parcelares aplicadas, sem ultrapassar os 25 anos de prisão, respetivamente.


*


Na esteira de Figueiredo Dias12, escreveu Adelino Robalo Cordeiro, in “A Determinação da Pena”, Jornadas de Direito Criminal – Revisão do Código Penal – Alterações ao Sistema Sancionatório e Parte Especial, Volume II, Centro de Estudos Judiciários , Lisboa 1998, a pp. 30 a 54:


«a determinação da pena é susceptível de ser analisada em três perspectivas, correspondentes a outras tantas fases ou operações em que se desdobra a aplicação judicial de uma pena: a determinação da respetiva medida ou moldura legal (também chamada pena abstracta), da sua medida judicial ou individualizada (pena concreta) e da espécie de pena a aplicar (escolha da pena)


Acrescentando relativamente à determinação da pena concreta, que, como dito, é o que aqui está em causa e limitado às penas parcelares relativas a 5 dos 6 crimes de furto, simples e consumados, qualificados e tentados, e à pena conjunta, face à não impugnação da pena parcelar a que respeita a al. f. do dispositivo e à improcedência do correspondente pedido de absolvição, acima referidas.


«Em síntese e à guisa de conclusão:


A culpa posiciona-se como pressuposto e limite (não fim) da pena, cuja medida (e forma de execução ou cumprimento) há-de ser fixada em função das exigências de prevenção, concebidas como finalidades da punição, e a necessidade da pena (para realizar o fim que visa) assume-se como fundamento da sua legitimidade, a sobrepor-se à concepção retributiva da pena (arts. 40º, n.ºs 1 e 2 e 71º, n.º 1; v., ainda, embora diretamente relativos à aplicação das penas de substituição e, portanto, à escolha da pena, arts. 45º, n.º 1, 48º, n.º 1, 50º, n.º 1, 58º, n.º 1, 59º, n.º 6, 60º, n.º 2, e 70º).


A quantificação da culpa e bem assim da intensidade ou grau de exigência das razões de prevenção, em função das quais se vão dimensionar as correspondentes molduras, faz-se através da ponderação das circunstâncias gerais presentes no caso concreto (…. circunstâncias que … depuserem a favor do agente ou contra ele … - art.71º, n.º 2).


Estas circunstâncias – sob pena de sair maltratada a proibição da dupla valoração, também aqui relevante (… circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime … -art. 71º, n.º 2) – não hão-de ter sido já levadas em conta na determinação da medida abstrata da pena, seja a através da sua contribuição para a formação do tipo de crime, de que seriam então elementos típicos (….), seja porque já antes funcionaram como circunstâncias modificativas estranhas ao tipo (…), e até na medida em que já utilizadas para a escolha da pena. O que não significa que algumas delas não possam ser reavaliadas, embora numa perspectiva diferente, sem ofensa do ne bis in idem (p. ex., numa visão global ou conjunta, para efeito de aplicação da pena relativamente indeterminada ou da pena única no concurso – arts. 77º, n.º 1, e 83º, n.º 1; ou para a determinação da pena a aplicar ao agente de um crime de ofensas corporais, face à gravidade das lesões produzidas na vítima, muito embora estas já tenham sido ponderadas para a qualificação da conduta, ou da pena a aplicar a um furto qualificado pela al. g) do n.º 2 do art. 204º, quando o número de comparticipantes seja superior a dois, etc.). Não fora algum receio de entrar em domínios pouco explorados e de não fácil transposição para o concreto e acrescentaria mesmo que não estaria vedado o recurso, na fixação da pena, àquelas circunstâncias que, muito embora já consideradas pelo legislador para a formação do tipo, o foram em grau ou intensidade manifestamente inferiores àqueles que revestem no caso concreto: o excesso sobre a previsão legislativa configuraria, então, uma circunstância atendível na graduação da pena, e porventura mesmo inspiradora da atenuação especial do artigo 72º (seria, p. ex., o caso da emoção violenta prevista no artigo 133º, quando excedesse a intensidade necessária para o preenchimento do tipo legal).


Uma vez identificadas, com recurso aos exemplos padrão do art. 71º, n.º 2 (e até do art. 72º, n.º 2, desde que fora da previsão do seu n.º 1), as circunstâncias que relevam para a pena concreta, impõe-se classificá-las enquanto se repercutem nesta através da culpa ou da prevenção – ou mesmo por ambas as vias, já que podem ser ambivalentes (p. ex., a utilização de um instrumento de trabalho – digamos, uma foice – como arma do homicídio, se agrava a ilicitude do facto, é igualmente susceptível de suscitar, nomeadamente se tal uso se mostra frequente, uma determinada postura ou expectativa da comunidade quanto aos termos da reação penal, e ainda de traduzir uma certa atitude ou modo de ser desajustados do agente, havendo então de refletir-se na pena concreta respetivamente através da culpa e da prevenção, geral e especial».


Em suma, a determinação concreta da pena não está dependente de qualquer exercício discricionário ou “arte de julgar” do juiz, não se compadece com o recurso a critérios de índole aritmética, nem almeja uma “precisão matemática”, antes reclama a ponderação e valoração das finalidades das penas e dos critérios da sua escolha e dosimetria, sempre por referência à culpa do agente, como seu necessário pressuposto e limite inultrapassável, em conformidade com o disposto nos artigos 40º, 70º e 71º do CP, no que às penas singulares concerne, ao que acresce, quanto à pena única ou conjunta, resultante do cúmulo jurídico das penas fixadas para os crimes em concurso, um critério peculiar estabelecido no seu artigo 77º, n.º 1, in fine, qual seja, o da consideração, “em conjunto, (d)os factos e (d)a personalidade do agente”.


Conforme, aliás, constitui jurisprudência constante do STJ e pode ver-se do seguinte trecho extraído do acórdão de 14.12.2023, proferido no processo n.º 130/18.2JAPTM.2.S1, relatado pelo Conselheiro Jorge Gonçalves, disponível no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, que aqui se segue de perto, «A determinação da pena envolve diversos tipos de operações, resultando do preceituado no artigo 40.º do Código Penal que as finalidades das penas se reconduzem à proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente na sociedade (prevenção especial).


Hoje não se aceita que o procedimento de determinação da pena seja atribuído à discricionariedade não vinculada do juiz ou à sua “arte de julgar”. No âmbito das molduras legais predeterminadas pelo legislador, cabe ao juiz encontrar a medida da pena de acordo com critérios legais, ou seja, de forma juridicamente vinculada, o que se traduz numa autêntica aplicação do direito (cf., com interesse, Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, pp. 194 e seguintes).


Tal não significa que, dentro dos parâmetros definidos pela culpa e pela forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, se chegue com precisão matemática à determinação de um quantum exato de pena.


Estabelece o artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, que a determinação da medida da pena, dentro da moldura legal, é feita «em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». O n.º 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, relevantes para a medida concreta da pena, pela via da culpa e/ou pela da prevenção, dispondo o n.º 3 que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, o que encontra concretização adjetiva no artigo 375.º, n.º 1, do C.P.P., ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.


Estando em causa a determinação da medida concreta da pena conjunta do concurso, aos critérios gerais contidos no artigo 71.º, n.º 1, acresce um critério especial fixado no artigo 77.º, n.º 1, 2.ª parte, do Código Penal: “serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.


Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações ou conexões e o tipo de ligação ou conexão que se verifique entre os factos em concurso.


Refere Cristina Líbano Monteiro (A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16, n.º 1, págs. 151 a 166) que o Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente.


Como se diz no acórdão do STJ, de 31.03.2011, proferido no Processo 169/09.9SYLSB.S1, a pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção - dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes.».


À luz de tais considerações, importa verificar a fundamentação do acórdão recorrido a este propósito e se dela emerge ou não alguma dúvida sobre a sua observância, devendo, em caso negativo e em princípio, o tribunal de recurso abster-se de qualquer modificação, pois, como tem sido jurisprudência constante do STJ, “Sendo os recursos remédios jurídicos, mantendo o arquétipo de recurso-remédio também em matéria de pena, a sindicabilidade da medida da pena abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada13.


No que aqui releva, essa fundamentação foi do seguinte teor:


«4. Determinação da medida da pena e outras consequências jurídicas do crime:


Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta do Arguido, importa agora determinar o tipo de pena a aplicar e a fixação da sua medida concreta.


*


O Arguido vem acusado da prática dos factos como reincidente.


(…)


Descendo ao caso dos autos:


(…)


c) porém, já decorreram mais do que 5 anos desde a data em que o Arguido terminou de cumprir tal pena (declarada extinta, pelo cumprimento, em 05.06.2012) e a data dos primeiros factos pelos quais o Arguido vai condenado nestes autos (em 24.08.2017);


Temos, assim, de concluir que não se verificam os pressupostos formais da reincidência atrás descritos, razão pela qual o Arguido não deve ser condenado nestes autos como reincidente.


*


O crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.º 203º, n.º 1, e 204º, n.º 2, al. e), do Código Penal, é punido com pena de prisão de 2 (dois) a 8 (oito) anos de prisão.


O crime de furto, p. e p. pelos art.º 203º, n.º 1, e 204º, n.ºs 2, al. e), e 4, do Código Penal, é punido com pena de prisão de 1 (um) mês) a 3 (três) anos de prisão (cfr. ainda art.º 41º, n.º 1, do Código Penal).


E o crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelo art.º 203º, n.º 1, 204º, n.º 2, alínea e), 22.º, e 23º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Penal, é punido com pena de prisão de 1 (um) mês até 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão.


Quanto à determinação da medida da pena, a mesma rege-se pelos princípios consagrados no artigo 40º do Código Penal, nos termos do qual o objetivo primordial da aplicação de uma pena será a proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na comunidade (prevenção especial positiva). Haverá que ter em conta, sendo caso disso, o disposto no art.º 70º, que determina a preferência por penas não detentivas da liberdade, em relação àquelas detentivas, sempre que as primeiras puderem “realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.


De acordo como disposto no art.º 71º, n.º 1, do Código Penal, “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, não podendo em caso algum a pena ultrapassar a medida da culpa (art.º 40º, n.º 2, do Código Penal).


Toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo a culpa concreta do agente, o que implica, por um lado que não há pena sem culpa, e por outro, que esta decide da medida daquela, afirmando-se como seu limite máximo, havendo que ter presente as razões de prevenção geral (proteção dos bens jurídicos) quanto aos fins das penas (art.º 40º, n.º 1, do Código Penal), e os fins de prevenção especial.


Isto é, a determinação da pena concreta fixar-se-á em função:


- da culpa do agente, que constituirá o limite máximo, por respeito do principio politico-criminal da necessidade da pena, e do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art.ºs 1º e 18º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa);


- das exigências de prevenção geral, que constituirão o limite mínimo, sob pena de ser posta em risco a função tutelar do direito e as expectativas comunitárias na validade da norma violada;


- e de prevenção especial de socialização, sendo elas que irão fixar o quantum da pena dentro daqueles limites – neste sentido v.g. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequência Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, pág. 213 e ss.


Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente, ou contra ele, nomeadamente as referidas nas alíneas do n.º 2 do art.º 71º do Código Penal:


- a ilicitude do facto;


- o modo de execução e suas consequências;


- grau de violação dos deveres impostos ao agente;


- o grau de intensidade do dolo;


- as circunstâncias que rodearam o cometimento do crime, nomeadamente, os fins ou motivos que o determinaram e a sua reiteração no tempo;


- condições pessoais do agente e a sua situação económica;


- a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;


- a falta de preparação para manter uma conduta licita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.


A determinação da medida da pena, in concreto, far-se-á de harmonia com o disposto no já referenciado art.º 71º, n.º 1, ou seja, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção de futuros crimes, atendendo-se nesta determinação, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, designadamente as enunciadas no art.º 71º, n.º 2.


Pela via da culpa, segundo refere o Prof. Figueiredo Dias (in “As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, pág. 239), releva para a medida da pena a consideração do ilícito típico, ou seja, “o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente”, conforme prevê o art.º 71º, n.º 2, al. a).


A culpa, como fundamento último da pena, funcionará como limite máximo inultrapassável da pena a determinar (art.º 40º, n.º 2), fornecendo a prevenção geral positiva (“proteção de bens jurídicos”) o limite mínimo que permita a reposição da confiança comunitária na validade da norma violada.


Por fim, é dentro desses limites que devem atuar considerações de prevenção especial, isto é, de ressocialização do agente (cf., neste sentido, Figueiredo Dias, Ob. Cit., págs. 227 e seguintes; Anabela Rodrigues, in R.P.C.C., 2, 1991, pág. 248 e seguintes; e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de novembro de 1994, in B.M.J. 441º, pág. 145).


Relativamente aos elementos elencados no art.º 71º, n.º 2, do Código Penal, há que considerar, in casu:


- o grau de ilicitude dos factos, apreciado dentro dos tipos criminais em apreço, que é elevado;


- o Arguido atuou com o propósito de obter um benefício económico;


- as consequências financeiras da conduta do Arguido são significativas, atento não só o valor dos bens subtraídos, como sobretudo os estragos causados pelo Arguido para se introduzir nas lavandarias, arrecadação, garagem e Centro de Saúde, por vezes de valor bastante superior ao dos bens subtraídos;


- a intensidade do dolo, manifestada no dolo direto, é elevada;


- as elevadas exigências de prevenção geral, no sentido de repor a confiança dos cidadãos na validade das normas jurídicas violadas, na medida em que os crimes de furto são crimes que geram um elevado alarme social, urgindo repor um sentimento comunitário de segurança, necessário à vivência em sociedade;


- as prementes necessidades de prevenção especial relativamente ao Arguido, a quem não são conhecidos hábitos regulares de trabalho, tendo este um historial de consumo de estupefacientes, com as inerentes necessidades de obtenção de dinheiro para a aquisição desse mesmo estupefaciente e o recurso à subtração de bens alheios como forma de obter liquidez para essa mesma aquisição.


- o Arguido já regista antecedentes criminais pela prática de factos semelhantes aos dos autos, sendo que nem o cumprimento de pena efetiva de prisão se mostrou suficientemente dissuasor da prática dos ilícitos em apreço nos autos por parte do Arguido, reiterando este o seu comportamento delituoso.


Por todo o exposto, e tendo ainda presente o valor dos bens subtraídos, entendemos adequada a aplicação ao Arguido:


- da pena de 15 (quinze) meses de prisão pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de 1 (um) crime de furto, p. e p. pelo art.º 203º, n.º 1, do Código Penal (NUIPC 908/17.4 PDAMD);


- da pena de 3 (três) anos de prisão, pela prática de 1 (um) crime de furto qualificado, na forma consumada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 203º, n.º 1, e 204º, n.º 2, al. e), todos do Código Penal (NUIPC 908/17.4 PDAMD);


- da pena de 2 (dois) anos de prisão pela prática de 1 (um) crime de furto p. e p. pelos art.ºs 203º, n.º 1, e 204º, n.ºs 2, al. e), e 4, e 202º, al. c), do Código Penal (NUIPC 765/17.0...);


- da pena de 3 (três) anos de prisão pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de 1 (um) crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203º, n.º 1, e 204º, n.ºs 2, al. e), [e 4, e 202º, al. c)]14, do Código Penal (NUIPC 860/17.6...), não deixando de ter presente que nesta situação os bens subtraídos foram recuperados;


- da pena de 2 (dois) anos de prisão pela prática em autoria material, e na forma tentada, de 1 (um) crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.º 203º, n.º 1, 204º, n.º 2, alínea e), 22.º, e 23º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Penal (NUIPC 46/18.2...);


- da pena de 4 (quatro) anos de prisão pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de 1 (um) crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203º, n.º 1, e 204º, n.º 2, al. e), do Código Penal (NUIPC 71/18.3... e NUIPC 81/18.0...), não podendo deixar de se ter presente nesta situação a natureza dos bens subtraídos (guardados no cofre do Centro de Saúde, designadamente carimbos), que poderiam vir a ser utilizados para a prática de outros ilícitos.


*


Tendo-se encontrado as penas parcelares relativas aos ilícitos referidos, cumpre agora proceder à determinação de uma pena única, considerando em conjunto os factos e a personalidade do agente, nos termos do art.º 77º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.


Assim, o limite mínimo da pena aplicável corresponde à pena máxima concretamente aplicada, e o limite máximo corresponde à soma das penas parcelares encontradas.


Como entende o Supremo Tribunal de Justiça, face ao disposto no art.º 77º do Código Penal (cfr., por todos, Acórdãos de 11 de janeiro de 2001, Processo n.º 3095/00-5, de 4 de março de 2004, Processo n.º 3293/04-5, e de 12 de julho de 2005, todos in www.dgsi.pt), a pena única a estabelecer em cúmulo deve ser encontrada numa moldura penal abstrata, balizada pela maior das penas parcelares abrangidas e a soma destas, e na medida dessa pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, com respeito pela pena unitária. Na verdade, o elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes é, justamente, a personalidade do delinquente, a qual tem, por força das coisas, carácter unitário, mas a personalidade traduzida na condução de vida, em que o juízo de culpabilidade se amplia a toda a personalidade do autor e ao seu desenvolvimento, também manifestada de forma imediata a ação típica, isto é, nos factos.


Esse critério, conforme salienta Figueiredo Dias, consiste em apurar se “numa avaliação da personalidade – unitária - do agente”, o seu percurso de delinquência “é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo uma «carreira») criminosa” e não a uma “pluriocasionalidade que não radica na personalidade (…)” (in Direito Penal Português -As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial de Notícias, pág. 291).


Assim, temos como moldura legal abstrata do concurso, uma pena situada entre 4 (quatro) anos de prisão e 15 (quinze) anos e 3 (três) meses de prisão.


Ora, considerando as circunstâncias e gravidade dos factos e a personalidade do Arguido neles espelhada, e sem esquecer a culpa e as necessidades de prevenção, entende o Tribunal como ajustada a aplicação ao Arguido da pena única de 6 (seis) anos e 9 (nove) meses de prisão.


Atenta a pena aplicada, superior a 5 (cinco) anos de prisão, e o disposto no art.º 50º do Código Penal, mostra-se prejudicada a apreciação de uma eventual suspensão da execução de tal pena.


(…)».


A fundamentação do acórdão recorrido quanto à medida da(s) pena(s) parcelar(es) e única fixadas e aqui em apreço mostra-se criteriosa e respeitadora das operações a realizar e das finalidades e critérios legalmente definidos para a determinação do seu quantum15.


Referenciou a admissão parcial dos factos pelo arguido no primeiro interrogatório judicial de arguido detido, mas sem lhe atribuir relevo atenuativo, e bem, porque só teve lugar nas situações de detenção em flagrante ou quase flagrante delito e em que a sua autoria se mostrava amplamente suportada noutros meios de prova concludentes, admissão que, de resto, não ocorreu relativamente ao furto no Centro de Saúde, cuja ilicitude se destacou relativamente aos demais, seja pela natureza institucional e de serviço público do espaço, seja pelos documentos e demais objetos guardados no cofre, com potencial facilitador do cometimento de outro tipo de crimes.


Ademais, essa admissão parcial não se mostra acompanhada por qualquer sinal de arrependimento e interiorização do desvalor das suas condutas, designadamente, mediante a reparação dos prejuízos causados ou manifestação dessa intenção no processo ou junto dos ofendidos, antes evidenciando um completo alheamento da sorte destes e das consequências criminais que da prática dos factos lhe poderiam advir, das quais, face ao seu passado, não podia deixar de estar ciente.


Alheamento revelado pela sua ausência ao julgamento, apesar de regular e repetidamente notificado (cfr. atas de 7 e 14.2. e 24.3.2023), obrigando, por um lado, à notificação pessoal do acórdão por intermédio da PSP, em 27.3.2023 (referência citius ......93), e, por outro, inviabilizando a elaboração do relatório social solicitado pelo tribunal à DGRSP, não comparecendo às entrevistas para que foi convocado (cfr. ofício de 9.3.2023, referência citius ......17).


Acresce que o acórdão recorrido considerou na justa medida os seus antecedentes criminais, cujo primeiro registo remonta a 1997 e se estende até 2018, ano em que cessou a atividade delituosa aqui apreciada, numa cadência regular, apenas interrompida pelo cumprimento de várias penas de prisão efetiva sofridas, assim impedindo também o cancelamento desses registos, em escrupuloso respeito pelas regras estabelecidas nesse âmbito pelos artigos 15º e 11º das Leis n.ºs 57/98 de 18.08, e 37/2015, de 5.05, respetivamente, num total de dezassete crimes de furto, simples e qualificados, e um de detenção de arma proibida anteriores aos crimes por que foi julgado neste processo.


E, ainda assim, não considerou que a imagem global dos factos por que foi condenado e da sua personalidade neles espelhada, em conjugação com aqueles antecedentes, evidenciasse uma “certa tendência ou carreira delinquente”, antes a classificando como pluriocasional e, implicitamente, determinada pela sua toxicodependência.


Ainda neste domínio, também acertadamente, não se relevou, como pretendido pelo recorrente, a inexistência de registo de infrações posteriores a abril de 2020 ou a distância temporal entre a prática dos factos e o momento da decisão, na medida em que esteve em reclusão de 2018 até àquela data e foi libertado em função do perdão do remanescente da pena que cumpria, sob a condição resolutiva de, durante um ano, não cometer outros ilícitos, o que reduz substancialmente aquela distância e as ilações positivas a retirar da ausência de novos registos no seu CRC.


Valoradas foram ainda as suas condições pessoais, levadas à matéria de facto provada com base em documentação oficiosamente recolhida e analisada pelo tribunal, nomeadamente das declarações que prestou nos primeiros interrogatórios judiciais de arguido detido nos vários processos aqui englobados, desde a doença controlável mediante adequada medicação, à sua propensão aditiva, condição social humilde, com reduzida escolaridade, sem ocupação laboral conhecida e parcos rendimentos, limitados a uma pensão por invalidez não inferior a € 200,00, sem pais, já falecidos, e sem filhos conhecidos, vivendo em casa de uma prima e marido desta, situação que o seu percurso de vida, anterior, contemporâneo e posterior aos factos, dificilmente poderá melhorar, tendo em conta também que se aproxima dos 50 anos de idade.


Assim como o período relativamente concentrado em que decorreu a atividade delituosa aqui em apreço, entre 24 de agosto de 2017 e 12 de abril de 2018.


Todavia, mais uma vez, sem particular significado atenuativo, considerando a persistência na sua atuação delituosa, apesar de ter sido sucessivamente detido em flagrante ou quase flagrante delito e apresentado nessa condição a interrogatório judicial, o que não lhe serviu de admonição suficiente para obstar à continuação sucessiva desse tipo de atuação, ao que se junta a circunstância de, entretanto, em 29 de maio de 2018, ter iniciado o cumprimento da pena de que viria a ser libertado em dia 11 de abril de 2020.


Tudo circunstâncias que, ao contrário do por ele pretendido, evidenciam uma inequívoca, consciente e intencional vontade na realização dos furtos por que foi condenado e, por isso, impõem um acentuado juízo de censura, elevando a culpa para um elevado patamar, muito acima do comum agente deste tipo de criminalidade.


Essa forte vontade e total desconsideração pelo bem jurídico violado, a propriedade alheia, revela-se também no modo destemido, mesmo arrojado, de atuação, não se coibindo de invadir espaços fechados, que abria com auxílio das ferramentas apropriadas e de que se fazia transportar, em estabelecimentos comerciais, mas também em áreas residenciais ou delas adjacentes, como garagens e arrumos, a horas suscetíveis de maior confronto pessoal com outras pessoas, profissionais e residentes, mesmo com os próprios proprietários dos bens subtraídos, como sucedeu nalguns dos casos.


Circunstâncias que relevam igualmente ao nível da ilicitude, elevando o respetivo grau, seja pelo alarme social e insegurança comunitária que provocam, seja pela qualificação das condutas refletida na própria incriminação e correspondente moldura penal abstrata.


É certo que, essa ilicitude, como o recorrente alega, também se deve aferir pelo valor dos bens subtraídos, que, in casu, na maioria das situações se situa no limiar da desqualificação, sendo nalguns casos inferior aos dos danos e correspondente prejuízo causado, além de, na sua maioria, terem sido recuperados.


Contudo, o valor da coisa apropriada ou efetivamente assenhoreada em proveito próprio, que aqui se refletiu na desqualificação de um dos crimes por que foi condenado, não constituiu, no caso, a circunstância decisiva para a qualificação dos furtos, antes tendo sido a de as coisas subtraídas ou tentadas subtrair se encontrarem guardadas em espaços fechados anexos ou adjacentes às residências e estabelecimentos comerciais dos seus proprietários, e que, por isso, exigem uma mais intensa proteção e correspondente punição do que aqueloutras em que o furto se realiza sem necessidade dessa intrusão ou invasão de espaços daquela natureza e com menos riscos de confronto pessoal do agente com os seus donos.


E, como se afirma no acórdão recorrido, afigura-se inquestionável que o tipo de crimes sub judice e o modo da sua realização, até pelos elevados índices da criminalidade contra o património registados em Portugal e, em especial, nas grandes áreas metropolitanas, provoca grande alarme social e sentimentos generalizados de insegurança comunitária, mesmo que, por vezes, amplificados pela sua massiva e descontextualizada divulgação, agravando neste, como em casos semelhantes, as exigências de prevenção geral, no sentido de repor a confiança da comunidade no valor e manutenção da normatividade vigente e de reforço da proteção do bem jurídico afetado pela prática dessa tipologia criminal.


Sendo igualmente indiscutível, por tudo quanto se referiu acerca das condições pessoais e da personalidade do arguido, a intensidade das exigências de prevenção especial, face à persistência da sua atuação contra o património alheio, com indiferença pelos ofendidos e sem interiorização do desvalor da sua conduta e das consequências jurídico- penais que dela lhe têm advindo e possam continuar a advir, não se antevendo qualquer hipótese de regeneração, no sentido de poder vir a pautar a sua vida futura de harmonia com os padrões de normatividade vigentes, abstendo-se da prática futura de crimes, daquela ou de qualquer outra natureza, que não seja mediante uma pena de prisão em medida justa e suficiente para, mais uma vez, o tentar reorientar para uma vida normativa e socialmente enquadrada, no respeito pelos valores de convivência comunitária.


A tudo importa aditar que o acórdão recorrido, além da consideração daquelas poucas circunstâncias favoráveis ao recorrente e de valor atenuativo diminuto, como se deixou expresso, não descurou os princípios da proporcionalidade e da necessidade das penas fixadas, fazendo a avaliação individualizada de cada um dos crimes punidos e conjunta, globalizada, de todos os factos e da sua personalidade neles refletida ou por eles evidenciada, concluindo, apesar de não se poder afirmar a verificação no caso de uma “certa tendência criminosa”, antes apenas uma “pluriocasionalidade”, que o efeito ressocializador visado por qualquer punição e ela pode e deve encerrar, se executada em conformidade com essa finalidade legal, a par das prementes exigências de prevenção geral aqui presentes, só será realizável neste caso mediante a aplicação da pena única ou conjunta de 6 anos e 9 meses, dentro da moldura legal do cúmulo situada entre o mínimo de 4 anos e o máximo de 15 aos e 3 meses de prisão, correspondente à soma das 6 penas de prisão aplicadas a outros tantos crimes de furto, simples e qualificados, tentados e consumados acima referidos, ou seja, 2 anos e 9 meses apenas acima desse limite mínimo, num excedente material e legal total superior a 11 anos de prisão.


Tudo, por conseguinte, no sentido de se poder afirmar que o acórdão recorrido se mostra bem fundado e que, em face das finalidades das penas, em particular das elevadas exigências de prevenção geral e especial, positiva e negativa, que no caso se fazem sentir, sob pena de postergação da proteção dos bens jurídicos que com as incriminações se pretendem acautelar, o da propriedade privada, direito económico que goza do regime dos direitos, liberdades e garantias, nos termos dos artigos 62º e 17º da CRP16, as referidas penas de prisão, parcelares e única, aplicadas ao arguido, são justas, adequadas e fixadas de harmonia com os princípios da necessidade e da proporcionalidade das penas, sem ultrapassar a medida da sua culpa.


Mostram-se, além disso, mais próximas do limite mínimo do que do limite máximo das correspondentes molduras abstratas ou legais e em sintonia com os habituais parâmetros do STJ para situações equivalentes, como pode ver-se dos acórdãos, de 5.07.2012 e de 10.05.2023, proferidos nos processos n.ºs 246/11.6GAGRD.S1 e 23/20.3GABNV.C1.S1, relatados pelos Conselheiros Raúl Borges e Orlando Gonçalves, respetivamente17.


IV. Decisão


Em face do exposto, acorda-se em:


a) Negar provimento ao recurso e manter o acórdão recorrido, com a correção referida nas notas de rodapé n.ºs 1, 14 e 15.


c) Condenar o recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UC (cfr. artigos 513º do CPPP e 8º, n.º 9, do RCP, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02 e Tabela III anexa), ressalvado eventual benefício de apoio judiciário.


Lisboa, d. s. c.


(Processado e revisto pelo relator)


João Rato (Relator)


Albertina Pereira (1º adjunto)


Jorge dos Reis Bravo (2º adjunto)





______________________________________________

1. Nesta al. d. do dispositivo mencionam-se o n.º 4 do artigo 204º e a alínea c) do artigo 202º do Código Penal (CP), cuja aplicação conjugada afastaria a qualificação do furto nela referido.

Porém, como resulta da acusação, dos factos provados nos pontos 8 a 13 e 24 e 25 da fundamentação de facto e da sua fundamentação de direito, a pp. 21, in fine, e 22, onde expressamente se afirma o preenchimento de um crime de furto qualificado, sem qualquer menção àquelas normas, porque, na verdade, só uma das câmaras subtraídas e recuperadas tinha um valor de € 200,00, afastando assim a referida desqualificação do crime imputado, pelo que tal menção consubstancia um manifesto lapso de escrita suscetível de correção a todo o tempo, a requerimento ou ex officio.

Assim sendo, porque não implica qualquer modificação essencial, corrige-se esse manifesto lapso, expurgando tais menções desta al. d. do dispositivo, ao abrigo do disposto no artigo 380º, n.ºs 1, al. b) e 2 do Código de Processo Penal (CPP).↩︎

2. Cfr. artigo 412º do CPP e, na doutrina e jurisprudência, as correspondentes anotações de Pereira Madeira, in Código de Processo Penal Comentado, de António Henriques Gaspar et al., 2021 - 3ª Edição Revista, Almedina.

Tudo sem prejuízo, naturalmente, da necessária correlação e interdependência entre o corpo da motivação e as respetivas conclusões, não podendo nestas acrescentar-se o que não encontre arrimo naquele e sendo irrelevante e insuscetível de apreciação e decisão pelo tribunal de recurso qualquer questão aflorada no primeiro sem manifestação nas segundas, não podendo igualmente, salvo as de conhecimento oficioso, conhecer-se de questões novas não colocadas nem consideradas na decisão recorrida, como se afirmou no acórdão deste STJ, de 23.11.2023, proferido no processo n.º 687/23.6YRLSB.S1, relatado pelo Conselheiro Jorge Gonçalves, ainda inédito.↩︎

3. A este propósito e em sintonia com o afirmado no texto, veja-se Pereira Madeira em anotação aos artigos 432º e ss. do CPP, no Código de Processo Penal Comentado, de Henriques Gaspar [et al.], 3ª Edição Revista, Almedina 2021.↩︎

4. Idem, em anotação ao artigo 410º do CPP, in ob. e loc. cit.↩︎

5. V.g., acórdãos do TRP e do TRE, de 4.05.2016 e 4.02.2020, proferidos nos processos n.ºs 996/13.2JAPRT.P1 e 60/16.2GEBNV.E1, relatados pelas Desembargadoras Maria Deolinda Dionísio e Laura Maurício, respetivamente, ambos disponíveis no sitio https://www.dgsi.pt,↩︎

6. E em Instrumentos de Direito Internacional a que Portugal está vinculado, designadamente a Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH – artigo 11º, n.º 1) e a Convenção [Europeia] para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH – artigo 6º, n.º 2).↩︎

7. Cfr. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. I, pp. 74 a 77, 3ª edição, revista e atualizada, Editorial Verbo, 1996, em que nos inspirámos.↩︎

8. Cfr. Cristina Líbano Monteiro, in “A pena «unitária» do concurso de crimes”, RPCC, Ano 16, n.º 1, pp. 151 a 166, em comentário a um acórdão do STJ, no qual se debruça sobre as diferenças concetuais e seus reflexos sobre a determinação da pena concreta no concurso de crimes entre “pena única”, “pena unitária” e “pena conjunta”, concluindo no sentido de que o nosso CP optou pela pena conjunta.↩︎

9. Como é bom de ver, a pretensão de ver a pena de prisão de 3 anos fixada para o crime de furto qualificado aqui em discussão reduzida para medida inferior a 18 meses, está, à partida, condenada ao insucesso, considerando que a sua moldura abstrata ou legal é de 2 a 8 anos de prisão, como infra se verá.↩︎

10. Pelas razões indicadas na nota anterior, também aqui a concreta pretensão redutora formulada está condenada ao insucesso.↩︎

11. Como antes sublinhado, o recorrente não questiona a espécie da pena, pelo que, nada justificando a intervenção oficiosa do STJ nesse âmbito, porque devidamente fundamentada no acórdão recorrido a opção pela pena de prisão em detrimento da de multa, alternativamente aplicável ao crime de furto simples, se dispensa a indicação da respetiva moldura abstrata ou legal.↩︎

12. Direito Penal 2, Parte Geral – As consequências Jurídicas do Crime.↩︎

13. Conforme ponto IV do sumário publicado do acórdão de 8.11.2023, proferido no processo n.º 808/21.3PCOER.L1.S1, relatado pela Conselheira Ana Barata Brito, sem prejuízo, naturalmente, da amplitude sindicante dos tribunais de recurso, quando, ainda assim, concluam pela injustiça da pena, por desproporcional ou desnecessidade, como se afirmou, v. g., no acórdão do STJ, de 14.06.2007, proferido no processo n.º 07P1895, relatado pelo Conselheiro Simas Santos, ambos disponíveis no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.

No mesmo sentido, Souto de Moura, in “A JURISPRUDÊNCIA DO S.T.J. SOBRE FUNDAMENTAÇÃO E CRITÉRIOS DA ESCOLHA E MEDIDA DA PENA”, disponível em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/soutomoura_escolhamedidapena.pdf.↩︎

14. A corrigir, expurgando, conforme exposto na nota de rodapé número 1.↩︎

15. Com reparo apenas da incorreta referência ao n.º 4 do artigo 204º e à alínea c) do artigo 202º do CP, na pena de 3 anos correspondente ao crime de furto qualificado a que respeita o processo n.º 860/17.6PEAMD, já corrigida e a expurgar de harmonia com o exposto nas notas de rodapé números 1 e 14.↩︎

16. Para maiores desenvolvimentos, podem ver-se as anotações de Gomes Canotilho e Vital Moreira aos artigos 62º e 17º, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Vol. I, 4ª edição revista, Coimbra Editora, 2007.↩︎

17. Também disponíveis no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.↩︎