Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
43/18.8T8LRA.C1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
INTERMEDIÁRIO
BANCO
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
PRESUNÇÃO DE CULPA
INCUMPRIMENTO
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
ÓNUS DA PROVA
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
APLICAÇÃO FINANCEIRA
VALORES MOBILIÁRIOS
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 06/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário : I - Se disse ao autor que a agência tinha um produto com capital garantido, sem especificação da natureza do produto (obrigação) e dos seus riscos específicos, o banco prestou uma informação, pelo menos, incompleta e obscura.
II - Se ficou provado que se soubessem que as obrigações em que investiram não eram garantidas (pelo banco) e que corriam riscos (quanto ao reembolso), nunca as teriam subscrito, verifica-se que, dessa forma, os autores lograram demonstrar o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano do não reembolso do capital investido.
Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:


*


AA e esposa, BB, residentes ao quilómetro ..., em ..., ..., ..., intentaram a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra Banco BIC Português SA, com sede em ..., pedindo a condenação do réu no pagamento de € 150.000,00 e juros, até integral pagamento.

Alegam – resumidamente –, que eram clientes do banco réu, e que o A. foi contactado pela gerente do balcão, em Abril de 2006, dando nota de um produto com capital garantido, boa rentabilidade e que poderia ser resgatado a todo o tempo, unicamente com perda de juros. Assim, subscreveram um total de € 300.000,00, dos quais vieram a resgatar parte, ficando, a partir de Novembro de 2007, a quantia de € 150.000,00, cujos juros sempre receberam até 8 de Abril de 2015, e de cuja falha tomaram conhecimento após o vencimento da aplicação, a 10 de Maio de 2016.

Reforçam que apenas subscreveram a aplicação porque estavam seguros de que se tratava de um produto do banco, garantido, conforme lhes havia sido transmitido pela gerente da sucursal.

Contestou o Banco demandado, invocando – em breve súmula – que os autores souberam, no mês seguinte ao da subscrição, que se tratava de uma obrigação da SLN, pelo que, a haver falha do Banco, o direito dos autores sempre estaria prescrito, pelo decurso do prazo de dois anos a que alude o art.º 324º do Decreto-lei nº 486/99 de 13 de Novembro, código dos valores mobiliários. Mais referiu que, aquando da subscrição, se tratava de um produto com menos risco do que um vulgar depósito a prazo, sendo que só a imprevisível nacionalização justificou as dificuldades que vieram a ocorrer. Avança que o Banco nunca declarou que respondia pelo pagamento nem omitiu qualquer informação, além de que o Autor era um cliente informado que havia já subscrito outros produtos que não depósitos a prazo, e finaliza pugnando pela sua absolvição.

Em articulado de resposta, vieram os Autores alegar que se tratou de uma relação contratual, pelo que o prazo de prescrição sempre será de vinte anos.

Oportunamente, foi proferida decisão onde se consagrou que:

“Julgo a presente acção provada e procedente, pelo que condeno o réu, Banco BIC Português SA, no pagamento aos autores, AA e esposa, BB, de;

a) Juros vencidos sobre o capital de € 150.000,00, à taxa então vigente da Euribor a 6 meses acrescida de 1.5%, desde 9 de Abril de 2015;

b) Juros vencidos sobre o capital de € 150.000,00, à taxa então vigente da Euribor a 6 meses acrescida de 1.5%, desde 9 de Outubro de 2015;

c) O capital de € 150.000,00;

d) Juros, à taxa de 4%, desde o vencimento de cada uma das referidas prestações e até integral pagamento.

Custas pelo réu”.

O Banco Réu, não se conformando com a sentença aí proferida, veio interpor recurso de apelação, mas este foi julgado improcedente.

Não se conformando, veio, então, o mesmo Réu Banco interpor recurso de revista, que rematou com as seguintes conclusões:

“1. O douto acórdão da Relação de Lisboa violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nºs arts. 7*, 290Q n^ 1 alínea a), 3042-A e 312^ a 314^-D e 323^ a 3232-D e 3272 do CdVM e 4^, 122, 172 e 192 do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE e 3642, 4832 e ss., 5632, 6282 e 7982 e ss. do C.C.

2. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era uma produto sem risco e com capital garantido, não transmitindo a característica da subordinação, emitindo opiniões sobre a solvabilidade da entidade emitente quando não conhecia, em concreto a sua situação financeira, configura a prestação de uma informação falsa.

3. Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

4. Não adianta aliás o douto Acórdão qual o risco que associa às Obrigações SLN e que entende deveria ter sido informado aos AA, sendo que não podemos deixar de entender que se refere ao verificado incumprimento do reembolso...

5. O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exactamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.

6. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO!

7. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!

8. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante - sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica -, em 2006, dez anos antes!

9. A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.

10. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.

11. E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!

12. A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.

13. O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente!

14. A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.

15. A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis.

16. A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação...

A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto - corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

17. A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses - www.todoscontam.pt! descreve as características de produtos financeiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garantia de capital, exactamente nos termos que vimos de expor.

18. Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

19. O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo sua obrigação assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação.

20. A interpretação das menções "sem risco" ou de "capital garantido" não é susceptível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no art 236º do CCiv. uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.

21. A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem "capital garantido" não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.

22. O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.

24. O grau de exactidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.

25. No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pelos Autores, que era do seu interesse e vontade investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.

26. Apesar de os autores não serem investidores com especiais conhecimentos técnicos na área financeira o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente.

27. Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.

28. Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento - que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes.

29. Dispunha sobre esta matéria o artigo 304º do CVM no sentido de que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo conformar a sua actividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

30. E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 3125 n^ 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os "riscos especiais envolvidos nas operações a realizar".

31. Tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.

32. Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si!

33. A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312º-E nº 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.

34. O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa nas quatro alíneas do n^ 2 do art. 312º-E.

35. São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na actual redacção do CdVM.

36. A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento.

37. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

38. O investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de "capital garantido"), acrescido da respectiva rentabilidade.

39. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa!

40. A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SO SE tais riscos de facto existirem!

41. Em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.

42. E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!

43. Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no art. 312º-E n5 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objectivização do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjectivação em função do emitente!

44. O artigo 312º, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da actividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações. Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.

45. Do elenco de factos provados não resulta sequer um único facto que permita estabelecer uma qualquer ligação entre a qualidade (ou falta dela} da informação fornecida aos AA. e o acto de subscrição.

46. A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.

47. No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa - juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei - à causalidade - nexo factual de associação de causa-efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!

48. Do texto do art. 799º nº l do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade.

49. E, de resto, nos termos do disposto no art- 3449 do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!

50. Se em abstracto, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato - tendo por critério o interesse contratual positivo do credor -, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato.

51. Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço - contrato de execução da actividade de intermediação financeira, de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à recepção e retransmissão de ordens de clientes - no caso os AA. É este o único conteúdo típico e essencial do contrato e que é, portanto, susceptível de o caracterizar.

52. Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação na economia do contrato se revela como o núcleo típico ou não do acordo contratual entre as partes.

53. A única prestação principal neste contrato será a de recepção e transmissão de ordens do cliente.

54. Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca, nem no entender do Prof. Menezes Cordeiro, ao abrigo da proclamada presunção de causalidade.

55. Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato!

56. Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira.

57. O contrato de intermediação financeira foi já cumprido no acto de subscrição, tendo-se esgotado nesse momento.

58. É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato?

59. O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador!

60. A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efectivo, como é o caso do citado dano da perda da chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspectiva probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.

61. No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrara ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!

62. O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético)!

63. Não basta afirmar-se genericamente, como afirma o Acórdão Recorrido que eles não foram informados do risco de insolvência ou da característica da subordinação e que é essa causa do seu dano!

64. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.

65. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.

66. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.

67. E nada disto foi feito!

68. A origem do dano dos Recorrentes reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco Recorrido é alheio!

69.Conforme dispõe o art. 595º nº 1 alínea b) do Código Civil, a assunção de dívida pode verificar-se por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor. Acrescenta depois o n.s 2 que "em qualquer dos casos a transmissão só exonera o antigo devedor havendo declaração expressa do credor; de contrário, o antigo devedor responde solidariamente com o novo obrigado/'

70. A assunção da dívida pode ser liberatória nos casos previstos na primeira parte do n.° 2 do art. 595º do CC. Isto é, dependendo de declaração expressa do credor, o devedor originário pode ficar dela exonerado, pela assunção da dívida por novo devedor. Ou então, como acontece na maioria dos casos, ser uma assunção cumulativa da dívida, em que devedor originário e novo devedor se obrigam simultaneamente, sendo ambos solidariamente responsáveis perante o credor.

71. Um dos indícios que pode apontar para a assunção cumulativa da dívida é o facto de, aquando da declaração do novo devedor, tanto o credor quanto o declarante terem conhecimento de que o devedor principal não estava em condições de pagar, uma vez que não se verifica a característica essencial da fiança, traduzida na esperança de que o devedor principal pagará ao fiador sub-rogado.

72. Não estaria certamente na mente do Banco Recorrente prescindir do direito de ficar sub-rogado nos direitos do credor, por qualquer pagamento que porventura fizesse em prol do emitente do papel comercial, se tivesse assumido a dívida deste.

73. Essa assunção de dívida alheia como se fosse própria, não era inócua nas contas do Banco Réu!

74. Não se vislumbra que o Recorrente pudesse ter qualquer interesse real, directo e objectivo próprio no cumprimento dessa obrigação pois, apesar de integrar o mesmo grupo, a aportação de capitais à SLN em nada beneficiava o Réu Banco, sendo antes e apenas útil à cadeia hierárquica societária que estava a montante daquela.

75.Tratando-se de uma fiança, estaria a mesma sujeita à mesma forma exigida para a obrigação principal, nos termos do art. 628º do C.C.

76. A garantia a, para ser válida, teria necessariamente que constar do documento de subscrição.

77. Não constando, mais não resta do que concluir que a mesma é NULA, nos termos do art. 2205 do C.C.

Os subscritores de valores mobiliários estão numa situação de paridade entre si, não sendo possível a emissão dos mesmos com características ou garantias diferentes, sob pena de traição da identidade da figura e violação do princípio par conditio creditorum ou princípio da igualdade dos credores.

78. Se o Banco Apelante tivesse prestado qualquer garantia, ela não poderia ser privativa dos AA., mas teria isso sim que se estender à generalidade dos subscritores e, por isso, estar contida na nota informativa do pape! comercial, figurando o aqui Apelante como garante do reembolso, o que, tal qual resulta da nota informativa junta aos autos a tis., não sucedeu!

79. A declaração de uma garantia deve ser especifica e expressamente emitida, não sendo consentânea com declarações vagas e de sentido dúbio...

80. Uma declaração negocial corresponde a uma vontade de uma parte em se vincular negocialmente de acordo com o teor dos termos da mesma.

82. Claramente uma declaração negocial não resulta apenas da impressão do declaratário e do valor que lhe possa dar. Resulta antes de mais da vontade do declarante em se vincular negocialmente, o que não vislumbramos no caso!

83. Não foi feita a prova de que a declaração em causa - capital garantido - não fosse mais do que uma mera caracterização do produto - que até era!

84. Falta, em suma, a prova de que o Banco, ou o seu funcionário em seu nome, se queria vincular a uma obrigação jurídica.

85. Não havendo declaração negocial, bem ou mal emitida, não pode haver obrigação jurídica - seja ela qualquer for - de fonte contratual, pelo que não pode, em qualquer circunstância, entender-se que o Banco assumiu uma obrigação de reembolso ou que a afiançou!

Termos em que se conclui pela admissão do presente recurso, e sua procedência, e, por via dele, pela revogação da douta decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Banco-R. do pedido, assim se fazendo... ...JUSTIÇA!

Cumpre decidir:

A matéria de facto dada como assente na Relação é a seguinte:

“1- Os AA são reformados.

2- A Ré é um Banco que atua no mercado financeiro que anteriormente era designada por BPN, S.A. e actualmente, de Banco BIC, S.A.

3 - Os AA. são clientes da Ré, com a conta aberta número ...01, na agência de ..., onde movimentam dinheiro, efectuam pagamentos e aforram poupanças.

4- Em meados do mês de Abril de 2006, a então gerente de balcão, Dra. CC, telefonou ao A. marido, a informá-lo que a agência tinha um produto de boa rentabilidade e com capital garantido.

5-A aplicação seria de 10 anos, com data de liquidação em 08 de Maio de 2006 e término em 09 de Maio de 2016, com juros semestrais a colocar na conta á ordem, na seguinte remuneração: - 1o Semestre: 4,5%; - 9 cupões seguintes: Euribor a 6 meses + 1,15% - Restantes semestres: Euribor a 6 meses + 1,50%

6- O capital poderia ser resgatado a todo o tempo, apenas implicando perca de juros, caso resgatado antes do vencimento semestral.

7 -Convencido da sua veracidade e no pressuposto da confiança que tinha com a gerente de balcão pela relação existente de longa data, o A. marido, em 17 de Abril de 2006, subscreveu a aplicação das poupanças de 2 obrigações de € 50.000,00 cada, SLNRM – SLN 2006, no montante total de € 100.000.00, com data de liquidação em 08 de Maio de 2006.

8-A 13 de Novembro de 2006, de novo por contacto da gerente de balcão, os AA. subscreveram mais 4 obrigações de € 50.000,00 cada, no total de € 200.000,00 de produto SLN 2006, com iguais pressupostos e condições da primeira aplicação, tendo para o efeito o A. marido subscrito o documento que lhe foi entregue pela responsável, assinando o mesmo.

9-Necessitando de resgatar parte da aplicação, por dela carcerem, em 08 de Novembro de 2007, os autores solicitaram que lhes fosse reposto na conta à ordem o montante de € 150.000,00,

10- Para o efeito, assinou o documento que lhe foi proposto, e foi-lhe depositada a quantia de € 150.000.00, conforme condições contratuais entre ambos celebradas, com 2 a 3 dias de antecedência.

11- Desde Novembro de 2007, o montante total investido das poupanças dos AA., ficou nos € 150.000,00.

12 Sempre, desde então, receberam os juros semestrais, à excepção dos dois últimos semestres, ou seja, tendo sido o último período de juros recebidos em 08 de Abril de 2015.

13- Após a data de vencimento da aplicação, a 10 de Maio de 2016, o autor deslocou-se à agência no sentido de resgatar o capital e juros, quando verificou que a Ré não havia pago os juros do último ano, nem transferido o capital investido.

14- Nem então, nem posteriormente, até à presente data os AA conseguiram proceder ao resgate do capital investido, nem o embolso dos juros correspondentes aos dois semestres em falta.

15- Tendo-lhe sido transmitido que eram obrigações 2006 da SLN e que teria de aguardar, não existindo qualquer ordem por parte da administração Ré, para cumprimento da obrigação e imputando como responsável a SLN.

16- Os AA estavam convictos da aplicação das suas poupanças, com boa rentabilidade e garantido pelo BPN – Banco Português de Negócios, S.A., ora Ré Banco Bic Português, SA.

17- Caso contrário, se soubessem que o mesmo não era garantido e que corria riscos, nunca os AA subscreveriam tal produto.

18- No mês seguinte ao da operação em causa, os autores receberam por correio, não só o aviso de débito correspondente às subscrições efectuadas, bem como os avisos de crédito a cada seis meses relativos aos juros.

19- Também e desde então os vários extractos periódicos onde lhes aparecia essas obrigações como integrando as suas carteiras de títulos de forma separada dos simples depósitos a prazo.

20 -Onde se constata que os produtos em causa surgem separados dos depósitos, num título denominado “CARTEIRA DE TÍTULOS” e com um subtítulo “OBRIGAÇÕES”.

21- Aquando da subscrição não havia qualquer indicação de que a emissão pudesse vir a não ser paga.

22- Nunca o Banco réu através dos seus colaboradores transmitiu aos seus clientes que o banco garantia a emissão,

23- Esse era um problema que não era sequer colocado pelos clientes ou imaginado pelos colaboradores.

24- O autor sempre foi pessoa preocupada com o investimento do seu património.

25 -Tendo na mesma altura aplicado as suas poupanças em produtos financeiros que não depósitos a prazo.

26-A nota informativa do produto encontrava-se disponível para consulta pelos autores.”

O Direito.

O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça no 8/2022, publicado no DR I Série, nº 212, uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos:

“1- No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto -Lei n.º 357 -A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2 – Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” - informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM.

3 – O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4 – Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.”

Da ilicitude e da culpa.

Sustenta o recorrente que a informação prestada ao autor não foi ilícita.

Mas sem razão, à face da jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça:

“ ...a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor (cliente) relativa a atividades de intermediação e emitentes, que seja suscetível de influenciar as decisões de investimento, deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (artigo 7.o do CVM), devendo o intermediário financeiro prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, sendo que a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e de experiência do cliente, informando dos riscos especiais que as operações envolvem (artigo 312.º do CVM) e orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes, devendo observar os ditames da boa fé, com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, informando -se, previamente, sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência e investimentos (aspetos que o intermediário financeiro tem o dever de conhecer) e sem esquecer que compete ao intermediário financeiro tomar a iniciativa de prestar todas as informações e não aguardar que o investidor (cliente) as solicite”

“(...) ... é forçoso concluir que o intermediário financeiro que não informa o cliente (investidor não profissional) dos riscos do reembolso do capital investido, ou a sua perda significativa, sabendo que esse reembolso depende da solidez financeira do emitente das obrigações, bem como não esclarece o que sejam obrigações subordinadas, viola os seus deveres de informação (...). “

Ora, ficou provado que:

“4- Em meados do mês de Abril de 2006, a então gerente de balcão, Dra. CC, telefonou ao A. marido, a informá-lo que a agência tinha um produto de boa rentabilidade e com capital garantido.

5-A aplicação seria de 10 anos, com data de liquidação em 08 de Maio de 2006 e término em 09 de Maio de 2016, com juros semestrais a colocar na conta á ordem, na seguinte remuneração: - 1o Semestre: 4,5%; - 9 cupões seguintes: Euribor a 6 meses + 1,15% - Restantes semestres: Euribor a 6 meses + 1,50%

6- O capital poderia ser resgatado a todo o tempo, apenas implicando perca de juros, caso resgatado antes do vencimento semestral.”

Assim, como decorre do AUJ, a informação foi incompleta e obscura uma vez que não foi identificado ao A. marido o produto, o seu emitente e os riscos e porque, apesar de dizer que o produto era garantido, não esclareceu em que consistia essa garantia.

Nexo de causalidade:

Insurge-se a recorrente também contra a causalidade entre a violação do dever de informação e o dano do não reembolso do capital.

Mas também aqui sem razão.

É que, analisando a matéria de facto dada como provada, verifica-se que os autores lograram provar o nexo de causalidade, nos termos configurados pelo AUJ.

Com efeito, ficou provado que:

“16- Os AA estavam convictos da aplicação das suas poupanças, com boa rentabilidade e garantido pelo BPN – Banco Português de Negócios, S.A., ora Ré Banco Bic Português, SA.

17- Caso contrário, se soubessem que o mesmo não era garantido e que corriam riscos, nunca os AA subscreveriam tal produto.”

Como assim, se, por um lado, ficou provado que os AA estavam convictos de que a aplicação das suas poupanças era garantida pelo BPN – Banco Português de Negócios, S.A., e, se por outro, ficou provado que se soubessem que o produto em que investiram não era garantido e que corriam riscos, nunca teriam subscrito tal produto, é inquestionável que os AA. lograram demonstrar o nexo de causalidade.

Sumário (art. 663º, nº7 do CPC):

“1. Se disse ao autor que a agência tinha um produto com capital garantido, sem especificação da natureza do produto (obrigação) e dos seus riscos específicos, o Banco prestou uma informação, pelo menos, incompleta e obscura;

2. Se ficou provado que se soubessem que as obrigações em que investiram não eram garantidas (pelo Banco) e que corriam riscos (quanto ao reembolso), nunca as teriam subscrito, verifica-se que, dessa forma, os autores lograram demonstrar o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano do não reembolso do capital investido.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.


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Lisboa, 20 de Junho de 2023


António Magalhães (Relator)

Jorge Dias

Jorge Arcanjo