Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
176/09.1YFLSB
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
VIA PÚBLICA
VIA PRIVADA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 06/18/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :

- Trânsito público não pode deixar de ser entendido como trânsito que pertence a todos, que é do uso de todos, que se destina a todos.
- Quando de dá como provado que uma via pertencente ao domínio privado serve para o acesso a várias empresas, tem que se concluir que não servia para acesso a qualquer veículo.
- A circulação não era livre porque quem não tivesse que ir às instalações daquelas empresas não podia nem devia aceder aquela via.
- Não se tratava, assim, de uma via de domínio privado aberta ao trânsito público.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Em 02.03.05, no Tribunal Judicial da Comarca do Seixal, AA instaurou a presente acção declarativa sob a forma ordinária contra a Império BB, Companhia de Seguros, S.A.

pedindo
que esta fosse condenada a pagar-lhe: € 9 726,56, a título de danos patrimoniais sofridos no seu veículo; € 5 000,00, a título de danos não patrimoniais; € 254,19, a título de despesas suportadas com a recolha e reboque da viatura acidentada, bem como a deslocação ao tribunal; € 1 381,38, a título de despesas efectuadas com transportes públicos, com a peritagem, com correio endereçado à Ré, com a obtenção de plantas topográficas do local do acidente e com a revelação das fotografias juntas ao processo; quantias essas acrescidas de juros de mora à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento

alegando
em resumo, que
- foi vítima de um acidente de viação causado pelo condutor de um veículo segurado na ré;
- este condutor seguia em excesso de velocidade e com uma taxa de álcool proibida por lei;
- em consequência do acidente, sofreu vários danos.

Contestando
a ré alegou, também em resumo, que
- o veículo conduzido pela autora entrou subitamente na faixa de rodagem do veículo segurado;
- a via por onde circulava a autora é uma via particular;
- não respeitando o direito de prioridade que competia ao condutor do QL, a autora efectuou uma manobra irregular;
- não conseguindo aquele condutor evitar o embate.

Deduziu ainda incidente de intervenção acessória provocada, de CC, condutor do veículo seguro, por poder vir a ter direito de regresso contra este, nos termos do artigo 19º, al. c) do D.L. nº. 522/85, de 31 de Dezembro, o qual foi admitido.
O interveniente, regularmente citado, não deduziu contestação

Proferido despacho saneador, fixada a matéria assente e elaborada a base instrutória, foi realizada audiência de discussão e julgamento.

Em 07.10.08, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré seguradora a pagar à autora uma quantia no montante máximo de 14.362,13 €.

A ré apelou, com parcial êxito, pois a Relação de Lisboa, por acórdão de 08.10.19, alterou a sentença recorrida, condenando apenas a ré a pagar à autora uma quantia no montante máximo de 4.787,38 €.

Inconformada, a autora deduziu a presente revista, apresentando as respectivas alegações e conclusões.
A ré recorrida contra alegou, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

As questões

Tendo em conta que
- o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº3 e 690º do Código de Processo Civil;
- nos recursos se apreciam questões e não razões;
- os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido
são os seguintes os temas das questões propostas para resolução:
A) – Nulidades da sentença
B) – Matéria de facto
C) - Acidente

Os factos

São os seguintes os factos que foram dados como provados nas instâncias:
a) No dia 2 de Fevereiro de 2001, Sexta-Feira, cerca das 19h20m, ocorreu um acidente de viação na via paralela (sem designação), à Avenida da República, no Seixal - (al. A) dos factos assentes);
b) Neste acidente foram intervenientes: o veículo de passageiros, de marca “Peugeot”, modelo “206”, com matrícula 0000000, da propriedade da Autora e conduzido, na altura do acidente, pela mesma; e o veículo ligeiro de mercadorias , de marca “Toyota”, modelo “Dyna”, com a matrícula 0000000, da propriedade da firma “Moviflor”, com sede no Largo ......., nº. ..., em Lisboa, e conduzido, na altura do acidente, por CC - (al. B) dos factos assentes);
c) À data do referido acidente o tempo era de nevoeiro - (al. C) dos factos assentes);
d) Ambas as vias apresentam traçado de recta - (al. D) dos factos assentes);
e)E piso asfaltado em razoável estado de conservação - (al. E) dos factos assentes);
f) No dia, hora e local referido em a), CC conduzia o veículo de matrícula 0000000, com uma taxa de álcool no sangue de 2,20 g/l - (al. F) dos factos assentes);
g) A Autora recebeu tratamento hospitalar na data do acidente, tendo alta no mesmo dia (2 de Fevereiro de 2001) - (al. G) dos factos assentes);
h) Ao tempo do acidente, o proprietário do veículo ligeiro de mercadorias de matrícula 0000000 havia transferido a sua responsabilidade civil e a dos utilizadores do aludido veículo, para a Companhia de Seguros BB, S.A., sob a apólice nº. 00000000 - (al. H) dos factos assentes);
i) No local do acidente, a faixa de rodagem tem 6,5 metros de largura - (resposta ao ponto 1º da base instrutória);
j) Ainda que não tenha definido o número de sentidos de trânsito que admite, em regra, apenas serve o sentido seguido pelo veículo 00-00-00 - (resposta ao ponto 2º da base instrutória);
k) O local configura um entroncamento à direita, atento o sentido de marcha do veículo 00-00-00 - (resposta ao ponto 3º da base instrutória);
l) O entroncamento é formado por uma via paralela (sem designação) à Avenida da República, no Seixal e o acesso (igualmente sem designação) a várias empresas do grupo A. S.- (resposta ao ponto 4º da base instrutória);
m) A via donde era proveniente o veículo 0000000 apresenta no entroncamento 9 metros de largura - (resposta ao ponto 5º da base instrutória);
n) E admite trânsito nos dois sentidos, sem que os mesmos se encontrem demarcados por qualquer traço ou marca rodoviária (resposta ao ponto 6º da base instrutória);
o) O local oferece boa visibilidade - (resposta ao ponto 8º da base instrutória);
p) No local não existe sinalização que inverta o princípio geral da regra da prioridade - (resposta ao ponto 9º da base instrutória);
q) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em a), o veículo 0000000 circulava no sentido Sul/Norte da referida via paralela - (resposta ao ponto 10º da base instrutória);
r) O veículo 0000000 circulava no sentido perpendicular da referida via paralela (sem designação) à Avenida da República, no Seixal - (resposta ao ponto 11º da base instrutória);
s) O condutor do veículo seguro pela Ré circulava a uma velocidade superior a 50 Km/h - (resposta ao ponto 12º da base instrutória);
t) Tendo chocado com a parte frontal na lateral esquerda do veículo conduzido pela Autora - (resposta ao ponto 14º da base instrutória);
u) E projectando o veículo da Autora em 22,75m - (resposta ao ponto 15º da base instrutória);
v) Tendo aquela ido embater num muro próximo com a parte lateral direita do veículo - (resposta ao ponto 16º da base instrutória);
w) Atravessando a via de um lado ao outro - (resposta ao ponto 17º da base instrutória);
x) O veículo 0000000 ficou imobilizado no mesmo sentido em que seguia - (resposta ao ponto 18º da base instrutória);
y) Com a traseira esquerda do veículo a 6,30m do sinal vertical do sentido proibido aí existente e a dianteira do veículo a 8,40m da esquina da “Assicomate” - (resposta ao ponto 19º da base instrutória);
z) E deixou no local um rasto de travagem de 16 metros (resposta ao ponto 21º da base instrutória);
aa) No dia e hora referido em a) o veículo 0000000 circulava pela Avenida da República, parte interior, no sentido Sul/Norte, da Torre da Marinha – Seixal, pela sua mão de trânsito, pela meia faixa direita atento aquele sentido de marcha - (resposta ao ponto 23º da base instrutória);
bb) Ao aproximar-se das instalações da sociedade “A. S... & S...”, o condutor do veículo 0000000 foi surpreendido pelo aparecimento do veículo 0000000 conduzido pela Autora - (resposta ao ponto 25º da base instrutória);
cc) A Autora entrou na faixa de rodagem da referida Avenida - (resposta ao ponto 26º da base instrutória);
dd) Atravessando-se pela frente do QL - (resposta ao ponto 27º da base instrutória);
ee) Ao aperceber-se da manobra da Autora, o condutor do veículo QL travou a fundo e desviou a direcção do veículo para a esquerda - (resposta ao ponto 28º da base instrutória);
ff) A via de acesso às instalações da “A. S.... & S....” é uma via particular - (resposta ao ponto 29º da base instrutória);
gg) O veículo ligeiro de passageiros de matrícula 0000000, como consequência directa do acidente a que se reportam os autos, sofreu danos:
- no lado esquerdo, porta do condutor, altifalante, espelho retrovisor, na embaladeira do mesmo lado;
- no lado direito, pára-choques da frente, farol dianteiro, jante dianteira e porta do passageiro do mesmo lado;
- no tejadilho do veículo, no painel de instrumentos, no banco do condutor, no interior da porta do condutor, no vidro pára-brisas - (resposta ao ponto 30º da base instrutória);
hh) Como consequência directa e exclusiva do embate, a Autora sofreu:
- hematomas vários nas pernas;
- um golpe no couro cabeludo junto à testa - (resposta ao ponto 31º da base instrutória);
ii) A Autora sofreu dores no momento do acidente e durante o tratamento a que esteve sujeita, bem como nos dias imediatamente após o sinistro - (resposta ao ponto 32º da base instrutória);
jj) A Autora sentiu dores fortes nas costas, nas pernas, particularmente durante a noite - (resposta ao ponto 33º da base instrutória);
kk) A Autora, após o sinistro, esteve impedida por alguns dias de fazer o quotidiano da sua vida normal, devido às dores e mau estar causados - (resposta ao ponto 34º da base instrutória);
ll) A Autora esteve, pelo menos, dois dias impossibilitada de trabalhar -(resposta ao ponto 35º da base instrutória);
mm) A Autora usou canadianas durante pelo menos uma semana, após 08/02/2001 - (resposta ao ponto 36º da base instrutória);
nn) Os danos sofridos pelo veículo motivaram a perda total do mesmo - (resposta ao ponto 44º da base instrutória);
oo) A Autora tinha adquirido o veículo referenciado em Maio de 2000, mediante o sistema de leasing - (resposta ao ponto 45º da base instrutória);
pp) A Autora necessita permanentemente de viatura para o exercício da sua actividade profissional, nas deslocações de casa para o trabalho e do trabalho para casa - (resposta ao ponto 46º da base instrutória);
qq) Muitas vezes a Autora sai do local de trabalho a horas tardias, e ainda tem de deslocar-se para a sua residência, no concelho da Amadora - (resposta ao ponto 47º da base instrutória);
rr) A Autora efectivou despesas com a recolha da viatura e reboque, bem como a deslocação ao tribunal, no montante de € 254,19 - (resposta ao ponto 48º da base instrutória);
ss) A Autora teve despesas com deslocações em transportes públicos para o trabalho (de 08/02/2001 a 05/09/2001, o que perfaz 143 dias úteis x € 8,18 em média por dia), no valor total de € 1 169,74 - (resposta ao ponto 49º da base instrutória);
tt) A Autora teve despesas com deslocações em serviço de táxi, no valor total de € 23,72 - (resposta ao ponto 50º da base instrutória);
uu) A Autora teve despesas em outras deslocações em transportes públicos no valor de € 29,78 - (resposta ao ponto 51º da base instrutória);
vv) A Autora teve despesas com o Relatório de Averiguações, no valor de € 118,85 - (resposta ao ponto 52º da base instrutória);
ww) A Autora teve despesas em envio de correio registado endereçado à Ré, no valor de € 4,80 - (resposta ao ponto 53º da base instrutória);
xx) A Autora teve despesas com a revelação das fotografias juntas no processo, no valor de € 22,99 - (resposta ao ponto 54º da base instrutória);
yy) A Autora teve despesas na obtenção de plantas topográficas do local do acidente, junto do Município do Seixal, no valor de € 3,02 - (resposta ao ponto 55º da base instrutória);
zz) A Autora teve despesas em tratamentos hospitalares, no valor de € 8,48 - (resposta ao ponto 56º da base instrutória).

Os factos, o direito e o recurso

A) – Nulidades da sentença

Entende a autora recorrente que no acórdão recorrido foram cometidas diversas nulidades.

Assim, entende que não foram especificados os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão de conjugar apenas as alíneas l) e ff) da matéria dada como provada em detrimento das restantes alíneas.
Mas a escolha da matéria de facto dessas alíneas representa ela própria a fundamentação da conclusão que se extraiu delas, de que o acesso era uma via particular aberta apenas ao trânsito particular.
Se escolheu bem ou mal, é matéria que tem apenas a ver com o fundo da causa – adiante a tratar – mas que nada tem a ver com qualquer nulidade do acórdão.

Entende também a recorrente que a decisão contida no acórdão recorrido se encontra em oposição com alíneas dos factos assentes e da matéria provada, que fundamentaram a própria decisão.
Não se vê como.
É patente que não existe qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão
Haverá aquela oposição quando a fundamentação do acórdão aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente - art. 668º, nº1, al.c) do Código de Processo Civil.
Ora é fácil de ver que a decisão de julgar que a conduta da autora concorreu para a ocorrência do acidente se fundou em que não respeitou a regra da prioridade que a impedia de avançar sem que o QL passasse.
Representando-se a sentença como um silogismo judiciário, temos que nela, como premissa maior, aparece a norma sobre prioridade estabelecida no da alínea a) do nº1 do artigo 31º do Código da Estrada; como premissa menor, a demonstração da violação dessa norma pela autora; e como conclusão, concorrência da culpa.
A fundamentação do acórdão apontou, pois, no sentido da decisão.
Não se verifica, assim, a nulidade invocada.

B) – Matéria de facto

Entende a recorrente que a Relação procedeu a uma reapreciação de algumas das provas em que assentou a parte impugnada da decisão.
Não se vê como.
A Relação limitou-se a extrair conclusões da matéria de facto dada como provada e a apreciar essa matéria para o efeito de produzir uma decisão.
Tal era o que lhe competia fazer, face ao disposto no artigo 659º do Código de Processo Civil.
Se essa extracção estava ou não correcta, mais uma vez se diz que é matéria sobre o mérito da causa, a seguir a ser apreciada.

C) – Acidente

Na sentença proferida na 1ª instância considerou-se o condutor do QL, segurado na ré, como o único culpado da ocorrência do acidente, porque este teria sido causado pelo facto de conduzir o veículo na via pública com uma taxa de álcool no sangue de 2,20 g/l, com excesso de velocidade e não ter respeitado a prioridade que o PO, conduzido pela autora, tinha em virtude de se apresentar pela sua direita, atento ao sentido em que seguia, sendo que este PO provinha de uma via, que apesar de ser classificada como particular, devia ser abrangida pelo conceito de “via pública para efeito de aplicação das regas do Código da Estrada, nos termos do nº2 do artigo 2º deste diploma.

No acórdão recorrido entendeu-se que o acidente se ficou a dever à culpa concorrente de ambos os condutores – na proporção de 2/3 para a autora e 1/3 para o condutor do QL – porque, quanto à responsabilidade da autora, a via de onde proveio, “não integrada no domínio público, não estava aberta ao trânsito público” e, por isso, o veículo conduzido pela mesma não tinha qualquer prioridade, por aplicação do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 31º do Código da Estrada, que determina que “deve sempre ceder a passagem o condutor (…) a) que saia de um parque de estacionamento, de uma zona de abastecimento de combustível ou de qualquer prédio ou caminho particular”.
Pelo que “a autora, ao aproximar-se do entroncamento, deveria ter abrandado a marcha e permitido a passagem ao veículo segurado na ré”, o que não aconteceu.

A autora recorrente entende que o acidente se ficou a dever exclusivamente à conduta do condutor do QL, por circular em excesso de velocidade e não ter respeitado o direito de prioridade que a autora usufruía em virtude se apresentar pela direita, atento ao sentido seguido pelo QL e ainda por a via de onde provinha ter que ser equiparada a uma via pública.
Cremos que não tem razão e se decidiu bem.

A culpa define-se como o nexo de imputação ético jurídico que liga o facto ilícito à vontade do agente - o lesante, em face das circunstâncias especiais do caso, devia e podia ter agido de outro modo - e deve ser apreciada segundo “a diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de dado caso” - art.487º, nº2, do Código Civil - o que significa que se atende, em abstracto, à diligência exigível a um homem normal, colocado no condicionalismo da caso concreto - Antunes Varela “in” Das Obrigações em Geral, I, 9ª edição, páginas 586º e seguintes.
No caso particular dos acidentes de viação, o que importa essencialmente determinar, mais do que uma violação formal de uma regra de trânsito, é o processo causal da verificação do acidente, ou seja, a conduta concreta de cada um dos intervenientes e a influência dela na sua produção.
Com efeito, como ensinou Eduardo Correia “in” Direito Criminal volume I 1971, páginas 425 e 426 “a mera omissão de um dever jurídico não implica desde logo possibilidade objectiva de negligência e, por outro lado, pode proceder-se de harmonia com um preceito legal e todavia haver negligência”.

No caso concreto em apreço, o cerne da questão consiste em saber se o acesso de onde provinha a autora se podia ou não considerar como via de domínio privado aberta ao trânsito público ou como um caminho particular.
No primeiro caso, a autora teria o direito de prioridade que invoca – cfr. artigo 30º do Código da Estrada.
No segundo, não teria esse direito – cfr. alínea a) do nº 1 do artigo 31º do mesmo diploma, acima transcrita.

Antes de resolvermos a questão, há que sublinhar que da matéria de facto dada como provada se tem que concluir que o acidente ocorreu no entroncamento formado por uma via paralela à Avenida da República, no Seixal, e o acesso a várias empresas do Grupo “A. S.... & S....” – cfr. alínea A) da matéria assente e repostas aos pontos 3º, 4º e 11º da base instrutória.
A este respeito, há que notar que, ao contrário do que afirma a recorrente, não ficou provado que o acidente se tenha verificado quando o PO entrava no acesso à faixa de rodagem da referida Avenida, perto do sinal STOP aí existente – cfr. resposta restritiva ao referido ponto 11º da base instrutória.

Quanto à questão que ora nos ocupa, para a resolver apenas temos os seguintes factos:
- o acesso não tem qualquer designação e serve várias empresas do Grupo “A. S....& S.....” – resposta ao ponto 4º da base instrutória;
- apresenta nove metros de largura – resposta ao ponto 5º da base instrutória;
- admite trânsito nos dois sentidos sem que os mesmos se encontrem demarcados por qualquer traço ou marca rodoviária – resposta ao ponto 6º da base instrutória;
- a referida via de acesso é uma via particular – resposta ao ponto 29º da base instrutória.

Face a estes factos, não vemos como considerar a via de acesso por onde o PO circulava como uma via do domínio privado aberta ao trânsito público.
Na verdade, trânsito público não pode deixar de ser entendido como trânsito que pertence a todos, que é do uso de todos, que se destina a todos.
Da matéria dada como provada tem que se concluir que a via privada de onde o PO proveio servia para o acesso a várias empresas.
Logo, não servia para acesso a qualquer veículo.
Só os veículos que tivessem de aceder a essas empresas podiam e deviam transitar por essa via.
A circulação não era livre porque quem não tivesse que ir às instalações daquelas empresas não podia nem devia aceder aquela via.
A esta conclusão de chegou por se ter provado tratar-se de uma via particular de acesso a várias empresas de um grupo empresarial.
Temos, pois, que concluir que face aos factos dados como provados, a via por onde o PO acedeu à via pública onde ocorreu um acidente tinha que ser classificada de caminho particular de acesso às empresas acima referidas.

Assim, face ao disposto na alínea a) do nº1 do artigo 31º do Código da Estrada, acima transcrito, devia ter cedido a passagem ao QL.
Não o fez, conforme resulta das respostas aos pontos 25º, 26º e 27º, da base instrutória.
A referida transgressão foi causal do acidente.
Uma transgressão é causal de certo evento quando este é daqueles que o legislador previa e quis evitar com a criação da norma incriminadora.
O legislador, com a norma em causa, pretendia evitar que quem saísse de um caminho particular não avançasse sem que antes desse prioridade de passagem a qualquer veículo que surgisse pela via prioritária.
A autora concorreu, assim, com a sua conduta para a ocorrência do acidente.
E não estando em causa o grau dessa concorrência – a autora sustentou apenas que não tinha culpa no acidente e não que tinha um menor grau de culpa – temos que aceitar como fixado o grau de culpa fixado no acórdão recorrido.

Havendo culpa da ambos os condutores, afastadas estão as regras de presunção de culpa do comissário, referidas no artigo 503º do Código Civil, também invocadas pela recorrente.

A decisão

Nesta conformidade, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente.


Lisboa, 18 de Junho de 2009


Oliveira Vasconcelos (Relator)
Serra Baptista
Álvaro Rodrigues