Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
057768
Nº Convencional: JSTJ00004322
Relator: AGOSTINHO FONTES
Descritores: EXECUÇÃO
SUSPENSÃO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ196005240577681
Data do Acordão: 05/24/1960
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DG IªS 15-07-1960 ; BMJ 97 , 173
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO.
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 2/1960
Área Temática: DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CPC39 ARTIGO 4 C ARTIGO 284 ARTIGO 756 ARTIGO 763 PAR1 PAR2 ARTIGO 766 ARTIGO 767.
D 12353 DE 1926/09/22 ARTIGO 28 N10.
D 21287 DE 1932/05/26 ARTIGO 15 N10.
Legislação Estrangeira: CPC DA ALEMANHA PAR148.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1958/12/09 IN BMJ N82 PAG389.
ACÓRDÃO STJ DE 1956/04/17 IN BMJ N56 PAG221.
ASSENTO STJ DE 1934/03/20 IN RT ANO52 PAG120.
Sumário :
A execução propriamente dita não pode ser suspensa pelo primeiro fundamento do artigo 284 do Codigo de Processo Civil.
Decisão Texto Integral:
Pelo Juizo das Execuções Fiscais de Lourenço Marques, a Caixa Economica Postal da Provincia de Moçambique moveu execução contra A, de Lourenço Marques, por divida de cerca de 6000000 escudos, proveniente de abertura de creditos.

Por sua vez, e depois disso, o executado propos contra a exequente, na comarca de Lourenço Marques, uma acção de processo especial, para prestação de contas da administração e gerencia de uma fabrica de Ceramica dele, que tinham sido cometidas a exequente de harmonia com as clausulas do contrato de abertura de creditos.


E então A foi pedir no processo de execução que se suspendessem os seus termos ate que fosse proferida decisão final na acção, alegando que so depois do apuramento do saldo de contas podera conhecer-se o verdadeiro montante da sua divida para com a Caixa. Essa pretensão foi indeferida pelo juiz das Execuções Fiscais, com o fundamento de que não se verificava caso de suspensão previsto no Codigo das Execuções Fiscais.
A agravou do despacho, para o juiz de direito, e este deu provimento ao recurso, mandando suspender a execução, com base na primeira parte do artigo 284 do Codigo de Processo Civil e em que o montante de bens a arrematar na execução depende do montante da divida, a apurar na acção de prestação de contas.


A Caixa exequente agravou dessa decisão, mas sem exito, pois que a Relação, opinando de igual sorte acerca da aplicabilidade da primeira parte do artigo 284 as execuções, e da razão de dependencia, neste caso, manteve a suspensão. O Ministerio Publico recorreu do acordão, mas este Supremo Tribunal, por douto acordão a folhas 97 - Boletim, n. 82, pagina 389 - manteve a suspensão, por entender, como as instancias, que a primeira parte do artigo 284 e aplicavel as execuções e existe a invocada relação de dependencia entre a execução em causa e o julgamento da acção de prestação de contas.


O ilustre representante do Ministerio Publico recorreu desse acordão, para o Tribunal Pleno, fundado em que esta em oposição, sobre a mesma questão de direito, com o acordão, tambem deste Supremo Tribunal, de 17 de Abril de 1956, publicado no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 56, pagina 221, pois que nesse outro acordão se decidiu que a primeira parte do artigo 284 do Codigo de Processo Civil não e aplicavel ao processo de execução. O recurso foi admitido, seguiram-se os tramites dos artigos 765 e 766 do citado Codigo, - tendo a Secção decidido haver a oposição alegada -, e, depois, os do artigo 767.


Tudo visto:


Esta em causa apenas a questão de saber se e ou não aplicavel as execuções a primeira parte do artigo 284 do Codigo de Processo Civil, que as instancias invocaram como suporte da sua decisão. Não se põe, nem tem de resolver-se, o problema de saber se esse preceito e ou não aplicavel aos aspectos declarativos que podem surgir no processo da execução.
Verificam-se os pressupostos dos paragrafos 1 e 2 do artigo 763 do citado Codigo, e não pode por-se em duvida a oposição de que esse artigo faz depender o recurso para o Tribunal Pleno, tão manifesta ela e.
Com efeito, ao passo que o acordão em recurso decidiu no sentido da aplicabilidade da primeira parte do artigo 284 citado as execuções, porque "referindo-se a decisão da causa, torna a expressão em sentido geral", o acordão de 1956 decidiu, pelo contrario, que aquela primeira parte do preceito não e aplicavel as execuções "visto que previne a hipotese de duas causas, uma delas dependente do julgamento da outra, e a execução não procura decidir, mas sim dar satisfação a direitos ja declarados".
O citado artigo 284, ao tratar a suspensão da instancia por vontade do juiz, diz que ele pode ordena-la: a) Quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra ja proposta e b) Quando entender que ocorre outro motivo justificado.


Para concluir pela aplicabilidade da primeira parte as execuções, o douto acordão recorrido louva-se em que "a execução não deixa de corresponder a uma causa, cujo objectivo e o pagamento do credor pelo patrimonio do devedor, e, demais, a execução e uma acção executiva, assim chamada pela alinea c) do artigo 4 do Codigo de Processo Civil". Discordamos, com a devida venia, de tal conclusão.


Certo que a execução pode caber no conceito lato de causa, mas certo tambem que essa circunstancia não poderia preencher as exigencias do preceito.
Na verdade, ele não pressupõe apenas a existencia de duas causas, pressupõe tambem que nenhuma delas esteja decidida. E o que claramente flui das locuções "decisão da causa" e "julgamento de outra".
Ora, a execução não e uma causa por decidir; e a sequencia de uma decisão, quando não provem de titulo com força executiva; decorre de um direito ja declarado.


Logo, não pode ser suspensa ao abrigo do disposto na primeira parte do artigo 284 citado.


Com esta interpretação concorda rigorosamente a historia do preceito.
O n. 10 do artigo 28 do Decreto n. 12353, de 22 de Setembro de 1926, e o n. 10 do artigo 15 do Decreto n. 21287, de 26 de Maio de 1932, dispunham que "compete especialmente ao juiz..." ordenar a junção de causas, entre si conexas, e a suspensão duma causa enquanto não for decidida outra de que esta dependente ...".


Essa foi a fonte da primeira parte do citado artigo 284, como e sabido.
O principio, como informa o Professor Doutor Jose Alberto dos Reis, foi extraido do n. 6 do artigo 30 do projecto Chiovenda, assim concebido:
"A autoridade judiciaria pode, mesmo de oficio e em qualquer estado da causa, ordenar a suspensão duma causa, quando dependa duma causa judicial".
E, como igualmente informa aquele professor, Chiovenda inspirou-se, por sua vez, no paragrafo 148 do Codigo de Processo alemão, segundo o qual "Quando a decisão de uma causa dependa, no todo ou em parte, da existencia ou inexistencia duma relação juridica que constitui objecto de outra causa pendente, ou que haja de ser definida por uma autoridade administrativa, pode o Tribunal ordenar a suspensão ate que a autoridade administrativa se pronuncie..." ver Comentario, pelo Doutor Jose Alberto dos Reis, Volume III, pagina 266.


De tudo isto decorre, manifestamente, que onde não houver duas causas a decidir não tem funcionamento a primeira parte do artigo 284 do Codigo de Processo Civil; e, porque a execução não procura decidir, não pode ser suspensa de harmonia com essa regra. A tal respeito escreveu aquele Professor Doutor Reis, a paginas 274 do citado volume do Comentario:
"A primeira parte do artigo 284 não pode aplicar-se ao processo de execução, porque o fim deste processo não e decidir uma causa, mas dar satisfação efectiva a um direito ja declarado por sentença ou constante de titulo com força executiva. Não se verifica, assim, no tocante a execução, o requisito exigido no começo do artigo: estar a decisão da causa dependente do julgamento de outra ja proposta".


A questão ja foi suscitada na vigencia do referido Decreto n. 21287, e foi resolvida, sem voto discorde, pelo assento deste Supremo Tribunal, de 20 de Março de 1934, assim concebido:


"As execuções não e aplicavel o preceito do n. 10 do artigo 15 do Decreto n. 21287, pelo que respeita a suspensão".


Ora se subsistem precisamente as mesmas razões, a solução não pode deixar de ser agora a mesma.


Pelo exposto, acordam os do Supremo Tribunal de Justiça, em dar provimento ao recurso, revogando o douto acordão recorrido, declarando sem efeito a suspensão e condenando o recorrido nas custas.
E, de harmonia com a doutrina exposta, estabelecem o seguinte assento:
A execução propriamente dita não pode ser suspensa pelo primeiro fundamento do artigo 284 do Codigo de Processo Civil.


Lisboa, 24 de Maio de 1960

Agostinho Fontes (Relator) - Eduardo Coimbra - Mario Cardoso - Lopes Cardoso - Morais Cabral - Campos de Carvalho - S. Figueirinhas - Sousa Monteiro - F. Toscano Pessoa - Carlos Miranda - A. Vaz Pereira - Pinto de Vasconcelos - Anselmo Taborda - Barbosa Viana - Da Mesquita.