Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1203/16.1T9VNG.P1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: RAUL BORGES
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA
CONHECIMENTO OFICIOSO
VÍCIOS DO ARTº 410 CPP
MEDIDA DA PENA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
CONDIÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
SENTENÇA CRIMINAL
DUPLA CONFORME
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DIREITO AO RECURSO
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
TRIBUNAL CRIMINAL
COMPETÊNCIA MATERIAL
INDEMNIZAÇÃO
REPARAÇÃO
DEPOSITÁRIO
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais:
DIRECTIVA N.º 2/2013, DA PROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA, DE 06-09-2013, IN DR, 2.ª SÉRIE, N.º 189, DE 01-10-2013.
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – SUJEITOS DO PROCESSO / PARTES CIVIS – JULGAMENTO / SENTENÇA – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / TRAMITAÇÃO.
DIREITO PENAL – EXTINÇÃO DA RESPONSABILIDADE CRIMINAL / OUTRAS CAUSAS DE EXTINÇÃO / EFEITOS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS.
Doutrina:
- Adriano Vaz Serra, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 99.º, p. 14;
- Aníbal de Castro, A Caducidade, Petrony, Lisboa, 1984, p. 100 ; BMJ n.ºs 52, 86 e 120, p. 577, 358 e 406;
- António da Silva Henriques Gaspar, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2016, 2.ª edição, p. 252;
- António Jorge de Oliveira Mendes, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2.ª edição, 2016, p. 1129;
- Claus Roxin, Derecho Penal, Parte General, Tomo I, Civitas 2008, p. 109;
- Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I Volume, 5.ª edição, revista e actualizada, Editorial Verbo, 2008, p. 126;
- Helena Morão, Justiça restaurativa e crimes patrimoniais na Reforma Penal de 2007, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, Boletim da Faculdade de Direito, STVDIA IVRIDICA 100. Ad Honorem – 5, Volume III, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, Fevereiro de 2010, p. 527 a 543;
- J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.ª edição, 1.º volume, Coimbra Editora, 1984, Parte I - Direitos e deveres fundamentais, versando os direitos fundamentais dispersos, p. 123/4;
- Jorge Ribeiro de Faria, Da reparação do prejuízo causado ao ofendido – Reflexões à luz do novo Código Penal, Para uma nova justiça penal, Coimbra, 1983, p. 141 a 174;
- José Alberto Vaz Carreto, A suspensão parcial da pena de prisão e a reparação do dano, Almedina, Maio de 2017, p. 75;
- Júlio Gomes, Uma função punitiva para a responsabilidade civil e uma função reparatória para a responsabilidade penal?, Revista de Direito e Economia, Ano XV, 1989, p. 105 a 144;
- Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 1992, 5.ª edição, p. 155 ; 4.ª edição, 1980, p. 76;
- Maria Paula Ribeiro de Faria, A reparação punitiva – Uma “terceira via” na efectivação da responsabilidade penal?, Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias, Organização de Manuel da Costa Andrade, José de Faria Costa, Anabela de Miranda Rodrigues e Maria João Antunes, Coimbra Editora, Agosto de 2003, p. 259 a 291;
- Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 3.ª edição, Novembro de 2015, p. 309 ; 4.ª edição, Abril de 2011, p. 230.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 4.º, 71.º A 84.º, 377.º, 379.º, N.º 2, 400.º, N.º 1, ALÍNEA F), 410.º, N.ºS 2 E 3 E 412.º, N.º 1.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 128.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 629.º, N.º 2, ALÍNEA A) E 671.º, N.º 3.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 483.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 32.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- ACÓRDÃO N.º 7/95, DE 19-10-1995, PROCESSO N.º 46580, IN DR, I SÉRIE – A, N.º 298, DE 28-12-1995 E BMJ N.º 450, P. 72;
- ACÓRDÃO N.º 11/2007, DE 24-05-2007, PROCESSO N.º 881/2007, IN DR, 1.ª SÉRIE, N.º 142, DE 25-07-2007;
- ACÓRDÃO N.º 8/2012, DE 12-09-2012, PROCESSO N.º 139/09.7IDPRT.P1-A.S1, IN DR, 1.ª SÉRIE, N.º 206, DE 24-10-2012;
- ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 10/2005, DE 20-10-, DR, SÉRIE I-A, DE 07-12-2005;
- ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA N.º 4/2009, DE 18-02-2009, PROCESSO N.º 1957/08, IN DR, 1.ª SÉRIE, N.º 55, DE 19-03-2009;
- DE 06-06-2002, PROCESSO N.º 1671/02;
- DE 24-01-2018, PROCESSO N.º 5007/14.8TDLSB.L1.S1;
- DE 17-10-2018, PROCESSO N.º 138/16.2PAMTJ.L1.S1;
- DE 07-11-2018, PROCESSO N.º 161/15.4T9RMZ.E1.S1;
- DE 28-11-2018, PROCESSO N.º 115/17.6JDLSB.L1.S1.
Sumário :
I - Como é jurisprudência assente e pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP (neste sentido, Acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ, de 19-10-1995, proferido no processo n.º 46580, Acórdão 7/95, publicado no DR, I Série – A, n.º 298, de 28-12-1995, e BMJ 450, p. 72, que no âmbito do sistema de revista alargada fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”, bem como o AUJ 10/2005, de 20-10-2005, DR, Série I-A, de 07-12-2005, em cuja fundamentação se refere que a indagação dos vícios faz-se “no uso de um poder-dever, vinculadamente, de fundar uma decisão de direito numa escorreita matéria de facto”) e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos arts. 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do CPP - é pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (art. 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.

II - A lei reguladora da admissibilidade dos recursos é a que vigora no momento em que é proferida a decisão da primeira instância, solução adoptada como critério a seguir no AFJ do Pleno das Secções Criminais do STJ – AUJ 4/2009 – de 18-02-2009, proferido no Proc. 1957/08, desta 3.ª Secção, publicado no DR, 1.ª Série, n.º 55, de 19-03-2009, que fixou jurisprudência no sentido de que em matéria de recursos penais, no caso de sucessão de leis processuais penais, é aplicável a lei vigente à data da decisão proferida em 1.ª instância, orientação que tem sido seguida sem discrepâncias.

III - Este STJ tem entendido que, em caso de dupla conforme, à luz do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, são irrecorríveis as penas parcelares, ou únicas, aplicadas em medida igual ou inferior a oito anos de prisão e confirmadas pela Relação, restringindo-se a cognição às penas de prisão, parcelares e/ou única, aplicadas em medida superior a oito anos de prisão.

IV - Esta solução quanto a irrecorribilidade de decisões proferidas, em recurso, pelo Tribunal da Relação, enquanto confirmativas da deliberação da primeira instância, que tenha aplicado pena de prisão igual ou inferior a oito anos, não ofende qualquer garantia do arguido, nomeadamente, o direito ao recurso, expressamente incluído na parte final do n.º 1 do art. 32.º da CRP pela 4.ª Revisão Constitucional (introduzida pela Lei Constitucional 1/97, de 20-09 - DR, I-A, n.º 218/97, de 20-09-1997, entrada em vigor em 05-10-1997).

V - O direito ao recurso em matéria penal inscrito como integrante da garantia constitucional do direito à defesa (art. 32.º, n.º 1, da CRP) está consagrado em um grau, possibilitando a impugnação das decisões penais através da reapreciação por uma instância superior das decisões sobre a culpabilidade e a medida da pena, sendo estranho a tal dispositivo a obrigatoriedade de um terceiro grau de jurisdição, por a Constituição, no seu art. 32.º, se bastar com um duplo grau de jurisdição, já concretizado no caso dos autos, aquando do julgamento pela Relação. As garantias de defesa do arguido em processo penal não incluem o 3.º grau de jurisdição.

VI - O princípio da dupla conforme é assegurado através da possibilidade de os sujeitos processuais fazerem reapreciar, em via de recurso, pela 2.ª instância, a precedente decisão; por outro lado, impede, ou tende a impedir, que um segundo juízo, absolutório ou condenatório, sobre o feito, seja sujeito a uma terceira apreciação pelos tribunais.

VII - No presente caso o acórdão da Relação do Porto confirmou, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, verificando-se dupla conforme. Tal ocorre, “sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível”, conforme a ressalva do n.º 3 do art. 671.º do CPC.

VIII - Como prescreve o art. 629.º, n.º 2, al. a), do CPC, independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso com fundamento na violação das regras de competência em razão da matéria, como ora vem invocado.

IX - Por outras palavras, a dupla conforme cede quando estiver em causa a cognição da questão da competência material, como ocorreu no acórdão de 24-01-2018, no Proc. n.º 5007/14.8TDLSB.L1.S1 e no projecto de acórdão apresentado em 11-10-2017, volvido em voto de vencido no acórdão de 11-01-2018. Daí que se tenha conhecido do recurso na vertente cível.

X - A violação da lei penal pode gerar duas espécies de responsabilidade: a responsabilidade penal, que consiste na obrigação de reparar o dano causado à sociedade, cumprindo a pena estabelecida na lei e imposta por tribunal competente e a responsabilidade civil que se funda na obrigação de reparar as perdas e danos causados pela infracção criminal.

XI - A competência em razão da matéria constitui um pressuposto basilar cujo preenchimento legitima o tribunal a decidir sobre o mérito da causa, não podendo a violação das respectivas regras ficar condicionada por aspectos secundários relacionados com o valor da causa ou com o valor do decaimento (sucumbência). Assim a competência em razão da matéria é de conhecimento oficioso e a violação dessa competência origina uma excepção dilatória, que leva à absolvição da instância, ficando o tribunal impedido de conhecer do mérito da causa.

XII - A competência de um tribunal é a medida da sua jurisdição ou nexo lógico entre ele e determinada causa; a incompetência, por seu turno, é a falta de poder legal do tribunal para o julgamento de determinada causa. A medida da sua jurisdição resulta de critérios legais atributivos da competência, do que decorre a sua legitimidade de julgamento em concreto, implicando a falta de tal atribuição, conforme os casos, abstraindo da preterição do tribunal arbitral, a incompetência relativa e a absoluta, nesta se incluindo a relativa à matéria. A atribuição da competência em razão da matéria às categorias de tribunais situados no mesmo plano assenta, em regra, no princípio da especialização com vista a proporcionar a maior eficácia da justiça (Acórdão do STJ 11/2007, de 24-05-2007, proferido no Proc. n.º 881/2007, publicado no DR, 1.ª série, n.º 142, de 25-07-2007).

XIII - A competência do tribunal criminal para conhecer do pedido cível conexo com a acção penal decorre da responsabilidade civil extracontratual do agente que cometa o facto ilícito e culposo; a indemnização determinada em um processo penal emerge dos factos constitutivos das infracções criminais imputadas ao demandado, se e na medida em que puderem reconduzir-se aos pressupostos da responsabilidade civil [acórdão do STJ de 06-06-2002, proferido no Proc. n.º 1671/02]; fonte da obrigação de indemnizar não é a prática do crime, mas sim a lesão dos direitos e interesses jurídicos tutelados que os factos constitutivos do crime tenham causado.

XIV - Incidindo a tutela penal sobre direitos subjectivos, direitos pessoalíssimos, parece evidente que à violação de tais direitos corresponderá o direito à reparação consubstanciado em indemnização por danos patrimoniais, incluindo danos emergentes, lucros cessantes, danos presentes, danos futuros, dano biológico, danos directos ou indirectos, danos reflexos ou por ricochete, e por danos não patrimoniais.

XV - Desde cedo a jurisprudência, maxime, do STJ, entendeu que a norma do art. 128.º do CP, aprovado pelo DL 400/82, de 23-09 (e posteriormente, obviamente, quanto ao actual art. 129.º, numeração assumida na Reforma de 1995), apenas determina que a indemnização é regulada “quantitativamente e nos seus pressupostos” pela lei civil, remetendo para os critérios da lei civil relativos à determinação concreta da indemnização, porém, não tratando de questões processuais, que são reguladas pela lei adjectiva penal, nomeadamente, nos arts. 71.º a 84.º do CPP.

XVI - Diferente da indemnização é a reparação a cujo pagamento fica condicionada a suspensão da execução da pena de prisão. A demarcação destes dois tipos de reparação – indemnização civil de perdas e danos e reparação arbitrada em processo penal – foi abordada no Acórdão do STJ 8/2012, de 12-09-2012, proferido no Proc. n.º 139/09.7IDPRT.P1-A.S1, da 3.ª Secção, publicado no DR, 1.ª série – n.º 206 – de 24-10-2012, no segmento “Natureza jurídica da condição”, a pp. 6006 (segunda coluna) a 6008, aí se afirmando: «A “indemnização”, rectius, “reparação” arbitrada como condicionante da suspensão da execução da pena de prisão não está dependente da dedução do pedido civil (art. 71.º do CPP), não se confunde com este (tendo natureza jurídica diferente da que é objecto do pedido de indemnização cível, de modo tal que não se pode afirmar que a improcedência deste pedido determina a impossibilidade da atribuição daquela), nem tem a ver com o arbitramento ao abrigo do art. 82.º-A, n.º 1, do CPP (reparação da vítima em casos especiais) e com a disciplina do art. 377.º do mesmo CPP, nem mesmo com a responsabilidade civil emergente do crime, consubstanciando um forma de reparação autónoma, complemento integrante da sanção penal, que deve ser vista nas suas consequências, nomeadamente, em sede de incumprimento, apenas dentro dos contornos do instituto”.

XVII - Tratando-se de uma acção cível enxertada no processo-crime, ou seja, incorporada no processo-crime que lhe está na origem, a ritologia processual, isto é, o regime especial processual a que a lei submete a sua tramitação é fornecido pelas regras do processo penal em que se incorpora, só se aplicando supletivamente o CPC nos casos omissos (art. 4.º do CPP).

XVIII - Relativamente ao apuramento do quantitativo e pressupostos da indemnização, o regime aplicável é a lei substantiva civil – mormente os arts. 483.º e segs. do CC – mas no demais, mormente relativamente à prova de tais factos (ao apuramento dos factos constitutivos relevantes para a determinação da responsabilidade civil) seguem-se as regras do processo penal, só sendo possível recorrer às regras de direito processual civil, nos termos do art. 4.º do CPP, isto é, quando estivermos perante casos omissos.

XIX - No aspecto processual - mormente quanto à prova - tendo em conta uma interpretação sistemática e o princípio da suficiência do processo penal, o correspondente pedido de indemnização civil (enxertado no processo crime) rege-se pelas normas pertinentes do Código Processo Penal, sem prejuízo da aplicabilidade, como direito subsidiário, das normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal – art. 4.º do CPP.

XX - O direito de indemnização não fica precludido nos casos em que ocorra absolvição do crime imputado, ou se extinga a responsabilidade criminal, por descriminalização, amnistia ou prescrição, podendo subsistir o pedido de indemnização cível, nos termos do art. 377.º do CPP – cfr. Assento 7/99.

XXI - Em leis avulsas são previstos casos especiais de reparação de danos, como ocorre no CPI, Lei de Protecção de Dados Pessoais, CDADC, Lei das Comunicações Electrónicas e Violência doméstica.

XXII - A Directiva 2/2013 da Procuradora-Geral da República, de 06-09-2013, publicada no DR, 2.ª Série, n.º 189, de 01-10-2013, a propósito do “Pedido de indemnização civil em processo penal por crime fiscal” emitiu instruções sobre a actuação do MP no âmbito do processo penal por crime fiscal, procurando uniformizar critérios de decisão sobre a admissibilidade ou não da dedução de pedido de indemnização civil.

XXIII - No caso presente o arguido/demandado, condenado pela prática de crime de abuso de confiança, era um depositário, possuidor “nomine alieno”, um mero detentor, que feriu a confiança em si depositada, confiança que é suposto ser de esperar de um depositário.

XXIV - O arguido integrou na sua esfera patrimonial os montantes descritos, dispondo dos mesmos como se fossem seus, como de forma clara resulta dos factos provados.

XXV - É de declarar competente o tribunal criminal para em sede de enxerto cível apreciar pedido de indemnização cível tendo por base causação de lesão patrimonial determinada por prática de dois crimes de abuso de confiança, por cuja autoria material o arguido /demandado foi condenado.

Decisão Texto Integral:

                                                           Antecedentes


      No âmbito do processo comum singular n.º 1203/16.1T9VNG, foi deduzida, em 31-10-2016, pelo Ministério Público – 4.ª Secção do DIAP de Vila Nova de Gaia da Comarca do Porto, acusação contra os arguidos:
      AA, nascido em ...-1956, natural de [...], e
      BB, nascido em ...-1989, natural de [...],
      Imputando-lhes a prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança agravado, p. e p. pelo artigo 205.º, n.º 1 e n.º 4, alínea a), do Código Penal, conforme fls. 162 verso a 164 destes autos (1.º volume).
      Liminarmente, foi determinado o arquivamento dos autos relativamente à queixa por crime de abuso de confiança apresentada contra a sociedade “CC, Lda.”, por nos termos do artigo 11.º, n.º 1, do Código Penal, as pessoas colectivas não responderem criminalmente por tal crime.
      Neste processo, o Condomínio ... deduziu pedido de indemnização civil contra os dois arguidos (AA e BB), pedindo a condenação solidária destes a pagar ao Condomínio a quantia de € 7.209,30 (sete mil, duzentos e nove euros e trinta cêntimos), conforme fls.176 a 177 destes autos (1.º volume).
                                                                        *
      No âmbito do processo comum singular n.º 6953/15.7T9VNG, do mesmo Juízo Local Criminal de ..., em 6-01-2017, foi deduzida, pelo Ministério Público – 4.ª Secção do DIAP de ... da Comarca do Porto –, acusação contra os arguidos AA e BB, melhor identificados supra, imputando-lhes a prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança agravado, p. e p. pelo artigo 205.º, n.º 1 e n.º 4, alínea b), do Código Penal, conforme fls. 335 verso a 338 verso (2.º volume).
        Neste processo, o Condomínio do Edifício “...” deduziu pedido de indemnização civil contra os dois arguidos AA e BB, pedindo a condenação solidária destes a pagar-lhe a quantia de € 56.255,26 (cinquenta e seis mil, duzentos e cinquenta e cinco euros e vinte seis cêntimos) conforme fls. 352 a 353 verso – 2.º volume).
                                                                         **
     Em 27-03-2017, pelo Juiz 1 do Juízo Local Criminal de ... – Tribunal Judicial da Comarca do Porto, no processo comum singular n.º 1203/16.1T9VNG foi proferido despacho a determinar a apensação do processo comum singular n.º 6953/15.7T9VNG ao processo comum singular n.º 1203/16.1T9VNG, conforme fls. 201 – 2.º volume).
                                                                      **
       Por despacho de 27-04-2017, proferido a fls. 212 e verso, dado que o Ministério Público não usou da faculdade prevista no artigo 16.º, n.º 3, do CPP, foi determinada a sujeição dos arguidos AA e BB, a julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo.
       Os autos foram à distribuição como processo comum colectivo, cabendo ao Juízo Central Criminal de ... - Juiz 2. (fls. 226/7/8).
                                                                      *
      Realizada a audiência de julgamento (fls.267/8, não constando a acta de 15-11-2017), por acórdão do Tribunal Colectivo do Juízo Central Criminal de ... – Juiz 2 – Tribunal Judicial da Comarca do Porto –, datado de 23 de Novembro de 2017, constante de fls. 279 a 301 verso, depositado no mesmo dia, conforme declaração de fls. 303, do 2.º volume, foi deliberado:
      “I. Absolver o arguido AA da prática, em co-autoria, de dois crimes de Abuso de Confiança Agravado, p. e p. nos arts. 205º, n.º 1 e n.º 4, al. a) e 205º, n.º 1 e n.º 4, al. b), do Código Penal, que lhe eram imputados.
       II. Condenar o arguido BB, pela prática, em autoria material, de um crime de Abuso de Confiança Agravado, p. e p. pelo art. 205º, n.º 1 e n.º 4, al. a), do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (oito euros), o que perfaz o montante global de € 1.600,00 (mil e seiscentos euros).
      III. Condenar o arguido BB, pela prática, em autoria material, de um crime de Abuso de Confiança Agravado, p. e p. pelo art. 205º, n.º 1 e n.º 4, al. b), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão.
      IV. Suspender a Execução desta pena de prisão ao arguido Nuno, pelo período de 2 (dois) anos, na condição de, no mesmo prazo de 2 anos, pagar ao Condomínio do “Edifício ...” a quantia de € 1.400,00 (mil e quatrocentos euros) e ao Condomínio do “Edifício ...” a quantia de € 11.200,00 (onze mil e duzentos euros), a comprovar nos autos.
     VI. Julgar o Pedido de Indemnização Civil formulado pelos demandantes contra o demandado AA, totalmente improcedente, por não provado, dele o absolvendo.
      VII. Julgar o pedido de indemnização civil formulado pelos demandantes contra o demandado BB, integralmente procedente, condenando o arguido BB a pagar ao demandante “Condomínio do Edifício do ...” a quantia de € 7.209,30 (sete mil, duzentos e nove euros e trinta cêntimos), e a pagar ao “Condomínio do Edifício ...” a quantia de € 56.255,26 (cinquenta e seis mil, duzentos e cinquenta e cinco euros e vinte seis cêntimos), quantias a que devem acrescer os correspondentes juros legais até efectivo e integral pagamento.
                                                                   ***
      Inconformado com a decisão proferida, o arguido/demandado cível BB interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, apresentando a motivação de fls. 306 a 326, sendo o recurso admitido por despacho constante de fls. 327 (2.º volume).
                                                                   ***
      A Exma. Magistrada do Ministério Público junto do Juízo Central Criminal de ... apresentou resposta ao recurso interposto, conforme fls. 332 a 334 (2.º volume), pugnando pela manutenção do acórdão de ....
      Os demandantes civis “Condomínio do Edifício do ...” e “Condomínio do ...” não apresentaram resposta ao recurso interposto.
                                                                   ***
      No Tribunal da Relação do Porto, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, de fls. 344 a 345, pronunciando-se no sentido de o recurso, no que à parte penal concerne, não merecer provimento.
       O arguido BB, notificado do parecer apresentado pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto, juntou o requerimento de fls. 348/9, a reiterar as conclusões do recurso apresentado.
                                                                   ***
       Por acórdão da 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, datado de 11 de Abril de 2018, constante de fls. 357 a 385, do 2.º volume, foi deliberado julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido BB e em consequência mantido o acórdão recorrido.
                                                                  ***
      Inconformado com o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, veio o arguido/demandado cível BB interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando a motivação de fls. 391 a 417, que remata com a formulação das seguintes conclusões:
“A) Ao decretar-se a imposição da condição deve ter-se uma imagem global do condicionamento, da real dimensão económica do dever imposto. Nesta avaliação da opção pela suspensão não podem ser esquecidos os condicionalismos inerentes ao agente e se é certo que a impossibilidade de cumprimento não integra os elementos constitutivos do tipo, tal avaliação tem de estar presente no juízo de opção pela substituição.
B) Qual o sentido pedagógico e reeducativo da aplicada pena de substituição quando ao condenado é exigida o pagamento de uma quantia, condicionante da suspensão, quando não tem capacidade económica e financeira de resposta adequada.
C) Nada impede que concluindo o julgador pela impossibilidade de cumprimento, se repondere a hipótese de optar por substituição da pena por trabalho a favor da comunidade, no processo de fixação da pena a aplicar há que avaliar todas as hipóteses, conforme estabelece o artigo 339º, nº 4, do CPP.
D) A suspensão está subordinada à verificação de pressupostos, carecendo de avaliação. Como afirmar a presença do pressuposto material de suspensão sem atender à carga imposta e à situação económica do arguido para a poder cumprir?
E) A escolha da pena de substituição é um prius em relação à imposição da condição. Prevendo a lei a penalidade da pena de prisão, de duas, uma: ou é eleita a pena de prisão efetiva ou a pena de substituição, a pena suspensa. Mas porque no caso a suspensão ficará subordinada a condição com contornos pré-definidos, a opção não pode ser cega, tem que ser ponderada, avaliada, porque senão deixa de ser um poder dever, o exercício de um poder vinculado, sem necessidade de específica fundamentação.
F) Assim, na suspensão da execução da pena de prisão, tinha que ser feito um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia
G) O tribunal “a quo” violou o disposto no artigo 51º, nº 2 do CP.
H) Deverá, ser revogado o acórdão recorrido, substituindo-o por outra decisão que não condicione a suspensão da pena ao cumprimento de obrigação pecuniária pelo arguido.
I) Na determinação concreta da pena, artigo 71º, nº 2 do Código Penal, o tribunal atende a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, aí se enunciando, de forma exemplificativa, quais as circunstâncias que podem ter tal função.
J) Tendo em conta estes considerandos, apenas as exigências de prevenção especial do arguido, resultantes do facto do arguido ter violado a confiança de várias dezenas de pessoas, tantas quantas são os condóminos dos dois edifícios. Mas milita a seu favor duas circunstâncias de especial relevo: ter confessado a generalidade dos factos procurando afastar a responsabilidade do co-arguido Alexandre e não possuir antecedentes criminais. Favorece-o, igualmente, a sua idade, a forma como se apresentou em julgamento, a postura adotada, bem como a circunstância de se tratar de pessoa com modo de vida conhecido. A este propósito demonstra ser pessoa trabalhadora, que não baixou os braços assim que se viu a braços com a situação tendo enveredado pela continuidade de atividade profissional remunerada demandam necessidade de punição.
L) O arguido tem um percurso de vida pautado pela conformidade com o estipulado pelas regras de convivência social.
M) Deve ter-se em conta as finalidades da prevenção, quer geral, quer especial, incentivar nos cidadãos a convicção que comportamentos deste tipo são punidos, assim como há que dissuadir o arguido para que não volte a prevaricar, mas os fatores enunciados no artigo 71º do Código Penal são diminutos ou inexistentes.
N) Tendo em conta os vetores apontados, tendo em conta a moldura penal do crime pelo qual o arguido foi condenado, tem-se como adequada a pena em concreto de 1 ano de prisão.
O) Pelo que se deverá ser reduzida a pena aplicada para 1 ano, a qual se mostra melhor doseada.
P) O tribunal “a quo” violou o disposto no artigo 71º do CP.
Q) Resulta dos factos provados que as quantias em que o recorrente foi condenado a pagar aos dois condomínios, foram por estes entregues à sociedade Qualidade (SIC) de que é sócio e gerente e não pessoalmente ao arguido.
R) Pelos danos causados por um facto que não é susceptível de integrar um tipo legal de crime e que viola, exclusivamente, uma obrigação em sentido técnico, não pode pedir-se a respectiva indemnização no processo penal.
S) O tribunal criminal, é incompetente, em razão da matéria, para conhecer da eventual responsabilidade civil da sociedade ....
T) A incompetência em razão da matéria é de conhecimento oficioso e determina a absolvição do Réu/Demandado da instância.
Z) Em face do exposto, deverá julgar-se o tribunal materialmente incompetente para conhecer o pedido de indemnização civil formulado contra o arguido e, em conformidade, absolver-se o arguido/demandado da instância.
      Termina pedindo que seja dado provimento ao presente recurso, revogando-se o acórdão recorrido, substituindo-o por outra decisão de harmonia com as conclusões apresentadas.
                                                                   ***
       O recurso foi admitido por despacho do Exmo. Desembargador Relator proferido a fls. 419, nos seguintes termos: “Fls. 390 e ss: Tendo em conta que o arguido questiona a competência do tribunal criminal para conhecer do pedido de indemnização, admito o recurso interposto pelo arguido BB para o STJ, a subir imediatamente, nos próprios autos e com o efeito atribuído.”
                                                                   ***
     O Exmo. Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação do Porto apresentou resposta ao recurso, conforme fls. 423 a 426, suscitando a questão prévia da inadmissibilidade do recurso quanto à matéria penal, rematando com as seguintes conclusões:
      “Deve considerar-se inadmissível o recurso interposto quanto à parte penal do acórdão recorrido;
     E, consequentemente, rejeitar-se o recurso interposto, por inadmissibilidade, nos termos dos artigos 420.º, n.º 1, al. b), e 414.º, n.º 2, do CPP.”
    Os demandantes civis Condomínio do ... e Condomínio do Edifício “...” não apresentaram resposta ao recurso interposto.
                                                                   ***
       A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal de Justiça emitiu douto parecer a fls.434/5 (3.º volume), de que se respiga:
   “O recurso foi admitido de forma algo ininteligível, não se mostrando claro quanto ao âmbito do mesmo, se foi admitido relativamente à parte penal e à parte cível, ou se apenas quanto a esta, a parte cível.
       Acompanhando a resposta do MºPº que, com a devida vénia, se dá aqui por reproduzida, o recurso é inadmissível quanto à matéria crime, atentas as penas em que foi o recorrente condenado e o disposto nos arts. 400.º, n.º 1, al. f) e 432.º, n.º 1, al. b), ambos do CPP.
       No que tange à matéria cível, carece o MºPº de legitimidade para se pronunciar.
       Pelo exposto, emite-se parecer no sentido, relativamente às questões atinentes à matéria crime suscitadas pelo recorrente, da rejeição do recurso por inadmissível, atento o que dispõem os arts. 400.º, n.º 1, al. f) e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP”.

                                                                   ***

       Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o arguido apresentou resposta a fls. 439/440, remetendo na íntegra para os argumentos já expressos na motivação.

                                                                   ***

       Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos dos artigos 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal.

                                                                   ***

      Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

                                                                   ***

      Como é jurisprudência assente e pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (neste sentido, Acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ, de 19 de Outubro de 1995, proferido no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no Diário da República, I Série – A, n.º 298, de 28 de Dezembro de 1995, e BMJ n.º 450, pág. 72, que no âmbito do sistema de revista alargada fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”, bem como o Acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 10/2005, de 20 de Outubro de 2005, Diário da República, Série I-A, de 7 de Dezembro de 2005, em cuja fundamentação se refere que a indagação dos vícios faz-se “no uso de um poder-dever, vinculadamente, de fundar uma decisão de direito numa escorreita matéria de facto”) e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do Código de Processo Penal – é pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.

       Como assinalava o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Junho de 1996, proferido no processo n.º 118/96, in BMJ n.º 458, pág. 98, as conclusões destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer das pessoais razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e devem conter, por isso, um resumo claro e preciso das razões do pedido, sendo estas que delimitam o âmbito do recurso.

       As conclusões deverão conter apenas a enunciação concisa e clara dos fundamentos de facto e de direito das teses perfilhadas na motivação (assim, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 1998, proferido no processo n.º 53/98-3.ª Secção, in BMJ n.º 475, pág. 502).

       E como referia o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Março de 1998, processo n.º 1444/97, da 3.ª Secção, in BMJ n.º 475, págs. 480/8, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo de se pronunciar sobre questões de conhecimento oficioso; as conclusões servem para resumir a matéria tratada no texto da motivação.

 

                                                                   ***

       Questões propostas a reapreciação e decisão

      O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões, onde o recorrente resume as razões de divergência com o deliberado no acórdão recorrido.

      O recorrente afirma a sua discordância, conforme resulta do exposto na motivação e levado às conclusões, que traduzem as razões de divergência com o decidido, em dois pontos centrais, a saber, parte criminal e parte cível.  

       Assim, são questões a apreciar e decidir:

 

       Parte criminal

      Questão I – Afastamento de imposição de pagamento de quantia como condição de suspensão da execução da pena de prisão – Conclusões A) a H);

       Questão II – Medida da pena de prisão – Redução? – Conclusões I) a P).

   

       Quanto à condenação cível

       Questão III – Incompetência material do Tribunal Criminal para conhecimento do pedido de indemnização civil Conclusões R), S), T) e Z) – (Sic, olvidando as letras U), V) e X), tal como no anterior recurso para a Relação do Porto, como se vê de fls. 326).

      Fora do quadro de apreciação da impugnação directa da deliberação recorrida, traçado pelo arguido/recorrente, apreciar-se-á, por ser de conhecimento oficioso, a questão prévia da irrecorribilidade na parte penal.

       O Exmo. Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação do Porto, bem como a Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal de Justiça, conforme acima fizemos referência, pronunciaram-se no sentido de considerar que o recurso, quanto à parte penal do acórdão recorrido, é inadmissível, nos termos do artigo 400.º, n.º 1, alínea f) e artigo 432.º, n.º 1, alínea b), ambos do CPP.

       Abordar-se-á, pois, a 

       Questão prévia – Irrecorribilidade da parte criminal.

      

                                                                  *****

      

       Apreciando. Fundamentação de facto.

      

  Foi dada como provada a seguinte matéria de facto, que é de ter-se por imodificável e definitivamente assente, já que da leitura do texto da decisão, por si só considerado, ou em conjugação com as regras de experiência comum, não emerge a ocorrência de qualquer vício decisório ou nulidade de conhecimento oficioso, mostrando-se a peça expurgada de insuficiências, erros de apreciação ou outras contradições que se revelem ostensivos, sendo o acervo fáctico adquirido suficiente para a decisão, coerente, sem contradição, congruente, harmonioso, e devidamente fundamentado. No concreto caso, a facticidade apurada foi certificada pelo tribunal da  Relação do Porto.

       Factos provados

1. A sociedade “CC, Lda.”, pessoa colectiva nº 504799762, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ..., tem por objecto a administração e gestão de condomínios, tendo a sua sede na Rua ....
2. Os arguidos AA e BB são, desde Setembro de 2013, os únicos sócios da referida sociedade, sendo o primeiro, desde essa data, o único gerente inscrito.
3. Pelo menos desde a referida data, os arguidos detiveram todos os poderes de representação da referida sociedade, ou seja, foram quem, em sua representação, a geriu e administrou e, em nome e no interesse da mesma, decidiu de facto da afectação dos meios financeiros ao cumprimento das respectivas obrigações correntes, detendo em exclusividade o poder de movimentação das contas bancárias, próprias ou dos condomínios administrados.
4. No dia 7/11/2013, a sociedade “CC, Lda.” foi eleita como administradora do condomínio do Edifício ..., sito na Rua [...], em Assembleia Geral Ordinária de Condóminos realizada no referido dia.
5. Cabia-lhes, na sequência de tal nomeação, a tarefa de gerir todos os aspectos da vida do referido condomínio, designadamente, controlar a respectiva conta bancaria, recebendo e administrando as quotas mensais entregues pelos condóminos, e afecta-las aos pagamentos correntes, como agua, gás, electricidade, serviços de limpeza ou manutenção de elevadores.
6. O arguido BB, na qualidade de legal representante da “CC, Lda.”, aproveitando-se das funções de administração que lhe tinham sido conferidas, em data não concretamente apurada mas próxima a Janeiro de 2014, tomou o propósito de começar a integrar na sua esfera patrimonial, quantias pertencentes ao Edifício ...
7. Assim, aproveitando-se do acesso livre e exclusivo que lhe tinha sido proporcionado para a movimentação da conta bancaria nº ..., da Caixa Económica Montepio Geral, de que era titular o condomínio do Edifício ..., o arguido BB realizou as seguintes operações bancarias:
7.1. Efectuou as seguintes transferências para a conta nº ... da Caixa Económica Montepio Geral, titulada por BB.
Data                            Montante
11/3/2014                   € 1000,00
16/4/2014                   € 91,67
9/7/2014                     € 792,82
17/8/2014                   € 200,00
7.2. Procedeu o arguido Nuno à emissão e apresentação a pagamento dos seguintes cheques da conta bancaria nº ..., da Caixa Económica Montepio Geral, de que era titular o condomínio do Edifício ...:
Cheque           Data              Montante        Destino/Beneficiário
014 €  514,10        Depósito na conta bancaria nº ..., da titularidade da “CC, Lda.”
...  15/4/2014 € 1800,00    Apresentado a pagamento por BB no balcão de ... da Caixa Económica Montepio Geral
7.3. No dia 6/5/2014 procedeu o arguido Nuno ao levantamento em numerário da quantia de € 6.000,00 no balcão de ... da Caixa Económica Montepio Geral; e no dia 16/4/2015 procedeu ao levantamento em numerário da quantia de € 2500,00.
7.4. No dia 11/8/2015 procedeu à transferência da quantia de € 400,00 para a conta nº ..., da Caixa Económica Montepio Geral, titulada pelo Condomínio do Edifício Avenida, prédio sito na Avenida da Republica, nº 2427, em Vila Nova de Gaia.
7.5. Precedeu o arguido Nuno às seguintes operações de carregamento de cartões de débito pré-pagos, da titularidade de BB:
Data                Montante           Nº de Cartão de débito pré-pago
8/1/2014         40,70                          ...
21/1/2014       55,75
2/4/2014         167,26
8/5/2014         154,00                        ...
20/5/2015       320,00                        ...
16/6/2015       80,00
7/8/2015         400,00
18/8/2015       600,00                         ...
7.6. Efectuou as seguintes transferências para a conta nº ..., da titularidade da “CC, Lda.”
Data                            Montante
03.02.2014                  569,63 €
17.04.2014                  2012,24 €
23.04.2014                  650,00 €
29.04.2014                  1500,00 €
30.04.2014                  560,86 €
13.05.2014                  1830 € + 1830 €
27.05.2014                  600,00€
02.07.2014                  592,51 €
03.12.2014                  178,72 €
03.02.2015                  1500,00 €
05.02.2015                  1250,00 €
13.02.2015                  1500,00 €
07.04.2015                  2500,00 €
11.04.2015                  2500,00 €
14.04.2015                  3500,00 €
23.04.2015                  1500,00 €
06.052015                   10.000,00€
14.05.2015                  650,00 €
28.05.2015                  500,00 €
05.06.2015                  500,00 €
06.06.2015                  650,00 €
11.06.2015                  450,00 €
17.07.2015                  1500,00 €
01.09.2015                  700,00 €
7.7. E, por último, efectuou, este arguido, os seguintes pagamentos relativos a taxa social única, que não diziam respeito a despesas do condomínio:
Data                            Valor
16/7/2014                   119,58
16/7/2014                   119,75
16/7/2014                   119,40
16/7/2014                   119,58
16/7/2014                   119,40
16/7/2014                   119,58
27/8/2014                   119,93
23/9/2014                   235,32
20/10/2014                 115,92
20/11/2014                 427,14
8. O arguido BB, apesar de interpelado pelos condóminos do Edifício ... para lhes restituir as quantias usadas para fins alheios aos do condomínio, da forma que se descreveu, decidiu não proceder à entrega das mesmas a qualquer um deles, passando a delas dispor em proveito próprio, como se fossem suas.
9. O arguido BB actuou como descrito com o propósito, concretizado, de fazer suas as quantias monetárias supra discriminadas, bem sabendo que as mesmas não lhes pertenciam, nem à sociedade ..., e que apenas lhe haviam sido confiadas a título temporário para que efectuasse a sua afectação aos interesses e necessidades do Edifício ....
10. Agiu sempre livre e conscientemente, bem sabendo que contrariava a vontade dos condóminos, aos quais causava prejuízo patrimonial, que ascendeu ao valor de € 56.255,26.
11. Sabia, ainda, que tal conduta era proibida e punida por lei.
                                                                          ***
12. No dia 24 de Abril de 2014, a sociedade “CC, Lda.” foi eleita como administradora do condomínio do Edifício ..., sito no [...], em Assembleia Geral Ordinária de Condóminos realizada no referido dia.
13. Cabia aos dois arguidos, na sequência de tal nomeação, a tarefa de gerir todos os aspectos da vida do referido condomínio, designadamente, controlar a respectiva conta bancaria, recebendo e administrando as quotas mensais entregues pelos condóminos, e afecta-las aos pagamentos correntes, como agua, gás, electricidade, serviços de limpeza ou manutenção de elevadores.
14. O arguido BB, na qualidade de legal representante da “CC, Lda.”, aproveitando-se das funções de administração que lhe tinham sido conferidas, em data não concretamente apurada mas próxima a Janeiro de 2015, tomou o propósito de começar a integrar na sua esfera patrimonial, quantias pertencentes ao Edifício ....
15. Assim, aproveitando-se do acesso livre e exclusivo que lhe tinha sido proporcionado para a movimentação da conta bancaria nº ..., do BANIF, de que era titular o condomínio do Edifício ..., o arguido BB realizou as seguintes operações a débito:
Edifício ..., o arguido realizou as seguintes operações a débito:
Data                Montante                    Destino/Beneficiário
19/1/2015       € 40,00           Carregamento de cartão de débito pré-pago, da titularidade de BB
4/2/2015         € 240,00         
4/3/2015         € 240,00
11/3/2015       € 1000,00                   Pagamento em Hipay.com
26/3/2015       € 62,73           Pagamento de serviços desconhecidos
26/3/2015       € 669,18         Transferência para a conta com o IBAN nº ..., titulada por BB
22/4/2015        € 40,00                     Carregamento de cartão de débito pré-pago, da titularidade de BB
24/4/2015       € 400,00
30/4/2015       € 750,00 Transferência para a conta nº ..., da titularidade de BB
5/5/2015         € 660,00 Carregamento de cartão de débito pré-pago, da titularidade de BB
6/5/2015         € 200,00
6/5/2015    € 237,39  Transferência para a conta com o IBAN nº PT..., da titularidade da ...
9/5/2015         € 500,00   Pagamento em Hipay.com
22/5/2015       € 120,00 Carregamento de cartão de débito pré-pago, da titularidade de BB
8/6/2015         € 200,00
7/7/2015         € 500,00
10/7/2015       € 200,00
3/8/2015         € 500,00
16. E, no dia 2/6/2015, procedeu o arguido BB ainda ao levantamento em numerário do cheque com o nº 704030370, referente à conta do condomínio do Edifício ..., no valor de € 650,00.
17. O arguido BB, apesar de interpelado pelos condóminos do ... para lhes restituir as quantias usadas para fins alheios aos do condomínio, da forma que se descreveu, decidiu não proceder à entrega das mesmas a qualquer um deles, passando a delas dispor em proveito próprio, como se fossem suas.
18. O arguido Nuno actuou como descrito com o propósito, concretizado, de fazer suas as quantias monetárias supra discriminadas, bem sabendo que as mesmas não lhe pertenciam, nem à sociedade CC, e que apenas lhe haviam sido confiadas a título temporário para que efectuasse a sua afectação aos interesses e necessidades do Edifício ....
19. Agiu sempre livre e conscientemente, bem sabendo que contrariava a vontade dos condóminos, aos quais causava prejuízo patrimonial, que ascendeu ao valor de € 7.209,30.
20. Sabia, ainda, que tal conduta era proibida e punida por lei.
21. O arguido AA, foi interpelado pelos condóminos do Edifício ... e do Edifício ... para lhes restituir as quantias usadas para fins alheios aos do condomínio.
Antecedentes criminais dos arguidos
22. Os arguidos não têm antecedentes criminais.
Condição socioeconómica dos arguidos:
23. O arguido AA encontra-se actualmente reformado, auferindo o montante de € 1.200,00/mês a título de reforma.
24. Suporta a quantia de € 400,00/mês a título de renda de casa.
25. A mulher encontra-se desempregada.
26. Possui o 12º ano de escolaridade e formação em solicitadoria.
27. O arguido BB é motorista da “Uber”, actividade pela qual aufere cerca de € 1.200,00/mês.
28. Vive sozinho em habitação arrendada pela qual paga € 250,00/mês de renda.
29. Não tem descendentes.
30. Completou o Ensino Secundário e frequentou curso de Engenharia até ao 2º ano.

Factos Provados do Pedido de Indemnização Civil formulado a fls. 352/353 (Proc. n.º 6953/15.7T9VNG):
a) O prejuízo patrimonial sofrido devido à conduta do arguido BB monta à quantia de € 56.255,26.
b) No início de Outubro de 2015, quando a administração do Condomínio do Edifício “...” tomou conhecimento da sua situação financeira, constatou que apenas dispunha de um saldo a rondar os € 300,00 na conta titulada na Caixa Económica Montepio Geral, para fazer face às despesas mensais correntes.
c) E sem saldo disponível para efectuar os pagamentos nas obras de reabilitação que se encontravam a decorrer no edifício, para as quais os condóminos tinham estado a pagar quotizações extraordinárias apenas para fazer face aos custos com a referida obra.
d) Foi com esforço financeiro que conseguiu evitar os incumprimentos generalizados do condomínio em virtude dos problemas de tesouraria provocados pela conduta dos arguidos.

… E do Pedido de Indemnização Civil formulado a fls. 176/177 do Proc. n.º 1203/16.1T9VNG:
e) Quando a nova administração do Condomínio “...” tomou conhecimento da real situação financeira do condomínio, em 18.09.2015, constatou que o mesmo tinha pouco dinheiro para fazer face às despesas mensais correntes.
f) O prejuízo patrimonial sofrido devido à conduta do arguido BB monta à quantia de € 7.209,30.

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       Apreciando. Fundamentação de direito


       Questão prévia – (In)admissibilidade do recurso em matéria penal – Irrecorribilidade quanto à matéria decisória relativa a crime punido com pena de 2 anos de prisão, suspensa na execução, confirmada integralmente pelo Tribunal da Relação – Dupla conforme total

 
     Como já se referiu, a questão prévia da inadmissibilidade do recurso, no que concerne à matéria penal, foi colocada pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação do Porto, bem como pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal no parecer emitido, tratando-se de questão de conhecimento oficioso.
              
      Subjacente a esta questão prévia, impõe-se, antecipadamente, analisar o despacho de admissão de recurso proferido pelo Exmo. Senhor Desembargador Relator, constante de fls. 419, transcrito acima.
      Como referiu o segundo parecer, o recurso foi admitido de forma algo ininteligível, não se mostrando claro quanto ao âmbito do mesmo, se foi admitido relativamente à parte penal e à parte cível, ou se apenas quanto a esta, a parte cível.
      A verdade é que o despacho refere expressamente o recurso na parte cível, nada dizendo sobre a vertente penal, o que deveria fazer, até porque lidas as conclusões facilmente se conclui que as conclusões A) a P) se referem a matéria penal e apenas as conclusões Q), R), S) e Z) se reportam a matéria cível.
       Ou seja, o aludido despacho não admitiu o recurso na parte que incidia sobre a condenação penal do ora recorrente, sem porém, o rejeitar de forma expressa.
      Cumpre, agora, suprir a referida irregularidade processual, apreciando expressamente a questão da admissibilidade do recurso, no que respeita à parte criminal, face ao disposto nos artigos 400.º, n.º 1, alínea f), 432.º, n.º 1, alínea b) e 420.º, n.º 1, alínea b), do CPP.
      

       Vejamos.

      Há que abordar a questão da admissibilidade do presente recurso, no que toca à pena aplicada por um dos crimes por que foi condenado o recorrente e mantida pela Relação, face ao disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal. 

   O presente recurso foi interposto pelo arguido do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de Abril de 2018, tratando-se de um acórdão confirmatório, na totalidade, de condenação proferida na primeira instância em 23 de Novembro de 2017, no presen te processo comum perante tribunal colectivo, na vigência do actual regime de recursos, introduzido com a entrada em vigor da 15.ª alteração do Código de Processo Penal, operada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, e que teve lugar em 15 de Setembro de 2007, tendo os factos julgados sido praticados no período compreendido entre 3-03-2014 e 1-09-2015.

       O ora recorrente na parte que ora importa, pois a impugnação não abrange a condenação na pena de multa por outro crime de abuso de confiança, foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança agravada, p. e p. pelo artigo 205.º, n.º 1, e 4, alínea b), do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na execução, sujeita à condição de pagamento de quantia em dinheiro, o que foi mantido/confirmado pelo citado acórdão da Relação do Porto.
   Haverá que ter em conta que o acórdão ora recorrido é um acórdão confirmativo, havendo uma identidade total, completa, absoluta e plena, e como assim, como se procurará demonstrar, impeditiva de recurso, de forma total, no que respeita à pretensão de reapreciação da matéria decisória que conduziu à condenação na referida pena.

   A lei reguladora da admissibilidade dos recursos é a que vigora no momento em que é proferida a decisão da primeira instância.

 A solução de atender à data da decisão da 1.ª instância foi adoptada como critério a seguir no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça – AUJ (Acórdão Uniformizador de Jurisprudência) n.º 4/2009 – de 18 de Fevereiro de 2009, proferido no processo n.º 1957/08, desta 3.ª Secção, publicado no Diário da República, 1.ª Série, n.º 55, de 19 de Março de 2009, que uniformizou jurisprudência em caso de dupla conforme, mas em que a decisão da 1.ª instância foi proferida antes de 15 de Setembro de 2007, no domínio do anterior regime processual, nos termos seguintes: «Nos termos dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, na redacção anterior à entrada em vigor da Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, é recorrível o acórdão condenatório proferido, em recurso, pela relação, após a entrada em vigor da referida lei, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão superior a oito anos, que confirme decisão de 1ª instância anterior àquela data».

      Este acórdão fixou jurisprudência no sentido de que em matéria de recursos penais, no caso de sucessão de leis processuais penais, é aplicável a lei vigente à data da decisão proferida em 1.ª instância.

  Tal orientação tem sido seguida sem discrepâncias, como se pode ver, por exemplo, dos acórdãos de 17-09-2009, processo n.º 47/08.9PBPTM.E1.S1-3.ª, CJSTJ 2009, tomo 3, pág. 188, em caso de confirmação in mellius, em que interviemos como adjunto, onde se afirma: “É recorrível para o STJ a decisão proferida pela Relação já depois da entrada em vigor da nova lei de processo que não reconheça esse grau de recurso, se a lei que vigorava ao tempo da decisão da 1.ª instância o mandasse admitir”; de 23-09-2009, processo n.º 27/04.3GBTMC.S1, do mesmo relator, em que para além do passo citado se afirma: “A lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1.ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido”; de 23-09-2009, processo n.º 463/06.0GAEPS.S1-5.ª, que afirma: “O momento relevante para a determinação da lei aplicável aos recursos é a decisão da 1.ª instância, doutrina esta que acabou por ser afirmada no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2009 (DR I-A, de 19-03-2009”; de 11-04-2012, processo n.º 3969/07.5TDLSB.L1.S1-3.ª, onde se refere: “No caso de sucessão de leis processuais, em matéria de recursos, é aplicável a lei vigente à data da decisão de 1.ª instância, entendimento a que o STJ chegou no AUJ n.º 3/2009 [4/2009], de 18-02-2009, in DR, I-Série, de 19-03-2009”; de 10-01-2013, processo n.º 507/05.3GAEPS.G1.S1-5.ª; de 14-03-2013, processo n.º 43/10.6GASTC.E1.S1-3.ª, em que interviemos como adjunto; de 15-05-2013, processo n.º 175/10.0TAABT.E1.S1-3.ª, em caso de recurso interposto por assistente; de 12-09-2013, processo n.º 680/11.1GDALM.L1.S1-3.ª; de 9-10-2013, processo n.º 772/11.7JAPRT.P1.S1-3.ª; de 8-01-2014, processo n.º 109/08.2TAETR.P1.S1-3.ª; de 26-03-2014, processo n.º 21/12.0GBPTM.E1.S1-5.ª; de 23-04-2014, processo n.º 169/12.1TEOVR.P1.S1-3.ª; de 24-09-2014, processo n.º 53/12.9JBLSB.L1.S1-3.ª; de 29-10-2014, processo n.º 418/07.8GFOER.L1.S1-3ª; de 11-02-2015, processo n.º 83/13.3JAPDL.L1.S1-3.ª, do mesmo Relator do anterior, de 25-02-2015, processo n.º 859/12.9GESLV.E1.S1-3.ª; de 25-02-2015, processo n.º 1/11.3GHLSB.L1.S1-3.ª; de 17-06-2015, processo n.º 28/11.5TACVD.E1.S1-3.ª, em que interviemos como adjunto; de 18-02-2016, processo n.º 118/08.1GBAND.P1.S1-3.ª; de 28-04-2016, processo n.º 318/14.5JAPDL.L1.S1-3.ª, de 14-09-2016, processo n.º 71/13.0JACBR.C1.S1-3.ª; de 26-10-2016, processo n.º 58/13.2PEVIS.C1.S1-3.ª; de 9-11-2016, processo n.º 587/14.0JAPRT.P1.S1-3.ª, de 15-02-2017, processo n.º 12/15.0JAAVR.P1.S1-3.ª Secção, de 29-03-2017, processo n.º 1227/14.3PASNT.L1.S1-3.ª, de 27-04-2017, processo n.º 261/10.7JALRA.E2.S1-3.ª, de 20-06-2018, processo n.º 462/04.7GAPRD.P3.S1, de 17-10-2018, processo n.º 138/16.2PAMTJ.L1.S1-3.ª, de 7-11-2018, processo n.º 161/15.4T9RMZ.E1.S1-3.ª e de 28-11-2018, processo n.º 115/17.6JDLSB.L1.S1-3.ª Secção.

  Este Supremo Tribunal tem entendido que, em caso de dupla conforme, à luz do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, são irrecorríveis as penas parcelares, ou únicas, aplicadas em medida igual ou inferior a oito anos de prisão e confirmadas pela Relação, restringindo-se a cognição às penas de prisão, parcelares e/ou única, aplicadas em medida superior a oito anos de prisão.

       Vejamos as disposições legais aplicáveis.

   É admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça nos casos contemplados no artigo 432.º do Código de Processo Penal, sem prejuízo de outros casos que a lei especialmente preveja, como explicita o artigo 433.º do mesmo diploma legal.

       No que importa ao caso presente rege a alínea b) do n.º 1 do artigo 432.º do Código de Processo Penal, que se manteve inalterada, e que estabelece:

      1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:
b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º.

       Com a entrada em vigor, em 15 de Setembro de 2007, da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, foi modificada a competência do Supremo Tribunal de Justiça em matéria de recursos de decisões proferidas, em recurso, pelas relações, restringindo-se a impugnação daquelas decisões para este Supremo Tribunal, no caso de dupla conforme, a situações em que tenha sido aplicada pena de prisão superior a oito anos.

     

  Estabelecia o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto:

      1 - Não é admissível recurso: (…)

 f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções.

      

       A partir da alteração introduzida pela aludida Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, entrada em vigor em 15 de Setembro de 2007 (Diário da República, 1.ª série, n.º 166, de 29 de Agosto, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 100-A/2007, Diário da República, I Série, n.º 207, Suplemento, de 26 de Outubro, por seu turno, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 105/2007, Diário da República, I Série, n.º 216, de 9 de Novembro de 2007), que procedeu à 15.ª alteração e republicou o Código de Processo Penal aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro), passou a estabelecer o artigo 400.º, n.º 1, na alínea f), do Código de Processo Penal:

      1 – Não é admissível recurso: (…)

f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos».
      [A redacção desta alínea permaneceu intocada nas subsequentes modificações do Código de Processo Penal, operadas pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro (Diário da República, 1.ª série, n.º 40, de 26-02-2008, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, Diário da República, 1.ª série, n.º 81, de 24-04-2008), pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto, pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, pela Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de Agosto, pela Lei n.º 27/2015, de 14 de Abril, pela Lei n.º 58/2015, de 23 de Junho, pela Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro, que procedeu à 23.ª alteração ao CPP e aprovou o Estatuto da Vítima, pela Lei n.º 1/2016, de 25 de Fevereiro - 25.ª alteração - pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro - 26.ª alteração, alterando o artigo 318.º -, pela Lei n.º 24/2017, de 24 de Maio - 27.ª alteração -, pela Lei n.º 30/2017, de 30 de Maio - Vigésima sétima (sic) alteração - que pelo artigo 15.º altera os artigos 58.º, 178.º, 186.º, 227.º, 228.º, 268.º, 335.º e 374.º e adita o artigo 347.º-A, pela Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto, pela Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, que aprova o Orçamento do Estado para 2018 e que pelo artigo 293.º altera o artigo 185.º, pela Lei n.º 1/2018, de 29 de Janeiro – Diário da República, 1.ª série, n.º 20, de 29-01-2018 – 30.ª alteração – artigos 113.º, 287.º, 315.º e 337.º, pela Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto – Diário da República, 1.ª série, n.º 156, de 14-08-2018 – artigo 131.º, n.º 1, pela Lei n.º 71/2018, de 31-12-2018, que aprova o Orçamento do Estado para 2019 – Diário da República, 1.ª série, n.º 251, de 31-12-2018 – artigos 113.º e 186.º, pela Lei n.º 27/2019, de 28 de Março, – Diário da República, 1.ª série, n.º 62, de 28-03-2019 – artigos 469.º e 491.º, n.º 2, pela Lei n.º 33/2019, de 22 de Maio – Diário da República, 1.ª série, n.º 98, de 22-05-2019 – artigos 58.º, 61.º, 87.º, 90.º, 103.º, 194.º, 283.º e 370.º].

       A alteração legislativa de 2007, no que tange a esta alínea f), teve um sentido restritivo, impondo uma maior restrição ao recurso, referindo a pena aplicada e não já a pena aplicável, quer no recurso directo, quer no recurso de acórdãos da Relação que confirmem decisão de primeira instância, circunscrevendo a admissibilidade de recurso das decisões da Relação confirmativas de condenações proferidas na primeira instância às que apliquem pena de prisão superior a oito anos.

       Com efeito, à luz do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, na redacção actual, só é possível o recurso de decisão confirmatória da Relação no caso de a pena aplicada ser superior a 8 anos de prisão.

       Já anteriormente, porém, à luz da redacção da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, introduzida em 1998 (Lei n.º 59/98), a restrição ora referida era defendida em acórdãos do Tribunal Constitucional, como no Acórdão n.º 64/2006, de 24 de Janeiro de 2006, proferido no processo n.º 707/2005, publicado no Diário da República, II Série, de 19 de Maio de 2006 (e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 64.º volume, 2006, págs. 447 a 477), que, em Plenário, com seis votos de vencido, reafirmando, por maioria, o juízo de não inconstitucionalidade constante do acórdão n.º 640/2004, de 12 de Novembro de 2004, da 3.ª Secção (com sumário em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 60.º volume, 2004, pág. 933), com o qual estava em contradição o acórdão n.º 628/2005, de 15 de Novembro de 2005, da 2.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 23 de Maio de 2006 (e com sumário em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 63.º volume, 2005, pág. 892), decidiu “não julgar inconstitucional a norma constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que não é admissível recurso interposto apenas pelo arguido para o Supremo Tribunal de Justiça de um acórdão da Relação que, confirmando a decisão da 1.ª instância, o tenha condenado numa pena não superior a oito anos de prisão, pela prática de um crime a que seja aplicável pena superior a esse limite”.

 O acórdão em causa reiterou a jurisprudência do Tribunal Constitucional, segundo a qual, a Constituição não impõe um triplo grau de jurisdição ou um duplo grau de recurso, mesmo em Processo Penal.

     Acerca da nova formulação legal introduzida em Setembro de 2007, que conduziu a uma restrição do recurso e entendendo daí não decorrer violação do direito de recurso, por estar assegurado um duplo grau de jurisdição e não se impor um, aliás, não previsto duplo grau de recurso, tem-se pronunciado este Supremo Tribunal de Justiça, conforme se colhe dos acórdãos apontados a seguir.

       Extrai-se do acórdão de 5 de Dezembro de 2007, proferido no processo n.º 3868/07, da 3.ª Secção, em que interviemos como 2.º adjunto:

       “Nos termos da al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, na versão vigente à data da interposição do recurso, não é admissível recurso para o STJ dos acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem a decisão da 1.ª instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a 8 anos.

   A Lei 48/2007, de 29-08, alterou essa redacção em sentido restritivo, de forma a circunscrever a admissibilidade de recurso das decisões confirmativas de condenações proferidas na 1.ª instância àquelas que aplicarem pena de prisão superior a 8 anos.

   Tendo os arguidos sido condenados por crimes cuja moldura penal não ultrapassa 5 anos de prisão (crime de insolvência dolosa) e 3 anos de prisão (crime de subtracção de documento), em penas de 2 anos e 8 meses e 2 anos e 4 meses de prisão, a decisão impugnada é irrecorrível, por força da referida al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, quer na versão anterior, quer na actual.

       O entendimento dos recorrentes, de que a dupla conforme não se verifica quando o acórdão proferido em sede de recurso seja nulo por omissão de pronúncia, uma vez que, nessa hipótese, não houve uma autêntica segunda pronúncia, não tem qualquer apoio na letra ou no espírito da lei, que estabelece uma delimitação objectiva e clara das hipóteses de recurso para o STJ, agora baseada na pena concreta (anteriormente na pena abstracta).

        A mera alegação de omissão de pronúncia, que traduz o ponto de vista do recorrente e apenas isso, não invalida a existência de uma efectiva e objectiva dupla decisão em conformidade (decisão da 1.ª instância e confirmação da mesma pela Relação).

      A omissão de pronúncia segue o regime das demais nulidades da sentença, devendo ser arguida junto do tribunal que a proferiu, quando ela não admitir recurso ordinário (art. 668.º, n.º 3, do CPC), pelo que os recorrentes deveriam ter reagido contra a alegada nulidade arguindo-a junto da Relação, por não haver recurso ordinário do acórdão proferido por esse tribunal”.

      No acórdão de 09-01-2008, processo n.º 4457/07-3.ª Secção, pode ler-se: Após a revisão do CPP, da nova redacção da al. f) do n.º 1 do art. 400º, resulta que é admissível recurso para o STJ de acórdão da Relação, proferido em recurso, que confirme decisão cumulatória que haja condenado o arguido em pena única superior a 8 anos de prisão, ainda que aos crimes parcelarmente considerados seja aplicável pena de prisão inferior a 8 anos, embora, no caso e no que respeita à medida concreta da pena, o recurso fique limitado à pena conjunta resultante do cúmulo.

       Como se extrai do acórdão de 03-04-2008, processo n.º 574/08 - 5.ª Secção, no domínio da actual versão do CPP, as alíneas e) e f) do n.º 1 do art. 400.º referem-se à pena aplicada e não à aplicável, sem menção da frase “mesmo em caso de concurso de infracções”. Houve, portanto, uma inversão do legislador quanto a esta questão da recorribilidade, restringindo drasticamente o recurso da Relação para o Supremo. Importa, por isso, não ir mais além do que a letra da lei. Daí que seja razoável concluir que, actualmente, ao contrário do que dantes sucedia, a questão da irrecorribilidade deve aferir-se pela pena única aplicada e já não atendendo às penas parcelares, isto é, o que importa é a pena que foi aplicada como resultado final da sentença, toda ela abrangida no âmbito do recurso, nos termos do art. 402.º, n.º 1, do CPP, salvo declaração em contrário por parte do recorrente.

       Segundo o acórdão de 18-06-2008, processo n.º 1624/08-3.ª, a lei reguladora da admissibilidade do recurso – e por consequência, da definição do tribunal de recurso – será a que vigorar no momento em que ficam definidas as condições e os pressupostos processuais do próprio direito ao recurso (seja na integração do interesse em agir, da legitimidade, seja nas condições objectivas dependentes da natureza e conteúdo da decisão: decisão desfavorável, condenação e definição do crime e da pena aplicável), isto é, no momento em que primeiramente for proferida uma decisão sobre a matéria da causa, ou seja, a da 1.ª instância.

      Sendo o acórdão de 1.ª instância proferido já na vigência do regime de recursos posterior à entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, tendo a arguida sido condenada numa pena de 4 anos e 6 meses de prisão e tendo o Tribunal da Relação confirmado o decidido pela 1.ª instância, não é admissível recurso para o STJ, atento o disposto no art. 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, que determina a irrecorribilidade de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos (na redacção anterior, o critério da recorribilidade em caso de idêntica decisão nas instâncias – “dupla conforme” – partia da pena aplicável ao crime e não da pena concretamente aplicada).

      Segundo o acórdão de 18-06-2008, processo n.º 1971/08-3.ª Secção, “a nossa jurisprudência e doutrina são unânimes em reconhecer que a lei reguladora da admissibilidade do recurso é a vigente na data em que é proferida a decisão recorrida – lex temporis regit actum – e isto porque as expectativas eventualmente criadas às partes ao abrigo da lei antiga se dissiparam à face da lei nova, não havendo que tutelá-las”.

      Nos acórdãos de 15-07-2008, processo n.º 816/08-5.ª e de 14-08-2008, processo n.º 2523/08-5.ª Secção, defende-se a obrigatoriedade de reponderação da medida da pena do concurso, se a aplicada nesse âmbito for superior a 8 anos de prisão, ainda que os crimes que fazem parte desse concurso, singularmente considerados, tenham sido punidos na 1.ª instância com penas inferiores ou iguais a tal limite e confirmadas pela Relação.

       Explicita-se aí: “Actualmente, se é a pena aplicada que constitui a referência da recorribilidade, essa pena tanto pode ser a referida a cada um dos crimes singularmente considerados, como a que se reporta ao concurso de crimes (pena conjunta ou pena única).

       O legislador aferiu a gravidade relevante como limite da dupla conforme e como pressuposto do recurso da decisão da Relação para o STJ pela pena efectivamente aplicada, quer esta se refira a um crime singular, quer a um concurso de crimes.

      Tal significa que o STJ está obrigado a rever as questões de direito que lhe tenham sido submetidas em recurso ou que ele deva conhecer ex officio e que estejam relacionadas com os crimes cuja pena aplicada tenha sido superior a 8 anos de prisão e também a medida da pena do concurso, se a aplicada nesse âmbito for superior a 8 anos de prisão, ainda que os crimes que fazem parte desse concurso, singularmente considerados, tenham sido punidos na 1.ª instância com penas inferiores ou iguais a tal limite e confirmadas pela Relação”.

       No acórdão de 10-09-2008, processo n.º 1959/08-3.ª Secção, diz-se: “Por efeito da entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29-08, foi alterada a competência do STJ em matéria de recursos de decisões proferidas, em recurso, pelos Tribunais de Relação, tendo-se limitado a impugnação daquelas decisões para este Tribunal, no caso de dupla conforme, às situações em que seja aplicada pena de prisão superior a 8 anos – redacção dada à al. f) do n.º 1 do art. 400º do CPP – quando no domínio da versão pré - vigente daquele diploma a limitação incidia relativamente a decisões proferidas em processo por crime punível com pena de prisão não superior a 8 anos”.

       No acórdão de 29-10-2008, processo n.º 3061/08-5.ª Secção, refere-se: “Considerando as datas dos veredictos da 1.ª e 2.ª instâncias, já em plena vigência da Lei 48/2007, será de observar a nova redacção conferida à alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, donde resulta a inviabilidade da interposição de recurso para o STJ, sendo o acórdão recorrido (da Relação) condenatório e confirmatório (em recurso) de pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, não superior, portanto, ao ali apontado limite de 8 anos”.

      Pode ler-se no acórdão de 13-11-2008, processo n.º 3381/08-5.ª Secção: “No caso de concurso de infracções, tendo a Relação confirmado, em recurso, decisão de 1.ª instância que aplicou pena de prisão parcelar não superior a 8 anos, essa parte não é recorrível para o STJ, nos termos do artigo 400, n.º 1, alínea f), do CPP, na versão da Lei n.º 48/2007, de 29-08, sem prejuízo de ser recorrível qualquer outra parte da decisão, relativa a pena parcelar ou mesmo só à operação de formação da pena única que tenha excedido aquele limite”.

      Como se retira dos acórdãos desta Secção de 07-05-2008, processo n.º 294/08; de 10-07-2008, processo n.º 2146/08; de 03-09-2008, processo n.º 2192/08; de 10-09-2008, processo n.º 2506/08; de 04-02-2009, processo n.º 4134/08; de 04-03-2009, processo n.º 160/09; de 17-09-2009, processo n.º 47/08.9PBPTM.E1, in CJSTJ 2009, tomo 3, pág. 188 e de 07-04-2010, processo n.º 1655/07.0TAGMR.G1.S1, todos com o mesmo Relator “com a revisão do Código de Processo Penal deixou de subsistir o critério do «crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos» para se estabelecer o critério da pena aplicada não superior a oito anos; daí que se eliminasse a expressão «mesmo no caso de concurso de infracções». Assim, mesmo que ao crime seja aplicável pena superior a 8 anos, não é admissível recurso para o Supremo, se a condenação confirmada não ultrapassar 8 anos de prisão. E, ao invés, se ao crime não for aplicável pena superior a oito anos de prisão, só é admissível recurso para o STJ se a condenação confirmada ultrapassar oito anos de prisão, decorrente de cúmulo, e restrito então à pena conjunta”.

       (Quanto a este último aspecto, cfr. os acórdãos de 23-09-2009, processo n.º 27/04.3GBTMC.S1-3.ª e de 21-10-2009, processo n.º 296/06.4JABRG.G1.S1-3.ª Secção.).

       Neste sentido, podem ainda ver-se os acórdãos de 21-01-2009, processo n.º 2387/08-3.ª, por nós relatado, não conhecendo da pena aplicada por crime de maus tratos a cônjuge, mas apenas de homicídio qualificado atípico e de pena única; de 11-02-2009, processo n.º 113/09-3.ª, no sentido de ser recorrível apenas a pena única, quando ultrapasse os 8 anos de prisão; de 25-03-2009, processo n.º 486/09-3.ª; de 15-04-2009, processo n.º 583/09-3.ª; de 16-04-2009, processo n.º 491/09-5.ª, referindo: “o recurso para o Supremo de acórdão da Relação que confirme decisão condenatória de 1.ª instância apenas tomará conhecimento das questões relativas aos crimes cujas penas parcelares ultrapassem aquele limite de 8 anos, e não as havendo, limitar-se-á à pena única, se superior a 8 anos”; de 29-04-2009, processo n.º 391/09-3.ª, por nós relatado, não conhecendo da questão relativa ao crime de detenção de arma, mas apenas de tráfico de estupefacientes e da pena única; de 07-05-2009, processo n.º 108/09-5.ª, in CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 193; de 14-05-2009, processo n.º 998/07.8PBVIS.C1.S1-5.ª, onde se afirma que “são irrecorríveis os acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”; de 27-05-2009, processo n.º 50/06.3GAOFR.C1.S1, por nós relatado, em que se conheceu apenas da medida da pena única fixada em 11 anos de prisão e não das questões relacionadas com os sete crimes em equação; de 27-05-2009, no processo n.º 384/07.0GDVFR.S1-3.ª; de 25-06-2009, processo n.º 145/02.2PAPBL.C1.S1-3.ª e de 10-12-2009, processo n.º 496/08.2GTABF.E1.S1-3.ª, proferido pelo mesmo relator do anterior, onde se diz: «Tendo havido confirmação total, em recurso, pela Relação, de acórdão condenatório em penas de prisão não superiores a 8 anos – arts. 432.º, n.º 1, al. b) e 400.º, n.º 1, al. f), do CPP – as soluções normativas sobre admissibilidade dos recursos para o STJ decorrentes da revisão de 2007 do processo penal, introduzidas pela Lei n.º 48/2007, não o permitem»; ou seja, «não é admissível recurso relativamente às penas parcelares e sobre as questões que lhe sejam conexas, e apenas a pena única, aplicada em medida superior a 8 anos de prisão, é passível de recurso»; de 17-09-2009, processo n.º 47/08.9PBPTM-E1-3.ª; do mesmo relator, de 23-09-2009, processo n.º 27/04.3GBTMC.S1-3.ª e processo n.º 463/06.0GAEPS.S1-5.ª; de 12-11-2009, processo n.º 200/06.0JA PTM.E1.S1-3.ª, onde se considera que a decisão de tribunal da Relação que confirmou as diversas penas parcelares (entre os 9 meses e os 4 anos de prisão) não é recorrível para o STJ, mas já o é a decisão que agravou a pena conjunta correspondente ao concurso de crimes por que o arguido foi condenado; de 14-01-2010, processo n.º 135/08.1GGLSB.L1.S1-5.ª; de 27-01-2010, processo n.º 401/07.3JELSB.L1.S1-5.ª; de 04-02-2010, processo n.º 1244/06.7PBVIS.C1.S1-3.ª; de 10-03-2010, processo n.º 492/07.7PBBJA.E1.S1; de 18-03-2010, no processo n.º 175/06.5JELSB.S1-5.ª e no processo n.º 538/00.0JACBR-B.C1.S1-5.ª; de 12-05-2010, processo n.º 4/05.7TACDV.S1 - 5.ª; de 09-06-2010, processo n.º 862/09.6TBFAR.E1.S1-5.ª; de 23-06-2010, processo n.º 1/07.8ZCLSB.L1.S1-3.ª; de 30-06-2010, processo n.º 1594/01.9TALRS.S1-3.ª; de 14-07-2010, processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1-3.ª; de 29-09-2010, processo n.º 234/00.8JAAVR.C2.S1 - 3.ª; de 20-10-2010, processo n.º 851/09.8PFAR.E1.S1 - 3.ª.

      No acórdão de 16-12-2010, proferido no processo n.º 893/05.5GASXL.L1.S1-3.ª, citando os supra referidos acórdãos de 13-11-2008, processo n.º 3381/08-5.ª; de 16-04-2009, processo n.º 491/09-5.ª; de 12-11-2009, processo n.º 200/06.0JA PTM.E1.S1-3.ª e de 12-05-2010, processo n.º 4/05.7TACDV.S1-5.ª, consigna-se o seguinte: 

      I - No regime estabelecido pelos arts. 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.

       II - Nos casos de julgamento por vários crimes em concurso, em que tenha sido aplicada a cada um dos crimes pena de prisão não superior a 8 anos, confirmada pela Relação, e em que a pena única seja superior a 8 anos, o recurso da decisão da Relação só é admitido no que respeita à pena única, em virtude da conformidade (“dupla conforme”) no que respeita à determinação das penas por cada um dos crimes.

       E assim, conheceu o acórdão apenas da medida da pena única de 9 anos de prisão, num contexto em que o arguido foi condenado por três crimes de abuso sexual de criança, com as penas parcelares de 2 anos e 6 meses de prisão, de 5 anos de prisão e de 7 anos de prisão, e na pena única de 9 anos de prisão, tudo confirmado in totum pelo Tribunal da Relação.

       E ainda mais recentemente, podem ver-se, no mesmo sentido, os acórdãos de 19-01-2011, proferidos no processo n.º 6034/08.0TDPRT.P1.S1-3.ª e no n.º 421/07.8PCAMD.L1.S1-3.ª; de 17-02-2011, nos processos n.º 1499/08.2PBVIS.C1.S1-3.ª e n.º 227/07.4JAPRT.P2.S1-3.ª; de 10-03-2011, no processo n.º 58/08.4GBRDD-3.ª, de 23-03-2011, por nós relatado, no processo n.º 322/08.2TARGR.L1.S1 (restringindo-se a cognição à medida da pena aplicada pelo crime de uxoricídio e pela pena conjunta); de 24-03-2011, processo n.º 907/09.0GCVIS.C1.S1-5.ª; de 31-03-2011, no processo n.º 669/09.0JAPRT.S1-5.ª, CJSTJ 2011, tomo 1, pág. 227; de 13-04-2011, igualmente por nós relatado, no processo n.º 918/09.5JAPRT.P1.S1, restringindo-se a reapreciação à elaboração da pena conjunta; de 04-05-2011, processo n.º 626/08.4GAILH.C1.S1-3.ª (em caso de dupla conforme, de confirmação de penas parcelares inferiores a 8 anos pela Relação, mas em que a pena imposta seja superior a 8 anos de prisão, só pode ser discutida esta pena unitária no STJ); de 18-05-2011, processo n.º 811/06.3TDLSB.L1.S1-3.ª; de 24-05-2011, processo n.º 17/05.9GAAVR.C1.S1-3.ª (em que se defende ser recorrível apenas a pena única que ultrapasse os 8 anos de prisão, sendo o recurso rejeitado, por no caso concreto, embora de forma incorrecta, estar em causa no recurso apenas a pena de 8 anos de prisão aplicada por um dos crimes, no caso de tráfico de estupefacientes, sem se ter em conta a subsistente pena aplicada pela detenção de arma proibida); de 16-06-2011, processo n.º 1010/09.8 JAPRT.P1.S1-5.ª; de 30-06-2011, processo n.º 479/09.5JAFAR.E1.S1-5.ª, donde se extrai: “Mandando a lei atender, para efeito de recurso a interpor de acórdão da Relação, à confirmação da decisão de 1.ª instância e à pena aplicada, o STJ só conhecerá do recurso interposto da decisão tomada em recurso pela Relação quanto aos crimes em que não haja confirmação da absolvição ou de condenação ou, quando, apesar de a decisão ser confirmada, a pena parcelar aplicada for superior a 8 anos de prisão. Tudo se passará quanto a cada um dos crimes como se para cada um deles tivesse sido instaurado um processo autónomo e nele tivesse sido aplicada uma determinada pena. Sempre que o agente tiver praticado diversos crimes que estejam numa relação de conexão e seja instaurado um único processo, haverá que verificar, em caso de recurso da decisão da Relação, se, relativamente a cada um dos crimes, estão reunidos os pressupostos de que a lei faz depender a respectiva recorribilidade, atentando em cada uma das penas parcelares, sempre que o critério de recorribilidade se aferir pela pena aplicada”; de 06-07-2011, processo n.º 774/08.0JFLSB.L1.S1, por nós relatado (não conhecimento do recurso da arguida, condenada na pena única de 5 anos de prisão, e restringindo-se a cognição, no caso do recurso do arguido, à pena única, com exclusão de vários crimes de falsificação de documento e de burla qualificada); de 26-10-2011, processo n.º 14/09.5TELSB.L1.S1-3.ª, CJSTJ 2011, tomo 3, pág. 198; de 15-12-2011, processo n.º 17/09.0TELSB.L1.S1, por nós relatado (conhecendo do crime de tráfico de estupefacientes e pena do concurso e não dos crimes de falsificação de documento e de coacção tentada); de 11-01-2012, no processo n.º 131/09.1JBLSB.L1.S1-3.ª (irrecorribilidade das penas parcelares por roubo, restringindo-se a cognição à pena conjunta); de 21-03-2012, processo n.º 103/10.3PBBRR.L1.S1-3.ª (irrecorribilidade das penas parcelares, restringindo-se o recurso ao conhecimento da pena única aplicada) e n.º 303/09.9JDLSB.L1.S1-3.ª; de 11-04-2012, processo n.º 1042/07.0PAVNG.P1.S1-3.ª (irrecorribilidade de todas as penas parcelares, sendo a mais elevada de 7 anos de prisão, e mesmo das penas únicas, que num caso, a Relação reduziu de 9 anos para 7 anos e 4 meses de prisão); de 11-04-2012, processo n.º 3969/07.5TDLSB.L1.S1-3.ª (Estando o Supremo Tribunal impedido de sindicar o acórdão recorrido no que tange à condenação pelos crimes em concurso, obviamente que está impedido, também, de exercer qualquer censura sobre a atividade decisória prévia que subjaz e conduziu à condenação do recorrente por cada um desses crimes. A verdade é que relativamente aos crimes em concurso o acórdão recorrido transitou cm julgado, razão pela qual no que a eles se refere se formou caso julgado material, tornando definitiva e intangível a respetiva decisão em toda a sua dimensão, estando pois a coberto do caso julgado todas as decisões que antecederam e conduziram à condenação pelos crimes em concurso, ou seja, que a montante da condenação se situam), podendo ler-se no sumário: “No caso vertente estamos perante decisão condenatória de 1.ª instância confirmada pelo Tribunal da Relação, sendo todas as penas parcelares aplicadas não superiores a 8 anos e a pena única situando-se nos 9 anos de prisão. Deste modo, a decisão impugnada é irrecorrível no que respeita às penas parcelares aplicadas, consabido que a decisão da 1.ª instância foi prolatada após a entrada em vigor da Lei 48/2007, de 29-08, mas também se mostra irrecorrível no que se refere à pena única. Com efeito, relativamente aos crimes em concurso o acórdão recorrido transitou em julgado, razão pela qual no que a eles se refere se formou caso julgado material, tornando definitiva e intangível a respectiva decisão em toda a sua dimensão, sob pena de violação do princípio constitucional non bis in idem (art. 29.º, n.º 5, da CRP). Por outro lado, o recorrente no recurso que interpôs da decisão da 1.ª instância não submeteu à apreciação do Tribunal da Relação a questão atinente à determinação da medida da pena conjunta, razão pela qual esta instância não se pronunciou sobre aquela pena, por estar limitada nos seus poderes de cognição às questões que, tendo sido objecto ou devendo ter sido objecto da decisão recorrida, constituam objecto da impugnação. De facto, o tribunal de recurso só pode conhecer das questões inseridas pelo recorrente nas conclusões da motivação de recurso e desde que as mesmas hajam sido apreciadas ou o devessem ter sido pela decisão recorrida, razão pela qual, não tendo o Tribunal da Relação tomado posição sobre a pena única aplicada ao recorrente, não pode o STJ conhecer dessa questão, devendo o recurso ser rejeitado nessa parte”; de 18-04-2012, processo n.º 660/10.4TDPRT.P1.S1-3.ª, em que interviemos como adjunto, em caso em que, sendo as penas parcelares todas inferiores a 8 anos de prisão, as penas únicas aplicadas aos dois arguidos ultrapassam tal limite (8 anos e 3 meses, num caso, e 9 anos, no outro), mas que não foram reapreciadas, por do objecto do recurso delineado por cada arguido não constar a impugnação da pena conjunta; de 26-04-2012, processo n.º 438/07.2PBVCT.G1.S1-5.ª (Sendo aplicadas aos arguidos várias penas pelos crimes em concurso e verificada a dupla conforme, só é admissível recurso para o STJ quanto às penas parcelares superiores a 8 anos e/ou quanto à pena única superior também a 8 anos. A circunstância do arguido ser condenado numa pena (parcelar ou única) superior a 8 anos de prisão não assegura a recorribilidade de toda a decisão, portanto, de todas as condenações ainda que inferiores); de 03-05-2012, processo n.º 8/10.8PQLSB.L1.S1-5.ª; de 10-05-2012, processo n.º 1164/09.3JDLSB.L1.S1-5.ª; de 16-05-2012, processo n.º 206/10.4GDABF.E1.S1-3.ª (rejeitado o recurso do M.º P.º por as penas parcelares e únicas não excederem os 8 anos de prisão, face a acórdão confirmativo da Relação a conceder tratamento mais benéfico aos arguidos, na redução do número de crimes imputados e no correspondente abaixamento das penas); de 23-05-2012, processo n.º 18/10.5GALLE.E1.S1-3.ª (a decisão impugnada é irrecorrível, quanto às penas que ficam aquém do patamar de 8 anos, restringindo-se o objecto do recurso à pena conjunta aplicada de 9 anos de prisão); de 24-05-2012, processo n.º 281/09.4JAAVR.C1.S1-5.ª (o recurso não é admissível quanto ao crime de violência doméstica, restringindo-se ao conhecimento do crime de homicídio e respectiva pena parcelar aplicada, bem como à pena única fixada); de 12-09-2012, processo n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1 (irrecorribilidade das penas parcelares); de 26-09-2012, processo n.º 460/10.1JALRA.C1.S1-3.ª (irrecorrível em relação a crime de detenção de arma, cognição restrita a penas de homicídio qualificado e pena única); de 3-10-2012, processo n.º 125/11.7PGALM.L1.S1-3.ª; de 28-11-2012, processo n.º 10/06.4TAVLG.P1.S1-3.ª; de 05-12-2012, processo n.º 250/10.1JALR.E1.S1-3.ª (o acórdão confirmatório da Relação é irrecorrível no que toca às penas aplicadas pelos crimes de detenção de arma proibida e de condução ilegal, conhecendo-se do recurso quanto a pena de homicídio qualificado e pena única); de 20-12-2012, processo n.º 553/10.5TBOLH.E1.S1-5.ª; de 22-01-2013, processo n.º 184/11.2GCMTJ.L1.S1-3.ª (verificada a dupla conforme em qualquer das parcelares está assegurado um grau de acerto decisório, não justificativo de mais um grau de recurso, formando-se caso julgado sobre essas penas parcelares e versando o recurso sobre a pena única, que excede os 8 anos de prisão); de 24-01-2013, processo n.º 184/03.6TASTB.E2.S1-5.ª; de 13-02-2013, processo n.º 401/07.3GBBAO.P1.S1-3.ª (irrecorribilidade das penas parcelares, restringindo-se o recurso ao conhecimento da pena única de 9 anos de prisão); de 14-03-2013, processo n.º 43/10.6GASTC.E1.S1-3.ª (havendo dupla conforme quanto às penas parcelares e única, como apenas a pena única excede 8 anos de prisão, somente quanto a ela é admissível recurso para o STJ) e processo n.º 832/11.4JDLSB.L1.S1-5.ª; de 15-04-2013, processo n.º 317/13.4JACBR.C1.S1-3.ª (irrecorribilidade das penas parcelares, sendo apreciada apenas a pena única de 10 anos de prisão); de 2-05-2013, processo n.º 1947/11.4JAPRT.P1.S1-5.ª “Como não é possível recorrer para o STJ das decisões das Relações que confirmem a decisão de 1.ª instância, relativamente a crimes singulares a que não foi aplicada pena superior a 8 anos de prisão (e isto, evidentemente, com referência a quaisquer questões de direito com eles relacionados), deve ser rejeitado o recurso interposto para o STJ na parte respeitante ao crime de ameaça do artigo 153.º do Código Penal” (no mesmo sentido e ficando definitivamente resolvidas as questões relacionadas com os crimes pelos quais o recorrente foi condenado, o acórdão de 5-06-2013, processo n.º 1667/10.7TDLSB.L1.S1-5.ª); de 22-05-2013, processo n.º 210/09.5JBLSB.L1.S1-3.ª (irrecorribilidade quanto a crime de detenção de arma proibida, punido com 2 anos de prisão, dois roubos agravados, punidos com 6 anos cada e homicídio qualificado tentado com 8 anos, sendo apreciada a medida da pena única de 13 anos); de 29-05-2013, processo n.º 454/09.0GAPTB.G1.S1-3.ª (irrecorribilidade quanto a detenção de arma proibida, conhecendo-se de tráfico de estupefacientes e pena única); de 5-06-2013, processo n.º 113/06.5JBLSB.L1.S1-5.ª “Estando em causa questões relativas a cada um dos crimes e tendo o recorrente em 1.ª instância sido condenado por cada um deles a pena não superior a 8 anos de prisão, com confirmação pela Relação, o recurso não é admissível nessa parte e por isso não pode ser conhecido (consequentemente fica para apreciação somente a questão da determinação da pena única)”; de 26-06-2013, processo n.º 298/10.6PAMTJ.L1.S1-5.ª; de 04-07-2013, processo n.º 39/10.8JBLSB.L1.S1-3.ª (em causa três crimes de ocultação de cadáver, um de falsificação e um de detenção de arma, todos punidos com penas inferiores a 8 anos, tendo sido considerada irrecorrível a decisão impugnada no que respeita à condenação do recorrente pela prática de tais crimes); de 10-07-2013, processo n.º 413/06.4JAFAR.E2.S1-3.ª (irrecorribilidade quanto a burla qualificada punida com 7 anos de prisão, a falsificação de documento, branqueamento e falsidade de declaração, punidas com penas inferiores, restringindo-se a cognição à pena conjunta); de 12-09-2013, processo n.º 1445/09.6JAPRT.P1.S1-3.ª (irrecorribilidade das penas parcelares e de pena conjunta inferior a 8 anos e apreciação de uma outra pena conjunta); de 30-10-2013, processo n.º 22/11.6PEFAR.E1.S1-3.ª; de 08-01-2014, processo n.º 7/10.0TELSB.L1.S1-3.ª e processo n.º 104/07.9JBLSB.C1.S1-3.ª (no caso de haver uma pena conjunta superior a 8 anos de prisão, não pode ser objecto de recurso para o STJ a matéria referente às penas parcelares que não a ultrapassem); de 06-02-2014, processo n.º 417/11.5GBLLE.E1.S1-3.ª (cognição restrita à pena única, com invocação do AFJ n.º 14/2013, in Diário da República, I Série, de 12-11-2013); de 13-02-2014, processo n.º 176/10.9GDFAR.E1.S1-5.ª (Como há dupla conforme e condenação em penas inferiores a 8 anos de prisão, rejeitam-se os recursos interpostos, por inadmissibilidade, quanto à impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, quer em termos amplos, quer no quadro dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP, e quanto a todas as questões de direito com exclusiva conexão aos crimes singulares – arts. 434.º, 400.º, n.º 1, al. f), e 420.º, n.º 1, al. b), todos do CPP); de 19-02-2014, processo n.º 9/12.1SOLSB.S2-3.ª; de 6-03-2014, processo n.º 151/11.6PAVFC.L1.S1-3.ª (conhecida apenas a pena única); de 12-03-2014, processo n.º 1699/12.0PSLSB.L1.S1-3.ª; de 13-03-2014, processo n.º 6271/03.3TDLSB.L1.S1-5.ª; de 26-03-2014, processo n.º 1962/10.5JAPRT.P1.S1-5.ª; de 3-04-2014, processo n.º 207/09.5JBLSB. L1.S1-5.ª; de 10-04-2014, processo n.º 431/10.8GAPRD.P1.S1-5.ª; de 23-04-2014, processo n.º 169/12.1TEOVR.P1.S1-3.ª (apreciada apenas a pena única); de 23-04-2014, processo n.º 33/12.4PJOER.L1.S1-3.ª; de 7-05-2014, processo n.º 9/10.6PCLRS.L1.S1-5.ª (A questão da aplicação do regime penal especial para jovens, com atenuação especial da pena, por efeito do disposto no art. 4.º do DL 401/82, remetendo para o art. 73.º do CP, está ultrapassada, uma vez que no âmbito dos poderes de cognição do STJ, o conhecimento das questões relativas a cada um dos crimes, incluindo a medida concreta da penas parcelares, já não se põe, sendo certo que a atenuação especial da pena não é uma operação que tenha que ser efectuada no cúmulo jurídico, mas em relação a cada uma das penas concretas)”; de 21-05-2014, processo n.º 200/08.5AESP.P1.S1-3.ª (seguindo de perto o acórdão de 12-03-2014, processo n.º 1699/12.0PSLSB.L1.S1, do mesmo relator, em concurso dois crimes de roubo, sendo um agravado, e dois de sequestro, sendo a parcelar mais elevada de 8 anos e a pena única de 11 anos de prisão, sendo a sindicação apenas possível em relação à pena conjunta. Estando o Supremo Tribunal impedido de sindicar o acórdão recorrido no que tange à condenação por todos os crimes em concurso, obviamente que está impedido, também, de exercer qualquer censura sobre a actividade decisória prévia que subjaz e conduziu à condenação dos recorrentes por cada um desses crimes. A verdade é que relativamente a todos os crimes em concurso o acórdão recorrido transitou em julgado, razão pela qual no que a eles se refere, se formou caso julgado material, tornando definitiva e intangível a respectiva decisão em toda a sua dimensão, estando pois a coberto do caso julgado todas as decisões que antecederam e conduziram à condenação dos recorrentes pelos crimes em concurso, ou seja, que a montante da condenação se situam. De outra forma, estar-se-ia a violar o princípio constitucional non bis in idem, concretamente na sua dimensão objectiva, que garante a segurança e a certeza da decisão judicial, através da imutabilidade do definitivamente decidido); de 11-06-2014, processo n.º 54/12.7SVLSB.L1.S1-3.ª (recorribilidade restrita à pena única); de 19-06-2014, processo n.º 1402/12.5JAPRT.P1.S1-5.ª; de 26-06-2014, processo n.º 160/11.5JAPRT:C1.S1-5.ª (Toda a decisão referente a crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão, incluindo questões conexas como a violação do princípio in dubio pro reo, invalidade das provas, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, violação do n.º 2 do art. 30.º do CP, qualificação jurídica dos factos, consumpção entre os crimes em concurso, violação do princípio da proibição da dupla valoração, reincidência e medida das penas parcelares, já conhecidas pela Relação, não são susceptíveis de recurso para o STJ, por força dos arts. 400.º, n.º 1, als. c) e f), e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP); de 10-09-2014, processo n.º 223/10.4SMPRT.P1.S1-3.ª; de 10-09-2014, processo n.º 1027/11.2PCOER.L1.S1-3.ª (irrecorribilidade das penas parcelares fixadas em 5 anos e em 2 anos e 6 meses de prisão, sendo que a pena única de 5 anos e 9 meses de prisão foi substituída por pena relativamente indeterminada de 3 anos e 10 meses e 11 anos e 9 meses, não se tendo tomado conhecimento por não integrar o objecto do recurso); de 24-09-2014, processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1-3.ª (irrecorribilidade de pena aplicada por crime de incêndio, conhecendo-se dos três homicídios qualificados e da pena única); de 25-09-2014, processo n.º 384/12.8TATVD.L1.S1-5.ª; de 2-10-2014, processo n.º 87/12.3SGLSB.L1.S1-5.ª; de 8-10-2014, processo n.º 81/14.0YFLSB.S1-3.ª (apreciação apenas da pena única superior a 8 anos, ficando prejudicada a apreciação das questões colocadas pela recorrente sobre a qualificação do crime de tráfico de estupefaciente (menor gravidade) e a não consumação (tentativa)); de 16-10-2014, processo n.º 181/11.8TELSB.E1.S1-5.ª (no caso de concurso de crimes, a irrecorribilidade prevista no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, afere-se separadamente, por referência às penas singulares e à pena aplicada em cúmulo); de 23-10-2014, processo n.º 481/08.4TAOAZ.P1.S1-5.ª (a pena aplicada em cúmulo foi de 8 anos e nessa medida a decisão é irrecorrível); de 29-10-2014, processo n.º 418/07.8GFOER.L1.S1-3.ª (irrecorribilidade da condenação na pena de 6 anos e 6 meses de prisão por tentativa de homicídio qualificado confirmada pela Relação); de 30-10-2014, processo n.º 98/12.9P6PRT.P1.S1-5.ª (Neste âmbito de inadmissibilidade dos recursos compreendem-se todas as questões de direito que respeitem, directamente, aos crimes de associação criminosa e de furto qualificado colocadas pelos recorrentes); de 13-11-2014, processo n.º 2296/11.3JAPRT.P1.S1-5.ª (a inadmissibilidade impede que o STJ conheça das questões conexas com os crimes e penas singulares suscitadas pelo recorrente); de 26-11-2014, processo n.º 65/10.7PFALM.L1.S1-3.ª (irrecorribilidade quanto a todos os crimes - dois roubos qualificados, extorsão tentada, detenção de arma proibida, tráfico de menor gravidade e falsificação de documento, sendo apreciada a pena conjunta); de 27-11-2014, processo n.º 33/06.3JAPTM.E2.S1-5.ª; de 11-12-2014, processo n.º 646/11.1JDLSB.S1-5.ª; de 17-12-2014, processo n.º 1721/11.8JAPRT.P1.S1-3.ª; de 17-12-2014 processo n.º 512/13.6PGLRS.L1.S1-3.ª (irrecorribilidade das penas aplicadas aos quatro recorrentes por crimes de tráfico e branqueamento de capitais, conhecendo-se apenas da pena única); de 17-12-2014, processo n.º 937/12.4JAPRT.P1.S1-5.ª (Esta inadmissibilidade de recurso impede o STJ de conhecer todas as questões conexas com este crime – de abuso de confiança qualificado punido com a pena parcelar de 5 anos de prisão – tais como os vícios da decisão sobre matéria de facto, a violação dos princípios in dubio pro reo e da livre apreciação da prova, a qualificação jurídica dos factos, a medida concreta da pena singular aplicada ou a violação dos arts. 32.º, n.º 1, da CRP e 428.º e 431.º, ambos do CPP.); de 17-12-2014, processo n.º 8/13.6JAFAR.E1.S1-5.ª; de 11-02-2015, processo n.º 83/13.3JAPDL.L1.S1-3.ª (caso de condenação por 4 crimes de maus tratos, 3 violações, 1 de ofensas à integridade física qualificada e 1 de coação qualificada, sendo todas e penas inferiores a 8 anos e pena única de 14 anos esta não foi conhecida por não ter sido impugnada, tendo-se consignado: Sendo o acórdão recorrido, irrecorrível, óbvio é que as questões que lhe subjazem, sejam elas de constitucionalidade, processuais ou substantivas, sejam interlocutórias, ou finais, enfim das questões referentes às razões de facto e direito da condenação em termos penais, não poderá por isso o Supremo conhecer); de 25-02-2015, processo n.º 1514/12.5JAPRT.P1.S1-3.ª (irrecorribilidade quanto a detenção de arma proibida, conhecendo-se de homicídio qualificado e pena conjunta); de 25-03-2015, processo n.º 1101/09.6PGLRS.L1.S1-3.ª (irrecorribilidade das penas aplicadas a três arguidas e das parcelares aplicadas a um quarto, conhecendo-se apenas da pena conjunta aplicada ao último); de 29-04-2015, processo n.º 181/13.3GATVD.S1-3.ª; de 14-05-2015, processo n.º 8/13.6GAPSR.E1.S1-5.ª, in CJSTJ 2015, tomo 2, pág. 191, com voto de vencido (O STJ não é competente para apreciar o recurso interposto de acórdão da Relação que tenha confirmado o sentenciado pela 1.ª instância numa pena única de 10 anos de prisão, mas que tem por objecto a qualificação jurídica das condutas que lhe estão subjacentes, designadamente se correspondem a um crime continuado, quando as condenações em penas parcelares não sejam superiores a 8 anos de prisão. Objecto do recurso era apenas a qualificação jurídica dos factos, pretendendo o recorrente a integração na forma continuada. “No caso presente, o recurso tinha um propósito específico (qualificação jurídica) e foi apresentado com um âmbito (o dos crimes parcelares) relativamente ao qual, por força do caso julgado já formado, a discussão está encerrada”, sendo, assim, de rejeitar o recurso); de 27-05-2015, processo n.º 352/13.2POER.L1.S1-3.ª (condenação por crimes de roubo, de roubo agravado na forma tentada e de detenção de arma proibida em penas inferiores a 8 anos de prisão; o recorrente não impugnou a pena única, que nunca referiu, nem na motivação nem nas conclusões, não fazendo parte do objecto do recurso a discussão da sua medida); de 03-06-2015, processo n.º 293/09.8PALGS.E3.S1-3.ª, citando os acórdãos de 5-12-2007, processo n.º 3868/07-3.ª e de 11-04-2012, processo n.º 3969/07.5TDLSB.L1.S1-3.ª (O STJ não conhece da medida das penas parcelares aplicadas, inferiores a 8 anos, confirmadas em recurso pelo tribunal da relação, sendo inadmissível e de rejeitar o recurso quanto às questões relativas às nulidades e à reapreciação da matéria de facto, incluindo a invocação do princípio ne bis in idem, da qualificação jurídica dos factos e, implicitamente, das penas parcelares; as nulidades ficam cobertas pela irrecorribilidade); de 11-06-2015, processo n.º 127/06.5IDBRG.P1.S1-5.ª; de 25-06-2015, processo n.º 181/12.0GCFAR.E1.S1-5.ª (recurso não admissível na parte relativa aos crimes e penas singulares aplicadas em medida não superior a 8 anos de prisão e outras questões com elas conexionadas e, por maioria de razão, quanto às reportadas à matéria de facto dada como assente pelas instâncias); de 1-07-2015, processo n.º 210/07.0GBNLS.C1.S1-3.ª (condenação por 12 crimes de tráfico de pessoas em penas inferiores a 8 anos e pena única de 16 anos de prisão, apenas esta foi apreciada); de 24-09-2015, processo n.º 3564/09.0TDLSB.S1.L1 - 5.ª; de 24-09-2015, processo n.º 627/12.8JABRG.P1.S1 - 5.ª (Tem sido jurisprudência constante deste STJ, de que se comunga, que a inadmissibilidade de recurso decorrente da dupla conforme desde logo impede este tribunal de conhecer de todas as questões conexas com os respectivos crimes, tais como os vícios da decisão sobre a matéria de facto, a violação dos princípios do in dubio pro reo e da livre apreciação da prova, da qualificação jurídica dos factos, da medida concreta da pena singular aplicada ou, ainda, a violação do princípio do ne bis in idem ou de quaisquer nulidades, como as do art. 379.º, do CPP); de 30-09-2015, processo n.º 272/11.5TELSB.L1.S1 - 3.ª; de 08-10-2015, processo n.º 417/10.2TAMDL.G1.S1 - 3.ª (Tendo sido interposto recurso do tribunal coletivo para o tribunal da Relação, que confirmou a decisão da 1.ª Instância, do que decorreu uma “dupla conforme”, e só sendo admissível recurso para o STJ, nos termos do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, quando a pena aplicada for superior a 8 anos de prisão, o STJ está impedido de sindicar o acórdão recorrido quanto à condenação pelos crimes em concurso, por se ter formado caso julgado material, tornando definitiva e intangível a respetiva decisão em toda a sua dimensão, estando a coberto do caso julgado todas as decisões que antecederam e conduziram à condenação pelos crimes em concurso); de 15-10-2015, processo n.º 319/00.0GFLLE.E1.S1- 5.ª; de 21-10-2015, processo n.º 292/13.5JAAVR.C1.S1-3.ª; de 22-10-2015, processo n.º 238/13.0JACBR.C1.S1 - 5.ª (Não se verifica omissão de pronúncia, na decisão posta em causa, uma vez que o acórdão do STJ não apreciou a invocada violação do princípio do in dubio pro reo. E não tinha que se pronunciar, atenta a irrecorribilidade de tudo quanto tivesse que ver com as penas parcelares – face à existência de uma situação de dupla conforme, nos termos do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP); de 29-10-2015, processo n.º 137/12.3JBLSB.L1.S1-5.ª; de 29-10-2015, processo n.º 1584/13.9JAPRT.C1.S1- 5.ª; de 21-01-2016, processo n.º 8/12.3JALRA.C1.S1-3.ª; de 3-02-2016, processo n.º 686/11.0GAPRD.P1.S1-3.ª (condenação por crimes de furto de cobre em penas inferiores a 8 anos de prisão; apreciada apenas a pena única); de 18-02-2016, processo n.º 118/08.1GBAND.P1.S2-3.ª; de 24-02-2016, processo n.º 35/14.6PEFUN.L1.S1-3.ª; de 30-03-2016, processo n.º 995/09.9TDLSB.L1.S1-3.ª (as penas aplicadas ao recorrente pelos vinte e um crimes por que foi condenado foram todas inferiores a 8 anos de prisão; a pena parcelar mais elevada foi a aplicada pela prática de um crime de burla qualificada, concretamente, a pena de quatro anos de prisão; por não impugnada não foi apreciada a pena única de 9 anos de prisão); de 13-04-2016, processo n.º 958/11.4PAMTJ.L1.S1-3.ª; de 4-05-2016, processo n.º 1101/12.8TDPRT.P1.S1-3.ª; de 19-05-2016, processo n.º 3645/12.2TACSC.L1.S1-5.ª; de 25-05-2016, processo n.º 108/14.5JALRA.E1.S1-5.ª (apreciada apenas a parte da decisão correspondente à pena única, em concurso de um crime de lenocínio agravado, um crime de violência doméstica, 80 crimes de violação agravada e um crime de detenção de arma proibida); de 14-09-2016, processo n.º 71/13.0JACBR.C1.S1-3.ª (relativamente a um dos arguidos: condenação por tráfico agravado em 8 anos de prisão e por corrupção activa para acto ilícito em 2 anos e 8 meses – conhecida a pena única de 9 anos de prisão); de 26-10-2016, processo n.º 778/14.4GAPFR.P1.S1-3.ª (Seguindo de muito perto o acórdão de 21-05-2014, processo n.º 200/08.5AESP.P1.S1, do mesmo Relator, com sindicação restrita à pena conjunta); de 9-11-2016, processo n.º 587/14.0JAPRT.P1.S1-3.ª (em causa 8 crimes de roubo e um de detenção de arma proibida - conhecida apenas a medida da pena única, sendo o recurso rejeitado quanto às questões colocadas relativas a impugnação da decisão de facto/vícios da decisão/valorações de prova/omissão de pronúncia, qualificação jurídica - concurso real de roubos ou crime continuado - e medida das penas parcelares).
      Segundo o acórdão de 21-04-2016, processo n.º 203/12.5JBLSB.E1.S1 – 5.ª Secção

“O elemento nuclear da norma da alínea f) do n.º 1 do art. 400.° do CPP supõe que se verifique convergência - concordância - entre o acórdão da relação e o acórdão da 1.ª instância, quanto aos seus fundamentos substanciais, isto é, que não se verifique uma alte­ração essencial nem dos factos nem da respectiva qualificação jurídica.

     Não se verifica dupla conforme, por verificação de uma divergência essencial quanto à qualificação jurídica dos factos provados, no âmbito dos crimes de roubo, se na subsunção dos factos ao direito a 1.ª instância entendeu que os crimes de se­questro constituíram crimes-meio dos crimes-fim (roubos), concluindo pela existência de um concurso aparente entre os crimes de roubo e os crimes de sequestro e a relação, por seu lado, considerou que, segundo os factos provados, a privação de liberdade, por ocorrer a posteriori da consumação do roubo, já não se encontra ao abrigo da relação de concurso aparente com este ilícito, antes sendo passível de punição autónoma enquanto crime de sequestro.

       A jurisprudência do STJ vem entendendo que o crime de roubo consome o crime de sequestro quando este serve estritamente de meio para a prática daquele, isto é, quando o sequestro se tiver esgotado como crime-meio.

      Um acto de privação da liberdade de movimentação de qualquer pessoa só poderá ser consumido por uma actividade enquadrável na figura criminal de roubo quando essa privação de liberdade se mostre absolutamente indispensável para se poder efectuar a subtracção violenta em que o roubo se concretiza, e, além do mais, unicamente enquanto essa subtracção estiver a ocorrer, pois só assim corresponde unicamente ao conceito de violência contra as pessoas que tipifica o crime de roubo. Caso contrário, a conduta em que se traduz aquela privação de liberdade, desnecessária e excessiva para a prática de actos de subtracção violenta, autonomiza-se, e passa a constituir a comissão do crime de sequestro.

       Não se verifica um concurso efectivo entre aos crimes de roubo e os crimes de sequestro dos funcionários das agências bancárias assaltadas se os factos provados não demonstram a existência de hiatos significativos entre o constrangimento à entrega do dinheiro (e, portanto, a concretização da subtracção) e o abandono das instalações bancárias por parte dos recorrentes (momento da consumação do crime), resultando, antes, da descrição dos factos que os dois momentos se sucederam, em actos seguidos e se, por outro lado, não resulta clara a existência de uma privação da liberdade dos funcionários bancários que se tivesse significativamente prolongado para além do momento da subtracção, impondo-se a absolvição dos recorrentes quanto aos crimes de sequestro, nas pessoas dos funcionários bancários”.

      Mais recentemente, sobre dupla conforme, podem ver-se os acórdãos de 15-02-2017, processo n.º 12/15.0JAAVR.P1.S1, de 29-03-2017, processo n.º 1227/14.3PASNT.L1.S1, de 27-04-2017, processo n.º 261/10.7JALRA.E2.S1, de 20-06-2018, processo n.º 462/04.7GAPRD.P3.S1, de 17-10-2018, processo n.º 138/16.2PAMTJ.L1.S1, de 7-11-2018, processo n.º 161/15.4T9RMZ.E1.S1-3.ª (confirmação in mellius) e de 28-11-2018, processo n.º 115/17.6JDLSB.L1.S1, todos da 3.ª Secção, e de 13-07-2017, proferido no processo n.º 686/12.3SGLSB.L1.S1-5.ª Secção, o qual, invocando o acórdão de 12-03-2014, proferido no processo n.º 1699/12.0PSLSB.L1.S1, afirma: “Está selada, digamos assim em benefício da clarificação da ideia, a decisão proferida pelo Tribunal da Relação também a respeito de todas as questões conexas incluindo aquelas que são colocadas em torno de uma eventual nulidade por omissão de pronúncia – nulidade essa a respeito da qual a admissibilidade ou não do recurso é prévia – do princípio in dubio pro reo ou dos vícios mencionados no art. 410.º, n.º 2 CPP e do pedido renovação de provas”.

                                                                             ****

      Esta solução quanto a irrecorribilidade de decisões proferidas, em recurso, pelo Tribunal da Relação, enquanto confirmativas da deliberação da primeira instância, que tenha aplicado pena de prisão igual ou inferior a oito anos, não ofende qualquer garantia do arguido, nomeadamente, o direito ao recurso, expressamente incluído na parte final do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição pela 4.ª Revisão Constitucional (introduzida pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro – Diário da República, I-A, n.º 218/97, de 20-09-1997, entrada em vigor em 5 de Outubro de 1997).

       O direito ao recurso em matéria penal inscrito como integrante da garantia constitucional do direito à defesa (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa) está consagrado em um grau, possibilitando a impugnação das decisões penais através da reapreciação por uma instância superior das decisões sobre a culpabilidade e a medida da pena, sendo estranho a tal dispositivo a obrigatoriedade de um terceiro grau de jurisdição, por a Constituição, no seu artigo 32.º, se bastar com um duplo grau de jurisdição, já concretizado no caso dos autos, aquando do julgamento pela Relação.

      No caso em reapreciação, há uma afirmação de identidade de decisão no que respeita à condenação do recorrente, que é total, pois que o Tribunal da Relação do Porto confirmou na íntegra o acórdão do Colectivo do Juízo Criminal Central de Vila Nova de Gaia, estando-se, pois, perante a assunção de uma dupla conforme condenatória, no caso, total, mostrando-se cumprido o duplo grau de jurisdição exercido pela Relação em via de recurso.

     O princípio da dupla conforme é assegurado através da possibilidade de os sujeitos processuais fazerem reapreciar, em via de recurso, pela 2.ª instância, a precedente decisão; por outro lado, impede, ou tende a impedir, que um segundo juízo, absolutório ou condenatório, sobre o feito, seja sujeito a uma terceira apreciação pelos tribunais.

     As garantias de defesa do arguido em processo penal não incluem o 3.º grau de jurisdição, por a Constituição, no seu artigo 32.º, se bastar com um 2.º grau, já concretizado no presente processo.

     O acórdão recorrido, proferido pelo Tribunal da Relação em segunda instância, consubstancia a garantia do duplo grau de jurisdição.

     O Tribunal Constitucional tem sido chamado a decidir da constitucionalidade quanto à perspectiva de violação do direito ao recurso, a propósito das alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, concretamente, se o direito ao recurso consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição impõe um duplo recurso ou um triplo grau de jurisdição em matéria penal, sendo a resposta maioritariamente no sentido negativo, como se alcança dos Acórdãos n.º 189/2001, de 3 de Maio, proferido no processo n.º 168/01-1.ª Secção (Acórdãos do Tribunal ConstitucionalATC – volume 50, pág. 285), n.º 215/2001, n.º 336/2001, n.º 369/2001, de 19 de Julho, n.º 435/2001, de 11 de Outubro, n.º 451/2003, de 14 de Outubro, processo n.º 527/03-1.ª Secção, n.º 495/2003, de 22 de Outubro de 2003, processo n.º 525/03-3.ª Secção (citando os acórdãos n.º s 189/2001 e 369/2001), n.º 102/2004, de 11 de Fevereiro, n.º 390/2004, de 2 de Junho de 2004, processo n.º 651/03-2.ª Secção, versando sobre a alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, publicado no Diário da República, II Série, de 07-07-2004 e ATC, volume 59, pág. 543, n.º 610/2004, de 19 de Outubro, n.º 640/2004 (supra citado), n.º 104/2005, de 25 de Fevereiro, n.º 255/2005, de 24 de Maio, processo n.º 159/05-1.ª Secção, n.º 64/2006 (supra citado), n.º 140/2006, de 24 de Março, n.º 487/2006, de 20 de Setembro, processo n.º 622/06 (ATC, volume 65, pág. 815, sumário), n.º 682/2006, de 13 de Dezembro, processo n.º 844/06-2.ª Secção (ATC, volume 66, pág. 835, sumário), n.º 263/2009, de 25 de Maio, processo n.º 240/09-1.ª Secção (ATC, volume 75, pág. 249), n.º 551/2009, de 27 de Outubro, 3.ª Secção (ATC, volume 76, pág. 566, sumário) n.º 645/2009, de 15 de Dezembro, processo n.º 846/09- 2.ª Secção (ATC, volume 76, pág. 575), n.º 174/2010, de 4 de Maio, processo n.º 159/10-1.ª Secção, n.º 175/2010, de 4 de Maio, processo n.º 187/10-1.ª Secção e n.º 659/2011, de 21 de Dezembro, processo n.º 670/11, da 2.ª Secção.

         

      O Tribunal Constitucional tem vindo a afirmar que o direito ao recurso como garantia de defesa do arguido não impõe um duplo grau de recurso.

     A apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas – neste sentido, o acórdão n.º 49/2003, de 29 de Janeiro, proferido no processo n.º 81/2002, da 3.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 16-04-2003 e em ATC, volume 55, versando sobre caso de acórdão condenatório, que não confirma a decisão absolutória proferida em primeira instância e a interpretação do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, na redacção introduzida pela Lei n.º 59/98.

     Neste acórdão considera-se que o direito ao recurso, no domínio do processo penal, se basta com a existência de um duplo grau de jurisdição, mesmo em situações de acórdãos condenatórios, proferidos pelas Relações, revogatórios de decisões absolutórias da 1.ª instância, neste sentido se pronunciando igualmente os supra referidos acórdãos n.º 255/2005, de 24 de Maio, processo n.º 159/05-1.ª Secção, n.º 487/2006, de 20 de Setembro, processo n.º 622/06, n.º 682/2006, de 13 de Dezembro, processo n.º 844/06-2.ª Secção (ATC, volume 66.º, pág. 835), n.º 424/2009, infra referenciado.

   

     Como se afirmava no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 44/2005, de 26 de Janeiro de 2005, proferido no processo n.º 950/04-1.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 13 de Fevereiro de 2006, pronunciando-se sobre a alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º, e seguindo o citado acórdão n.º 49/2003 “…estando cumprido o duplo grau de jurisdição, há fundamentos razoáveis para limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição, mediante a atribuição de um direito de recorrer de decisões condenatórias. Tais fundamentos são a intenção de limitar em termos razoáveis o acesso ao STJ, evitando a sua eventual paralisação (…). Não se pode, assim, considerar infringido o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição (…) já que a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas”.

       No mesmo sentido se pronunciaram, entre vários outros, o acórdão n.º 390/2004, de 2 de Junho de 2004, proferido no processo n.º 651/03-2.ª Secção, citado pelo anterior – versando sobre a alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, publicado in Diário da República, II Série, de 07-07-2004 e ATC, volume 59, pág. 543; acórdão n.º 2/2006, de 3 de Janeiro de 2006, da 2.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 13-02-2006 e ATC, volume 64, pág. 937, em sumário (Não é constitucionalmente imposto, mesmo em processo penal, um 3.º grau de jurisdição); o supra citado acórdão n.º 64/2006, de 24 de Janeiro de 2006, tirado em Plenário (face à contradição das soluções dos acórdãos n.º 628/2005 e n.º 640/2004), no processo n.º 707/2005, publicado no Diário da República, II Série, de 19-05-2006 e em Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 64.º, 2006, págs. 447 e seguintes (a Constituição não impõe um triplo grau de jurisdição ou um duplo grau de recurso, mesmo em Processo Penal); e acórdão n.º 140/2006, de 21 de Fevereiro de 2006, da 2.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 22-05-2006 (e com sumário em ATC, volume 64, pág. 950).

   

       No mesmo sentido se tem pronunciado o Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente, nos arestos supra referidos e ainda nos acórdãos de 06-02-2008, processo n.º 111/08-3.ª; de 03-04-2008, processo n.º 4827/07-5.ª; de 17-04-2008, processo n.º 903/08-3.ª; de 30-04-2008, processo n.º 110/08-5.ª; de 05-06-2008, processo n.º 1226/08-5.ª; de 03-09-2008, processo n.º 2510/08-3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 3061/08 -5.ª; de 13-11-2008, processo n.º 4455/07-5.ª; de 27-11-2008, processo n.º 2854/08-3.ª; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08; de 22-04-2009, processo n.º 480/09-3.ª; de 29-04-2009, processo n.º 391/09-3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 145/05-3.ª (o direito ao recurso, enquanto manifestação do direito de defesa, isto é, o direito que os recorrentes têm a ver reapreciada a causa por um tribunal superior, mostra-se assegurado com a interposição de recurso para o Tribunal da Relação, sendo que a tutela constitucional não exige um duplo grau de recurso mas apenas um duplo grau de jurisdição – artigo 32.º, n.º 1, da CRP); de 07-10-2009, processo n.º 35/01.6AFIG.C2.S1-3.ª; de 21-10-2009, processo n.º 306/07.8GEVFX.L1.S1-3.ª, onde se pode ler: “o nosso sistema de recursos não abdica de um duplo grau de jurisdição em matéria penal, de acordo com o artigo 14.º, n.º 5, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, aprovado para ratificação pela Lei n.º 29/78, de 12-06, que não impõe um triplo grau de jurisdição. Em consonância o artigo 5.º, n.º 4, da CEDH, limita-se, e só, a assegurar o direito ao recurso de qualquer pessoa condenada em pena de prisão ou a detenção. E nem se diga que a solução preconizada, atenta contra o direito fundamental do acesso ao direito e à justiça consagrado no artigo 20.º da CRP, porque o direito de defesa do arguido não exige, sempre e em todas as condições, mais do que um grau de recurso”.

       E ainda no citado acórdão de 29-10-2009, proferido no processo n.º 18/06.0PELRA.C1.S1-5.ª Secção, in CJSTJ 2009, tomo 3, pág. 224; de 13-10-2010, processo n.º 1252/07.0TABCL.G1.S1-3.ª; de 02-12-2010, processo n.º 263/06.8JFLSB.L1.S1-5.ª; de 19-01-2011, processo n.º 421/07.8PCAMD.L1.S1-3.ª; de 27-04-2011, processo n.º 712/00.9JFLSB.L1.S1-3.ª; de 13-07-2011, processo n.º 352/01.5TACBR.C1.S1-3.ª; de 09-11-2011, processo n.º 43/09.9PAAMD.L1.S1-3.ª, de 21-12-2011, processos n.º 130/10.0GCVIS.C1.S1-3.ª e n.º 37/06.6GBMFR.S1-3.ª (o direito ao recurso como direito de defesa, inscrito como garantia constitucional no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição, satisfaz-se com o duplo grau de jurisdição ou um grau de recurso, não exigindo, no plano constitucional, a previsão e a admissibilidade de um triplo grau de jurisdição e segundo grau de recurso, sendo esta a jurisprudência firmada e constante do Tribunal Constitucional - cf. acórdão n.º 187/10, aliás, 175/10, de 4 de Maio); de 28-12-2011, processo (habeas corpus) n.º 150/11.8YFLSB.S1-3.ª; de 29-03-2012, processo n.º 334/04.5IDPRT.P1.S1 – 3.ª (o direito ao recurso, como garantia constitucional, postula apenas o duplo grau de jurisdição que não se confunde com o duplo grau de recurso); de 11-04-2012, processo n.º 1042/07.0PAVHG.P1.S1-3.ª; de 26-04-2012, processo n.º 438/07.2PBVCT.G1.S1-5.ª; de 14-03-2013, processo n.º 156/11.7PALSB.L1.S1-3.ª (o direito de defesa do arguido não exige, sempre e em todas as condições, mais do que um grau de recurso); de 15-05-2013, processo n.º 175/10.0TAABT.E1.S1-3.ª, sendo recorrente o assistente; de 25-06-2014, processo n.º 2/12.4GALLE.E1.S1-3.ª; de 24-09-2014, processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1-3.ª (o direito ao recurso está consagrado em apenas um grau, não impondo o n.º 1 do artigo 32.º da CRP a obrigatoriedade de um terceiro grau de jurisdição); de 1-10-2014, processo n.º 130/12.6PEALM.L1.S1-3.ª; de 2-10-2014, processo n.º 882/10.8PBLRA.C1.S1-5.ª; de 29-10-2014, processo n.º 418/07.8GFOER.L1.S1-3.ª (as legítimas expectativas criadas pelo exercício do direito ao recurso, foram acauteladas constitucionalmente, na situação concreta, com o recurso interposto para um tribunal de 2.ª instância, o Tribunal da Relação, com o contraditório inerente); de 17-12-2014, processo n.º 512/13.6PGLRS.L1.S1-3.ª; de 17-12-2014, processo n.º 8/13.6JAFAR.E1.S1-5.ª (Este entendimento não constitui violação do direito ao recurso, já que o art. 32.º, n.º 1, da CRP, só assegura ao arguido o direito de ver a sua situação criminal ou processual reapreciada por um outro tribunal, o que se mostra garantido quando a decisão de 1.ª instância é confirmada, em sede de recurso, por um tribunal hierarquicamente superior); de 21-05-2015, processo n.º 128/04.8TAVLC.S1-5.ª (em caso de enxerto de acção civil, afirma: O direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no n.º 1 do artigo 20.º da CRP, não fundamenta um direito subjectivo ao triplo grau de jurisdição e duplo grau de recurso).

    Relativamente à questão da constitucionalidade do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, pronunciaram-se no mesmo sentido de não inconstitucionalidade os acórdãos n.º 20/2007, de 17 de Janeiro-3.ª Secção (Diário da República, II Série, de 20-03-2007 e ATC, volume 67, pág. 831, sumário), n.º 36/2007, de 23 de Janeiro de 2007, 2.ª Secção (ATC, volume 67, pág. 832), n.º 346/2007, de 6 de Junho de 2007, 1.ª Secção, (ATC, volume 69, pág. 852), n.º 530/2007, de 29 de Outubro de 2007, 3.ª Secção (ATC, volume 70, pág. 766, em sumário), n.º 599/2007, de 11 de Dezembro de 2007, 2.ª Secção (ATC, volume 70, pág. 772, em sumário).

       A constitucionalidade da norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na actual redacção, na medida em que condiciona a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça aos acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, foi apreciada pelo Tribunal Constitucional, que decidiu não a julgar inconstitucional – acórdão n.º 263/2009, de 25 de Maio, processo n.º 240/09-1.ª Secção (Acórdãos do Tribunal ConstitucionalATC –, volume 75, pág. 249), acórdão n.º 551/2009, de 27 de Outubro - 3.ª Secção, versando a questão, inclusive, ao nível do artigo 5.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do artigo 5.º do CPP (ATC, volume 76, pág. 566), acórdão n.º 645/2009, de 15 de Dezembro, processo n.º 846/2009 - 2.ª Secção (ATC, volume 76.º, pág. 575 - em sumário e com referência ao artigo 5.º, n.º 2, do CPP), o infra mencionado acórdão n.º 649/2009, de 15 de Dezembro - 3.ª Secção, confirmando decisão sumária que emitiu juízo de não inconstitucionalidade (ATC, volume 76, pág. 575, igualmente em sumário), e acórdão n.º 174/2010, de 4 de Maio, processo n.º 159/10-1.ª Secção.

  Por seu turno, o acórdão n.º 424/2009, de 14 de Agosto, proferido no processo 591/09-2.ª Secção, decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), conjugada com a norma do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP, na redacção emergente do Decreto-Lei n.º 48/2007, quando interpretada no sentido de que não é admissível recurso para o STJ de acórdão da Relação que, revogando a suspensão da execução da pena decidida em 1.ª instância, aplica ao arguido pena não superior a 5 anos de prisão efectiva.

       No acórdão n.º 385/2011, de 27 de Julho de 2011, proferido no processo n.º 470/11, da 2.ª Secção, foi decidido: “Não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f) do CPP, interpretada no sentido de ser irrecorrível uma decisão do Tribunal da Relação que, apesar de ter confirmado a decisão de 1.ª instância em pena não superior a 8 anos, se pronunciou pela primeira vez sobre um facto que a 1.ª instância não havia apreciado”.

      Na fundamentação deste acórdão, tendo-se por adquirido que no caso a Relação mantivera a decisão condenatória da 1.ª instância, “apesar de ter ampliado os pressupostos factuais da mesma”, pode ler-se:

       “Ora, com uma reapreciação jurisdicional, independentemente do seu resultado, revela-se satisfeito esse direito de defesa do arguido, pelo que a decisão do tribunal de recurso já não está abrangida pela exigência de um novo controle jurisdicional.

       O facto de nessa reapreciação se ter ampliado a matéria de facto considerada relevante para a decisão a proferir, traduz precisamente as virtualidades desse meio de controle das decisões judiciais, não sendo motivo para se considerar que estamos perante uma primeira decisão sobre o thema decidendum, relativamente à qual é necessário garantir também o direito ao recurso.

       Na verdade, a ampliação da matéria de facto julgada provada não modifica o objecto do processo. Tal como na decisão da 1.ª instância, o acórdão do Tribunal da Relação que sobre ela recai limita-se a verificar se o arguido pode ser responsabilizado pela prática do crime de que estava acusado e, na hipótese afirmativa, a definir a pena que deve ser aplicada, o que se traduz num reexame da causa”.

       Referimos já o acórdão n.º 649/2009, de 15 de Dezembro de 2009, proferido no processo n.º 846/09, 3.ª Secção, do Tribunal Constitucional, o qual decidiu:

       «a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, na medida em que condiciona a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça aos acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.

       Não julgar inconstitucional a norma resultante da conjugação do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, e artigo 5.º, n.º 2, do mesmo Código, interpretada no sentido de que, em processos iniciados anteriormente à vigência da Lei n.º 48/2007, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância, proferida após a entrada em vigor da referida lei, e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos».

       De igual modo, no acórdão n.º 643/2011, de 21 de Dezembro de 2011, proferido no processo n.º 624/11, da 3.ª Secção e na decisão sumária n.º 366/12, proferida no processo n.º 552/12, da 2.ª Secção, o Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre a interpretação normativa em causa, não a tendo julgado inconstitucional.

       Do acórdão deste Supremo Tribunal proferido no processo n.º 1324/08.4PPPRT.P1.S1, desta Secção, datado de 9 de Maio de 2012, aclarado em acórdão de 20 de Junho seguinte, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, que em 5 de Dezembro de 2012, pelo acórdão n.º 590/2012, proferido pela 1.ª Secção, decidiu, com um voto de vencido:

       «Julgar inconstitucional o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal (CPP), na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objecto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão, por violação do princípio da legalidade em matéria criminal (artigos 29.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa».

       Pelo Ministério Público foi interposto recurso obrigatório deste acórdão para o Plenário, nos termos do artigo 79.º-D, n.º 1, da LTC, por as soluções dos acórdãos n.º 590/2012 e n.º 649/2009 divergirem em absoluto sobre a questão de saber se é constitucionalmente conforme “interpretar o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), no sentido de que havendo uma pena única superior a 8 anos de prisão, não pode ser objecto de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão, por violação do princípio da legalidade em matéria criminal.»

   

       O acórdão recorrido, ou seja, o referido acórdão n.º 590/2012, de 5 de Dezembro de 2012, veio a ser revogado pelo Acórdão n.º 186/2013, de 4 de Abril de 2013, tirado em Plenário, proferido no processo n.º 543/12, da 1.ª Secção, com cinco votos a favor, três declarações de voto e cinco votos de vencido, onde se inclui a relatora do acórdão n.º 590/2012, tendo sido decidido:

       «Não julgar inconstitucional a norma constante da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objecto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão».

       Como se referiu neste Acórdão do Tribunal Constitucional:

       “O acórdão recorrido considerou que do processo hermenêutico empreendido pelo tribunal a quo resultou uma norma que não é reconduzível “à moldura semântica do texto”, isto é, um sentido que, porque não tendo na letra da lei “um mínimo de correspondência verbal”, extravasava o domínio da mera interpretação jurídica, reconduzindo-se ao domínio da analogia e – in casu – da analogia (constitucionalmente) proibida nos domínios penal e processual penal.

  No entanto, apesar das limitações impostas pelo princípio constitucional da legalidade criminal, nem o direito penal nem o direito processual penal se encontram subtraídos aos cânones da hermenêutica jurídica, à luz dos quais há que proceder ao apuramento do sentido vertido nas suas normas. Assim sendo, cumpre esclarecer que a transição da interpretação para a analogia, ao abrigo dos cânones tradicionais, é determinada pela letra da lei (elemento gramatical ou literal). É, com efeito, a partir desta que se determinam os significados do preceito a que ainda é possível aceder através da interpretação, e quais aqueles que resvalam para a analogia. Obtidos os significados ainda compatíveis com o teor verbal da norma, a conclusão do processo hermenêutico faz-se com o auxílio dos outros elementos da interpretação – os elementos histórico, sistemático e racional (ou teleológico).

    Sucede que o sentido vertido na interpretação normativa extraída da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º, do CPP – nos termos da qual “havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão” – ainda se afigura cabível na letra daquele preceito. Não é de excluir, na verdade, que a referência à “pena de prisão” que nele se encontra possa ser entendida tanto como “pena devida pela prática de um único crime”, quanto como “pena parcelar em caso de concurso de crimes”. Na realidade, este sentido revela-se – ainda assim – tolerável à luz do teor verbal do preceito, resultando a solução hermenêutica encontrada da conjugação dessa tolerância ou cabimento com outros elementos da interpretação, designadamente com o elemento sistemático. Este elemento baseia-se “no postulado da coerência intrínseca do ordenamento, designadamente no facto de que as normas contidas numa codificação obedecem por princípio a um pensamento unitário” (João Batista Machado, Introdução ao Direito e ao discurso legitimador, 13.ª reimpressão, Almedina, 2002, p. 183). Tal postulado sustenta a interpretação normativa contestada, vedando a incoerência ou irracionalidade que resultaria da circunstância de se admitir o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça relativamente a crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão, quando a pena conjunta seja superior a 8 anos de prisão, e não se admitir tal recurso quando esteja em causa pena de prisão não superior a 8 anos devida pela prática de um único crime.

       Finalmente, talqualmente sublinhado pelo acórdão fundamento, o facto de este entendimento radicar num processo de “cisão em parcelas das diversas penas que compõem o cúmulo jurídico” - permitindo que, para efeitos de admissibilidade ou não admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, se distinga entre as penas parcelares integrantes da pena conjunta e a operação de determinação da pena conjunta obtida através de cúmulo jurídico, não é suscetível de colocar em crise a sua formulação. Tal cisão, com efeito, tem respaldo no direito penal positivo - artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal - (cfr. ainda, artigo 403.º, do Código de Processo Penal), circunstância que reforça cabalmente a possibilidade de a recorribilidade que a contrario se infere da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º valer quer para penas superiores a 8 anos devidas pela prática de um único crime, quer para penas conjuntas superiores a 8 anos obtidas através de cúmulo jurídico, mas apenas no que às operações do cúmulo respeite.

      Daí que cumpra concluir pela não inconstitucionalidade da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão, impondo-se, consequentemente, a revogação do acórdão recorrido.”

 

       Na mesma linha, o acórdão n.º 659/2011, de 21 de Dezembro, proferido no processo n.º 670/11, da 2.ª Secção, decidiu:

      «Não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de não ser admissível o recurso de acórdão condenatório proferido, em recurso, pela Relação, que confirma a decisão de 1.ª instância e aplique pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo no caso de terem sido arguidas nulidades de tal acórdão».

       Através deste Acórdão n.º 659/2011, esclareceu-se o seguinte:

       «Também no caso dos autos, tendo sido assegurado aos arguidos um duplo grau de jurisdição (uma vez que tiveram a possibilidade de, face à mesma imputação penal, defender-se perante dois tribunais: o tribunal de 1.ª instância e o tribunal da Relação), a questão que se coloca é a de saber se, tendo sido arguidas nulidades do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, é inconstitucional limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição, por aplicação da regra da dupla conforme, prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal. (…) Importa, antes de mais, ter em consideração o regime de arguição e conhecimento das nulidades em processo penal, que garante, mesmo em caso de irrecorribilidade, a possibilidade de serem arguidas nulidades da decisão perante o tribunal que a proferiu (como, aliás, aconteceu no presente caso), tendo este poderes para suprir as eventuais nulidades cuja existência reconheça (cfr. artigos 379º nº 2, e 414°, n.º 4, do Código de Processo Penal).

       Ora, sendo certo, conforme se disse, que o artigo 32.º n.º 1, da Lei Fundamental, não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição em relação a quaisquer decisões penais condenatórias, resta verificar se, nos casos em que o Tribunal da Relação profere acórdão em que mantém a decisão condenatória da 1.ª instância e é arguida a nulidade de tal acórdão, se mostra cumprida a garantia constitucional do direito ao recurso, quando exige que o processo penal faculte à pessoa condenada pela prática de um crime a possibilidade de requerer uma reapreciação do objeto do processo por outro tribunal, em regra situado num plano hierarquicamente superior.

       Com uma reapreciação jurisdicional, independentemente do seu resultado, revela-se satisfeito esse direito de defesa do arguido, pelo que a decisão do tribunal de recurso já não está abrangida pela exigência de um novo controle jurisdicional. E o facto de, na sequência dessa reapreciação, terem sido arguidas nulidades do acórdão do Tribunal da Relação não constitui motivo para se considerar que estamos perante uma primeira decisão sobre o thema decidendum, relativamente à qual é necessário garantir também o direito ao recurso.

  Com efeito, a circunstância de os recorrentes terem arguido nulidades do acórdão do Tribunal da Relação não modifica o objeto do processo uma vez que, tal como a decisão da 1ª instância, o acórdão do Tribunal da Relação que sobre ela recai limita-se a verificar se o arguido pode ser responsabilizado pela prática do crime que estava acusado e, na hipótese afirmativa, a definir a pena que deve ser aplicada, o que se traduz num reexame da causa.

  O Acórdão do Tribunal da Relação constitui, assim, já uma segunda pronúncia sobre o objeto do processo, pelo que não há que assegurar a possibilidade de aceder a mais uma instância de controle, a qual resultaria num duplo recurso, com um terceiro grau de jurisdição.

  Por outro lado, existindo sempre a possibilidade de arguir as referidas nulidades perante o tribunal que proferiu a decisão, mesmo quando esta seja irrecorrível, a apreciação de nulidades do acórdão condenatório não implica a necessidade de existência de mais um grau de recurso, tanto mais em situações, como a dos autos, em que existem duas decisões concordantes em sentido condenatório (uma vez que o Tribunal da Relação confirmou a decisão da 1ª instância nesse sentido).

       Acresce que, se fosse entendido que a arguição da nulidade de um acórdão proferido em recurso implicaria, sempre e em qualquer caso, com fundamento no direito ao recurso em processo penal, a abertura de nova via de recurso, ter-se-ia de admitir também o recurso do acórdão proferido na terceira instância, com fundamento na sua nulidade, e assim sucessivamente, numa absurda espiral de recursos.

  Impõe-se, pois, concluir que não é constitucionalmente censurável, neste caso, a exclusão do terceiro grau de jurisdição e que a interpretação normativa objeto de fiscalização não viola o disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição». (Sublinhados nossos).

       A fundamentação deste acórdão n.º 659/2011 foi corroborada pelo acórdão n.º 194/2012 da 3.ª Secção e pelo já referido acórdão n.º 399/2013, de 15 de Julho de 2013, proferido no processo n.º 171/13, da 2.ª Secção, este respeitante à alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, mas seguindo de perto o acórdão n.º 659/2011. (Os dois acórdãos estão disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt.).

       No acórdão n.º 228/2014, de 6 de Março de 2014, proferido no processo n.º 920/13, da 3.ª Secção, foi mantida a decisão sumária que concluíra pela inadmissibilidade do recurso e consequente não conhecimento do respectivo objecto, não deixando de referir o decidido quanto a não inconstitucionalidade da interpretação do artigo 400.º, n.º 1, alínea f) do CPP, no Acórdão n.º 194/2012, que remete para a fundamentação do Acórdão n.º 659/2011.

     A decisão sumária n.º 114/2014, proferida no processo n.º 139/14-2.ª Secção, de 12 de Fevereiro de 2014 (no âmbito do processo n.º 1027/11.2PCOER.L1.S1 desta 3.ª Secção, podendo ver-se a sua evolução no acórdão de 10-09-2014, por nós relatado, a fls. 7, tendo surgido na sequência de indeferimento da reclamação do despacho que não admitira recurso de um dos arguidos), transpondo as razões expostas no acórdão n.º 659/2011, decidiu “não julgar inconstitucional a norma extraída da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de determinar a irrecorribilidade do acórdão do Tribunal da Relação ao qual seja imputada uma nulidade”.

       O recorrente reclamou para a conferência, tendo o acórdão n.º 290/2014, de 26 de Março de 2014, indeferido a reclamação.   

       O arguido deduziu ainda incidente de aclaração, e por acórdão de 7 de Maio de 2014 (acórdão n.º 391/2014) foi indeferida a aclaração.

       A Decisão Sumária n.º 668/2016, proferida no processo n.º 774/16, da 2.ª Secção, de 21-10-2016 (sendo decisão recorrida o acórdão de 14-09-2016, por nós relatado no processo n.º 71/13.0JACBR.C1.S1), aderindo à jurisprudência constante dos Acórdãos n.º 186/2013 e 649/2009, decidiu:

       Julgar improcedente o recurso interposto por DD, não julgando inconstitucional a interpretação, extraída da alínea f), do n.º 1 do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, conducente ao sentido de que a admissibilidade de recurso de acórdãos condenatórios, proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena única de prisão superior a oito anos não abrange a matéria decisória referente aos crimes punidos com penas parcelares não superiores a oito anos de prisão.

       A decisão sumária foi alvo de reclamação e pelo Acórdão n. 687/2016, de 14-12-2016, foi decidido confirmar a decisão sumária reclamada, indeferindo a reclamação. 

     Notificado do acórdão, o recorrente invocou a nulidade do mesmo, requerendo a sua aclaração, o que foi decidido pelo Acórdão n.º 22/2017, de 18-01-2017, concluindo pela manifesta falta de fundamento da pretensão apresentada, fazendo uso da faculdade prevista no artigo 84.º, n.º 8, da LTC, e determinando a imediata remessa dos autos ao tribunal recorrido, a fim de aí prosseguirem os seus termos.

      Em suma, tendo-se alterado o paradigma de «pena aplicável» para «pena aplicada», o regime resultante da actual redacção da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal tornou inadmissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos condenatórios proferidos pelas Relações quando, confirmando decisão anterior, apliquem pena não superior a 8 anos de prisão.

 

       O princípio da dupla conforme, impeditivo de um terceiro grau de jurisdição e segundo grau de recurso, que não pode ser encarado como excepção ao princípio do direito ao recurso, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, é assegurado através da possibilidade de os sujeitos processuais fazerem reapreciar, em via de recurso, pela 2.ª instância, a precedente decisão; por outro lado, como revelação ou indício de coincidente bom julgamento nas duas instâncias, impede, ou tende a impedir, que um segundo juízo, absolutório ou condenatório, sobre o feito, seja sujeito a uma terceira apreciação pelos tribunais.

  Como se refere no acórdão de 16 de Setembro de 2008, proferido no processo n.º 2383/08-3.ª, subjaz a tal instituto a ideia de que a concordância de duas instâncias quanto ao mérito da causa é factor indiciador do acerto da decisão, o que, em casos de absolvição ou de condenação em pena de prisão de pequena ou média gravidade, prévia e rigorosamente estabelecidos pelo legislador, justifica a limitação daquele direito.

       

                                                                           *****

 Resulta do exposto que o acórdão do Tribunal da Relação do Porto é irrecorrível na parte em que manteve a pena de prisão aplicada ao arguido pela prática do crime de abuso de confiança agravado, ficando fora do âmbito de apreciação do presente recurso as questões relativas à formulação de juízo de prognose relativamente à imposição de sujeição a pagamento de quantia em dinheiro como condição de suspensão da execução da pena de prisão e sequente nulidade por omissão de pronúncia, bem como à medida da pena de prisão, que o recorrente pretende reduzida.

  (Far-se-á aqui um parentese para dar nota do facto de a exposição na motivação, a respeito da sujeição da suspensão da execução da pena de prisão a condição de pagamento de quantia, seguir a par e passo, transcrevendo trechos do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2012, de 12 de Setembro de 2012, por nós relatado no processo n.º 139/09.7IDPRT.P1-A.S1, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 206, de 24 de Outubro de 2012, o que é patente nos n.ºs 19 a 50 da motivação, de fls. 402 a 407, e levado às conclusões A) a F), sem que se lhe faça a mínima referência, ou seja, como se de texto próprio se tratasse).  

       A pena concreta aplicada ao recorrente, fixada pelo Colectivo do Juízo Criminal Central de ... e mantida pela Relação do Porto, em medida inferior a oito anos de prisão, inviabiliza a possibilidade do recurso e a reapreciação das questões suscitadas, verificando-se dupla conforme, que veda ao arguido a possibilidade de recurso, quanto a tais pontos, tendo transitado em julgado a pena em questão.

       Assente que a decisão em crise é insusceptível de recurso neste segmento, impõe-se a rejeição do recurso interposto pelo arguido, no que tange às questões suscitadas a propósito do crime por que foi condenado.

       Assim sendo, é de rejeitar o recurso no que toca à parte penal, concretamente quanto à pretensão da discussão da possibilidade de sujeição a pagamento de quantia em dinheiro como condição da suspensão da execução da pena de prisão, com a invocada nulidade por omissão de pronúncia, a propósito do juízo de prognose, bem como da redução da pena de prisão aplicada, expressa pelo recorrente nas conclusões A) a H) – compreendidas na Questão I – e nas conclusões I) a P)abrangidas na Questão II.

                                                            

                                                              ******

Passando à apreciação da questão suscitada a respeito da condenação na parte cível.

      Questão III – Incompetência material do Tribunal Criminal para conhecimento do pedido de indemnização civil.

      Nota prévia

       No presente caso o acórdão da Relação do Porto confirmou, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, verificando-se dupla conforme.

       Tal se verifica, “sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível”, conforme a ressalva do n.º 3 do artigo 671.º do CPC.

       Como prescreve o artigo 629.º, n.º 2, alínea a), do CPC, independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso com fundamento na violação das regras de competência em razão da matéria, como é o caso.

       Daí que se passe a conhecer do recurso.

                                                                   ****

 O recorrente suscita esta questão na motivação, depois condensada nas conclusões R), S), T) e Z) (olvidando na elencagem as letras U, V e X, tal como, de resto, aconteceu no anterior recurso para a Relação do Porto, como se vê de fls. 326, o que concita a ideia de não revisão do texto anterior, ora apresentado como “ex novo” – pelo menos, assim deveria sê-lo –, quando se trata de uma mera reedição).

       A questão de incompetência absoluta suscitada pelo recorrente nas conclusões R), S), T) e Z), traduz-se unicamente na invocação por este efectuada de que “O tribunal criminal, é incompetente, em razão da matéria, para conhecer da eventual responsabilidade civil da sociedade CC”, referindo estar em causa tão só uma obrigação em sentido técnico, não geradora de indemnização.

 A questão suscitada pelo recorrente consiste assim essencialmente em saber se o valor global que o arguido transferiu para a sua propriedade, materialidade da vertente patrimonial do ilícito penal por que foi condenado, traduzido em prejuízo patrimonial para as sociedades lesadas, pode ser reclamado em processo penal desencadeado por tal crime, face ao princípio da adesão.

 Em suma, o recorrente alega a incompetência do tribunal criminal para conhecer dos pedidos de indemnização civil deduzidos pelo Condomínio do ... e pelo Condomínio do Edifício “...”, ambos de ....

       Analisando.

       A competência em razão da matéria constitui um pressuposto basilar cujo preenchimento legitima o tribunal a decidir sobre o mérito da causa, não podendo a violação das respectivas regras ficar condicionada por aspectos secundários relacionados com o valor da causa ou com o valor do decaimento (sucumbência).

       Assim a competência em razão da matéria é de conhecimento oficioso e a violação dessa competência origina uma excepção dilatória, que leva à absolvição da instância, ficando o tribunal impedido de conhecer do mérito da causa.

       Extrai-se do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 11/2007, de 24 de Maio de 2007, proferido no processo n.º 881/2007, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 142, de 25 de Julho de 2007:

       “A competência de um tribunal é a medida da sua jurisdição ou nexo lógico entre ele e determinada causa; a incompetência, por seu turno, é a falta de poder legal do tribunal para o julgamento de determinada causa.

       A medida da sua jurisdição resulta de critérios legais atributivos da competência, do que decorre a sua legitimidade de julgamento em concreto, implicando a falta de tal atribuição, conforme os casos, abstraindo da preterição do tribunal arbitral, a incompetência relativa e a absoluta, nesta se incluindo a relativa à matéria.

      A atribuição da competência em razão da matéria
às categorias de tribunais situados no mesmo plano assenta, em regra, no princípio da especialização com vista a proporcionar a maior eficácia da justiça”.

                                                                    *****

 A competência do tribunal criminal para conhecer do pedido cível conexo com a acção penal decorre da responsabilidade civil extracontratual do agente que cometa o facto ilícito e culposo; a indemnização determinada em um processo penal emerge dos factos constitutivos das infracções criminais imputadas ao demandado, se e na medida em que puderem reconduzir-se aos pressupostos da responsabilidade civil [acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Junho de 2002, proferido no processo n.º 1671/02]; fonte da obrigação de indemnizar não é a prática do crime, mas sim a lesão dos direitos e interesses jurídicos tutelados que os factos constitutivos do crime tenham causado.

 
       Antes de avançarmos, abordar-se-ão o instituto da reparação e alguns dos aspectos relacionados com o exercício da acção cível albergada no processo criminal.
       Em causa a determinação da responsabilidade civil pelos danos causados pelo crime – objecto complementar, por razões de economia processual, do processo penal – ao lado da matéria estritamente penal (culpabilidade).

       Da reparação

 

       Jorge Ribeiro de Faria, Da reparação do prejuízo causado ao ofendido – Reflexões à luz do novo Código Penal, in Para uma nova justiça penal, Coimbra, 1983, págs. 141 a 174, começando por afirmar que o ofendido foi expulso do direito penal enquanto lesado, aborda a natureza - civil ou penal - da reparação arbitrada em processo penal, referenciando o artigo 34.º do CPP de 1929 (o qual prescrevia uma forma de pagamento equitativo cuja intervenção se justificava apenas se não houvesse elementos para a exacta determinação dos danos, solução que Vaz Serra haveria de defender para o Código Civil com o artigo 566.º, n.º 3), as posições da doutrina, o Assento de 28 de Janeiro de 1976 (pág. 152) e o de 4 de Julho de 1980 (pág. 155 - nota 42), o entendimento civilístico da reparação arbitrada em processo penal, fixado pelo então recente artigo 128.º do Código Penal (pág. 147), abraçando definitivamente o princípio de que os danos provenientes do crime devem ser reparados à luz do direito civil (pág. 165), evolução do processo de adesão e soluções do direito comparado, focando o problema sério da conciliação da integridade do processo penal com o tratamento de um objecto acessório de natureza civil e saber se o caminho prescrito constitui por si a melhor solução quando enquadrado no corpo de preceitos legislativamente fixados para a acção civil (pág. 169).

       Sobre o tema pode ver-se Júlio Gomes, Uma função punitiva para a responsabilidade civil e uma função reparatória para a responsabilidade penal?, trabalho publicado na Revista de Direito e Economia, Ano XV, 1989, págs. 105 a 144, procurando assinalar na primeira parte que o pragmatismo imposto pela necessidade de uma reacção mais eficaz face ao ilícito levou a ultrapassar, ainda que parcialmente, a rigidez da dicotomia de funções que, tradicionalmente, eram atribuídas à responsabilidade civil (extracontratual) e à responsabilidade penal, reportando as realidades de outros espaços jurídicos  - a common law e o espaço socialista – e o fundamento, ainda controverso, da compensação dos danos não patrimoniais, indagando - pág. 116 e ss. - da existência de uma função punitiva da responsabilidade civil no que respeita a tais danos. 

      Na II Parte, de págs. 126 a 142, versando a reparação do dano e o direito penal, o Autor foca a importância crescente da reparação do dano pelo agente e a questão de saber se esta reparação poderá ser entendida como sanção penal, como fim autónomo da pena, ou, ainda, de forma mais realista, como elemento importante do contexto da prevenção especial.

       A págs. 139 afirma: “A reparação do dano sofrido pela vítima de um crime deveria, num Estado de Direito, ser assumida como uma tarefa do Estado, o que de resto, está longe de constituir novidade; para disso nos certificarmos basta ler o parágrafo 23 do Código de Hamurabi «se o agente infractor não é detido pela comunidade, o proprietário a quem hajam sido furtados bens, descreverá, oficialmente, o que perdeu. Depois, a cidade e o governador, em cujo território e jurisdição o facto se cometeu, compensá-lo-ão pelo valor perdido».

       Mais à frente, pág. 141, reporta a generalização da ideia de que se impõe corrigir «o grande drama dos sistemas punitivos modernos», isto é, a circunstância da vítima do delito ser encarada em direito penal e processual penal, como uma «figura marginal», quando não mesmo um «factor de perturbação».

       E, do mesmo passo, logra impor-se um certo pragmatismo; com efeito, se desde Binding, pena e reparação do dano são concebidas como realidades essencialmente diferentes, o que contribui para impedir a sua articulação num todo harmónico, hoje, acentua-se, sobretudo, aquilo que faz a unidade sem se negar a diferença, a circunstância de serem ambas, afinal, «reacções perante o ilícito»”.

       Finaliza, pág. 142, dizendo: “E, assim, podemos concluir com as palavras de Jung: o esforço para emprestar mais peso à reparação do dano é, em princípio, de aplaudir, ainda que ou até, precisamente por isso que, as fronteiras entre pena, pena privada, e indemnização do dano acabem definitivamente, por esbater-se”.

  

       Maria Paula Ribeiro de Faria aborda o tema em A reparação punitiva – Uma “terceira via” na efectivação da responsabilidade penal?, publicado na colectânea Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias, Organização de Manuel da Costa Andrade, José de Faria Costa, Anabela de Miranda Rodrigues e Maria João Antunes, Coimbra Editora, Agosto de 2003, págs. 259 a 291. 

       Refere a Autora, a págs. 262/3, que as soluções do Código Penal de 1886 e do Código de Processo Penal de 1929 traduziam “uma determinada concepção da indemnização como um mecanismo reparatório misto, com notas de natureza claramente preventiva e sancionatória (em todo o caso não estritamente indemnizatória)”.

        Na pág. 264 afirma que com a entrada em vigor do actual artigo 128.º do Código Penal veio-se colocar um ponto final na discussão da doutrina acerca da natureza da indemnização arbitrada em processo penal, ao dizer-se aí, de forma clara e expressa, que essa indemnização é fixada exclusivamente segundo critérios da lei civil.

       A págs. 265/6, a propósito da “inclusão da reparação no direito penal”, refere: “A indemnização mantém o seu nome próprio e a sua pertença ao direito civil, e o direito penal assegura por via dela uma função ou uma finalidade que Roxin considera determinante, e que é uma finalidade de prevenção geral positiva sob a forma de “satisfação” ou “reparação” mas que se mantem uma finalidade de natureza geral ou pública. A prevenção geral positiva desdobrar-se-ia, segundo ele, em três intencionalidades distintas: a criação de um efeito social educativo sobre a comunidade, o reforço da confiança do cidadão em relação à norma jurídica violada, e, finalmente, o efeito de satisfação que decorre dos esforços ressarcitórios do agente e que se deixa relacionar com o apaziguamento da consciência jurídica perturbada com a violação da regra”.

       A págs. 289, afirma: concluimos pelas vantagens da consagração – pelo menos em relação a certos tipos de crime – de uma pena de natureza pecuniária capaz de assegurar todas as finalidades de punição, entrando em linha de conta com o interesse da vítima que aqui se confunda com o interesse social em prevenir e reprimir a lesão de bens jurídicos fundamentais.

      Propondo uma terceira via sancionatória, refere a Autora a necessidade de abdicar do processo de adesão em relação à sua aplicação. A sanção que aqui se discute pertence ao direito penal.

 

      Para Mário Ferreira Monte, em Da reparação penal como consequência jurídica autónoma do crime, igualmente publicado no Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, págs. 129-155, a reparação concebe-se como um instituto autónomo num duplo sentido: relativamente à indemnização de natureza civil; e como verdadeira consequência jurídico-penal, independente de outras como as penas ou as medidas de segurança. Assim concebida, à reparação penal é de conceder um estatuto de verdadeira consequência jurídica autónoma do crime, como terceira via ou terceiro degrau nas reacções criminais, a par com as penas e as medidas de segurança.

       A reparação penal não coincide com a indemnização civil nem com a pena, sendo autónoma, conclui.  

   

       Claus Roxin, Derecho Penal, Parte General, Tomo I, Civitas 2008, pág. 109 apud José Alberto Vaz Carreto, A suspensão parcial da pena de prisão e a reparação do dano, Almedina, Maio de 2017, pág. 75, afirma:

      “A reparação do dano não é, segundo esta concepção (a da inclusão da reparação do dano no Direito Penal), uma questão meramente jurídico-civil, pois que também contribui de forma essencial para a consecução dos fins das penas. Tem um efeito ressocializador pois obriga o agente a confrontar-se com as consequências do facto e a aprender a conhecer os interesses legítimos da vítima. Pode ser por si interiorizada, por vezes mais do que a pena, como algo necessário e justo e pode fundamentar um reconhecimento das normas. Por último, a reparação do dano pode levar a uma reconciliação entre agente e vítima e, desse modo, facilitar fortemente a reintegração do culpado. Para além disso, a reparação do dano é muito útil para prevenção integradora e oferecer uma contribuição significativa à restauração da paz jurídica. Pois só quando se tenha reparado o dano, a vítima e a comunidade consideram eliminada - muitas vezes independentemente do castigo – a perturbação social originada pelo crime».

       Prosseguindo, adianta: 

  “A legitimação político-jurídica da reparação do dano como uma «terceira via» do nosso sistema de sanções é favorecida pelo princípio da subsidiariedade. Assim como a medida (de segurança) completa a pena como «segunda via» nos casos em que o princípio da culpa não pode, ou só pode de forma limitada, satisfazer as necessidades de prevenção especial, do mesmo modo a reparação do dano substituirá como «terceira via» a pena, ou levará a atenuá-la de forma complementar nos casos em que se satisfaçam os fins das penas e as necessidades da vítima de forma igual ou melhor do que uma pena não atenuada”.

 

 Selma Pereira de Santana em A reparação como consequência jurídico-penal autónoma do delito, O projecto alternativo de reparação: Algumas objeções, in Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, Boletim da Faculdade de Direito, STVDIA IVRIDICA, 99. Ad Honorem – 5, volume II, Coimbra Editora, 2009, págs. 889 a 930, propõe-se demonstrar que a reparação à vítima pode vir a constituir-se uma consequência jurídico-penal autónoma do delito, paralela à pena e à medida de segurança, abordando o tema da reparação à vítima, como terceira via, ao lado das penas e das medidas de segurança – cfr. págs. 889 e 921/2.

       Refere, a págs. 894, a possibilidade de os diferentes ramos do Direito, penal e civil, perseguirem objectivos semelhantes por caminhos diferentes, não havendo nada que se oponha a que, tanto o direito civil quanto o direito penal realizem esforços no interesse da vítima. “Constitui, até mesmo, uma vantagem a circunstância de que, nos casos mais graves de ação criminosa, em que é quase totalmente inútil a ação judicial privada, o direito penal ofereça, suplementarmente, o seu auxílio à vítima, alcançando, ao mesmo tempo, um meio eficaz de ressocialização do autor do delito”.

       Mais à frente, pág. 915, a Autora afirma: “a reparação, no que se refere à sua natureza, identifica-se, num primeiro momento, com a reparação civil, já que se busca reconstituir a condição patrimonial da vítima à situação em que se encontrava inserida antes da ocorrência do delito – ou seja, ao statu quo ante –, devendo o seu valor ser suficiente para compensar o dano sofrido. Entretanto e num segundo momento, a reparação, como terceira via, não pode, e não deve, ser orientada apenas para esse fim, uma vez que a necessidade de ressarcimento da vítima não constitui seu fundamento único. A reparação penal orienta-se para a revalidação da norma jurídica, para a ressocialização do autor do delito e para o restabelecimento da paz jurídica”.

       Aborda depois a reparação, como terceira via, e o Direito Penal do Jovem Adulto no ponto 6, a págs. 917 a 921.

       Helena Morão em Justiça restaurativa e crimes patrimoniais na Reforma Penal de 2007, in Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, Boletim da Faculdade de Direito, STVDIA IVRIDICA 100. Ad Honorem – 5, Volume III, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, Fevereiro de 2010, págs. 527 a 543, após mencionar na pág. 529 a concepção da reparação como uma terceira via do Direito Penal, isto é, como reacção criminal alternativa à aplicação de penas e de medidas de segurança, refere na pág. 530, que a reparação penal encontra a sua legitimação político-jurídica no princípio constitucional da subsidiariedade, na vertente de intervenção mínima, afirmando em seguida: “A reparação penal como consequência jurídica autónoma do crime prossegue finalidades político-criminais idênticas às das penas.

       Do ponto de vista da prevenção especial positiva, a reparação penal promove um acentuado efeito ressocializador, na medida em que obriga o autor do crime a confrontar-se com a gravidade do seu facto e com as suas consequências para a vítima e a aprender a considerar os interesses legítimos do ofendido”.

       Prossegue na pág. 531: “Por outro lado, pensando na prevenção geral positiva, o confronto do autor do crime com a gravidade do seu facto e com as suas consequências para a vítima e a ponderação dos interesses da vítima na concertação fomentam o reconhecimento das normas, reforçando a vigência e a validade da norma violada e contribuindo para o restabelecimento da confiança e da paz jurídica quebradas pelo crime”.

       Refere na pág. 532: “A reparação penal, como consequência jurídico-penal que coloca fim ao processo penal e dispensa a aplicação de outra sanção, não se confunde com a indemnização civil por perdas e danos.

       Efectivamente, o fim que prossegue é distinto: não cumpre finalidades de ressarcimento patrimonial, mas os fins político-criminais já enunciados.

       O seu critério também diverge do adoptado em sede de responsabilidade civil: não tem de atender ao dano patrimonial, o ressarcimento pode ser material ou simbólico e pode ter em linha de ponderação o grau de culpa do agente do crime”.

   

       Cláudia Cruz Santos, A justiça restaurativa – Um modelo de reacção ao crime diferente da Justiça Penal - Porquê, para quê e como?, Coimbra Editora, 1.ª Edição, Março 2014, versa a reparação dos danos causados à vítima através da justiça penal substantiva no ponto 2.2.5, págs. 524 a 526.

      Nas páginas seguintes - 527 a 576 - versa o estatuto da vítima no direito processual português, retomando a abordagem feita em A “redescoberta” da vítima e o direito processual penal português, págs. 1133 a 1153 da colectânea Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, Boletim da Faculdade de Direito, STVDIA IVRIDICA 100. Ad Honorem – 5, Volume III, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, Fevereiro de 2010.

       A págs. 574 refere que a indemnização por perdas e danos não é uma resposta da justiça penal, tendo em conta a sua indiscutível natureza civil.   

       Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 3.ª edição actualizada, Novembro de 2015, pág. 309, distingue a reparação conforme se esteja face a crimes com vítima e crimes sem vítima e após citar o acórdão do TC 305/2001 e o AFJ 8/2012, refere: “Mas a satisfação pode também ser moral, caso esta forma de reparação seja adequada e suficiente. Portanto, no caso de crimes com vítima o tribunal deve sempre dar preferência à reparação, material ou moral, do mal causado ao lesado, em vez da entrega de quantias a instituições de solidariedade social ou ao Estado.

      No caso de crimes sem vítima, o tribunal pode impor uma prestação pecuniária ou em espécie, de valor equivalente, a instituições de solidariedade social ou ao Estado. Mas não pode impor-se o dever de trabalho, salvo com a concordância do condenado (sem restrições, Miguez Garcia e Castela Rio, 2014:326, anotação 2.ª, al.ª d) ao artigo 51.º).

 Os deveres não podem violar os direitos fundamentais do condenado, o que aconteceria no caso de dever cujo cumprimento pusesse em causa o mínimo necessário para a subsistência do condenado (acórdão do TRE, de 1.4.2008, in CJ,XXXIII, 2, 270).

      Este mínimo necessário para a subsistência inclui, não apenas o direito à alimentação, vestuário e calçado, mas também o próprio direito à habitação e à saúde. Por exemplo, não seria exigível o dever que implicasse que o condenado prescindisse de um tratamento médico que tem de fazer”. (Realces do texto). 

       Versando reparação em sede de crimes fiscais, veja-se Patrícia Naré Agostinho, A relevância da reposição da verdade sobre a situação tributária e a regularização de dívidas tributárias no RGIT, Revista do Ministério Público, Ano 28, Jan. - Mar. 2007, n.º 109, págs. 97 a 145.

       Direito à reparação – Um direito fundamental?

       O direito à reparação por perdas e danos constituirá um direito fundamental disperso, um direito constitucional «fora do catálogo», um direito sem assento constitucional?

    J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.ª edição revista e ampliada, 1.º volume, Coimbra Editora, 1984, na Parte I - Direitos e deveres fundamentais, versando os direitos fundamentais dispersos, referem a págs. 123/4:

       «3.4.2. Os direitos sem assento constitucional

  A existência de outros direitos fundamentais sem registo constitucional formal está expressamente mencionada no art. 16.º-1 da CRP, quando admite «quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional».

      Os Autores citam como exemplos “o direito do nome (CCiv, art. 72.º), o direito à reparação de danos em geral (CCiv, art. 483.º)”.

  “Problemático é saber se tais direitos sem expressão constitucional podem pertencer também à categoria dos direitos fundamentais, ou se, pelo contrário, esta categoria é composta apenas pelos direitos constitucionais. É irrecusável que o texto do art. 16.º favorece a primeira interpretação – que, porém, não é forçosa –, havendo então que distinguir, entre os direitos extraconstitucionais, aqueles que têm a natureza de direitos fundamentais e os que a não possuem. Não sendo possível apurar na Constituição um critério único e rigorosamente delimitado de distinção material de direitos fundamentais, haver-se-á de considerar como direitos fundamentais aqueles direitos extraconstitucionais que sejam equiparáveis, pelo seu objecto e pela sua importância, aos diversos tipos de direitos fundamentais de grau constitucional (cfr. supra, 2.2.3).

  Como se retira da pág. 116, no ponto 2.2.3, da análise do objecto dos direitos fundamentais, verifica-se que eles consubstanciam e servem três valores constitucionais essenciais: a liberdade, a democracia, a socialização, servindo a primeira principalmente os direitos, liberdade e garantias pessoais e os dos trabalhadores.

 “Quanto a saber que direitos hão-de ser fundamentais, isso depende do seu grau de importância sob o ponto de vista daqueles valores constitucionais. Entre eles hão-de considerar-se necessariamente os que a própria Constituição considera como tais, não havendo qualquer razão ou critério objectivo que admita a exclusão de qualquer deles: tão importantes e fundamentais são, que a própria Lei Fundamental entendeu não poder deixar de os reconhecer. Problemático é já saber se pode haver direitos fundamentais fora da Constituição”.

      Continuando na análise proposta.
   
  Incidindo a tutela penal sobre direitos subjectivos, direitos pessoalíssimos, parece evidente que à violação de tais direitos corresponderá o direito à reparação consubstanciado em indemnização por danos patrimoniais, incluindo danos emergentes, lucros cessantes, danos presentes, danos futuros, dano biológico, danos directos ou indirectos, danos reflexos ou por ricochete, e por danos não patrimoniais.
  Como referimos no acórdão de 25 de Novembro de 2015, proferido no processo n.º 24/14.0PCSRQ.S1, versando homicídio qualificado: “Danos não patrimoniais são os que afectam bens não patrimoniais (bens da personalidade), insusceptíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária, porque atingem bens, como a vida, a saúde, a integridade física, a perfeição física, a liberdade, a honra, o bom nome, a reputação, a beleza, de que resultam, para além do bem vida, no caso de supressão, o inerente sofrimento físico e psíquico, o desgosto pela perda, a angústia por ter o próprio de viver e conviver com uma deformidade ou deficiência, os vexames, a perda de prestígio ou reputação, tudo constituindo prejuízos que não se integram no património do lesado, apenas podendo ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente lesante, sendo mais uma satisfação do que uma indemnização, assumindo o seu ressarcimento uma função essencialmente compensatória, de modo a atenuar os padecimentos derivados das lesões e a neutralizar a dor física e psíquica sofrida, embora sob a envolvência de uma certa vertente sancionatória ou de pena privada”.

  
       A indemnização civil conexa com a responsabilidade criminal

 Como refere Figueiredo Dias a abrir o estudo “Sobre a reparação de perdas e danos arbitrada em processo penal” - escrito e publicado pela primeira vez como contribuição para os Estudos «in memoriam» do Prof. José Beleza dos Santos que, em 1966, formaram o volume XVI do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra (assim no prefácio de fls. 5), com reimpressão pela Livraria Almedina em 1972 - pág. 7 -, o problema das relações entre a acção penal e a acção civil emergentes do mesmo facto criminoso, ou seja, do ponto de vista substantivo, o da chamada «responsabilidade civil conexa com a criminal», assumindo veste processual, surge materialmente como uma espécie de «entreposto» no direito civil e direito penal.

             No domínio do Código Civil de 1867 (Código do Visconde de Seabra, aprovado por Carta de Lei de 1 de Julho de 1867, entrado em vigor, de acordo com o artigo 2.º, em todo o continente do reino e ilhas adjacentes, seis meses depois da publicação da lei no Diário de Lisboa) e do Código de Processo Penal de 1929 (aprovado pelo Decreto n.º 16.489, de 15 de Fevereiro de 1929, na sequência do Decreto n.º 12 740, de 26 de Novembro de 1926 e Decreto n.º 15 331, de 9 de Abril de 1928, começando “a vigorar no dia 1 de Março do corrente ano no continente e nas ilhas adjacentes”, conforme artigo 2.º e extensivo às colónias, de acordo com o artigo 7.º), quer um, quer outro, destes diplomas continha um capítulo próprio, a regular de forma autónoma a responsabilidade por perdas e danos.

                                                        Código Civil de 1867

             Integrado na

       Parte IV – Da offensa dos direitos e da sua reparação

       Livro I – Da responsabilidade civil

       dispunha o

                                Título I

                        Disposições preliminares

                          Artigo 2361.º

Todo aquelle, que viola ou offende os direitos de outrem, constitue-se na obrigação de indemnizar o lesado, por todos os prejuízos que lhe causa.

 

                                                            Artigo 2362.º

Os direitos podem ser ofendidos por factos ou por omissão de factos.

                                                             Artigo 2363.º

Estes factos ou omissões de factos podem produzir responsabilidade criminal, ou simplesmente responsabilidade civil, ou uma e outra simultaneamente.

                                                             Artigo 2364.º

A responsabilidade criminal consiste na obrigação, em que se constitue o autor do facto ou da omissão, de submetter-se a certas penas decretadas na lei, as quaes são a reparação do damno causado à sociedade na ordem moral. A responsabilidade civil consiste na obrigação, em que se constitue o autor do facto ou da omissão, de restituir o lesado ao estado anterior à lesão, e de satisfazer as perdas e damnos que lhe haja causado.

                                                             Artigo 2365.º

A responsabilidade criminal é sempre acompanhada da responsabilidade civil; mas a civil nem sempre é acompanhada da criminal. Os casos em que esta última é acompanhada da responsabilidade civil estão especificados na lei.

                                                             Artigo 2366.º

O direito de exigir reparação, bem como a obrigação de a prestar, transmitte-se com a herança, excepto nos casos em que a lei expressamente determina o contrario.

       [Estes preceitos não foram alterados na Reforma de 1930, introduzida pelo Decreto com força de lei n.º 19.126, de 16 de Dezembro de 1930].

       (Fonte: Código Civil Português, Setima edição official, Lisboa, Imprensa Nacional, 1907 e Código Civil Português, 9.ª edição oficial, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1926, com ortografia actualizada).

       No

                                                             Título II

    Da responsabilidade civil connexa com a responsabilidade criminal

                                                             Capítulo I

                                         Da imputação da responsabilidade

       dispunham:

                                                            Artigo 2373.º

A indemnização civil, connexa com a responsabilidade criminal, pode ser determinada a aprazimento das partes; mas não poderá ser exigida judicialmente, sem que o facto criminoso tenha sido verificado pelos meios competentes nos casos em que a acção publica deve intervir.

                                                            Artigo 2374.º

Se o lesado não tiver sido parte no processo criminal, não ficará inhibido de requerer a reparação civil, mas, neste caso, só poderá usar dos meios civis ordinarios.

       (Fonte: Código Civil Português, Setima edição official, Lisboa, Imprensa Nacional, 1907 e Código Civil Português, 9.ª edição oficial, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1926, esta com ortografia actualizada, v.g., ofensa, conexa, pública, inibido e ordinários).

                                                          Reforma de 1930

       O Decreto com força de lei n.º 19.126, de 16 de Dezembro de 1930, alterou e interpretou vários artigos do Código Civil, considerado no exórdio do diploma, “um verdadeiro monumento de glória nacional”, dando nova redacção ao artigo 2373.º, que a nota oficiosa do Ministério da Justiça, relativa a este diploma, justificava nos termos seguintes: “Este artigo, tal como se achava redigido, tem dado lugar a muitas dúvidas, que ficam esclarecidas e resolvidas com a nova redacção da reforma”.

         Passou o preceito a estabelecer:

                                                           Artigo 2373.º

A indemnização civil conexa com a responsabilidade criminal, nos termos dos artigos 2382.º a 2392.º, será exigida no competente processo criminal. Em quaisquer outros casos, as duas responsabilidades podem ser exigidas separadamente.

  

       Os artigos 2382.º a 2392.º, inalterados em 1930, integravam o seguinte Capítulo II com a epígrafe «Da graduação da responsabilidade proveniente de factos criminosos», e dispunham sobre as espécies de prejuízos, como os que derivam da ofensa de direitos primitivos (respeitando à personalidade física ou à personalidade moral) e os relativos aos direitos adquiridos (referidos aos interesses materiais externos), prevendo nos artigos 2384.º e seguintes, a indemnização por perdas e danos nos casos de homicídio e ferimentos voluntários e involuntários, indemnização por factos ofensivos da liberdade pessoal, indemnização por injúria ou outra ofensa contra o bom nome e reputação, indemnização por denúncia caluniosa, indemnização por violação de honra e virgindade e indemnização nos casos de usurpação ou esbulho.

      (Fonte - Código Civil Português, Edição Actualizada de harmonia com o Decreto n.º 19:126, de 16 de Dezembro de 1930 e revista pelo Dr. Adriano Paes da Silva Vaz Serra, Coimbra Editora, Lim., Coimbra, 1932 e Código Civil Português Actualizado, António Simões Correia, 2.ª edição, Livraria Ferin, Lda., Lisboa, 1947).

                                        Código de Processo Penal de 1929

       No Código de Processo Penal de 1929, a responsabilidade civil conexa com a criminal estava prevista no Capítulo II, do Título I – Das acções emergentes do crime, do Livro I - Da acção e competência, com a epígrafe “Da acção civil”, abrangendo os artigos 29.º a 34.º.

 No domínio deste Código, consagrou-se no artigo 29.º o princípio da interdependência ou adesão das acções penal e civil, com vincada dependência da acção civil à penal, sendo a regra a da competência do foro criminal para a reparação civil emergente de facto criminoso, como projecção do princípio da suficiência do processo penal, expresso no artigo 2.º do mesmo Código de Processo Penal de 1929.

       O sistema da interdependência ou da adesão é perfilhado pela maioria das legislações e comporta um sem número de cambiantes que têm como denominador comum a possibilidade ou obrigatoriedade de juntar a acção cível à penal, permitindo que o juiz penal decida também a acção cível.

       (A este sistema a nossa lei aderiu de forma mais vincada com a vigência dos artigos 12.º e 13.º do Decreto-Lei n.º 605/75, de 3 de Novembro).

       Estabelecia o

                                                             Artigo 2.º

                                     (Princípio da suficiência da acção penal)

A acção penal pode ser exercida e julgada independentemente de qualquer outra acção; no processo penal resolver-se-ão todas as questões que interessem à decisão da causa, qualquer que seja a sua anatureza, salvo nos casos exceptuados por lei.

       Dispunha o

                                                           Artigo 29.º

                                        (Indemnização por perdas e danos)

O pedido de indemnização por perdas e danos resultantes de um facto punível, por que sejam responsáveis os seus agentes, deve fazer-se no processo em que correr a acção penal e só poderá ser feito separadamente em acção intentada nos tribunais civis nos casos previstos neste código.

      Eduardo Correia (Processo Criminal, pág. 214), Castanheira Neves (Sumários, págs. 79-80) e Figueiredo Dias (Sobre a reparação de perdas e danos arbitrada em processo penal, págs. 93 e segs. – cfr. pág. 14 na reimpressão da Livraria Almedina de 1972), sustentaram que a nossa lei perfilha o sistema da adesão, sendo expressão máxima da subordinação ao princípio da dependência, de uma adesão mais funda, o caso do “enxerto cível”, quando o pedido cível é formulado nos termos dos artigos 67.º e 68.º do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39.672, de 20 de Maio de 1954.

       Estabelecia o

                                                           Artigo 67.º

                         Exercício da acção cível em conjunto com a acção penal

1 – O exercício da acção cível em conjunto com a acção penal é regulado pelos artigos 29.º a 34.º do Código de Processo Penal, com as modificações constantes dos números seguintes.

2 – O lesado pode, na acção penal, deduzir o pedido de indemnização contra as pessoas que só sejam civilmente responsáveis pelo acto imputado ao arguido, até oito dias depois de este ser notificado do despacho de pronúncia ou equivalente. Neste caso, a respectiva petição deve ser articulada e acompanhada dos duplicados exigidos pelo artigo 152.º do Código de Processo Civil.

3 – As pessoas contra quem for deduzido o pedido serão notificadas para contestar. A contestação deve ser oferecida dentro de dez dias; mas os notificados podem requerer instrução contraditória dentro de cinco dias, a contar do trânsito em julgado do despacho que dela conhecer.

A falta de contestação não terá os efeitos indicados nos artigos 488.º e 784.º do Código de Processo Civil.

À contestação podem seguir-se os outros articulados admitidos pelo processo civil sumário.

Toda a prova deve ser requerida com os articulados.

4 – As pessoas com responsabilidade meramente civil podem intervir voluntariamente na acção instaurada contra o responsável pelo facto criminoso; mas neste caso, não poderão praticar actos que o réu tenha perdido o direito de praticar.

5 – O demandado, no caso do n.º 2 e o interveniente, no caso do n.º 4, têm a mesma posição processual que o arguido quanto à defesa dos interesses cíveis julgados em processo penal; mas é independente a defesa de cada um deles e aqueles não têm obrigação de comparecer pessoalmente em julgamento, a não ser para prestar declarações a que não possam recusar-se. Se o demandado ou o interveniente não constituírem advogado, serão representados pelo defensor do réu que responda pelo facto de que emerge a responsabilidade civil. O demandado e o interveniente podem oferecer até dez testemunhas.

6 – (fixação de imposto de justiça e ausência de preparos).

7 – Nos casos mencionados no § 1.º do artigo 32.º do Código de Processo Penal, o Ministério Público deduzirá sempre a acção cível também contra os indivíduos que só sejam civilmente responsáveis.

       [Este artigo 67.º veio a ser revogado pela lei introdutória do Código de Processo Penal de 1987 – Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Dezembro – artigo 2.º, n.º 2, alínea e)].

       Estabelecia o

                                                           Artigo 68.º

      Acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil

1 – As acções destinadas a exigir a responsabilidade civil, quando não devam ser exercidas no processo penal, serão da competência do tribunal civil da comarca em que ocorreu o acidente e seguirão o processo especial, cujos termos serão os do processo sumário com as modificações constantes dos n.ºs 2 e 4.
2 – Para efeitos de determinação do valor da causa indicar-se-á na petição inicial, por extenso, a quantia certa pedida como indemnização.
3 – Não é admissível a reconvenção.
4 – Quando a acção não tenha sido proposta contra os seguradores ou contra os responsáveis solidários, o réu terá de deduzir o incidente do chamamento à autoria ou à demanda, se quiser libertar-se da responsabilidade ou exercer o direito de regresso.
5 – O julgamento da matéria de facto será da competência do tribunal colectivo, quando o valor da acção exceda a alçada do tribunal da Relação.
6 – (litigância de má fé).
7 – Os titulares do direito de indemnização presumem-se pobres para efeitos de assistência judiciária.

       [O n.º 2 veio a ser revogado pelo artigo 569.º do Código Civil entrado em vigor em 1 de Junho de 1967, o qual sob a epígrafe “Indicação do montante dos danos”, prescreve: “Quem exigir a indemnização não necessita de indicar a importância exacta em que avalia os danos, nem o facto de ter pedido determinado quantitativo o impede, no decurso da acção, de reclamar quantia mais elevada se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos”].
 
       O artigo 22.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 408/09, de 25-09-2009, veio a prescrever:
4 – Nas acções referidas no n.º 1, que sejam exercidas em processo cível, é permitida a reconvenção.
       [Assim revogando o n.º 3 do artigo 68.º].

     

       Pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 457/80, de 10 de Outubro (Diário da República, I Série, n.º 235, de 10-10-1980), foi alterado o então n.º 2 do artigo 68.º, que ficou a estabelecer:

2 – É admissível a reconvenção.
      
       Os n.ºs 1 a 6 foram revogados pelo Decreto-Lei n.º 242/85, de 9 de Julho, que estabeleceu a linha geral da simplificação do processo civil (Diário da República, I Série, n.º 155, de 9 de Julho de 1985), entrado em vigor, segundo o artigo 6.º, em 1 de Outubro de 1985.      
 

       A expressão “quando não devam ser exercidas no processo penal” presente no n.º 1 do artigo 68.º significava situações em que se demandavam somente as pessoas apenas civilmente responsáveis. (Assim, Aníbal de Castro, A Caducidade, Petrony, Lisboa, 1984, pág. 100 e BMJ n.ºs 52, 86 e 120, págs. 577, 358 e 406, respectivamente).

 

       A possibilidade prevista no n.º 2 do artigo 67.º de o lesado, na acção penal, deduzir o pedido de indemnização contra as pessoas só civilmente responsáveis pelo acto imputado ao arguido, constituía uma especialidade e significava o afastamento neste ponto do regime constante do Código de Processo Penal de 1929, que não previa a intervenção no processo das pessoas só civilmente responsáveis pelo facto imputado ao arguido, dos responsáveis civis que não fossem os responsáveis pelo crime. (Assim, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I Volume, 5.ª edição, revista e actualizada, Editorial Verbo, 2008, pág. 126).

 

       Tal cenário fora adiantado por Manuel Gomes da Silva, O dever de prestar e o dever de indemnizar (1944), pág. 72, ao referir: “Observe-se, ainda, que no processo penal só pode ser averiguada a responsabilidade dos agentes de factos criminosos, e que a responsabilidade civil derivada dêstes pode, por esse facto, ter sujeitos que não intervenham nesse processo…”. 

       Manuel Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, I, págs. 16/17 (págs. 18 e 19 da edição dos Serviços Sociais da Universidade de Lisboa, de Março de 1970), expendia:

  “A determinação da responsabilidade civil é objecto da jurisdição civil. No entanto, permite o Código de Processo Penal, em certas condições, o exercício da jurisdição civil com tal objecto em processo penal. Dá-se então uma confluência de processos, processo penal e civil, mais ou menos ajustados entre si. O exercício da jurisdição civil em processo penal é limitado aos casos em que a lei expressamente prevê. A indemnização arbitrada em processo penal só abrange em princípio os titulares da relação jurídica penal, e não terceiros. Pode discutir-se, “de lege ferenda”, a conveniência dum mais amplo tratamento da conexão entre responsabilidade civil e penal, dentro dum único processo, o processo penal, à semelhança do que recentemente foi tentado pelo Código da Estrada (Dec.-Lei n.º 39.672, de 30 de Maio de 1954), quanto à responsabilidade civil emergente dos factos criminosos nesse diploma previstos. A estrutura do Código de Processo Penal não permite, porém, considerar a doutrina do Código da Estrada (artigos 67.º e 68.º) como doutrina de aplicação geral. (…) A compenetração das duas acções é limitada, pois que se verifica, ao lado da aplicação das regras do processo penal à acção civil, uma sobreposição a estas, em larga medida, das disposições do processo civil…”.

  Quanto a este ponto pode ver-se A. Simões Pereira, Cumulação da acção civil e da acção penal. Algumas notas sobre o artigo 67.º do Código da Estrada, publicado no BMJ n.º 89 (Outubro de 1959), págs. 333 a 341.

       Reportando o artigo 67.º, dizia o Autor que o preceito continha uma inovação e que podia ser o primeiro passo de inovação maior, consistindo a inovação na faculdade de cumulação da acção civil de indemnização por perdas e danos provenientes de acidente de viação com a respectiva acção penal, mesmo quando aquela era exercida contra pessoas não responsáveis criminalmente; a que podia vir a ser inovação maior consistia na obrigatoriedade dessa cumulação.

       Tratava-se de inovação porque o Código da Estrada anterior (de 1930) excluía expressamente a possibilidade de cumulação da acção civil e da acção penal no caso de aquela não ser dirigida contra o réu desta - § único do artigo 143.º.

       As razões da mudança de rumo foram assim expostas no relatório: “…deve-se evitar a possibilidade de criar realidades contraditórias. Por isso pareceu recomendável permitir a intervenção voluntária ou forçada dos civilmente responsáveis, com o que se julga contribuir, com manifesta economia processual, para maior certeza da ordem jurídica, evitando quanto possível que o mesmo facto seja julgado ou qualificado por certa forma para efeitos penais e por forma diversa para efeitos civis”. (…)

       “A cumulação da acção civil de indemnização com a acção penal, em relação a qualquer espécie de infracção, era já apontada por Luís Osório, há perto de 30 anos, como lei da Espanha, França, Itália, Bélgica e Suécia”, regime adoptado pela Rússia (nota 5, pág. 335).

       “O Código de Processo Penal impõe a cumulação da acção civil, quanto à indemnização devida pelo responsável criminal – art. 29.º – obrigando o juiz a fixar esta oficiosamente, para não deixar o lesado sem protecção quando a não pedir.

       Com semelhante limitação o sistema é defensável, não só pelas vantagens já apontadas da cumulação como até porque representa a forma de conceder sempre ao lesado uma indemnização que ele a maior parte das vezes praticamente não poderia pedir”, aqui citando Mourisca, no Código de Processo Penal (Anotado), vol. I, pág. 157, onde afirmava: “Mais vale, muitas vezes, receber dez no processo criminal que vinte no cível. Aqueles vêm limpos e secos. Os outros, pelos encargos que os esmagam, sabe-se lá a quanto ficarão reduzidos!”.

      A págs. 340/1, refere o Autor: “A cumulação destas acções realiza-se na base de certos sacrifícios impostos ao que seria a marcha normal da acção civil, a fim de a fazer coincidir com a marcha da acção penal. (…)

     Embora se amolde à acção penal, a acção civil não perde, porém, a sua individualidade e as suas características. Por definição trata-se de cumulação de acções e não de absorção. Deste modo sempre que o que lhe diz respeito não colida com a acção penal tem plena aplicação: por exemplo - desistência, providências cautelares, má fé no litígio”.

      [Sublinhados nossos].

  O alargamento de intervenção no processo de sujeitos não responsáveis criminalmente veio a ser consagrado pelo Decreto-Lei n.º 408/79, de 25 de Setembro, que instituiu o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, estabelecendo o

                                                         Artigo 22.º

                                                  (Normas processuais)

1 - Em todas as acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil por acidente de viação abrangido pelo seguro obrigatório, quer sejam exercidas em processo civil, quer o sejam em processo penal, é obrigatória a intervenção da seguradora ou seguradoras dos demandados, sob pena de ilegitimidade.

       2 - Se o pedido formulado se mantiver dentro dos limites fixados no artigo 8.º, a acção, quando exercida em processo cível, tem de ser obrigatoriamente proposta apenas contra a seguradora que, se o entender, poderá fazer intervir nela o seu segurado.

       3 – O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao fundo de garantia automóvel, em substituição da seguradora ou seguradoras, sempre que aquele intervier ao abrigo do presente diploma.

       4 – Nas acções referidas no n.º 1, que sejam exercidas em processo cível, é permitida a reconvenção.

       5 – O prazo fixado no n.º 2 do artigo 67.º do Código da Estrada inicia-se com a notificação feita aos lesados para, querendo, deduzirem o seu pedido de indemnização.

       O preceito foi revogado pelo artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro, publicado no Diário da República, I Série, n.º 301, de 31 de Dezembro de 1985, entrado em vigor em 1 de Janeiro de 1986 (artigo 41.º), que passou a estabelecer as regras especiais para os acidentes de viação abrangidos pelo seguro obrigatório, constantes do

                                                            Artigo 29.º

                                      Legitimidade das partes e outras regras 

       1 – As acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quer sejam exercidas em processo civil quer o sejam em processo penal, e em caso de existência de seguro, devem ser deduzidas obrigatoriamente:

  a) Só contra a seguradora quando o pedido formulado se contiver dentro dos limites fixados para o seguro obrigatório;

       b) Contra a seguradora e o civilmente responsável, quando o pedido formulado ultrapassar os limites referidos na alínea anterior.

       2 – Nas acções referidas na alínea a) do número anterior pode a seguradora, se assim o entender, fazer intervir o tomador do seguro.

      (N.ºs 3 a 11).

 O Decreto-Lei n.º 122-A/86, de 30 de Maio (Diário da República, I Série, n.º 123, de 30-05-1986, rectificado em Declaração de Rectificação in Suplemento de 30-08-1986), introduziu alteração ao artigo 29.º, mas apenas ao n.º 7.

        Por força deste artigo 29.º, n.º 1, devia ser sempre demandado um responsável meramente civil - a seguradora: ou apenas ela, dentro dos limites do seguro obrigatório, ou ela e o seu segurado, em litisconsórcio necessário passivo, se o pedido ultrapassasse tais limites.

       O diploma foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, passando a regular o ponto o artigo 62.º, inalterado pela Declaração de Rectificação n.º 96/2007, de 19 de Outubro e pela alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 153/2008, de 6 de Agosto, que apenas alterou o artigo 64.º.

       [O Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, foi justificado pela transposição da Directiva 2005/14/CE, do Parlamento e do Conselho, de 11 de Maio – 5.ª Directiva sobre o Seguro Automóvel, que procedeu à «actualização e substituição codificadora do diploma relativo ao sistema de proteção dos lesados por acidente de viação», baseado no seguro obrigatório, «seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis», como se refere no artigo 1.º («Objecto») do diploma].

       Estabelece o

                                                         Artigo 62.º  

                                                       Legitimidade

1 – As acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quando o responsável seja conhecido e não beneficie de seguro válido e efecaz, são propostas contra o Fundo de Garantia Automóvel e o responsável civil, sob pena de ilegitimidade.

2 – Quando o responsável civil por acidentes de viação for desconhecido, o lesado demanda directamente o Fundo de Garantia Automóvel.

3 – Se nos casos previstos nos números anteriores o acidente de viação for, nos termos do n.º 2 do artigo 51.º, subsumível em contrato de seguro automóvel de danos próprios a acção deve ser proposta também contra respectiva empresa de seguros.

  Sobre esta versão e responsabilidade civil automóvel pelos danos resultantes de «acidentes de viação dolosamente provocados», pode ver-se o acórdão deste Supremo Tribunal de 18 de Dezembro de 2008, proferido no processo n.º 3852/08, desta 3.ª Secção.

       Retornando ao Código de Processo Penal de 1929

       O artigo 30.º dispunha sobre a acção civil em separado perante o tribunal civil; o artigo 31.º sobre o efeito da transacção na acção civil; o artigo 32.º sobre a legitimidade para o pedido de indemnização.

       Estabelecia o

                                                          Artigo 33.º

    Efeito da extinção da acção penal antes do julgamento

A extinção da acção penal antes do julgamento impedirá que o tribunal continue a conhecer da acção por perdas e danos, a qual todavia poderá ser proposta no tribunal civil.

        Dispunha o

                                                            Artigo 34.º

                                            Reparação por perdas e danos

O juiz, no caso de condenação, arbitrará aos ofendidos uma quantia como reparação por perdas e danos, ainda que lhe não tenha sido requerida.

§ 1.º Quando a lei conceder a reparação civil a outras pessoas, a estas será arbitrada a respectiva indemnização.

§ 2.º O quantitativo da indemnização será determinado segundo o prudente arbítrio do julgador, que atenderá à gravidade da infracção, ao dano material e moral por ela causado, à situação económica e à condição social do ofendido e do infractor.

§ 3.º As pessoas a quem for devida a indemnização poderão requerer, antes de proferida sentença final em 1.ª instância, que ela se liquide em execução de sentença e, neste caso, se procederá à liquidação e execução perante o tribunal civil, servindo de título exequível a sentença penal.

§ 4.º Se estiver pendente ou tiver sido julgada no tribunal civil acção por perdas e danos, nos casos em que a lei o permita, a reparação civil não será fixada na acção penal.

         

 Sob a epígrafe “Conteúdo da sentença condenatória”, estabelecia o

 

                                                          Artigo 450.º

A sentença condenatória deverá conter:

5.º – A condenação na pena aplicada, indemnização por perdas e danos e impostos de justiça.

      

       O Decreto-Lei n.º 35 007, de 13 de Outubro de 1945, que remodelou alguns princípios básicos do processo penal, teve em vista apenas a acção penal.

       O Decreto-Lei n.º 605/75, de 3 de Novembro, teve em vista a simplificação e celeridade do processo penal, a fusão num só dos processos correccional e de polícia correcional, bem como a instituição do júri para julgamento dos crimes mais graves.

       Mais.

       Como consta da parte final do n.º 1 do preâmbulo: “Entendeu-se também ter carácter prioritário a concessão ao juiz da faculdade de condenar o réu em indemnização cível, mesmo que o absolva da acusação crime, desde que exista ilícito civil ou responsabilidade fundada no risco”.

       No ponto 5, especificava: “Quando o juiz absolve da acusação crime, mas fique provado o ilícito, ou nos casos de mera responsabilidade civil objectiva, não se vê razão para a inutilização de toda a actividade processual desenvolvida, obrigando as partes a um ulterior recurso ao juízo cível, com as consequentes e inevitáveis demoras e prejuízos materiais. Concede-se, assim, ao juiz a faculdade de condenar o réu em indemnização cível, mesmo que o absolva da acusação crime”.

 

       E assim passou a estabelecer no capítulo “V - Da reparação do dano civil”, o

 

                                                             Artigo 12.º

       Nos casos de absolvição da acusação-crime, o juiz condenará o réu em indemnização cível, desde que fique provado o ilícito desta natureza ou a responsabilidade fundada no risco.

      Nestes casos, aplicar-se-á o disposto no artigo 34.º e seus parágrafos do Código de Processo Penal, com as necessárias adaptações.

       Neste quadro, a atribuição de indemnização em caso de condenação pelo crime era oficiosa, como decorria do artigo 34.º do Código de Processo Penal, e ao abrigo do aludido artigo 12.º, desde que fundada, era obrigatória a condenação nos casos de absolvição da acusação-crime.

     

      E no caso de condenação em indemnização ao abrigo do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 605/75, de 3 de Novembro, sempre que o titular do direito à indemnização não tivesse constituído advogado, cumpria ao Ministério Público exercer o controle sobre o efectivo pagamento daquela, diligenciar pelo seu cumprimento voluntário ou coercivo, como decorria do artigo 13.º do mesmo Decreto-Lei n.º 605/75.

       Natureza da reparação ao abrigo do artigo 34.º do Código de Processo Penal

       Questionava Figueiredo Dias: “O arbitramento, na sentença condenatória penal, de uma reparação ao ofendido (art. 34.º) será efectivamente uma decisão em coisa cível – uma indemnização civil de perdas e danos?”.

 

 Foi discutida a natureza da reparação de perdas e danos arbitrada em processo penal, ao abrigo do artigo 34.º do Código de Processo Penal, defendendo uns, que, revestindo uma natureza especificamente penal, era de considerar como um efeito penal da condenação.

       Assim era a posição dominante na jurisprudência, ut acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10-05-1955, no BMJ n.º 49, pág. 323; de 29-11-1955, BMJ n.º 52, pág. 577, de 11-06-1964, processo n.º 31 521, BMJ n.º 138, pág. 288, de 24-02-1965, processo n.º 31 637, BMJ n.º 144, pág. 154; de 14-11-1973, processo n.º 34 080, BMJ n.º 231, pág. 80 (o arbitramento de indemnização é mero efeito da condenação); de 17-04-1974, processo n.º 34 126, BMJ n.º 236, pág. 88 (a indemnização arbitrada aos ofendidos em processo penal, nos termos do artigo 34.º do CPP, é uma consequência da condenação penal); e de 10-12-1980, processo n.º 36 025, BMJ n.º 302, pág. 186 (Em processo penal é obrigatório arbitrar indemnização ao ofendido como mero efeito da condenação, não sendo lícito ao julgador deixar oficiosamente a fixação para execução de sentença) e da Relação de Coimbra, de 19-03-1980, BMJ n.º 299, pág. 421.

 Na Doutrina, partindo do sistema da interdependência ou adesão, perfilhado pela nossa lei, e da natureza penal da indemnização atribuída aos ofendidos, Figueiredo Dias, no já citado estudo “Sobre a reparação de perdas e danos arbitrada em processo penal”, (trabalho escrito em 1963 como contribuição para os Estudos «in memoriam» do Professor Beleza dos Santos e publicado pela primeira vez em 1966, formando o volume XVI do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra - assim no prefácio de fls. 5), pág. 105, com reimpressão pela Livraria Almedina em 1972, págs. 15 e 25 a 58, e em Direito Processual Penal, 1.º volume, 1.ª edição, 1974, reimpressão (reeditada pela Coimbra Editora em 1981 e em 2004), no § 16 - O lesado e a reparação de perdas e danos arbitrada em processo penal - págs. 539 a 575, e Castanheira Neves, Sumários de processo criminal, Coimbra, 1968, págs. 190 a 197, sustentaram que a reparação civil arbitrada no processo penal tinha uma específica natureza penal, sendo um efeito penal da condenação e que os critérios da determinação do quantitativo da indemnização penal não são idênticos aos critérios próprios de uma indemnização puramente civil e que era o critério penal que devia presidir à determinação do montante a arbitrar (gravidade objectiva e culpa). E ainda neste sentido se pronunciou Eduardo Correia, Direito criminal, I, 1963, pág. 16, nota 2.

        Figueiredo Dias debruçou-se sobre o tema a propósito do artigo 34.º do CPP de 1929, afirmando a distinção entre a indemnização civil de perdas e danos e a reparação arbitrada em processo penal, por se tratar de coisas diferentes, aquela ligada ao dano e esta ligada à culpa, o que de resto, como dá nota, era assinalado em jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.  

       Quanto à natureza desta última, colocavam-se duas teses: não é nem pode ser coisa diferente da indemnização que o tribunal civil decretaria se o pedido surgisse perante ele, segundo uns, enquanto para outros tratava-se de efeito penal da condenação, que não tem de coincidir com a sanção de natureza civil.

      Afirmava o Autor, a págs. 34, que sendo a reparação um efeito necessário, como que automático, da condenação penal, logo se exclui que o dano que a fundamenta tenha de ser exactamente, aquele mesmo dano que fundamenta a responsabilidade civil.

       No citado estudo, a págs. 51, partindo da consideração da reparação de perdas e danos como um efeito penal da condenação, questiona se terá algum sentido falar-se de um «processo de adesão», se terá algum sentido a exigência, contida nos artigos 29.º do CPP e 2373.º do Código Civil, de que o pedido de indemnização civil de perdas e danos adira, em princípio à acção penal, justificando a resposta afirmativa, porque ainda assim se cumprem as razões que em geral aduzem a favor do processo de adesão, nomeadamente, as de economia processual, protecção do lesado e auxílio à função repressiva do direito penal.

       O Autor, considerando a reparação como parte integrante da própria sanção penal (pág. 56 do estudo de 1963, publicado em 1966), não sendo de negar a função adjuvante da pena assinalada à reparação, mas considerando-se esta, sempre, como extrínseca àquela e portanto reduzida à sua pura estrutura de indemnização civil (pág. 57 e do mesmo modo na edição de 1981 de Direito Processual Penal, pág. 565), após enumerar as melhores formas de estruturar o “processo de adesão” – opção pela obrigatoriedade da adesão ou pelo princípio da opção; consignação de soluções destinadas a activar o cumprimento da reparação por parte do ofendido, eventualmente, mesmo, durante a execução da pena; condicionamento da aplicação de certos tipos de penas pela prévia satisfação da reparação; protecção de forma particular do direito (civil) do lesado em obter reparação – terminava, a págs. 58, assim: “O que terá, deste ponto de vista, de banir-se (e para que tal necessidade se sinta com premência absoluta basta que os actuais projectos de Código Civil e de Código de Processo Penal entrem em vigor com as disposições que a este ponto se referem ou outras equivalentes) serão disposições como a do artigo 34.º do Código de Processo Penal, não só enquanto consigna a obrigatoriedade do arbitramento da reparação contra ou sem a vontade do lesado, como ainda enquanto liga tal arbitramento ao crime praticado e não ao dano civil através dele produzido, e, sobretudo, enquanto prescreve um critério especial – com nítida fundamentação jurídico - penal) – de determinação do seu quantitativo”.

 

       Dentro desta tese, “a circunstância de o Tribunal criminal condenar o infractor a uma reparação do dano não impede que, depois, em acção civil, este seja demandado para efectivação da sua responsabilidade civil, naquilo em que ela porventura importe um montante superior ao fixado na acção penal”. Assim, Adriano Vaz Serra, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 99.º, pág. 14.

       A maioria da Doutrina, porém, sustentava que tal reparação assumia natureza civil, pautando-se pelos mesmos pressupostos de fixação do direito civil, defendendo que o arbitramento, na sentença condenatória penal, de uma reparação ao ofendido (artigo 34.º) era efectivamente uma decisão em coisa cível, uma indemnização civil de perdas e danos.

       Assim:

       Manuel Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, I (1955), págs. 133 a 142, ensinava que “a conexão da responsabilidade civil com a responsabilidade penal tem efeitos na estrutura do processo penal, porquanto neste se integra, nos casos indicados pela lei, uma acção cível”, pelo que, consequentemente, “parece dever admitir-se o caso julgado quanto ao conteúdo da indemnização, fixada em processo penal”.

       Manuel Gomes da Silva, O dever de prestar e o dever de indemnizar (1949), págs. 109 e segs. (revisitando o texto de 1944, a partir do particular enfoque da ressarcibilidade dos danos morais, afirmava, a págs. 72 (com sublinhados nossos):    

       “Além disso, o próprio facto de ser admissível a acção civil emergente de factos criminosos antes de se verificarem estes ou quando cessou todo o procedimento criminal prova que o fundamento dessa acção civil não é o carácter criminoso desses actos. A reparação civil, mesmo nos casos de responsabilidade conexa com a criminal, tem natureza e fundamento civis, pois doutro modo não seria admissível sem estar provada a infracção penal. Daí resulta ser perfeitamente legítimo argumentar-se com o § 2.º do art. 34.º do Código de Processo Penal, para delimitar o âmbito da reparação por danos resultantes de factos não criminosos”. “Na mesma ordem de idéias é ainda digna de relevo a circunstância de a responsabilidade a que o nosso Código Civil chama conexa com a criminal não ser responsabilidade derivada de factos necessàriamente criminosos, mas sòmente de factos que de um modo geral têm êsse carácter” (…) “o artigo 34.º do Código de Processo Penal tem fundamento essencialmente civil, devendo considerar-se, por isso, aplicação do princípio geral do art. 2361.º do Código Civil”.                     

       Adriano Vaz Serra, Tribunal competente para apreciação da responsabilidade civil conexa com a criminal - Valor, no juízo civil, do caso julgado criminal. Garantias de indemnização no BMJ n.º 91, págs. 147 a 206, e na anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Novembro de 1974, BMJ n.º 241, pág. 237, na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 108.º (1975-1976), n.º 3557, pág.313.

       F. M. Pereira Coelho, Culpa do lesante e extensão de reparação, Revista de Direito e de Estudos Sociais (RDES), Ano VI (1950-1951), Atlântida – Livraria Editora, Lda., Coimbra, págs. 68 a 87, maxime, págs. 84 e segs.

       Luís Nunes de Almeida, Natureza da reparação de perdas e danos arbitrada em processo penal, texto publicado na Revista da Ordem dos Advogados (ROA) - Prémio da Ordem dos Advogados para Estudantes de Direito 1968 – Ano 29 (1969), págs. 5 a 26, afirmando a págs. 25: “a reparação de perdas e danos arbitrada em processo penal assume natureza civil, produzindo consequentemente efeitos civis; isto é, uma vez arbitrada a reparação em processo penal não poderá o lesado vir pedir uma posterior correcção da indemnização ao tribunal civil”, rematando a págs. 26: “No direito actual [na vigência do CC1966] a reparação de perdas e danos arbitrada em processo penal avalia-se por critérios civis e o seu arbitramento pelo tribunal criminal constitui caso julgado civil”.

 Neste sentido, distanciando-se da jurisprudência então dominante, que considerava a indemnização uma mera reparação como efeito acessório da pena (v. g., citados acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10-05-1955, no BMJ n.º 49, pág. 323; de 29-11-1955, BMJ n.º 52, pág. 577; de 11-06-1964, processo n.º 31 521, BMJ n.º 138, pág. 288; de 24-02-1965, processo n.º 31 637, BMJ n.º 144, pág. 154; de 14-11-1973, processo n.º 34 080, BMJ n.º 231, pág. 80; de 17-04-1974, processo n.º 34 126, BMJ n.º 236, pág. 88 e de 10-12-1980, processo n.º 36 025, BMJ n.º 302, pág. 186), pronunciaram-se os Juízes Conselheiros vencidos no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, tirado nos termos do artigo 728.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, de 8 de Maio de 1974, proferido no processo n.º 64.651, publicado no BMJ n.º 237, pág. 201, o acórdão do STJ de 5 de Novembro de 1974, proferido no processo n.º 65.357, BMJ n.º 241, pág. 237, anotado por Vaz Serra na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 108.º, pág. 311 e o Assento do Supremo Tribunal de Justiça  de 28 de Janeiro de 1976, proferido no processo n.º 65.497, publicado no Diário do Governo, 1.ª série, de 11 de Março de 1976, na Revista dos Tribunais, Ano 94.º, n.º 1909, pág. 109 e no BMJ n.º 253, pág. 109, que defendeu,  no domínio do Código de Processo Penal de 1929, a natureza civil da reparação, afirmando não parecer “ter bom fundamento supor critérios divergentes para atribuir indemnização na acção penal e na acção civil.

       O objectivo da indemnização é ressarcir danos e tem que estar presente, em termos idênticos, ao juiz penal e ao juiz civil.

       De resto, o § 2.º do artigo 34.º do CPP manda observar prudente arbítrio e atender à gravidade da infracção, ao dano moral e material por ela causado, à situação económica e à condição social do ofendido e do infractor, idênticos sendo os factores a que a lei civil, nos artigos 483.º e seguintes, manda atender.

       Não se reconhece que deva haver, em matéria de indemnização, um critério penal e um critério civil, distintos porque o primeiro deve considerar em primeira linha a gravidade da acção. A circunstância de a gravidade da infracção figurar em primeiro lugar na enumeração feita no § 2.º do artigo 34.º do CPP não assume significado especial que do texto possa inferir-se, e bem pode tomar-se como alusão ao grau de culpa, também atendível no direito civil, e aos danos produzidos”.

       Na sequência, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Novembro de 1979, proferido no processo n.º 68 072, publicado no BMJ n.º 291, pág. 470, a defender a prevalência do Código Civil no que toca a definição da extensão dos prejuízos nos termos dos artigos 562.º, 564.º, 566.º, n.º 2 e 570.º, n.º 1, podendo aí ler-se que “Com a publicação do actual Código Civil, parte da matéria contida no § 2.º do artigo 34.º do CPP pode considerar-se ab-rogada pelas disposições daquele Código que a vieram regular sob outros aspectos (artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 47 334, de 25-11-1966). Por isso terão de prevalecer os princípios do Código Civil na aferição dos danos, nas decisões criminais, com prejuízo da autonomia do § 2.º do artigo 34.º do CPP”.

    Defendendo a natureza civil da indemnização arbitrada ao abrigo do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 605/75, de 3 de Novembro, pronunciou-se o acórdão deste Supremo Tribunal de 21 de Fevereiro de 1980, no processo n.º 35 754, publicado no BMJ n.º 294, pág. 224, afirmando:

       “Tendo natureza especificamente civil a indemnização arbitrada em processo penal nos termos do artigo 12.º do DL 605/75, com base em ilícito civil, não pode o tribunal superior, em via de recurso, agravar ou aumentar o quantitativo de tal indemnização fixada na decisão recorrida, se desta apenas tiver interposto recurso o responsável pelo seu pagamento”.

       E assim convoca as normas dos artigos 661.º, n.º 1, 668.º, n.º 1, alínea e), 716.º, n.º 1 e 752.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

   Versando o artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 605/75, de 3 de Novembro, veja-se o acórdão de 2-06-1976, proferido no processo n.º 34 588, publicado no BMJ n.º 258, pág. 149, afirmando a aplicabilidade da norma aos réus só civilmente responsáveis.  

       O enquadramento no direito substantivo - Código Penal de 1852/1886

   

       Código Penal de 1852

 Aprovado pelo Decreto de 10 de Dezembro de 1852 “confirmado pela lei de 1 de Junho de 1853 (D. do G. n.º 128), que lhe deu, do mesmo modo que a outros decretos da dictadura, chamada da regeneração, a indispensável força de lei”.

       Código Penal de 1886

       Pelo Decreto de 16 de Setembro de 1886, usando da autorização concedida ao Governo pelo artigo 5.º da Carta de Lei de 14 de Junho de 1884 (Nova Reforma Penal), foi aprovada a nova publicação oficial do Código Penal, inserindo as disposições da mesma Lei, ou seja, as da Nova Reforma.

       Estabelecia o artigo 5.º da Nova Reforma Penal:

       “É auctorisado o governo a fazer uma nova publicação official do codigo penal, na qual deverão inserir-se as disposições da presente lei”.

       A redacção fundamental do Código Penal vigente até 31 de Dezembro de 1982 (artigos 2.º e 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, que aprovou o Código Penal de 1982) é assim a do Código Penal de 1852 com a nova publicação oficial de 1886, em que foram introduzidos os princípios da Nova Reforma Penal de 1884 (a que se juntaram reformas parciais posteriores, como a de 1931 – Decreto-Lei n.º 20 146, de 1 de Agosto – e a de 1954 – Decreto-Lei n.º 39 688, de 5 de Junho).

       (Fontes: Código Penal Approvado por Decreto de 10 de Dezembro de 1852, Edição Official, Lisboa, Imprensa Nacional, 1853, da Oitava Edição Official, 1882, e Código Penal Portuguez Annotado por Antonio Luiz de Sousa Henriques Secco, Lente de Prima, Decano e Director da Faculdade de Direito, 6.ª edição, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1881).

       Inserto no Capítulo II – Dos efeitos das penas –, do Título II – Das Penas e seus efeitos e das medidas de segurança – estabelecia o

 

                                                      Artigo 75.º

                                    (Efeitos não penais da condenação)

O réu definitivamente condenado, qualquer que seja a pena, incorre:

3.º – Na obrigação de indemnizar o ofendido do dano causado, e o ofendido ou os seus herdeiros requeiram a indemnização.

                                      

       Inserto no Capítulo VI – Da extinção da responsabilidade criminal – estabelecia o

                    

                                                      Artigo 127.º

                             (Responsabilidade civil conexa com a criminal)

A imputação e a graduação da responsabilidade civil conexa com os factos criminosos são regidas pelo Código Civil.

 

       Com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 184/72, de 31 de Maio, dispunha o “sucessor”

                                                      Artigo 128.º

                                              (Responsabilidade civil)

A imputação e a graduação da responsabilidade civil conexa com os factos criminosos são regidas pela lei civil.

       O que significava que na fixação da indemnização devida pela prática de infracção criminal era de atender (a partir de 1 de Junho de 1967) aos critérios estabelecidos nos artigos 483.º e seguintes do Código Civil.

       Código Penal de 1982

       Com o Código Penal de 1982, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, entrado em vigor, conforme o artigo 2.º, em 1 de Janeiro de 1983, integrado no Título VI, do Livro I, com a epígrafe “Indemnização de perdas e danos por crime”, estabelecia o

                                                                Artigo 128.º

                                       Responsabilidade civil emergente de crime

      A indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil.

      O preceito surge com ligeiras alterações, na sequência do que estabelecia o artigo 106.º do Projecto da Parte Geral do Código Penal de 1963, como se alcança da Acta da 32.ª sessão da Comissão Revisora, realizada em 28 de Abril de 1964, e publicada no BMJ n.º 151, págs. 25/6/7, o qual, inserto no Capítulo Único – Da indemnização de perdas e danos por um crime – do Título VII, dizia:

                                                               Artigo 106.º

       “A indemnização de perdas e danos aos ofendidos por um crime será regulada pela lei civil”.

       O Autor do Projecto ponderou que a regulamentação deste problema procura ligar-se à ideia de que, pelo menos no ponto de vista substantivo, a indemnização civil do dano produzido pelo crime é coisa diferente, de todo o ponto, da responsabilidade penal: por isso ela deve atribuir-se e calcular-se com base em critérios puramente civis.

       (Realce nosso).

       (…)

       Deve por último considerar-se que a regulamentação do problema (substantivo) da indemnização deixa intocada a questão (adjectiva) do processo de adesão. Mesmo em face do texto proposto, pois, poderá continuar a considerar-se que o arbitramento da indemnização pode ou mesmo deve ser feito pela jurisdição penal.

       Na circunstância, o Professor Gomes da Silva entendeu ser de defender a solução preconizada desde logo, à face do direito actual (leia-se 1964), “porquanto se não justifica que o perfil e a natureza da responsabilidade civil sejam distorcidos só pelo facto de esta provir de um crime”.

       Acrescentava: “Claro que, em face da regulamentação actual – e sobretudo do § 2.º do artigo 34.º do Código de Processo Penal – torna-se particularmente difícil defender a solução em toda a sua pureza, uma vez que aquele preceito parece fazer depender o quantitativo da indemnização, fundamentalmente, da culpa do agente; mas a verdade é que a culpa entra também hoje já na determinação da responsabilidade civil, mesmo da contratual. Por outro lado, a outra tese leva sempre a incongruências, nomeadamente a ter de se considerar que o arbitramento da indemnização pelo tribunal penal não faz caso julgado perante a jurisdição civil. Por tudo isto, a solução preconizada pelo Projecto é de acolher”. 

       Em particular preconizou que a epígrafe do Capítulo, então “Da indemnização de perdas e danos por um crime” dissesse “Da responsabilidade civil emergente do crime” e que no artigo se substituísse a referência aos “ofendidos”, dizendo: “… danos devida pelo crime”, o que foi aprovado por unanimidade.

   O legislador de 1982 fez assim triunfar o entendimento civilístico da reparação arbitrada em processo penal, assumindo natureza estritamente civil, acentuando a definição da indemnização como prestação de natureza civil, sendo a indemnização civil do dano produzido pelo crime atribuída e calculada com base em critérios puramente civis.

       Manuel da Costa Andrade em A vítima e o problema criminal, Coimbra, 1980, Separata do volume XXI do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Dissertação para exame do Curso de pós-graduação em Ciências Jurídico-Criminais da Faculdade de Direito de Coimbra), a propósito da reparação da vítima – ponto 13, pág. 243 e ss., maxime, págs. 258/9 –, ao versar o artigo 123.º da Proposta de Lei n.º 117/I, “alinhada segundo as lições mais ambiciosas do direito comparado e que pode abrir a porta a uma regulamentação concreta que dê satisfação às sugestões mais vincadas de raiz vitimológica”, tratando-se de uma inovação de saudar, “não só por reconhecer e querer tornar actuante um princípio de responsabilidade social, como pelo plano de relevo que se propõe assegurar à vítima, privilegiando manifestamente a sua posição sobre a do Estado na concorrência em relação aos instrumentos do crime e, mesmo, em relação às «importâncias das multas»”, escrevia em nota de rodapé :“O facto de o artigo 132.º, n.º 1, prever que a «indemnização de perdas e danos de um crime é regulada pela lei civil» não colide necessariamente com as soluções referidas no texto. Civil por força dos critérios que determinam o seu quantum, a indemnização pode ser decretada no processo penal e aproveitada para fins de prevenção, retribuição e reconciliação, à semelhança do que acontece, por exemplo, em Cuba. No mesmo sentido, F. Dias, (n. 19, 1974), p. 559 s.”.

  Comentando a inovação e assunção de posição na querela precedente, Maia Gonçalves, no Código de Processo Penal Anotado e Comentado, 2.ª edição, Livraria Almedina – Coimbra 1984, com prefácio datado de Outubro de 1983, anotando que se tratava de disposição de direito substantivo, não tendo a lei introdutória – Decreto-Lei n.º 400/82 – revogado quaisquer disposições processuais, continuando em vigor os artigos 29.º e seguintes do CPP e artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 605/75, afirmava:

       “Determina-se aqui que a indemnização de perdas de danos, de qualquer natureza, que emergem da prática de um crime, é regulada, quantitativamente e nos seus pressupostos, pela lei civil. Toma-se, portanto, partido numa conhecida querela doutrinária, muito debatida desde que a culpa penetrou na determinação da responsabilidade civil, mesmo contratual”.

      E acrescentava: “Este artigo não significa, porém, que o arbitramento da indemnização deva ser feito na jurisdição civil, nem mesmo que ela não possa ser arbitrada no processo penal quando no julgamento se apurem os seus pressupostos e não obstante isso não haja lugar a condenação penal (responsabilidade civil objectiva, por exemplo.) Estas são questões processuais que a lei adjectiva resolve”. (Sublinhado nosso).

      Carlos Lopes do Rego, «As partes civis e o pedido de indemnização deduzido no processo penal», Revista do Ministério Público, Balanço de um ano de vigência do Código de Processo Penal – Cadernos – 4, edição do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, de Fevereiro de 1990, págs. 61/2, após enunciar o texto do artigo 128.º do Código Penal, afirma:

  “Com esta formulação, consagrou o legislador expressa e inequivocamente que toda a indemnização atribuída no âmbito do processo penal tem a natureza de indemnização civil de perdas e danos.

  Ficou, assim, definitivamente arredada, face aos dados do ordenamento vigente, a tese de que a indemnização arbitrada em processo penal, ao menos na hipótese a que aludia o art.º 34.º do anterior CPP, teria uma específica natureza penal, constituindo ainda o seu arbitramento um efeito da condenação e obedecendo a sua determinação a critérios especificamente penais, autónomos relativamente aos decorrentes do estabelecido no CC.

  Coube ao CPP vigente retirar desta qualificação jurídico-material toda uma série de corolários a nível processual.

       O primeiro e mais relevante consistiu em eliminar os preceitos que impunham ou permitiam ao juiz penal o arbitramento oficioso de indemnização por perdas e danos ao lesado. Presentemente, a atribuição de indemnização civil aos lesados só poderá verificar-se se estes se tiverem constituído partes civis, lançando mão do processo de adesão e deduzindo oportunamente as respectivas pretensões indemnizatórias enxertadas no processo penal.

       Estabelece-se, por esta via, também no âmbito da indemnização fixada no processo penal, o império do princípio do dispositivo, como consequência logicamente decorrente da qualificação da pretensão indemnizatória do lesado como sendo de natureza civil.

       Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, ao abordar as penas, medidas de segurança e institutos de natureza especial como consequências jurídicas do crime, mais concretamente, a reparação do dano e a indemnização de perdas e danos emergente de um crime, no § 13, págs. 45/6, refere: “Até à publicação do CP de 1982 ela constituía um efeito da condenação (art. 75.º, § 3.º, do CP de 1886) e o seu estudo cabia legitimamente, por isso, na doutrina das consequências jurídicas do crime. Tratava-se ali na verdade, de um efeito penal da condenação, hoc sensu, de uma «parte da pena pública», de arbitramento oficioso, que se não identificava, nos fins e nos fundamentos, com a indemnização civil, nem com ela tinha de coincidir no seu montante.

       O art. 128.º do CP vigente, ao dispor que «a indemnização de perdas e danos emergente de um crime é regulada pela lei civil», alterou profundamente a situação. Não no que toca ao sistema (processual) de adesão obrigatória do pedido civil de indemnização ao processo penal, que subsiste nos precisos termos agora constantes do art. 71.º do CPP de 1987. Mas já no que toca ao carácter oficioso e aos critérios penais do arbitramento, que foram eliminados pela nova lei (art. 84.º do CPP)”.

 Prossegue no § 14, pág. 46, afirmando: “No que aqui especialmente importa, a questão da indemnização de perdas e danos emergente de um crime releva hoje pois, em exclusivo, do direito civil e do direito processual penal, tendo-se tornado estranha à doutrina das reacções criminais: tratando-se ali, de um ponto de vista formal, de uma consequência jurídica do crime, não se analisa ela todavia substancialmente – como seria mister para dever entrar no objecto da nossa consideração – numa consequência jurídica de carácter criminal. E tanto assim é que, nos termos do inciso contido no art. 84.º do CPP, a condenação em indemnização civil pode ter lugar, no processo penal, mesmo em caso de absolvição: uma solução que seria incompreensível à luz da natureza penal da indemnização, mas que se aceita sem dificuldade à luz da sua natureza civil”.

       Mais à frente, o Autor coloca a questão de saber se a reparação do dano pode ser considerada como terceira espécie de sanção criminal – § 64, págs. 77/8 – abordando a concepção da reparação proposta e sufragada por Ferri, segundo a qual deveria fazer-se da reparação uma verdadeira sanção (penal) reparatória, surgindo a reparação como um efeito penal da condenação, de arbitramento oficioso portanto, e teria critérios de medida que se não confundiriam necessariamente com os critérios jurídico-civis, antes seriam de natureza predominantemente penal, fruto da específica função político-criminal que a um tal instituto era atribuído: a de colaborar na realização das finalidades próprias das sanções penais de cariz preventivo.

       Esta concepção, acolhida nos artigos 29.º e ss do CPP de 1929, foi abandonada com a entrada em vigor do CP de 1982 e seu artigo 128.º.

       Nos §§ 65 e 66, págs. 78/9, o Autor adianta os três argumentos fundamentais favoráveis à consideração da reparação como um tertium genius das sanções penais, ao lado das penas e das medidas de segurança, defendendo dever acrescer a consideração da reparação como condição de aplicação de certas penas de substituição e como determinante essencial, relativamente a certos crimes de pequena ou média gravidade, nomeadamente patrimoniais, da dispensa de pena.

      Concretiza no § 72, págs. 82/3, dizendo que a reparação do dano cumpre a função para ela proposta pelas concepções político-criminais mais recentes, na medida em que releva não só, como já é tradicional, para efeito de atenuação especial da pena [art. 73.º-2, c)], mas também como possível dever condicionante da aplicação da suspensão da execução da pena de prisão e do regime de prova [arts. 49.º-1, a), e 54.º-2, in principio] e como condição indispensável de dispensa de pena (art. 75.º). No que respeita aos crimes patrimoniais, a reparação conduz, em geral, à redução a metade dos limites da pena aplicável (arts. 301.º-1, 305.º-3, 313.º-2, 315.º-3 e 319.º-2).  

       Código Penal de 1995

       Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março (Diário da República, I-A Série, n.º 63, de 15 de Março de 1995, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 73-A/95, Diário da República, Suplemento, I-A Série, n.º 136/95, de 14 de Junho de 1995), emergindo da autorização legislativa conferida pela Lei n.º 35/94, de 15 de Setembro.

       Integrado no Título VI – Indemnização de perdas e danos por crime –, do Livro I, na versão da terceira alteração do Código Penal, operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, entrada em vigor em 1 de Outubro seguinte, conforme artigo 13.º, “sucedendo” ao artigo 128.º do Código Penal de 1982, com ligeira alteração no texto, suprimindo o artigo indefinido “um” entre “de” e “crime”, passando a dizer:

 

                                                           Artigo 129.º

                                      Responsabilidade civil emergente de crime

A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.

       Concluindo.


       Enquanto o Código Civil de 1867 e o Código de Processo Penal de 1929 regulavam autonomamente a responsabilidade por perdas e danos emergentes do crime, nos seus pressupostos e quantitativamente, o Código Penal de 1982 – artigo 128.º – remeteu a disciplina da responsabilidade por perdas e danos para a lei civil, afastando desse modo o entendimento de que essa responsabilidade tinha natureza diversa da meramente civil, solução que foi mantida na revisão de 1995 (Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, entrado em vigor em 1 de Outubro seguinte - artigo 13.º), apenas se alterando o número do preceito, que passou para o artigo 129.º.  [Assim, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Verbo, 1996, pág. 111 (e pág. 127 na 5.ª edição, revista e actualizada - Editorial Verbo 2008)].

                                                                           *******

       Desde cedo a jurisprudência, maxime, do Supremo Tribunal de Justiça, entendeu que a norma do artigo 128.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro (e posteriormente, obviamente, quanto ao actual artigo 129.º, numeração assumida na Reforma de 1995), apenas determina que a indemnização é regulada “quantitativamente e nos seus pressupostos” pela lei civil, remetendo para os critérios da lei civil relativos à determinação concreta da indemnização, porém, não tratando de questões processuais, que são reguladas pela lei adjectiva penal, nomeadamente, nos artigos 71.º a 84.º do Código de Processo Penal.

       Neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-12-1984, proferido no processo n.º 37.575, publicado no BMJ n.º 342, pág. 227; de 06-03-1985, proferido no processo n.º 37.727, publicado no BMJ n.º 345, pág. 213; de 13-02-1986, processo n.º 38.028; de 06-01-1988, no BMJ n.º 373, pág. 264; de 26-10-1989, na Actualidade Jurídica (AJ), n.º 2, pág. 4 (“A indemnização por perdas e danos provocados pela prática de um crime é regulada pela lei civil, pelo que a essa lei – arts. 483.º e segs. do CC – se têm de ir buscar não só os pressupostos da responsabilidade civil, como também as regras de determinação dos danos a indemnizar); de 6-12-1989, processo n.º 40.158, Actualidade Jurídica (AJ), n.º 4, pág. 5 (Existindo nexo de causalidade entre a conduta do arguido e a morte da vítima, existe fundamento da responsabilidade civil, impondo-se a condenação na indemnização. Se esta for liquidada em execução de sentença, a execução correrá pelo tribunal civil, servindo de título executivo a sentença condenatória do tribunal criminal); fundamentação do Assento de 27-01-1993, proferido no processo n.º 42.798, publicado no BMJ n.º 423, pág. 57 (a acção cível para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais a que a infracção tenha dado lugar está substantivamente sujeita à lei civil); de 12-01-1995, processo n.º 45.261, in CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 181 (a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil “quantitativamente” e nos seus “pressupostos”; porém, processualmente, é regulada pela lei processual penal – arts. 71.º a 84.º); de 09-06-1996, processo n.º 6/95; de 06-11-1996, processo n.º 48.738, in CJSTJ 1996, tomo 3, pág. 185 [passando a ser determinada de acordo com os pressupostos e critérios, substantivos, da lei civil, por força da norma do art. 128.º do CP de 1982 (que revogou tacitamente o § 2.º do art. 34.º do CPP/1929) reproduzida no art. 129.º do CP/95, a reparação assume-se agora como pura indemnização civil que, sem embargo de se lhe reconhecer uma certa função adjuvante, não se confunde com a pena e no plano adjectivo, mantendo a adesão mas introduzindo alteração veio conferir à acção de indemnização pela prática de um crime, formalmente enxertado no processo penal, a estrutura material de uma autêntica acção civil]; de 10-12-1996, processo n.º 553/96, publicado na CJSTJ 1996, tomo 3, pág. 202 e BMJ, n.º 462, pág. 294; de 09-07-1997, processo n.º 1.257, in CJSTJ 1997, tomo 2, pág. 260; de 14-11-2002, processo n.º 3.316/02-5.ª; de 24-11-2005, processo n.º 2.831/05-5.ª; de 07-03-2007, processo n.º 4.596/06-3.ª; de 28-05-2008, processo n.º 131/08, por nós relatado; de 25-06-2008, processo n.º 449/08, por nós relatado; de 10-07-2008, processo n.º 1.410/08-3.ª; de 03-09-2008, processo n.º 3.982/07, por nós relatado; de 15-10-2008, processo n.º 1.964/08-3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 3.373/08-3.ª; de 05-11-2008, processo n.º 3266/08, por nós relatado; de 05-11-2008, processo n.º 3182/08-3.ª, in CJSTJ 2008, tomo 3, pág. 213; de 10-12-2008, do mesmo relator do anterior, no processo n.º 3638/08-3.ª, in CJSTJ 2008, tomo 3, pág. 251 [a indemnização de perdas e danos emergente de um crime é regulada pela lei civil (art.º 129.º do CP) nos respectivos pressupostos e só processualmente é regulada pela lei processual penal. A interdependência das acções significa independência substantiva e dependência (a «adesão») processual da acção cível relativamente ao processo penal]; de 18-02-2009, processo n.º 2.505/08-3.ª; de 25-02-2009, processo n.º 3.459/08-3.ª; de 25-02-2009, processo n.º 390/09-3.ª; de 15-04-2009, processo n.º 3.704/08, por nós relatado; de 18-06-2009, processo n.º 81/04.8PBBGC.S1-3.ª; de 04-02-2010, processo n.º 601/01.9IDPRT.S1-3.ª, por nós relatado; de 24-02-2010, processo n.º 151/99.2PBCLD.L1.S1, por nós relatado; de 15-04-2010, processo n.º 18/05.7IDSTR.E1.S1-3.ª; de 15-09-2010, processo n.º 322/05.4TAEVR.E1.S1, por nós relatado; de 14-10-2010, processo n.º 10146/04.0TDLSB.L1.S1-5.ª; de 10-11-2010, processo n.º 3891//03.0TDPRT.S1-3.ª (o processo penal, em caso de fixação de indemnização, recebe do direito substantivo, por incorporação, os respectivos pressupostos (art. 129.º do CP), adequando-se o enxerto cível às normas do direito adjectivo, instrumento de realização do direito substantivo); de 23-11-2010, processo n.º 658/07.0GAVFR.P1.S1-3.ª (A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil – art. 129.º do CP – ou seja, apenas quantitativamente e nos seus pressupostos, quanto aos danos e sua valoração, é submetida à lei civil. Todas as questões processuais orientam-se e determinam-se pela lei adjectiva, a lei processual penal); de 27-04-2011, processo n.º 712/00.9JFLSB.L1.S1-3.ª Secção, em que interviemos como adjunto (Como resulta claramente do disposto dos arts. 128.º e 129.º do actual CP, versões respectivamente de 1982 e 1995, a indemnização de perdas e danos, ainda que emergentes de crimes, deixou de constituir pois, um efeito penal da condenação, para passar a ser regulada pela lei civil, assumindo, pois, a natureza de uma obrigação civil em sentido técnico, significando que atribuição da indemnização em processo penal é regulada quantitativamente nos seus pressupostos pela lei civil e não já pela lei penal); de 24-05-2011, processo n.º 6503/05.3TDPRT.P1.S1-5.ª Secção; de 12-10-2011, processo n.º 1/01.1JBLSB.L1.S1-3.ª Secção; de 29-02-2012, processo n.º 11.968/03.5TDLSB.L2.S1-5.ª Secção; de 08-03-2012, processo n.º 13.375/02.8TDLSB-3.ª Secção, abordando responsabilidade por omissão de actos médicos e de enfermagem; de 29-03-2012, processo n.º 18/10.5GBTNV-3.ª Secção; de 27-06-2012, processo n.º 1.466/07.3TABRG.G1.S1-3.ª Secção; de 3-10-2012, processo n.º 9105/08.9TAVNG.P1.S1-3.ª Secção; na fundamentação do acórdão de 15-11-2012, Acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 1/2013, para além da referência directa, na pág. 59 - 2.ª coluna, in fine, a parafrasear na segunda coluna de págs. 69 do Diário da República, 1.ª série, n.º 4, de 7-01-2013 - cfr. nota de rodapé n.º 108 - o decidido nos acórdãos por nós relatados, de 4-02-2010, processo n.º 601/01.9IDPRT.S1 e de 15-09-2010, no processo n.º 322/05.4TAEVR.E1.S1; de 12-09-2013, processo n.º 513/10.6TDLSB.P1.S1, por nós relatado; de 20-11-2013, processo n.º 2047/05.1TASTB.E1.S2-3.ª (Decorre do artigo 129.º do CP, que os pressupostos materiais do direito à indemnização, são regulados pela lei civil, mas a ritologia processual, o regime especial processual a que a lei submete a sua tramitação, rege-se pelas regras do processo penal em que se incorpora); de 6-02-2014, processo n.º 2020/08.8TAVFX.L1.S1-5.ª Secção; de 17-09-2014, processo n.º 158/05.2PTFUN.L2.S1-3.ª Secção; de 11-02-2015, processo n.º 28/07.0TAPRD.P2.S1-3.ª; de 15-07-2015, processo n.º 1/05.2JFLSB.L1.S1, por nós relatado, em caso de contrato desportivo e na sequência de fraude fiscal; de 25-11-2015, processo n.º 24/14.0PCSRQ.S1, em caso de homicídio qualificado, na Ilha do Pico, por nós relatado; de 16-12-2015, processo n.º 641/11.0JACBR.C1.S1, por nós relatado em caso de incêndio na casa comum de família (Decorre do artigo 129.º do Código Penal que os pressupostos materiais do direito à indemnização de perdas e danos emergentes de crime são regulados pela lei civil. Contudo, dado que se trata de uma acção cível enxertada no processo crime, a ritologia processual, o regime especial processual a que a lei submete a sua tramitação é fornecido pelas regras do processo penal em que se incorpora, só se aplicando supletivamente o CPC nos casos omissos); de 13-01-2016, processo n.º 1178/10.OTAFIG.C1.S1, por nós relatado, e de 26-10-2016, processo n.º 953/09.3TASTR.E2.S1-3.ª Secção, em que interviemos como adjunto. 

       Reparação como condicionante de suspensão de execução de pena de prisão

              Diferente da indemnização é a reparação a cujo pagamento fica condicionada a suspensão da execução da pena de prisão.

      Como referimos no acórdão de 12-09-2013, no processo n.º 513/10.6TDLSB.P1.S1, a demarcação destes dois tipos de reparação – indemnização civil de perdas e danos e reparação arbitrada em processo penal – foi abordada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2012, de 12 de Setembro de 2012, proferido no processo n.º 139/09.7IDPRT.P1-A.S1, da 3.ª Secção, por nós relatado, publicado no Diário da República, 1.ª série – n.º 206 – de 24 de Outubro de 2012, no segmento “Natureza jurídica da condição”, a págs. 6006 (segunda coluna) a 6008, aí se afirmando:

  «A “indemnização”, rectius, “reparação” arbitrada como condicionante da suspensão da execução da pena de prisão não está dependente da dedução do pedido civil (artigo 71.º do CPP), não se confunde com este (tendo natureza jurídica diferente da que é objecto do pedido de indemnização cível, de modo tal que não se pode afirmar que a improcedência deste pedido determina a impossibilidade da atribuição daquela), nem tem a ver com o arbitramento ao abrigo do artigo 82.º-A, n.º 1, do CPP (reparação da vítima em casos especiais) e com a disciplina do artigo 377.º do mesmo CPP, nem mesmo com a responsabilidade civil emergente do crime, consubstanciando um forma de reparação autónoma, complemento integrante da sanção penal, que deve ser vista nas suas consequências, nomeadamente, em sede de incumprimento, apenas dentro dos contornos do instituto”.

Adjectivação da acção cível enxertada – Ritologia processual

 

       Neste campo o Código de Processo Penal contém as normas necessárias e suficientes para adjectivação da acção cível enxertada, sem necessidade de recurso a integração de lacunas, sendo inconciliáveis algumas das normas do processo civil, desde logo, aquelas que no campo do direito probatório, contrariem as regras do processo penal, sendo absolutamente incompatível com a imposição de regras sobre o ónus da prova o princípio constitucional da presunção de inocência do arguido (artigo 32.º, n.º 2, da Constituição, que estabelece que “Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa”), o qual surge articulado com o tradicional princípio in dubio pro reo, e que se considera também associado ao princípio nulla poena sine culpa.

       Segundo J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.ª edição revista e ampliada, 1.º volume, Coimbra Editora, 1984, os princípios da presunção da inocência e in dubio pro reo constituem a dimensão jurídico- processual do princípio jurídico-material da culpa concreta como suporte axiológico-normativo da pena, certo sendo que o arguido, não deixa de o ser pelo facto de cumular a qualidade civilística de demandado.

       Sob a epígrafe “Integração de lacunas”, estabelece o Código de Processo Penal no

                                                       Artigo 4.º

       Nos casos omissos, quando as disposições deste Código não puderem aplicar-se por analogia, observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal.

 

       Resulta claro do disposto no actual artigo 129.º do Código Penal que os pressupostos materiais do direito à indemnização de perdas e danos emergentes de crime são regulados pela lei civil.

  Contudo, tratando-se de uma acção cível enxertada no processo-crime, ou seja, incorporada no processo-crime que lhe está na origem, a ritologia processual, isto é, o regime especial processual a que a lei submete a sua tramitação é fornecido pelas regras do processo penal em que se incorpora, só se aplicando supletivamente o Código de Processo Civil nos casos omissos (artigo 4.º do CPP).

       Relativamente ao apuramento do quantitativo e pressupostos da indemnização, o regime aplicável é a lei substantiva civil – mormente os artigos 483.º e seguintes do Código Civil – mas no demais, mormente relativamente à prova de tais factos (ao apuramento dos factos constitutivos relevantes para a determinação da responsabilidade civil) seguem-se as regras do processo penal, só sendo possível recorrer às regras de direito processual civil, nos termos do artigo 4.º do CPP, isto é, quando estivermos perante casos omissos.

       No aspecto processual – mormente quanto à prova – tendo em conta uma interpretação sistemática e o princípio da suficiência do processo penal, o correspondente pedido de indemnização civil (enxertado no processo crime) rege-se pelas normas pertinentes do Código Processo Penal, sem prejuízo da aplicabilidade, como direito subsidiário, das normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal – artigo 4.º do CPP.

       Neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12-12-1984, proferido no processo n.º 37.575, publicado no BMJ n.º 342, pág. 227 (o artigo 128.º apenas determina que a indemnização é regulada quantitativamente e nos seus pressupostos pela lei civil, não tratando de questões processuais, que são reguladas pela lei adjectiva, assim aplicando o artigo 34.º do CPP), de 12-01-1995, processo n.º 45.261, publicado na CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 181 (1. A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil “quantitativamente” e nos seus “pressupostos”; porém, processualmente, é regulada pela lei processual penal – arts. 71.º a 84.º. - 2. Em processo penal vigoram os princípios da investigação e da livre apreciação da prova, mesmo em relação ao pedido de indemnização por perdas e danos. - 3. Por isso não há, mesmo nesse aspecto que considerar o princípio do ónus da prova e não tem efeitos cominatórios a falta de contestação); de 11-10-2000, processo n.º 327/00-3.ª (Independentemente da posição a tomar sobre a natureza da indemnização decorrente do crime, quis o legislador que essa indemnização fosse assumida pelo processo penal como “coisa” sua, a veicular pelas suas próprias normas, uma vez que o pedido assenta no facto ilícito criminoso, o que leva a concluir que, em quaisquer circunstâncias o pedido de ressarcimento de prejuízos havidos com o crime, porque alicerçados na sua prática, tem que seguir as regras inscritas no ordenamento processual penal); de 21-12-2006, processo n.º 3039/06-5.ª (Havendo pedido cível formulado na acção penal, é esta quem suporta, orienta e conforma todo o rito processual); de 10-12-2008, processo n.º 3638/08-3.ª, in CJSTJ 2008, tomo 3, pág. 251; de 03-03-2010, processo n.º 138/02.0PASRQ.L1-3.ª Secção: “A apresentação do pedido de indemnização civil em processo penal decorre do princípio da adesão e subordina-se às regras do processo penal, onde a intervenção processual do lesado restringe-se à sustentação e à prova do pedido de indemnização civil, competindo-lhe, correspondentemente, os direitos que a lei confere aos assistentes”; de 03-03-2010, processo n.º 138/02.0PASRQ.L1.S1-3.ª (a apresentação do pedido de indemnização em processo penal decorre do princípio da adesão e subordina-se às regras do processo penal); de 16-06-2010, processo n.º 142/06.9GTAVR.P1.S1-3.ª (aplicam-se ao pedido civil enxertado no processo penal as regras e princípios que regem o processo penal).

      No mesmo sentido se pronunciou o acórdão de 27-04-2011, proferido no processo n.º 712/00.9JFLSB.L1.S1, desta 3.ª Secção, em que interviemos como adjunto, onde após se afirmar que “XLIII - No plano do direito adjectivo, o actual CPP, mantendo o sistema de adesão, veio conferir àquela acção de indemnização pela prática de um crime, formalmente enxertada no processo penal, a estrutura material de uma autêntica acção civil, acolhendo, inequivocamente, os princípios da disponibilidade e da necessidade do pedido (arts. 71.º, 74.º a 77.º, e 377.º do CPP) e prescrevendo que a decisão final, ainda que absolutória, que conheça do pedido cível, constitui caso julgado nos termos em que a lei atribui eficácia de caso julgado às sentenças civis (art. 84.º do CPP)”, especifica-se o seguinte: “LV - Embora o processo civil defina vários aspectos do regime da acção enxertada, como da definição da legitimidade, das partes, é a acção penal que verdadeiramente suporta, orienta e conforma todo o rito processual, marcando definitivamente a cadência de intervenção dos demandantes civis na causa e os principais aspectos de forma a observar no seu desenrolar”.

       De forma clara igualmente se expressou o acórdão de 16 de Maio de 2012, proferido no processo n.º 196/00.1GAMGL.C2.S1, da 3.ª Secção, de que se extrai:

       “Na esteira do Ac. do STJ de 18-09-2009, a adesão do pedido cível ao processo penal significa independência no plano substantivo e dependência ao nível do processo penal.

       O iter probatório é o mesmo, com a especificidade de ao lado do conhecimento do facto se aditar o exame dos factos em ordem a que se fixem os demais pressupostos da responsabilidade extracontratual à luz do art. 483.º do CC (o dano e o nexo causal).

       Socorre-se das regras processuais penais a respeito da aquisição e valoração das provas, pois pela adesão o enxerto cível está obrigado a recebê-las. Mas no plano substantivo regem as normas da lei civil, por força do art. 129.º do CP, que se incorporam no processo.

       No entanto, conforme recentemente se decidiu no Ac. do STJ de 23-02-2012, Proc. n.º 296/04.9TAGMR - 5.ª, num caso em que o recurso respeita à parte civil, cindido, como resulta da al. c) do n.º 1 do art. 401.º do CPP, da acção penal, em que por força da inadmissibilidade do recurso da parte penal, transitando esta em julgado, não foi dada possibilidade ao lesado de discutir em recurso a decisão que deu como não provados os factos integrantes do crime, há-de aquela faculdade ser concedida, apenas se não retirando as consequências em sede penal da eventual procedência do recurso”.

       Mais recentemente, podem ver-se os acórdãos de 20-11-2013, processo n.º 2047/05.1TASTB.E1.S2-3.ª Secção, onde consta: “Decorre do art. 129.º do CP, que os pressupostos materiais do direito à indemnização, são regulados pela lei civil, mas a ritologia processual, o regime especial processual a que a lei submete a sua tramitação, rege-se pelas regras do processo penal em que se incorpora); de 6-02-2014, processo n.º 2020/08.8TAVFX.L1.S12-5.ª Secção; de 16-12-2015, processo n.º 641/11.0JACBR.C1.S1, por nós relatado “Decorre do artigo 129.º do Código Penal que os pressupostos materiais do direito à indemnização de perdas e danos emergentes de crime são regulados pela lei civil. Contudo, dado que se trata de uma acção cível enxertada no processo crime, a ritologia processual, o regime especial processual a que a lei submete a sua tramitação é fornecido pelas regras do processo penal em que se incorpora, só se aplicando supletivamente o CPC nos casos omissos”; de 13-01-2016, processo n.º 1178/10.OTAFIG.C1.S1, por nós relatado (Formalmente enxertada no processo penal e neste decidida, por força da unidade da causa de pedir (no caso responsabilidade delitual do demandado decorrente de ofensa à integridade física do demandante), determinante da conexão das acções penal e civil - embora no que concerne à materialidade conserve a sua autonomia por força da sua especificidade, maxime, na exposição, descrição e quantificação dos danos indemnizáveis - a acção cível segue, pois, o regime da acção penal, ou seja, o regime estabelecido pelo Código de Processo Penal, no que tange aos aspectos processuais, inclusive, quando caso disso, no que se reporta a nulidades e vícios da sentença); de 30-06-2016, processo n.º 319/12.8GBGDL.E1.S1 - 5.ª Secção: “I - O pedido de indemnização civil foi deduzido no âmbito do processo penal com base no princípio da adesão consagrado no art. 71.º, do CPP, pelo que todo o processo decorreu e terá de decorrer até final segundo as regras processuais penais. Assim, somente são invocáveis para sustentar um pedido de aclaração e/ou nulidade as normas dos arts. 380.º e 379.º, do CPP, aplicáveis aos acórdãos proferidos em recurso por força do art. 425.º, n.º 4, do CPP e não já as normas do processo civil”; de 26-10-2016, processo n.º 953/09.3TASTR.E2.S1-3.ª Secção, em que interviemos como adjunto, em que se afirma que as questões processuais são reguladas na lei adjectiva penal.     

       Da mesma forma na fundamentação do acórdão uniformizador de jurisprudência de 15 de Novembro de 2012, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2013, publicado in Diário da República, 1.ª série, n.º 4, de 7 de Janeiro de 2013, podendo ler-se na 1.ª coluna da página 60:

       “Embora o processo civil defina vários aspectos do regime da acção enxertada, como da definição da legitimidade das partes, é a acção penal que verdadeiramente suporta, orienta e conforma todo o rito processual, marcando definitivamente a cadência de intervenção dos demandantes civis na causa e os principais aspectos de forma a observar no seu desenrolar, sem esquecer a diligência para que conflui todo o processo: a audiência de julgamento, como o indicam as circunstâncias: de ser a data da acusação o termo a quo da dedução do pedido cível – arts. 77.º, n.º 1 e 75.º; da intervenção processual do lesado se restringir à sustentação e à prova do pedido de indemnização civil, competindo-lhe correspondentemente, os direitos que a lei confere aos assistentes - art. 74., n. 2; dos demandados e os intervenientes terem posição processual idêntica à do arguido quanto à sustentação e à prova das questões civis julgadas no processo - art. 74. n, 3; da falta de contestação não ter efeito cominatório - art. 78.º, n, 3; do tribunal poder, oficiosamente ou a requerimento dos interessados, remeter as partes para os tribunais civis quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal - art. 82.º, n.º 3; do art. 401.º, n.º 1, c), conferir às partes civis legitimidade para recorrer “da parte das decisões contra cada um proferidas”; do art. 402.º, n.º 2, b), estatuir que, em geral, o responsável civil, ainda que não seja recorrente, beneficia do recurso do arguido, sendo certo que a inversa também é verdadeira, como resulta da alínea seguinte - c) do mesmo artigo; do art. 403.º n.º 2, a), estabelecer, em matéria de limitação do recurso, a possibilidade de recurso autónomo da decisão penal relativamente à civil. (65 – Acórdão do STJ de 15.11.2001, processo n.º 2626/01-5.ª Secção).

       Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 4.ª edição actualizada, Abril de 2011, pág. 230, na nota 8 ao artigo 71.º, refere: “A tramitação do pedido de indemnização cível obedece às regras do processo penal, não sendo aplicável o artigo 678.º, n.º 1, do CPC (acórdão do STJ, de 14.11.1991, in BMJ, 411, 453), nem as regras do ónus de impugnação (acórdão do STJ, de 12.1.1995, in CJ, Acs. STJ, III, 1, 181, e acórdão do TRG, de 18.2.2008, in CJ, XXXIII, 1, 198, e, na doutrina, PAOLO TONINI, 2007:119), nem as regras restritivas de prestação de declarações pelo lesado ou de testemunho pelo cônjuge do lesado (…), nem as regras de notificação do pedido de indemnização ao demandado (…), nem o artigo 631.º do CPC (…), nem o artigo 403.º do CPC (…), nem o artigo 289.º do CPC (…).  A obediência às regras do processo penal mantém-se mesmo que o procedimento criminal se extinga, por exemplo, por amnistia, e a acção civil prossiga (…). Mas como o arguido perde essa qualidade, ele não tem de comparecer em julgamento (…)”.

       Em artigos doutrinários tem-se vindo a defender que, pese embora se remeta para o direito substantivo civil o apuramento do quantitativo e os pressupostos da indemnização, aplicam-se ao pedido de indemnização civil enxertado no processo crime as regras processuais penais.

       Nesse sentido se pronuncia José Mouraz Lopes, inAlgumas notas sobre o pedido de indemnização cível formulado no processo penal”, publicado na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 6, Fascículo 3.º, Julho - Setembro 1996, Coimbra Editora, Aequitas, págs. 429 a 442, maxime, no que ora interessa, a págs. 436 a 439, onde, após versar possibilidade de dedução de incidentes da instância, refere:

 “5. Relativamente aos meios de prova a utilizar na demonstração dos factos em causa no pedido de indemnização civil formulado no processo penal, seja na vertente relacionada com a sua disciplina processual seja no valor probatório dos mesmos, já a jurisprudência citada se tem, no nosso entendimento ido pelo «caminho certo» quanto às decisões tomadas, não deixa, na fundamentação do decidido, de recorrer, sem necessidade, ao processo civil.

       Assim, no Acórdão publicado na C. J., 1992, t. 1, pág. 176 [É admissível a junção aos autos de relatórios médicos destinados a fazer prova do p.i.c formulado em processo penal, posteriormente ao prazo para a dedução daquele, quer por aplicação do disposto no artigo 165.º do C.P.P. quer pelos artigos 523.º e 524.º do C.P.C], admitindo-se, e bem, a junção aos autos de relatórios médicos destinados a fazer prova do p.i.c formulado em processo penal, posteriormente ao prazo para a dedução daquele, fundamenta-se tal admissibilidade «quer por aplicação do disposto no artigo 165.º do C.P.P. quer pelos artigos 523.º e 524.º do C.P.C.».

       A alusão ao dispositivo legal constante do Código de Processo Civil, parece-nos, face ao decidido e porque existe norma expressa no Código de Processo Penal que regula a matéria, completamente despropositada.

       Sobre a prova documental importa referir que se deverá admitir a mesma nos precisos termos em que está estabelecida no artigo 165.° do CPP, e só neste artigo, não sendo por isso de condenar o requerente em qualquer multa, à semelhança do que se passa no Processo Civil, que, posteriormente ao prazo da contestação faça juntar tais meios de prova, devendo tão só assegurar-se o contraditório, nos termos do n.º 2 do artigo citado.

       Já no Acórdão publicado na C. J., 1994, t. 1, p. 253 [1. No p.i.c. formulado em processo penal não é aplicável o artigo 631.° do C.P.C. (que dispõe sobre a substituição de testemunhas) mas sim o artigo 316.º n.º 1, do C.P.P. 2. O requerente pode, por isso, vir adicionar testemunhas ao rol inicialmente apresentado desde que não exceda o limite previsto no n.º 2 do artigo 79.° do C.P.P.], expressamente se refere a não aplicabilidade do normativo constante do código de processo civil, nomeadamente o disposto no artigo 631.° do CPC (que dispõe sobre a substituição de testemunhas) mas sim o artigo 316.º n.º 1, do C.P.P., 2 (sic), permitindo-se, por isso que o requerente venha adicionar testemunhas ao rol inicialmente apresentado desde que não exceda o limite previsto no n.º 2 do artigo 79.° do C.P.P.

       Curiosa, ainda, a referência ao artigo do Código de Processo Civil, ainda que pela negativa, mais uma vez sem que essa referência seja a qualquer título necessária.

       6. Ainda no domínio da matéria de prova importará referir que valem para o pedido de indemnização cível formulado no processo penal as normas processuais referidas no Código de Processo Penal sobre impedimentos, estabelecidas nos artigos 133.º e 134.° daquele Código e não as normas constantes do Código de Processo Civil nos artigos 617.° e 618.° que estabelecem as inabilidades. Trata-se ainda de matéria discutida e apreciada no âmbito do processo penal e não cível.

       7. Questão complexa coloca-se com a matéria relacionada com a problemática do ónus da prova.

       Em obra publicada em 1991, Isabel Alexandre [O Ónus da Prova na Acção Civil Enxertada em Processo Penal, Cosmos, Lisboa, 1991] defendeu a concepção do processo de adesão como um processo civil, extraindo daí, entre outras as conclusões de que «numa situação de dúvida irredutível quanto à existência de um facto relevante para a decisão do pedido de indemnização civil o tribunal criminal deve decidir nos mesmos termos que o tribunal civil».

       Das restantes conclusões pode extrair-se do seu pensamento que vigorariam, na sua opinião, no pedido de indemnização civil formulado em processo penal, as regras do ónus da prova estabelecidas no processo e direito civil.

       Desde logo rejeitamos de todo a posição assumida pela ilustre jurista.

       O entendimento que perfilhamos sobre a natureza do pedido de indemnização civil formulado no processo penal, não é, de todo, a de um processo civil.

      Pese embora as dúvidas que partilhamos sobre se são de natureza processual ou substantiva as regras relativas ao ónus da prova, o pedido de indemnização cível formulado em processo penal é, desde logo, resultante de um crime.

       E, como tal nunca poderia, na determinação da indemnização devida à vítima de um crime formulada em processo penal, exigir-se a esta que tivesse ela que provar, nos termos do regime formal estabelecido com as regras do ónus da prova, o seu direito a ser indemnizada.

       Deduzido o pedido de indemnização cível, refere o artigo 74.°, n.º 3, do C.P.P. que os demandados e os intervenientes têm posição processual idêntica à do arguido quanto à sustentação e à prova das questões civis julgadas no processo, mas sendo independente cada uma das defesas.

       Ora existindo essa equiparação legal entre o arguido e o demandado não pode obviamente caber a este último qualquer ónus (ou inversão) de prova sobre os factos que recaiam contra si. [Com citação neste sentido do supra citado acórdão de 12-01-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 181].

      Da mesma maneira não contestando o demandado o pedido de indemnização contra si formulado daí não resultará qualquer efeito cominatório que o possa prejudicar.

       A apreciação da matéria respeitante aos fundamentos do pedido de indemnização terá que ser judicialmente apurada e, face à prova a produzir em audiência, assim se decidirá da procedência ou não do pedido.

       Prova a produzir que poderá resultar directamente da prova carreada para o processo pela acusação, pública ou não, sem necessidade de se recorrer impreterivelmente à prova arrolada pelo demandante, que, inclusivé, pode não ter sido requerida.

       Repare-se que o oferecimento de prova pelo demandante, por virtude da sua posição processual legalmente equiparada ao assistente, nos termos do artigo 74.°, n.º 2, é meramente facultativa, conforme decorre do artigo 69.°, n.º 2, alínea a).

       Ainda relacionado com esta matéria e na sequência da opinião exposta parece-nos que a resposta à questão suscitada por Lopes do Rego, sobre se o tribunal poderá ter em conta factos não articulados pelas partes civis, o Tribunal estará, por um lado, limitado aos factos alegados no pedido de indemnização formulado e por outro ao regime da alteração substancial dos factos estabelecido no artigo 359.° do C.P.P., com referência ao artigo 1.º.

       Ainda aqui, refere-se, é ao fundamento do pedido de adesão, a ocorrência de um crime e não qualquer crime, que vai buscar os limites de actuação do Tribunal, quais sejam o conhecimento de factos que tenham por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis e as consequências daí advindas em matéria de indemnização cível”. (Os negritos são do texto).

 

       Nesse mesmo sentido, veja-se o Advogado Carlos Mateus inAlguns aspectos da adesão obrigatória da acção civil ao processo penal”, Tribuna da Justiça, n.º 1, Dezembro, 1989, págs. 98 a 103, onde se pode ler, na pág. 98: “O título do Código do Processo Penal tendo por epígrafe «Das partes civis», manteve o princípio da adesão obrigatória da acção civil ao processo penal, adjectivando o preceituado no art. 128.º do Código Penal. Este, ao remeter para a lei civil o apuramento do quantitativo e os pressupostos da indemnização emergente de crime pretendeu ver aplicada na jurisdição penal o disposto nos artºs. 483.º a 510.º e 512.º a 572.º do Código Civil, através das regras específicas do  Código de Processo Penal. Este sistema de adesão obrigatória vale como regra, no dizer do art.º 71.º do Código. A excepção vem no artigo seguinte e, eventualmente em legislação avulsa. Oposto à regra geral está, por conseguinte, o sistema da alternativa ou da opção onde se reconhece ao lesado a faculdade de escolha, a de propor em separado, a acção de indemnização emergente de crime, perante o tribunal civil”.

      Mais à frente, a págs. 102/3, coloca a questão de saber se poderá o lesado requerer como meio de prova a prova pericial, tal como vem regulado nos artigos 568.º e seguintes no Código do Processo Civil, que merece a seguinte resposta:

      “Os danos alegados pelo lesado têm de ser provados. Comparando as normas processuais do Código de 1929 com as do que está em vigor, quanto à matéria da prova pericial, constatamos uma novidade, a de no novo Código de Processo Penal se admitir a intervenção das partes civis ao lado do Ministério Público, assistente e arguido. Note-se que na lei revogada essa faculdade era reconhecida apenas ao Ministério Público, à parte acusadora e ao arguido. Que ilações podemos retirar desta novidade?

      No novo Código de Processo Penal, o livro III é dedicado à prova (disposições gerais, meios de prova e meios de obtenção de prova) indiscriminadamente aplicável na fase de inquérito, instrução ou julgamento.

      Na prova pericial verifica-se que no actual Código as partes civis podem intervir em qualquer altura no processo. Às partes civis compete correspondentemente os direitos que a lei confere aos assistentes, podendo, nomeadamente, intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerer as diligências que se afiguram necessárias – art.° 69.º, n.° 2, a), ex vi 74.º, n.º 2.

      As partes civis podem requer[er] à autoridade judiciária competente a prova pericial. O perito nomeado pode ser recusado pelas partes civis por falta de condições indispensáveis para a realização da perícia se for urgente ou houver perigo na demora – art.º s 154.º, n.º 1 e 153.º, n.º 2.

       O despacho que ordena a perícia é notificado às partes civis que podem designar para assistir à realização da mesma um consultor técnico da sua confiança. Estes podem requerer à autoridade judiciária que sejam formulados quesitos quando a sua existência se revelar conveniente – art.ºs. 154.º, n.º 2, 155.º, n.º 1 e 156.°, n.º 1.

       Finda a perícia e elaborado o respectivo relatório, as partes civis e os consultores técnicos podem pedir esclarecimentos aos peritos – art.º 157.º, n.º 1.

       Em qualquer altura do processo as partes civis podem requerer à autoridade judiciária competente, quando isso se revelar de interesse para a descoberta da verdade, que os peritos sejam convocados para prestarem esclarecimentos complementares ou que seja realizada nova perícia ou renovada a perícia anterior a cargo de outros peritos – art.º 158.º.

       Com a intervenção das partes civis na prova pericial fica assim garantido o princípio da contrariedade, conferindo-se mais idoneidade à prova e aos respectivos meios de obtenção.

       Se essa intervenção começa, desde logo, no inquérito e se as partes civis têm os direitos supramencionados, então faz pouco sentido o lesado, demandados e intervenientes requererem com a petição ou contestação a prova pericial constante dos arts. 568.º e segs. do Código de Processo Civil. Parece que a isso se opõe, desde logo, o princípio de que não é lícito realizar-se no processo actos inúteis. O art.º 128.º do Código Penal ao remeter para o direito civil o apuramento do quantitativo e pressupostos da indemnização emergente de crime não retirou exclusividade ao Código de Processo Penal – art.º 124.º, n.º 2.

       Afigura-se-nos, pois, que não é necessário requerer como prova do enxerto cível a prova pericial regulada nos arts. 568.º e segs. do Código de Processo Civil.

       Senão mesmo ilícito, ou seja, pode entender-se que a lei penal adjectiva sendo suficiente não admite recorrer às normas do Código Processo Civil no que concerne à prova pericial.

       A lei não prescreve de nulidade a prova pericial levada a efeito sem a intervenção das partes civis pelo que estamos em face de meras irregularidades que carecem de arguição nos termos do art.º 123.º”.

       Princípio da adesão

       Extrai-se do acórdão de 27 de Abril de 2011, proferido no processo n.º 712/00.9JFLSB.L1.S1, desta 3.ª Secção, em que interviemos como adjunto: 

   “A violação da lei penal pode gerar duas espécies de responsabilidade: a responsabilidade penal, que consiste na obrigação de reparar o dano causado à sociedade, cumprindo a pena estabelecida na lei e imposta por tribunal competente e a responsabilidade civil que se funda na obrigação de reparar as perdas e danos causados pela infracção criminal.

  Deste modo, sendo certo que o delito é uma conduta tipicamente antijurídica, culpável e sancionada com uma pena, – sanção penal – não é menos certo que o crime, na medida em que lesa também interesses individuais ou particulares, pode dar origem a uma sanção extra penal – sanção civil –. Assim, o acórdão do STJ de 10-04-2002, processo n.º 352/02 - 3.ª Secção.

       A indemnização de perdas e danos emergentes de crime era, na tradição jurídica portuguesa, uma consequência jurídica de carácter penal, dimensão de política criminal ligada à reacção criminal – é o que testemunhava o art. 75.º § 3.º do CP de 1886”.

       Mais remotamente, dizia o acórdão de 7 de Junho de 2000, proferido no processo n.º 117/00-3.ª Secção: Está subjacente à responsabilidade civil, mesmo que conexa com a criminal, a ideia de reparação de um dano privado porque o dever jurídico infringido foi estabelecido directamente no interesse da pessoa lesada. No Código Civil consagra-se basicamente a concepção clássica de que a responsabilidade civil tem a função de reparar os danos causados e não fins sancionatórios (artigos 483.º e 562.º, entre outros).

 

       Como refere o acórdão de 24 de Maio de 2011, proferido no processo n.º 6503/05.3TDPRT.P1.S1-5.ª Secção, o pedido de indemnização civil deduzido em processo penal tem sempre de ser fundamentado na prática de um crime, isto é, nos mesmos factos que constituem pressuposto da responsabilidade criminal.

       Como vimos, prescrevia a primeira parte do artigo 2373.º do Código Civil de 1867, na versão da Reforma de 1930, introduzida em 16 de Dezembro de 1930: “A indemnização civil conexa com a responsabilidade criminal, nos termos dos artigos 2382.º a 2392.º, será exigida no competente processo criminal”.

      

       Em quaisquer outros casos – ditava a segunda parte do citado preceito –, as duas responsabilidades podiam ser exigidas separadamente. 

       No domínio do Código de Processo Penal de 1929, consagrou-se no artigo 29.º o princípio da interdependência ou adesão das acções penal e civil, com vincada dependência da acção civil à penal, sendo a regra a da competência do foro criminal para a reparação civil emergente de facto criminoso, como projecção do princípio da suficiência do processo penal, expresso no então artigo 2.º do mesmo Código.

      

       No Código da Estrada de 1954, com o artigo 67.º foi consagrado um regime de “adesão mais funda”, a permitir o exercício da acção cível em conjunto com a acção penal, para indemnizações emergentes de acidente de viação.

 

       Código de Processo Penal de 1987

       Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, com entrada em vigor prevista para 1 de Junho de 1987 (artigo 7.º) e diferida pelo artigo único da Lei n.º 17/87, de 1 de Junho de 1987, para 1 de Janeiro de 1988.  

        A Lei n.º 43/86, de 26 de Setembro (Lei de autorização legislativa em matéria de processo penal, de que emergiu o Código de Processo Penal de 1987), no artigo 2.º, n.º 2, alínea 14), determinou a manutenção do princípio da adesão obrigatória da acção civil ao processo penal, mas com alargamento das hipóteses em que a acção civil pode ser proposta em separado.

        Na alínea 15), determinou-se a “Consagração da necessidade de pedido civil para que o juiz penal possa arbitrar uma indemnização, restringindo-se o patrocínio oficioso do Ministério Público aos carecidos de meios económicos; obrigatoriedade de o tribunal informar o lesado de um crime dos direitos civis que lhe assistem e da forma como pode fazê-lo valer no processo penal e intervenção subsidiária do Ministério Público na dedução do pedido”.

       (Sobre o artigo 76.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e o Parecer n.º 98/88 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, veja-se Carlos Lopes do Rego, in As partes civis e o pedido de indemnização deduzido no processo penal, Revista do Ministério Público, Balanço de um ano de vigência do Código de Processo Penal – Cadernos – 4, edição do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, de Fevereiro de 1989, págs. 63/4, defendendo uma interpretação restritiva do preceito e de seguida refere que consequência relevante da natureza civil atribuída à indemnização consequente à prática de acto punível traduz-se na ampliação da legitimidade, quer activa, quer passiva).

  

       O artigo 7.º do Código de Processo Penal de 1987 proclama o princípio da suficiência da acção penal, o qual consiste na competência do tribunal penal para decidir todas as questões prejudiciais penais e não penais que interessarem à decisão da causa.

       De acordo com o n.º 1do artigo 7.º:

       1 – O processo penal é promovido independentemente de qualquer outro e nele se resolvem todas as questões que interessarem à decisão da causa.

       No n.º 1 consagra-se o princípio da suficiência da acção penal, como consagrado estava no artigo 2.º do Código de Processo Penal de 1929, o qual, sob a epígrafe (Princípio da suficiência da acção penal), prescrevia: “A acção penal pode ser exercida e julgada independentemente de qualquer outra acção; no processo penal resolver-se-ão todas as questões que interessem à decisão da causa, qualquer que seja a sua natureza, salvo nos casos exceptuados por lei”.

        Este dispositivo consagra a orientação de que a jurisdição penal pode julgar todas as questões prejudiciais de feitos penais e a de que a acção penal é exercida e julgada independentemente de quaisquer outras acções.

    

       O princípio da adesão veio a ter consagração no artigo 71.º, que estabelece que o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.

       Este artigo consagra um regime de adesão obrigatória como regra, sendo presentemente a adesão mais vincada que face ao Código de 1929, deixando de haver indemnizações atribuídas oficiosamente, com a excepção do caso do artigo 82.º-A, aliás, introduzido apenas mais tarde, com a Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, como veremos de seguida.

       No sistema da interdependência ou da adesão há a possibilidade ou obrigatoriedade de juntar a acção cível à penal, permitindo que o juiz penal decida também a acção cível.

       Na revisão operada pela oitava alteração do Código de Processo Penal introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto (Diário da República, I-A Série, n.º 195/98, de 25 de Agosto), o regime do pedido de indemnização civil é objecto de alterações significativas, com respeito pelo princípio do pedido, no sentido de melhorar a protecção do lesado no âmbito do processo penal.

      Novidade constituiu então a possibilidade de o tribunal oficiosamente poder arbitrar, como efeito penal da condenação, uma reparação pelos prejuízos sofridos quando o imponham particulares exigências de protecção da vítima, o que veio a ser concretizado com o artigo 82.º - A, do CPP (Reparação da vítima em casos especiais) – cfr. Exposição de Motivos da Proposta de Lei N.º 157/VII – ponto 12 – retomando-se, assim, de certo modo, o regime constante do artigo 34.º do Código de Processo Penal de 1929, sendo a “reintrodução da medida, certamente de algum modo destonante do art. 129.º do CP”, como referia Maia Gonçalves no Código de Processo Penal Anotado, 9.ª edição, Almedina, 1988, pág. 235.

       No referido ponto 12 consta: “Preserva-se a autonomia e a natureza civil do pedido de indemnização, mas não se posterga a protecção das vítimas carenciadas, através de um processo em que não se exige qualquer formalidade”.

       Insertos no

                                                              Livro I

                                                Dos sujeitos do processo 

                                                            Título VI

(Dantes Título V, devendo-se a alteração ao aditamento do Título IV, composto pelo artigo 67.º-A, Vítima, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro, entrado em vigor em 4-10-2015)

                                                       Das partes civis

       estabelece o 

                                                           Artigo 71.º

  

                                                      Princípio de adesão

O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.

          [A norma mantém a redacção original].

       O artigo 72.º estabelece os casos em que é possível a dedução do pedido em separado, o artigo 73.º rege sobre a legitimidade passiva e o artigo 74.º sobre a legitimidade activa, definindo o conceito de lesado.

 

                                                     Artigo 82.º (versão inicial)

             Liquidação em execução de sentença e reenvio para os tribunais civis

 

1 – Se não dispuser de elementos bastantes para fixar a indemnização, o tribunal condena no que se liquidar em execução de sentença. Neste caso, a execução corre perante o tribunal civil, servindo de título executivo a sentença penal.

2 – O tribunal pode oficiosamente ou a requerimento, remeter as partes para o tribunais civis estabelecer quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal.

      O Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro (Diário da RepúblicaI Série-A, n.º 250, de 30 de Outubro de 1991), que estabeleceu o “Regime jurídico de protecção às vítimas de crimes violentos” (regulamentado pelo Decreto Regulamentar n.º 4/93, de 22 de Fevereiro, in Diário da RepúblicaI Série-B, n.º 44, de 22 de Fevereiro de 1993), pelo artigo 17.º deu nova redacção ao preceito, passando a estabelecer:

                                                             Artigo 82.º

    Liquidação em execução de sentença e reenvio para os tribunais civis

 

1 – ---------------------------------------------------------------------------------------------------------

2 – Pode, no entanto, o tribunal, oficiosamente ou a requerimento, estabelecer uma indemnização provisória por conta da indemnização a fixar posteriormente, se dispuser de elementos bastantes, e conferir-lhe o efeito previsto no artigo seguinte.                                      

3 – (O anterior n.º 2).

       Assim, é a seguinte a redacção actual:

 

                                                             Artigo 82.º

         Liquidação em execução de sentença e reenvio para os tribunais civis

 

1 – Se não dispuser de elementos bastantes para fixar a indemnização, o tribunal condena no que se liquidar em execução de sentença. Neste caso, a execução corre perante o tribunal civil, servindo de título executivo a sentença penal.

2 – Pode, no entanto, o tribunal, oficiosamente ou a requerimento, estabelecer uma indemnização provisória por conta da indemnização a fixar posteriormente, se dispuser de elementos bastantes, e conferir-lhe o efeito previsto no artigo seguinte.                                      

3 – O tribunal pode oficiosamente ou a requerimento, remeter as partes para o tribunais civis estabelecer quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem suscetíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal.

    Comentando este preceito, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 4.ª edição actualizada, Abril de 2011, pág. 244, começa por afirmar que a liquidação em execução de sentença é diferente do reenvio para os tribunais civis, concretizando:

       A liquidação em execução de sentença tem lugar nas seguintes condições:

       a. o tribunal penal já decidiu, com trânsito em julgado, que é devida uma indemnização;

       b. a liquidação em execução de sentença perante tribunal civil é decidida oficiosamente;

       c. o motivo da remessa é o da inexistência fáctica de “elementos bastantes” para a decisão perante o tribunal penal. (…)

       O reenvio para os tribunais civis tem lugar nas seguintes condições:

       a. não há decisão sobre o mérito da pretensão civil;

       b. a decisão sobre esta pretensão é remetida para os meios civis;

      c. o tribunal penal pode decidir oficiosamente ou a requerimento;

       d. o motivo da remessa é o da excessiva complexidade fáctica ou legal dos elementos existentes nos autos (quando as questões “inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes”).

       Como explicita na nota 5, “se o processo já está arquivado quanto à matéria criminal e os autos prosseguiram para conhecimento da matéria cível, o tribunal penal não pode remeter o processo para os tribunais civis, porquanto os eventuais atrasos decorrentes de incidentes que se suscitem no processo não podem ter o efeito nocivo intolerável para o processo penal, já extinto”. 

      

       António da Silva Henriques Gaspar, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2016, 2.ª edição revista, em comentário ao artigo 82.º, na pág. 252, refere: 

       “Estabelecem-se os procedimentos ao dispor do tribunal para os casos de insuficiência de elementos para arbitrar a indemnização no processo penal. O n.º 1 contém solução idêntica à do processo civil – artigo 609.º, n.º 2, do CPC, para os casos em que, havendo prova do facto ilícito, da responsabilidade e do nexo de causalidade, não estiverem suficientemente precisados os elementos para «fixar a indemnização», isto é, para determinar a natureza e o montante da indemnização: o tribunal define a responsabilidade dos demandados, mas remete os interessados para o procedimento de execução de sentença, a requerer no tribunal cível”.

      Sobre a questão de saber se a competência material para liquidação de pedido genérico de indemnização emergente de acidente de viação caberá ao tribunal penal da condenação ou ao tribunal civil, decidiu o acórdão deste Supremo Tribunal de 9 de Novembro de 2016, proferido no processo n.º 1453/10.4.TAPVZ-E.P1.S1-3.ª Secção.

       Como se referiu há pouco (quatro folhas acima), a Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto (Diário da República, I-A Série, n.º 195/98, de 25 de Agosto), inovou, aditando o

                                                           Artigo 82.º-A

                                  Reparação da vítima em casos especiais

1 – Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham.

2 – No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório.

3 – A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em acção que venha a conhecer de pedido civil de indemnização.

       A propósito deste preceito, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 5.ª edição, 2008, pág. 132, afirma: “… esta medida é dissonante da previsão do art. 129.º do Código Penal, onde se estabelece que a indemnização de perdas e danos é regulada pela lei civil. Não parece constituir um caso de verdadeira indemnização civil, tanto que o próprio preceito dispõe que a reparação só será de atribuir «não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado».

       Afigura-se-nos que a reparação em causa constitui um tertium genus entre a pena e a indemnização, um efeito civil da condenação a impender sobre o condenado pela prática do crime causador dos prejuízos”.

       O Autor repete esta posição em Direito Penal Português, Parte Geral – III – Teoria das penas e das medidas de segurança, Verbo, 1999, n.º 305, págs. 189/190 (págs. 208/9, na edição de 2008), com afloramento no n.º 250, III, pág. 71 (pág. 75 na edição de 2008) e em Responsabilidade Penal das Sociedades e dos seus Administradores e Representantes, Editorial Verbo, 2009, págs. 462/3, aqui acrescentando:

       “II. A quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos, prevista no art. 82.º-A do CPP, é atribuída oficiosamente a vítimas particularmente carecidas de protecção e, porque não se confunde com a indemnização civil pelos danos, é fixada a critério do julgador. 

      O obrigado ao pagamento da quantia arbitrada a título de reparação é o responsável penal pelo crime e não o responsável civil*, embora, em caso de posterior acção que venha a conhecer do pedido civil de indemnização essa quantia deva ser tida em conta, sendo o obrigado civil, se diverso do agente do crime, obrigado a compensar este pelo pagamento feito, desde que deduzido no valor da indemnização dos danos emergentes do crime”.

       * Tanto deve ser assim que não tendo sido formulado pedido de indemnização civil a parte civil não está no processo como sujeito processual e, por isso, não pode ser condenada. 

      

       No Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2016 – 2.ª edição revista, António da Silva Henriques Gaspar, comentando este preceito, a págs. 256, refere:

       “Embora de modo mais limitado, a norma retoma a solução de arbitramento oficioso de reparação à vítima em processo penal, que constava no anterior regime do processo penal – artigo 34.º do CPP/29 e artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 605/75, de 3 de Novembro

      O arbitramento oficioso de indemnização em caso de condenação pressupõe uma série de condições: que não haja pedido de indemnização deduzido no processo penal; que não esteja pendente pedido de indemnização deduzido em separado; e que as condições da vítima sejam de tal modo precárias e revelem sérias dificuldades em consequência dos danos sofridos com a prática do crime, que «exigências particulares», no sentido de imperiosa protecção da vítima, imponham o arbitramento oficioso da reparação”.

       Nos casos de responsabilidade civil conexa com a criminal, aquela tem a sua génese na prática de um crime, sendo um crime o seu facto constitutivo.

        Num regime de adesão obrigatória, como regra, “a prática de uma infracção criminal é possível fundamento de duas pretensões dirigidas contra os seus agentes: uma acção penal, para julgamento e, em caso de condenação, aplicação das reacções criminais adequadas, e uma acção cível, para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais a que a infracção tenha dado causa” – Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 1992, 5.ª edição, pág. 155 (já assim na 4.ª edição, 1980, pág. 76).

       A unidade de causa, a circunstância de as duas acções que se juntam terem na sua génese um mesmo facto, impõe entre elas uma estreita conexão, mas não se confundem, apesar da acção civil ser incorporada no processo criminal (hospedeiro) e ser julgada, conjuntamente com aquela, no foro criminal.  

       Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, 5.ª edição, revista e actualizada, Editorial Verbo 2008, págs. 129/130, referindo o artigo 71.º, afirmava: “É a consagração do processo de adesão, no sistema de dependência que se contrapõe ao sistema de alternatividade, segundo o qual o pedido de indemnização civil pode ser proposto ou directamente no processo penal ou em acção civil autónoma, embora estre os dois processos se estabeleça uma certa dependência com reflexos processuais (ex.: se a acção civil está simultaneamente pendente com o processo penal, o processo civil há-de suspender-se até que seja decidida a questão penal). 

       Mais à frente, pág. 350, afirma: “O pedido de indemnização civil deduzido no processo penal é uma verdadeira acção civil transferida para o processo penal por razões de economia e de cautela no que respeita a possíveis decisões contraditórias se as acções civil e penal fossem julgadas separadamente.

       A verdadeira natureza civil do pedido tem como consequência, no que às partes respeita, que se lhes aplicam os princípios próprios do processo civil, nomeadamente no que concerne à capacidade judiciária, activa ou passiva.”

       “Como ensina Figueiredo Dias [Sobre os sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal, JDPP/NCPP, pág. 15], as partes civis, se podem (e porventura devem) ser consideradas sujeitos do processo penal num sentido eminentemente formal, já de um ponto de vista material são sujeitos da acção civil que adere ao processo penal e que como acção civil permanece até ao fim” (pág. 350). 

       Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 4.ª edição actualizada, Abril de 2011, nota 39, pág. 59, afirma: “O princípio da adesão dispõe que o pedido de indemnização civil “fundado” na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo (artigo 71.º do CPP). O CPP prevê excepções a este princípio. A norma do artigo 72.º tem, por isso, natureza excepcional. Na verdade, as disposições do artigo 377.º, n.º 1, e do novo artigo 400.º, n.º 3, conformam uma versão flexível de adesão, isto é, como adesão da acção cível “conexa” com a penal, à luz do que já previa o artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 605/75, de 3.11”. (Negritos do texto).

       Sobre a quebra ao princípio da adesão introduzida com o aditamento do n.º 3 ao artigo 400.º do CPP, com a Lei n.º 48/2007, de 29.8 - Mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil -, pronuncia-se o Autor, a págs. 1049.

       No Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2016 – 2.ª edição revista, António da Silva Henriques Gaspar, comentando o artigo 71.º, refere, a págs. 228: o sistema da interdependência das duas acções – a acção penal e a acção civil – que não se apresenta unitariamente concretizada nas diversas soluções legislativas que o acolhem – com especificidades e detalhes de regulamentação de umas para outras – tem como elemento essencial a possibilidade – ou mesmo a obrigatoriedade – de juntar a acção civil à acção penal, permitindo que a jurisdição penal se pronuncie sobre o objecto da acção civil.

       “Esta interdependência designa-a a doutrina como processo de adesão da acção civil à acção penal; o princípio de adesão está expressamente inscrito no artigo 71.º do CPP.

       A característica essencial é a imposição da obrigatoriedade da dedução do pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime no processo penal respectivo. Princípio da adesão, porém, com as excepções que a lei expressamente admite.

      A regulamentação processual relativamente ao pedido de indemnização civil formulado no processo penal consagra o princípio da adesão obrigatória, temperado por excepções no sentido da alternatividade ou da opção.

       A lei processual acolheu o sistema de interdependência das duas acções: os objectos de uma e outra, não obstante a identidade do facto material que constitui a referência dos pressupostos respectivos, mantêm-se distintos e autónomos, valendo para cada um as regras substantivas e, mesmo, processuais, que são próprias da natureza de cada um”.

      E na pág. 229, refere: “A consagração de um processo de adesão contribui para assegurar uma eficaz protecção a muitas vítimas de uma infracção penal”.

       Nos casos de responsabilidade civil conexa com a criminal a mesma tem a sua génese no crime, sendo um crime o seu facto constitutivo.

      Abordagens da jurisprudência      

       Pela clareza de exposição passa a transcrever-se os seguintes passos do acórdão de 10 de Julho de 2008, proferido no processo n.º 1410/08, da 3.ª Secção, e seguido de perto no acórdão do mesmo Relator (Henriques Gaspar), de 14 de Julho de 2010, no processo n.º 203/99.9TBVRL.P1.S1-A:  

       “O artigo 71.º do CPP («processo de adesão») consagra a interdependência das acções penal, para aplicação das reacções criminais adequadas, e civil, para a reparação dos danos patrimoniais e não patrimoniais a que a infracção tenha dado causa.

       A interdependência das acções significa que mantêm a independência nos pressupostos e nas finalidades (objecto), sendo a acção penal dependente dos pressupostos que definem um ilícito criminal e que permitem a aplicação de uma sanção penal, e a acção civil dos pressupostos próprios da responsabilidade civil; a indemnização de perdas e danos emergente de um crime é regulada pela lei civil (artigo 129º C Penal) nos respectivos pressupostos e só processualmente é regulada pela lei processual penal. A interdependência das acções significa, pois, independência substantiva e dependência (a «adesão») processual da acção cível ao processo penal.

       Aderindo ao processo penal, o pedido («a acção») para indemnização civil mantém, no entanto, alguma autonomia funcional, quer por efeito das regras procedimentais próprias a que está vinculada (artigo 73º e ss. do CPP), quer pela possibilidade de intervenção dos responsáveis meramente civis que, enquanto tais, seriam extraneus no processo penal.

       A obrigatoriedade, como regra, da adesão (que só nos casos excepcionais do art. 72.º do CPP cede, permitindo-se, então, o uso autónomo dos meios processuais civis) determina, porém, para respeitar a finalidade funcional do princípio, que a autonomia qualitativa dos pressupostos se sobreponha e exija a continuidade instrumental do processo para apreciação do pedido de indemnização sempre que, cedendo por circunstâncias próprias a acção penal, se mantenham, ainda assim, em aberto as possibilidades de verificação dos pressupostos da reparação civil.

       Os fundamentos da acção que, aderindo ao processo penal, ficam interdependentes, sendo qualitativamente diversos, têm, no entanto, que revelar uma unidade material que constitui a base relevante para a verificação, positiva ou negativa, dos respectivos pressupostos. A reparação fundada na prática de um crime reverte, na base, às correlações factuais e ao complexo de factos que constituem, ou são processualmente identificados como constituindo um crime: tipicidade dos factos, ilicitude, imputação ao agente, dignidade penal.

       A dimensão penal é, porém, apenas uma parte (porventura a parte mais qualificada) das possíveis relações de uma identificada unidade factual com a ordem jurídica.

       Consistindo, pois, a ilicitude penal numa «ilicitude qualificada», não está excluído que uma base factual, com autonomia e identidade próprias, que não atinja a dimensão «qualificada» do nível de ilicitude, possa suportar ou exigir uma valoração de outro nível segundo uma outra fonte de antinormatividade, nomeadamente no plano dos pressupostos da responsabilidade civil.

       Deste modo, se o arguido for absolvido de um crime, e se subsistir, apesar da absolvição, uma base factual com autonomia que suscite, ou permita suscitar, outros níveis de apreciação da normatividade como pressuposto ou fonte de indemnização civil (autonomia qualitativa dos pressupostos), haverá que considerar o pedido de reparação civil (dependência ou adesão especificamente processual) que se possa fundamentar nos mesmos factos – seja responsabilidade por facto ilícito, seja responsabilidade pelo risco (cfr., v. g., Ac.s. do STJ de 25/1/96. CJ (STJ), IV, t. 1, p. 89; de 2/4/98, CJ (STJ), VI, t. 2, p. 179)”.

       Como se afirma no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Junho de 2009, relatado por Armindo Monteiro, no processo n.º 81/04.8PBBGC.S1, da 3.ª Secção:

       “...O pedido de indemnização derivado da prática de um crime impõe-se segundo Ferri, citado pelo Prof. Figueiredo Dias, in Sobre a reparação de perdas e danos arbitrada em Processo Penal, BFDUC, 1966, pág, 19 e segs „ “como função social que diz respeito ao Estado não apenas no interesse do particular ofendido, como ainda no interesse indirecto, mas não menos eficaz da defesa social”, sendo por isso mesmo considerado como a terceira reacção criminal a par das clássicas de prisão e multa.

       E assim temos, para alguns, escreve o Prof. Castanheira Neves, in Sumários de Processo Criminal, 1967/68, pág. 187, que a regulamentação positivo-processual da “acção cível” inscrita em processo penal se subordina a uma estrutura processual estritamente civil, com aceitação dos princípios, desde logo do dispositivo, do “ne procedat judex ex officio”, “ne eat judex ultra petita partium”, da renúncia, transacção, confissão, etc., e até só com dificuldade se poderá aceitar a sua inserção no processo penal, a não ser que se conceba como uma específica acção cível inserta na acção penal a que se subordina.

       No domínio do CPP de 29 a doutrina dominante, representada por Vaz Serra, Gomes da Silva e Cavaleiro de Ferreira, atribuía-lhe natureza puramente civil, sendo maioritária a jurisprudência, esta indo ao encontro da tese oposta, defendida pelo Prof. Figueiredo Dias, apud estudo citado, pág. 29 e segs.

      As razões lógicas dos sistemas que admitem - sistemas há que o repudiam, outros atribuem-lhe uma feição alternativa, na compreensão de que ambos os procedimentos contemplam a idoneidade para o conhecimento da indemnização - o enxerto do pedido cível na acção penal são as mais díspares, mas todas elas se reconduzem, essencialmente, à vantagem da não contradição de julgados, economia processual e ao interesse do lesado, que, funcionando como auxiliar do juiz, o habilita a melhor avaliar a extensão do dano, se exime a despesas e incómodos, além de que a estrutura do processo penal, se mais simples do que a cível, assegurará justiça mais célere, simples e acessível - cfr. Prof. Vaz Serra, in BMJ, 91-págs. [1]56 e segs.

       O nosso sistema processual penal actual, destacando-se dos sistemas de identidade e absoluta independência, consagra no art.º 71.º e segs. do CPP, um sistema de interdependência ou de adesão da acção cível à penal, em que se prevê obrigatoriedade, como regra, de se “juntar” a acção cível à acção penal, de permeio com cambiantes normativas que contradistinguem a acção enxertada da acção cível enunciando a lei os casos em que pode ser deduzida em separado.

       No plano substantivo o processo penal recebe por incorporação os pressupostos que fazem nascer, nos moldes do direito substantivo, a obrigação de indemnizar (art.º 129.º, do CP); no plano da tramitação processual a acção penal rege-se pelos princípios orientadores do processo penal, com especificidades próprias de que são ex.º a ausência da cominação plena ou semiplena para a falta de contestação, a susceptibilidade de as pessoas com responsabilidade civil poderem intervir espontaneamente, a legitimidade do lesado para demandar, entendendo-se como tal todo o que sofreu dano, não tendo que ser necessariamente ofendido, cabendo-lhe, tão somente, o ónus de sustentar e provar o pedido, assimilando-o ao assistente, não ser obrigatória a constituição de advogado em certas condições, estando dispensado de comparecer em julgamento a não ser quando seja obrigatória a sua presença para prestar declarações, assistindo ao julgador o direito de remeter os seus sujeitos processuais para os tribunais civis atenta a complexidade do pedido ou para fixação da parte não liquidada da indemnização e mesmo de a fixar provisoriamente em certo contexto, indicando, ainda, os casos de excepção à regra da adesão obrigatória art.ºs 78.º, 73.º, 74.º,76.º, 80.º, 82.º, 82.º-A, 83.º, do CPP.

       No âmbito do CPP de 29 a indemnização de perdas e danos possuía específica natureza penal, pois que a indemnização titulava um efeito penal da condenação podendo ser arbitrada mesmo que não peticionada e ser vista mesmo como “parte integrante” da pena pública, escreveu o eminente penalista Prof. Figueiredo Dias, in Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, CEJ, págs. 14 e 15, mas hoje, continua, face ao que se preceitua no art.º 129º, do CP, sem prejuízo ao princípio da adesão, a acção cível nele enxertada “como acção cível permanece até ao fim”.

       A materialidade do enxerto adquiriu, assim, estatuto de acção cível.

       Nela vigora o princípio do pedido, fazendo-se impender sobre o demandante o ónus de alegação de factos de que o juiz não conhece no exercício das suas funções, pedido esse, em certos casos, despido de especiais formalidades de alegação - cfr. n.º 3, do art.º 77.º, do CPP -, mas no mais adstrito a uma certa estrutura e oportunidade de apresentação.

       Por força do princípio da adesão o demandante junta, pois, a sua concreta pretensão, à enunciada na acusação, que, com a sua, constitui fundamento do enxerto, fundindo-se em uma só causa de pedir, simples ou complexa; por força da teoria da substanciação, consagrada no nosso direito, o objecto da acção cinge-se ao pedido, definido através de certa causa de pedir, enquanto acto ou facto concreto, idóneo, donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer - art.º 498.º, do CPC; cfr. Prof Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo civil, pág. 111 ...”.

       Extrai-se do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Novembro de 2009, proferido no processo n.º 448/06.7TCLSB.S1-5.ª Secção:

I - De acordo com o princípio da adesão que vigora no nosso sistema de processo penal, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei (art.º 71.º do CPP).

 II - Por força desta norma legal e da que se lhe segue, a causa de pedir na acção cível conexa com a criminal é sempre a responsabilidade civil extracontratual [pois que fundada na prática de um crime e não no incumprimento contratual] e não qualquer outra fonte de obrigações, como a responsabilidade civil contratual ou o enriquecimento sem causa.

                                                                  *****

      O direito de indemnização não fica precludido nos casos em que ocorra absolvição do crime imputado ou se extinga a responsabilidade criminal, podendo subsistir o pedido de indemnização cível, nos termos que seguem.

  

  Amnistia/Prescrição/Extinção da responsabilidade criminal/Absolvição - Subsistência do pedido de indemnização cível

       Soluções legais e jurisprudenciais 

       O artigo 377.º do Código de Processo Penal - Conceito de pedido fundado - Assento n.º 7/99

 Adriano Vaz Serra no estudo Tribunal competente para apreciação da responsabilidade civil conexa com a criminal - Valor no juízo civil, do caso julgado criminal - Garantias da indemnização, publicado no BMJ n.º 91 (Dezembro de 1959) págs. 147 a 206, analisando o artigo 2373.º do Código de Seabra, na redacção de 1930, e o Código de Processo Penal de 1929, respondendo à questão de saber em que casos poderia propor-se, no tribunal civil, acção de indemnização, afirma, na alínea e), a págs. 168:

      e) No de ser absolvido o réu no processo criminal (Código de Processo Penal, art. 30.º e § 2.º). A absolvição do réu no processo criminal não significa que não exista obrigação de indemnização, podendo, portanto, exigir-se esta em acção civil (cfr. art.º 2505.º do Código Civil)”.

       Convocando Luís Osório, Comentário ao Código de Processo Penal, na anotação ao artigo 30.º do CPP/1929, refere o Autor, a págs. 168/9:

       “Não importa o motivo da absolvição.

       Parece, porém, que, tanto no caso de ser arquivado o processo como no de absolvição, estes factos poderiam não obstar a que o tribunal criminal apreciasse a questão da indemnização. O Tribunal pode, apesar de mandar arquivar o processo ou de absolver o réu, ter meio de apreciar a questão da indemnização, tal como se o processo continuasse ou o réu fosse condenado. Agora, o julgamento acerca da indemnização não desempenharia a função de adjuvante da repressão penal, mas só um meio de economia processual, facilitando ao lesado a obtenção da indemnização. O lesado pode, precisamente porque havia acção penal, ter deixado de intentar acção civil de indemnização ou ter produzido na acção penal provas ou despendido nela esforços referentes à indemnização, e, por isso, a acção continuaria apenas para o efeito da indemnização, excepto se o tribunal, oficiosamente ou a requerimento de alguma das partes, e atendendo à falta de elementos para decidir ou a outras circunstâncias que aconselhassem a apreciação pelo tribunal civil, remetesse as partes para o juízo civil”.

       Tal solução não constituía novidade, pois como o Autor dá conta, a págs. 169, “Segundo os art.ºs 299.º da Reforma Judiciária, terceira parte, de 1837, e 1.165.º da Novíssima Reforma Judiciária, mesmo que o júri não julgasse provado o crime, se no libelo da parte acusadora se tivesse pedido indemnização, o juiz devia perguntar ao júri se o facto tinha existido e se o réu era por ele responsável de indemnização, caso em que, sendo afirmativas as respostas, deveria condenar o réu na reparação dos danos; a proposta de lei de 1899, art.º 309.º, e o Projecto Henriques Góis de C. P. crim., de 1926, art.º 382.º, mandavam também ao juiz perguntar pela indemnização, ainda que desse o crime por não provado.

       Note-se que os casos de absolvição do réu e de arquivamento do processo penal (art. 30.º e § 2.º) não são, em rigor, excepções à regra do art. 29.º, porque não há neles responsabilidade civil conexa com a criminal, uma vez que esta não existe /se o réu foi absolvido ou o processo arquivado por falta de crime)”.

       Mais à frente, a págs. 188/9, afirma: “Uma vez que a acção civil é distinta da acção penal, que os requisitos do direito de indemnização e os da pena são diferentes, a absolvição do réu, na acção penal, não extingue a acção civil. O que pode acontecer é que, tendo-se cumulado as duas acções, o juiz absolva o réu, ao mesmo tempo, da pena e da indemnização.

       Quanto ao efeito da absolvição criminal na acção civil, o Código de Processo Penal, art.º 154.º, dispõe constituir ela mera presunção, susceptível de prova em contrário.

       Assim, se o réu for, na acção criminal, absolvido, porque se não provou o facto, presume-se, na acção civil, que ele o não praticou”.

       Por essa época, dizia o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Maio de 1961, publicado no BMJ n.º 107, pág. 390, que a circunstância de o artigo 2.º, n.º 1, alínea e), do Decreto-Lei n.º 43 309, de 12-11-1960, haver amnistiado os crimes culposos de ofensas corporais e de dano, não extingue a responsabilidade civil emergente dos factos praticados, como é expresso no artigo 5.º desse diploma.

       Cumulada a acção cível com a penal, a extinção da responsabilidade criminal por amnistia, ou absolvição, não exclui a apreciação do pedido cível; só a extinção da acção penal antes do julgamento pode impedir que o tribunal criminal continue a conhecer da acção por perdas e danos - art. 33.º do CPP. Assim o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Outubro de 1961, proferido no processo n.º 30 739, publicado no BMJ n.º 110, pág. 360 e Aníbal de Castro, A Caducidade, Petrony, Lisboa, 1984, pág. 102.

 

       Citando estudo do Dr. Simões Pereira publicado no BMJ n.º 89 (Outubro de 1959), pág. 333, «embora se amolde à acção penal, a acção civil não perde, porém, a sua individualidade e as suas características; por definição trata-se de cumulação de acções e não de absorção», acrescenta o Autor: “Ora, desde que existem no processo todos os elementos que permitem apreciar e julgar a acção cível que se cumulou com a penal, os princípios de economia processual, que estão na base do sistema, não permitiriam que se remetessem agora os interessados para o tribunal civil.”.

       No mesmo sentido, os acórdãos de 22 de Março de 1961, BMJ n.º 105, pág. 541 e de 11 de Outubro de 1961, proferido no processo n.º 30 737, BMJ n.º 110, pág. 365 e Luís Osório, Comentário ao Código de Processo Penal, volume I, pág. 357.

       Começando pelo artigo 377.º do Código de Processo Penal.

       Integrado no Livro VII – Do julgamento – Título III – Da sentença – na versão primitiva, de 1987, estabelecia o

                                                         Artigo 377.º

                             Decisão sobre o pedido de indemnização civil

1 – A sentença, ainda que absolutória, condena o arguido em indemnização civil sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado, sem prejuízo do disposto no artigo 82.º, n.º 2.

2 – Se o responsável civil tiver intervindo no processo penal, a condenação em indemnização civil é proferida contra ele ou contra ele e o arguido solidarialmente, sempre que a sua responsabilidade vier a ser reconhecida.

3 – A condenação das partes civis em imposto de justiça, custas e honorários segue, na parte aplicável, os termos previstos neste Código e no Código das Custas Judiciais.

 

       A Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto (Diário da República, I-A Série, n.º 195/98, de 25 de Agosto), que introduziu a oitava alteração do Código de Processo Penal, alterou a parte final do número 1, passando a referir o n.º 3 e não o n.º 2 do artigo 82.º do CPP (mudança operada, como vimos, por força do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30-10, que introduziu um novo n.º 2, passando o n.º 3 a albergar o texto do anterior n.º 2).

       E eliminou o n.º 3 relativo ao aspecto tributário, que passou a ser regulado nos termos do artigo 523.º do CPP.

       Pelo artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro (Diário da República, 1.ª série, n.º 40, 26-02-2008) que aprovou o Regulamento das Custas Processuais, entrado em vigor em 20 de Abril de 2009, foram aditados os n.ºs 3 e 4, relativos a responsabilidade por custas.

       Assim, estabelece actualmente o

                                                        Artigo 377.º

                            Decisão sobre o pedido de indemnização civil

       1 – A sentença, ainda que absolutória, condena o arguido em indemnização civil sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 82.º.

       2 – Se o responsável civil tiver intervindo no processo penal, a condenação em indemnização civil é proferida contra ele ou contra ele e o arguido solidarialmente, sempre que a sua responsabilidade vier a ser reconhecida.

       3 – Havendo condenação no que respeita ao pedido de indemnização civil, é o demandado condenado a pagar as custas suportadas pelo demandante nesta qualidade e, caso cumule, na qualidade de assistente.

       4 – Havendo absolvição no que respeita ao pedido de indemnização civil, é o demandante condenado em custas nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais.

       Analisando.

       Como disse Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Verbo, 1996, volume I, pág. 324, «O pedido de indemnização civil deduzido no processo penal é uma verdadeira acção civil transferida para o processo penal por razões de economia e de cautela no que respeita a possíveis decisões contraditórias se as acções civil e penal fossem julgadas separadamente».

       E a págs. 109, a propósito da responsabilidade civil e por ilícito de mera ordenação social conexas com a criminal, dizia: “O art. 129.º do CP refere-se à responsabilidade civil emergente de crime e a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime e o art. 71.º do CPP à indemnização civil fundada na prática de um crime, mas a expressão usada pelo Código de Processo Penal é insuficiente, como resulta dos seus arts. 84.º e 377.º do CPP que admitem a condenação em indemnização civil sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado, ainda que a sentença seja absolutória quanto à responsabilidade criminal.” (sublinhado nosso).

[Do mesmo modo na 5.ª edição revista e actualizada, 2008, no ponto 26 – Da responsabilidade civil emergente de crime - pág. 125].

A págs. 111, após repetir que “as expressões usadas no CPP não traduzem integralmente o âmbito da matéria regulada nos seus arts. 71.º a 84.º”, e após explicar “que, ao contrário do que sucedia com o CPP/29, mesmo no caso de absolvição pelo crime de que o arguido é acusado, o tribunal condena o arguido em indemnização civil, sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado (arts. 84.º e 377.º), o que revela a autonomia da responsabilidade civil e da responsabilidade criminal”, expendia:

“Sucede é que o pedido de indemnização civil, a deduzir no processo penal, há-de ter por causa de pedir os mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade criminal e pelos quais o arguido é acusado. A autonomia da responsabilidade civil e criminal não impede, por isso, que, mesmo no caso de absolvição da responsabilidade criminal, o tribunal conheça da responsabilidade civil que é daquela autónoma e só por razões processuais, nomeadamente de economia e para evitar julgados contraditórios, deve ser julgada no mesmo processo».(sublinhado nosso).

       [Do mesmo modo na 5.ª edição revista e actualizada, 2008, no ponto 27 – Da indemnização por facto ilícito e pelo risco arbitrada no processo penalI – págs. 127 e 128 – aditando: “A razão da condenação em indemnização civil mesmo no caso de absolvição da responsabilidade criminal é ainda determinada por razões de economia processual”].

Ainda no ponto 27, II, a págs. 128 e 129, afirma “A obrigação de indemnizar pode emergir do crime, mas podem também os factos objecto da acusação não constituírem crime, mas serem geradores de responsabilidade civil ou de responsabilidade pelo risco, nos termos da lei civil (arts. 483.º e ss. e 499.º e ss. do CC). Por isso que o art. 377.º  disponha que a sentença, ainda que absolutória, condena o arguido em indemnização civil sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado.

      O tribunal conhece necessariamente dos factos da acusação crime e, por isso, razões de economia processual, aconselham a que mesmo no caso de absolvição pelo crime, o tribunal deve condenar o arguido e/ou os responsáveis meramente civis, que tenham sido demandados ou intervindo voluntariamente no processo, quando verificar que aqueles mesmos factos são geradores de responsabilidade civil ou fundada no risco”.

       O Autor retoma estas posições em Responsabilidade Penal das Sociedades e dos seus Administradores e Representantes, Editorial Verbo, 2009, no segmento A responsabilidade civil emergente do crime, págs. 458/9, aqui acrescentando:

       “Merece uma nota especial os casos de absolvição do crime por falta de culpa e condenação em responsabilidade civil. Como vimos oportunamente, a culpa penal e a culpa civil não se identificam totalmente, bem podendo suceder que não ocorra culpa penal, mas o facto seja imputado ao agente com culpa civil”. “Acresce que muitos crimes só são puníveis se praticados com dolo, sendo que para a responsabilidade civil basta a negligência”.

      Paulo Pinto Albuquerque no Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, em anotação ao artigo 71.°, págs. 229-230, na 4.ª edição actualizada de Abril de 2011, refere: “ (…) as disposições dos artigos 73.º, n.º 1, 74.º, n.ºs 1 e 3 e 377.º, n.º 1, e ainda do novo artigo 400.º, n.º 3, conformam uma versão flexível do princípio, isto é, a adesão da acção cível “conexa” com a acção penal, que visa reparar todos os danos “emergentes” dos factos que sustentam a imputação criminal. Acresce que as garantias da defesa em processo penal não se aplicam in totum ao demandado civil no processo penal quando a sua responsabilidade criminal já estiver extinta (acórdãos do TC n.º 269/97 e 698/98). Dito de outro modo, a indemnização civil arbitrada em processo penal mantém a sua natureza civil e a sua autonomia em face do destino da acção penal. Por outro lado, do artigo 129.º do CP decorre que a lei civil determina os pressupostos, o montante e os prazos de prescrição do direito à responsabilidade civil. Por exemplo, a prescrição do direito de indemnização tem de ser invocada para ser conhecida no processo penal (acórdão do STJ de 28.4.1999, Acs, STJ, VII, 2, 203).

      Sendo assim, a extinção da acção penal não tem como consequência necessária a extinção da acção cível. A questão pode colocar-se em dois momentos distintos, antes e depois do julgamento, e a sua resolução depende do fundamento da responsabilidade civil.

      Se o arguido for absolvido do crime imputado, por falta de prova, o tribunal não pode condená-lo em indemnização civil fundada em responsabilidade contratual (acórdão do pleno das secções criminais do STJ n.º 7/99, que foi mantido pelo acórdão do STJ, de 20.4.2005, in CJ, Acs do STJ, XIII, 2, 181). [Do mesmo modo na anotação 1 ao artigo 377.º, pág. 980].

       Portanto, se o arguido for absolvido do crime imputado, por falta de prova, e o fundamento da responsabilidade civil for extra-contratual ou pelo risco, o tribunal deve conhecer do pedido de indemnização”. [Do mesmo modo na anotação 2 ao artigo 377.º, pág. 980].

       Para os casos de extinção da acção penal antes do julgamento por descriminalização da conduta, amnistia ou prescrição do procedimento criminal, distingue o Autor – ponto 6, pág. 230 – conforme o fundamento da responsabilidade civil for contratual ou extracontratual ou pelo risco.

      No primeiro caso aplica-se, por maioria de razão, a jurisprudência do acórdão do pleno das secções criminais do STJ n.º 7/99 e o tribunal não pode prosseguir com a acção cível.

       No segundo caso, aplica-se a jurisprudência do acórdão de fixação de jurisprudência do STJ n.º 3/2002: a admissão liminar do pedido tem a consequência de o tribunal dever proferir decisão sobre o mérito do pedido, mesmo que o procedimento criminal venha a extinguir-se por prescrição ou outra causa de natureza semelhante antes de realizado o julgamento. (o que é igualmente repetido ao anotar o artigo 377.°, na pág. 980).

       António Jorge de Oliveira Mendes, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2.ª edição revista, 2016, em comentário ao artigo 377.º, pág. 1129, após citar o acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/99, afirma: “Deste modo, apreciado o mérito, se o arguido for absolvido do crime objecto do processo, por falta e prova ou, obviamente, por se haver provado que se comportou de acordo com o Direito, o tribunal não o pode condenar em indemnização civil fundada em responsabilidade contratual. 

       Se na sentença se não chegou a apreciar o mérito, ou seja, o objecto do processo, por ocorrência de questão prévia que obste ao seu conhecimento, há que averiguar se essa questão também obsta ao conhecimento do pedido de indemnização civil deduzido. Caso afirmativo é evidente que o pedido de indemnização civil não pode ser conhecido. Caso contrário deve o tribunal proferir decisão sobre o mérito do pedido de indemnização civil deduzido. É o que sucede, por exemplo, aquando da ocorrência de prescrição do procedimento criminal, de acordo com a jurisprudência fixada pelo STJ no acórdão n.º 3/2002, de 02.01.17, publicado no DR, I série-A, de 02.03.05 (…)”.

      Remata, afirmando: “A falta de pronúncia sobre o pedido de indemnização civil inquina a sentença de nulidade por omissão de pronúncia- alínea b) do n.º 1 do artigo 379”.

       Jorge Leite Areias Ribeiro de Faria, em Indemnização por Perdas e Danos arbitrada em Processo Penal – O chamado Processo de Adesão, Livraria Almedina, Coimbra, 1978 (Dissertação de Doutoramento em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra), referia que tanto a Reforma Judiciária (artigo 299.º) como a Novíssima Reforma Judiciária (artigo 1165.º) dispunham no sentido de que, mesmo se se não julgasse provado o crime, se no libelo da parte acusadora se tivesse pedido indemnização, o juiz devia perguntar ao júri se o facto tinha existido e se o réu era responsável de indemnização, caso em que, sendo afirmativas as respostas, deveria condenar o réu na reparação dos danos.

       O Autor versa o ponto tendo em vista as disposições dos artigos 30.º (cuja solução manda parar a «solidarização» se o réu é absolvido no processo crime) e 33.º do Código de Processo Penal de 1929, a págs. 319, 320/1/2.  

       Jurisprudência

       No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-01-2000, proferido no processo n.º 809/99-3.ª Secção, refere-se: “O artigo 377.º contempla a hipótese de haver responsabilidade civil sem que ocorra a responsabilidade criminal. Na previsão da norma do artigo 377.º, interpretada nos termos do Acórdão 7/99, não cabe a hipótese da condenação com base no enriquecimento sem causa  regulado nos artigos 473.º e seguintes do Código Civil”.

       No acórdão de 23-02-2000, proferido no processo n.º 906/99, com um voto de vencido, foi decidido: “Em obediência ao estatuído no artigo 377.º, n.º 1, do CPP, o tribunal colectivo, no acórdão proferido a final, tem o dever legal de condenar os demandados, caso se verifiquem os pressupostos da responsabilidade por facto ilícito, no pagamento de indemnização, apesar de, no mesmo acórdão, ter declarado extinto, por prescrição, o procedimento criminal contra todos os arguidos”.

       No sentido de que a circunstância da absolvição criminal não determina a preclusão da apreciação cível, não impedindo a condenação em indemnização civil, pronunciou-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-04-2002, proferido no processo n.º 2259/01-3.ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 171. (Caso de imputada infracção fiscal aduaneira não provada, consubstanciando a conduta provada ilícito considerado integrante de contra-ordenação de descaminho, cujo procedimento prescrevera, mas verificando-se inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido de indemnização civil).

       Como se viu, o acórdão de 10 de Julho de 2008, proferido no processo n.º 1410/08, da 3.ª Secção, e seguido de perto no acórdão do mesmo relator, de 14 de Julho de 2010, no processo n.º 203/99.9TBVRL.P1.S1-A, terminava deste jeito:  

        “Deste modo, se o arguido for absolvido de um crime, e se subsistir, apesar da absolvição, uma base factual com autonomia que suscite, ou permita suscitar, outros níveis de apreciação da normatividade como pressuposto ou fonte de indemnização civil (autonomia qualitativa dos pressupostos), haverá que considerar o pedido de reparação civil (dependência ou adesão especificamente processual) que se possa fundamentar nos mesmos factos – seja responsabilidade por facto ilícito, seja responsabilidade pelo risco (cfr., v. g., Ac.s. do STJ de 25/1/96. CJ (STJ), IV, t. 1, p. 89; de 2/4/98, CJ (STJ), VI, t. 2, p. 179)”.

       Segundo os acórdãos de 5 de Novembro de 2008, proferido no processo n.º 3182/08 e de 10 de Dezembro de 2008, processo n.º 3638/08, ambos desta 3.ª Secção e do mesmo relator, publicados na CJSTJ 2008, tomo 3, págs. 213 e 251, citando o acórdão supra de 10-07-2008, e seguindo de perto Germano Marques da Silva “o pedido de indemnização civil, a deduzir no processo penal, há-de ter por causa de pedir os mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade criminal e pelos quais o arguido é acusado. A autonomia da responsabilidade civil e criminal não impede, por isso, que, mesmo no caso da absolvição da responsabilidade criminal, o tribunal conheça da responsabilidade civil que é daquela autónoma e só por razões processuais, nomeadamente de economia e para evitar julgados contraditórios, deve ser julgada no mesmo processo”.

        Extrai-se do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Novembro de 2009, relatado por Santos Carvalho, no processo n.º 448/06.7TCLSB.S1-5.ª Secção, de cujo sumário citamos:

       III - Do mesmo modo, uma vez deduzido o pedido cível conexo com o criminal, se o arguido vier a ser absolvido da prática do crime imputado, a sentença condena o arguido em indemnização civil, nos termos do art.º 377º, n.º 1, do CPP, sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado (sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 82.º, isto é, do juiz remeter as partes para os meios comuns).

      IV - Como se vê, mesmo no caso de absolvição penal, a lei delimita o âmbito da condenação no pedido cível à indemnização civil, confirmando e até reforçando a norma respeitante à propositura da acção.

      V - Nem podia ser de outro modo: se a causa de pedir é [necessariamente] a responsabilidade civil extracontratual, a decisão final não pode deixar de nela se fundar, tanto mais que no domínio do processo civil, aplicável subsidiariamente ao processo penal, rege o princípio de que a sentença não pode ultrapassar o âmbito do pedido (“A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir” - art.º 661.º do CPC). ...”. (Sublinhado nosso).

       Citando este, o acórdão de 10 de Novembro de 2010, proferido no processo n.º 3891/03.0TDPRT.S1-3.ª Secção, onde se pode ler:

       Mas mesmo declarado prescrito, amnistiado ou descriminalizado nem por isso o facto deixa de ser fundante de responsabilidade por facto ilícito extracontratual ou aquiliana, pois continua a subsistir a sua individualidade histórica, o seu acontecer ofensivo, ainda, de direitos de vária índole, a que se não associa já uma reacção penal, que pode desembocar na privação de liberdade, como é timbre do facto penal, mas enquanto constituinte de ilícito civil, tendo este como timbre a obrigação de indemnizar.

       E, nessa ordem de considerações e de hipóteses extintivas da acção penal, se aceita, associadamente a uma razão de justiça e de economia processual, que, em caso de absolvição, o tribunal, no enxerto cível deduzido, possa conhecer da responsabilidade civil por facto ilícito extracontratual ou pelo risco – art. 377.º, n.º 1, do CPP (como se decidiu no Ac. do STJ, de 17-04-2002, in CJSTJ, XI, T II, pág. 171).

       No mesmo sentido, o acórdão de 23 de Novembro de 2010, proferido no processo n.º 658/07.0GAVFR.P1.S1-3.ª Secção.

       No já citado acórdão de 27 de Abril de 2011, proferido no processo n.º 712/00.9JFLSB.L1.S1-3.ª Secção, em que interviemos como adjunto, citando o Assento n.º 7/99 e o AUJ n.º 3/2002, foi abordada a questão do artigo 377.º, n.º 1, do CPP – o fundamento da condenação não será obviamente a prática de um crime, mas a responsabilidade extracontratual ou aquiliana, ainda que (eventualmente) não criminosa. Retira-se do sumário: “O art. 377.º, n.º 1, do CPP, determina que a sentença, ainda que absolutória, condena o arguido em indemnização civil sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado, sem prejuízo do disposto no art. 82.º, n.º 3, do CPP. Assim, se o pedido tem de se fundar na prática de um crime, a absolvição (do crime) não obsta à condenação do arguido no pedido – se fundado – de indemnização. O fundamento da condenação não será obviamente a prática de um crime, mas a responsabilidade extracontratual ou aquiliana, ainda que (eventualmente) não criminosa – Assento 7/99 de 17-06-1999, DR I-A, de 03-08-1999 e, no seu seguimento, o Ac. do STJ de 06-06-2002, Proc. n.º 1671/02 - 5.ª”.

       No acórdão de 15 de Dezembro de 2011, proferido no processo n.º 836/08.4TDLSB.L1.S1-3.ª Secção, pondera-se que a absolvição em matéria penal não obsta à apreciação do pedido civil e à condenação no mesmo, desde que se provem os factos que constituem os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito, ou extracontratual, tal como definidos no artigo 483.º do CC.

       Retira-se do sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 2012, relatado por Santos Carvalho, no processo 476/09.0PBBGC.P1.S1-5.ª Secção:

       “Efetivamente, a sentença, ainda que absolutória, condena o arguido em indemnização civil sempre que o pedido respetivo vier a revelar-se fundado (cf. art º 377º, n.º 1, do CPP), pois que determinado ato pode não ser punível criminalmente, por não estarem reunidos os factos típicos ou os elementos subjetivos do crime, mas ainda assim pode constituir um ilícito de outra natureza, gerador de responsabilidade civil (art.º 483.º, n.º 1, do CC)”. (Sublinhado nosso).

       No mesmo sentido, em caso de absolvição de crime de abuso de confiança contra a segurança social, pronunciou-se o acórdão de 29 de Fevereiro de 2012, proferido no processo n.º 11968/03.5TDLSB.L2.S1, igualmente da 5.ª Secção.

       A situação foi abordada igualmente no acórdão de 27 de Fevereiro de 2013, proferido no processo n.º 1336/06.2TAFUN.L1.S1-3.ª Secção, em que interviemos como adjunto.

       Em caso de acidente de viação, a sentença condenara o arguido pela prática de crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo artigo 148.º do Código Penal e julgara parcialmente procedente o pedido cível.

       Em recurso o Tribunal da Relação de Lisboa alterou matéria de facto, julgando improcedente a acusação e afirmando que a improcedência da acusação “arrasta consigo o pedido cível”.

       Face a tal posição foi considerado que “Mesmo perante eventual inexistência de culpa, em tais casos sempre se põe a questão da obrigação de indemnização, com fundamento na responsabilidade pelo risco. O que não foi perspectivado pela decisão recorrida, constituindo, por isso, omissão de pronúncia”.

       O acórdão da Relação seria nulo, nos termos do n.º 1, alínea c), do artigo 379.º do CPP, porque omitiu pronúncia sobre questão que era obrigado a decidir, caso não fosse caso de reenvio, que foi determinado.

 

       No acórdão de 28 de Maio de 2008, por nós relatado no processo n.º 131/08, era versada situação em que a assistente deduziu pedido cível de indemnização, fundado na prática pelo arguido, ex-marido, de crime de abuso de confiança, relativo a metade do valor dos bens do casal, sendo este condenado na 1.ª instância nas vertentes criminal e cível.

       Na sequência de recurso da parte criminal interposto pelo arguido, limitado a esta parte, foi este absolvido do crime, nada se dizendo da sorte do pedido cível.

       A questão a colocar consistia em saber o que acontece na sequência da absolvição da prática do crime em recurso circunscrito à parte criminal: se a absolvição na parte criminal arrasta necessariamente a absolvição da parte civil ou se não obstante aquela absolvição do ilícito criminal, subsistirá a condenação no pedido cível e em que termos, sendo que no caso se verificava omissão de pronúncia sobre “a sorte” da acção cível, na sequência da absolvição crime, passando-se a transcrever a fundamentação.

       «O artigo 129.º do Código Penal, na versão do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15/3, intocado nas versões das Leis n.º 59/98, de 25-08 e n.º 59/07, de 04-09, prescreve que a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil, entendendo a jurisprudência que tal preceito (como de resto o anterior artigo 128º na versão de Código Penal de 1982) tem em vista determinar que a indemnização seja regulada, quantitativamente e nos seus pressupostos, pela lei civil.

       Já no que respeita ao campo de aplicação do preceituado no artigo 377.º, n.º 1, do C.P.P., houve divergências na jurisprudência, havendo quem defendesse que haveria que considerar o pedido cível formulado apenas nos casos em que existisse responsabilidade civil extracontratual ou responsabilidade fundada no risco, não sendo de condenar nos casos de mera responsabilidade contratual, defendendo outros que a condenação deveria ser proferida, quer a obrigação derivasse de facto ilícito extracontratual, quer se fundasse no risco, quer tivesse por fonte violação de qualquer direito subjectivo, incluindo direitos de crédito.

       No 1.º caso, que representava então a jurisprudência dominante do S.T.J., podiam ver-se os acórdãos do mesmo Tribunal, de 25-01-96, in CJSTJ 1996, tomo 1, pág. 189; de 10-02-96, in CJSTJ 1996, tomo 3, 202 e BMJ 462, 294; de 09-07-97; in CJSTJ 1997, tomo2, 262; de 02-04-98, in CJSTJ 1998, tomo 2, 179 e de 24-02-99, in CJSTJ 1999, tomo1, 224, e no segundo os acórdãos das Relações do Porto, de 19-11-97, in C.J. 1997, tomo 5, 227 e de Coimbra, de 17-06-98, in C.J. 1998, tomo 3, 56.

       O STJ foi chamado a resolver o conflito suscitado por dois acórdãos da Relação de Coimbra, que preconizavam soluções opostas para a questão, proferindo acórdão uniformizador de jurisprudência em 17-06-1999.

       Aí fixou a seguinte jurisprudência: “Se em processo penal for deduzido pedido cível, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal, verificando-se o caso previsto no artigo 377º n.º 1, do Código de Processo Penal, ou seja, a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extracontratual ou aquiliana, com exclusão da responsabilidade civil contratual”.

       Tal acórdão foi publicado no D.R., I-A, n.º 179, de 03-08-99, sob a designação de “Assento n.º 7/99” e no BMJ 488, 49.

       A fórmula constante do artigo 377.º, n.º 1, do C.P.P. – pedido cível “fundado” – é algo diversa da que figurava no texto do artigo 12.º do Dec-Lei nº. 605/75, de 03-11, com as alterações introduzidas pelo Dec-Lei n.º 377/77, de 06-09 e que é a fonte próxima daquele artigo 377.º.

       Dispunha o artigo 12.º do Dec.-Lei 605/75: “Nos casos de absolvição da acusação-crime, o juiz condenará o réu em indemnização civil, desde que fique provado o ilícito desta natureza ou a responsabilidade fundada no risco. Nestes casos, aplicar-se-á o disposto no artigo 34.º e seus parágrafos do Código de Processo Penal, com as necessárias adaptações”.

       A razão de tal inovação era explicada à época nos termos constantes do n.º 5 do preâmbulo do Dec-Lei 605/75: “Quando o juiz absolve da acusação crime, mas fique provado o ilícito, ou nos casos de mera responsabilidade civil objectiva, não se vê razão para a inutilização de toda a actividade processual desenvolvida, obrigando as partes a um ulterior recurso ao juízo cível com as consequentes e inevitáveis demoras e prejuízos materiais. Concede-se, assim, ao juiz a faculdade de condenar o réu em indemnização cível, mesmo que o absolva da acusação crime”.

       A norma em referência inseria-se num quadro legal, em que se destacavam as seguintes normas:

       Artigo 75.º, n.º 3, do Código Penal de 1886, o qual estabelecia: O réu definitivamente condenado, qualquer que seja a pena, incorre: na obrigação de indemnizar o ofendido do dano causado, e o ofendido ou os seus herdeiros requeiram a indemnização.

       Artigo 34.º do Código de Processo Penal de 1929: O juiz, no caso de condenação, arbitrará aos ofendidos uma quantia como reparação por perdas e danos, ainda que lhe não tenha sido requerida.

       Artigo 450.º do C. P. Penal de 1929: A sentença condenatória deverá conter: 5º - A condenação na pena aplicada, indemnização por perdas e danos e impostos de justiça.

       Neste quadro, a atribuição de indemnização em caso de condenação pelo crime era oficiosa, como decorria do artigo 34.º do C.P.P.

       E no caso de condenação em indemnização ao abrigo do artigo 12.º do Dec-Lei 605/75, sempre que o titular do direito à indemnização não tivesse constituído advogado, cumpria ao M.º P.º exercer o controle sobre o efectivo pagamento daquela, diligenciar pelo seu cumprimento voluntário ou coercivo, como decorria do artigo 13.º do Dec-Lei 605/75.

       Com o advento do Código de Processo Penal de 1987 deixa de haver indemnizações atribuídas oficiosamente, como desde logo constava do ponto 15 do n.º 2 do artigo 2.º da Lei 43/86, de 26-09 (Lei de autorização legislativa em matéria de processo penal): “consagração da necessidade de pedido civil para que o juiz penal possa arbitrar uma indemnização, restringindo-se o patrocínio oficioso do Ministério Público aos carecidos de meios económicos”.

       Na revisão operada pela Lei 59/98, de 25 de Agosto, mantém-se o respeito pelo princípio do pedido, embora com a novidade que constitui a possibilidade de o tribunal oficiosamente poder arbitrar, como efeito penal da condenação, uma reparação pelos prejuízos sofridos quando o imponham particulares exigências de protecção da vítima, o que veio a ser concretizado com o artigo 82.º - A, do C.P.P. – cfr. Exposição de Motivos da Proposta de Lei N.º 157/VII – ponto 12 – retomando-se, assim, de certo modo, o regime constante do artigo 34.º de C.P.P. de 1929.

       O artigo 377.º, n.º 1, do C.P.P. de 1987 “sucede” ao artigo 12.º do Dec-Lei 605/75, que lhe serviu de fonte próxima, abandonando, porém, a antiga referência expressa a “ilícito desta natureza (civil) ou a responsabilidade fundada no risco” para passar a referir-se a situações em que o pedido de indemnização civil se venha a revelar “fundado”.

       Resulta dos artigos 84.º e 377.º do CPP a admissibilidade de condenação em indemnização civil sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado, ainda que a sentença seja absolutória quanto à responsabilidade criminal.

       Com a introdução desta nova fórmula a questão é saber em que consiste um pedido “fundado”, o que deve entender-se por pedido cível fundado.

       O pedido de indemnização civil deduzido em processo penal é o fundado na prática de um crime, como o impõe o artigo 71.º do CPP que estabelece: «O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei».

       Este conceito de fundado, no sentido de emergente de um crime, não se confunde com o conceito de “fundado” do artigo 377.º, nº 1, do C.P.P.

       No âmbito do artigo 71.º do CPP, o pedido de indemnização civil deduzido em processo penal tem sempre de ser fundamentado na prática de um crime, tem de ter na sua base uma conduta criminosa, que determina o funcionamento do princípio da adesão.

       No plano do artigo 377.º, n.º 1, do CPP, pedido fundado significará pedido que tem a mesma causa de pedir, ou seja, os mesmos factos que constituem também pressuposto da responsabilidade criminal.

       Como sustenta Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 1996, volume I, p.111, «Sucede é que o pedido de indemnização civil, a deduzir no processo penal, há-de ter por causa de pedir os mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade criminal e pelos quais o arguido é acusado. A autonomia da responsabilidade civil e criminal não impede, por isso, que, mesmo no caso da absolvição da responsabilidade criminal, o tribunal conheça da responsabilidade civil que é daquela autónoma e só por razões processuais, nomeadamente de economia e para evitar julgados contraditórios, deve ser julgada no mesmo processo». [pág. 128 na 5.ª edição de 2008].    

       A questão fundamental será a de saber se deveremos olhar apenas ao bem fundado (ou não) do pedido cível, independentemente da natureza da responsabilidade que lhe subjaz, abarcando não apenas os casos de responsabilidade aquiliana e de responsabilidade objectiva, mas também outros casos, como o da responsabilidade contratual, em que o pedido cível se pode basear na violação de uma relação creditícia, ou se pelo contrário, o bem fundado do pedido cível se deve confinar, restringir à responsabilidade extracontratual ou aquiliana, ou ainda responsabilidade objectiva, com exclusão da responsabilidade contratual.

       A solução do acórdão de uniformização de jurisprudência assentou na dicotomia responsabilidade extracontratual e contratual, por estar em equação no caso concreto crime de emissão de cheque sem provisão, em que ocorrendo absolvição pelo crime, subsiste a relação causal, pois na génese de um título de crédito está sempre um negócio subjacente, causal, a relação jurídica fundamental, que determina a emissão do cheque, seja compra e venda, mútuo, arrendamento, transporte, etc., tendo na sua base uma relação contratual. Apenas estas hipóteses ficaram arredadas e não também os casos de responsabilidade objectiva».

      O acórdão recorrido foi declarado nulo por ter omitido pronúncia relativamente à subsistência ou não da condenação no pedido cível imposta ao arguido na decisão da primeira instância, devendo o Tribunal recorrido pronunciar-se sobre tal ponto.

       Esta fundamentação foi transcrita mais tarde, no acórdão de 4 de Fevereiro de 2010, por nós relatado no processo n.º 106/01.9IDPRT.S1 (citado na fundamentação do Acórdão uniformizador n.º 1/2013, a págs. 52-1.ª coluna, 57-2.ª coluna e 58, 69-2.ª coluna a 71 e nota de rodapé 108 do Diário da República, 1.ª série, n.º 4, de 7-01-2013), em que em causa estavam um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 24.º, n.ºs 1, 2, 5 e 6 do Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 394/93, de 24 de Novembro, e, posteriormente, pelo artigo 105.º, n.ºs 1, 4 e 5, da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho (RGIT), por créditos de IVA e IRS, no montante apurado de 129.052,43 € e um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelo artigo 107.º, n.º 1, com referência ao artigo 105.º, n.º 1, da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho (RGIT), sendo que apenas o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social Norte (IGFSS) deduziu pedido cível, pedindo a condenação dos demandados no pagamento de 85.262,46 €.

       Na primeira instância teve lugar condenação penal e cível, mantida na Relação.

       Neste acórdão de 4 de Fevereiro de 2010, na parte criminal foi considerado estarem descriminalizadas as condutas relativas a falta de entregas inferiores ou iguais a 7.500,00 €, por a descriminalização prevista para o abuso de confiança fiscal, introduzida com a alteração do artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, operada pelo artigo 113.º da Lei n.º 64-A/08, de 31 de Dezembro, abranger igualmente o crime de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelo artigo 107.º do mesmo RGIT.

       Face à entendida descriminalização, foi declarado extinto o procedimento criminal nos termos do artigo 2.º, n.º 2, do Código Penal.

       Como é sabido, esta posição não foi consagrada, mas antes a oposta, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2010, de 14 de Julho de 2010, proferido no processo n.º 6463/07.6TDLSB.L1, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 186, de 23 de Setembro, em que votámos vencido.

       Assente que a conduta criminal respeitante ao abuso de confiança contra a Segurança Social, fundamento do pedido cível pelo IGFSS fora totalmente descriminalizada e extinta a responsabilidade criminal, colocava-se a questão de saber se a extinção da responsabilidade criminal acarreta ou não a extinção da responsabilidade civil.   

       No recurso suscitava o recorrente a questão da extinção da acção cível, a questão de saber se a extinção da responsabilidade criminal acarreta ou não a extinção da responsabilidade civil.

       No acórdão de 12 de Setembro de 2013, por nós relatado no processo n.º 513/10.6TDLSB.P1.S1, a assistente deduziu pedido cível de indemnização contra o arguido, fundado na prática por este de crimes de falsificação de documento e de burla qualificada.

     O arguido na 1.ª instância foi absolvido nas vertentes criminal e civil.

     Na sequência do recurso interposto pela demandante civil foi o demandado condenado no pedido cível.

     A questão colocada era a de saber o que acontece na sequência da absolvição da prática do crime: se a absolvição na parte criminal arrasta necessariamente a absolvição da parte civil, ou se não obstante aquela absolvição do ilícito criminal, poderá haver condenação no pedido cível e em que termos.

       

       Prosseguindo e transcrevendo parte da fundamentação.

       «O artigo 377.º, n.º 1, do CPP de 1987

       Estabelece o normativo:

       A sentença, ainda que absolutória, condena o arguido em indemnização civil sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado, sem prejuízo do disposto no artigo 82.º, n.º 2.

       Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 5.ª edição, 1992, pág. 526 (e 7.ª edição, 1996, pág. 553), anotando este normativo, depois de esclarecer que «este artigo tem campo de aplicação privilegiado nos casos em que há responsabilidade civil objectiva mas a responsabilidade penal inexiste por falta de culpa (v. g. acidente de viação, com morte, que se provou, em julgamento, ter sido causado por caso fortuito inerente ao funcionamento do veículo)», acrescenta que abrange, também, «outros casos, como o de sentença absolutória por amnistia da infracção».

      O preceito corresponde ao artigo 450.º, n.º 5, do CPP de 1929 e “sucede” ao artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 605/75, de 3 de Novembro, que lhe serviu de fonte próxima, abandonando, porém, a antiga referência expressa a “ilícito desta natureza (civil) ou a responsabilidade fundada no risco” para passar a referir-se, de forma claramente, menos clara, a situações em que o pedido de indemnização civil se venha a revelar “fundado”.

      Como se refere no acórdão do STJ de 9-07-1997, processo n.º 1257, in CJSTJ 1997, tomo 2, pág. 260, o que se dispõe no artigo 377.º do CPP não tem âmbito de aplicação diverso do que se dispunha no artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 605/75.

      O antecedente do artigo 377.º, n.º 1, do CPP


       Dispunha o artigo 12.° do Decreto-Lei n.º 605/75, de 03-11, no Capítulo V subordinado à epígrafe “Da reparação do dano civil”, inalterado pelo Decreto-Lei n.º 377/77, de 06-09:

       “Nos casos de absolvição da acusação-crime, o juiz condenará o réu em indemnização civil, desde que fique provado o ilícito desta natureza ou a responsabilidade fundada no risco.

       Nestes casos, aplicar-se-á o disposto no artigo 34.° e seus parágrafos do Código de Processo Penal, com as necessárias adaptações”.

       A razão de ser de tal inovação era explicada à época nos termos constantes do n.º 5 do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 605/75: “Quando o juiz absolve da acusação crime, mas fique provado o ilícito, ou nos casos de mera responsabilidade civil objectiva, não se vê razão para a inutilização de toda a actividade processual desenvolvida, obrigando as partes a um ulterior recurso ao juízo cível com as consequentes e inevitáveis demoras e prejuízos materiais. Concede-se, assim, ao juiz a faculdade de condenar o réu em indemnização cível, mesmo que o absolva da acusação crime”.

       A norma em referência inseria-se num quadro legal, em que se destacavam as seguintes normas:

       Artigo 75.° do Código Penal de 1886, o qual estabelecia:

       “O réu definitivamente condenado, qualquer que seja a pena, incorre:

3.° - Na obrigação de indemnizar o ofendido do dano causado, e o ofendido ou os seus herdeiros requeiram a indemnização”. (Para Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1974, p. 549, a reparação é encarada como uma «parte da pena pública»).

       Artigo 34.° do Código de Processo Penal de 1929:

       “O juiz, no caso de condenação, arbitrará aos ofendidos uma quantia como reparação por perdas e danos, ainda que lhe não tenha sido requerida.

       § 2.° O quantitativo da indemnização será determinado segundo o prudente arbítrio do julgador, que atenderá à gravidade da infracção, ao dano material e moral por ela causado, à situação económica e à condição social do ofendido e do infractor”.

       Artigo 450.° do Código de Processo Penal de 1929 (Conteúdo da sentença condenatória)

       “A sentença condenatória deverá conter:

       5.° - A condenação na pena aplicada, indemnização por perdas e danos e impostos de justiça”.

       Foi certificada a constitucionalidade do referido artigo 12.° pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 187/90, de 6 de Junho de 1990, proferido no processo n.º 215/88, da 2.ª Secção e publicado no Diário da República, II Série, de 12-09-1990 e Acórdãos do Tribunal Constitucional (ATC), volume 16 (1990), págs. 395-410, estando então em causa decidir se a norma constante do referido artigo 12.°, em especial a sua segunda parte, estava ferida de inconstitucionalidade superveniente por desconformidade com o artigo 13.° da Constituição, na medida em que, no caso de absolvição crime, permitia ao juiz condenar o réu em indemnização civil, nos termos do disposto no artigo 34.° e seus parágrafos do CPP de 1929, com as necessárias adaptações.

       Em causa estava a remessa do arbitramento para os critérios e regime do artigo 34.° do CPP, com adopção de critérios diferentes dos consagrados no Código Civil para cálculo de indemnização, considerando o acórdão que uma das adaptações a ter em conta é exactamente o de abranger o critério de arbitramento da indemnização civil.

       Neste quadro, a atribuição de indemnização em caso de condenação pelo crime era oficiosa, como decorria do artigo 34.° do C.P.P.

       E no caso de condenação em indemnização ao abrigo do artigo 12.° do Decreto -Lei 605/75, sempre que o titular do direito à indemnização não tivesse constituído advogado, cumpria ao M.° P.° exercer o controle sobre o efectivo pagamento daquela, diligenciar pelo seu cumprimento voluntário ou coercivo, como decorria do artigo 13.° do mesmo diploma.

       Volvendo ao artigo 377.°, n.º 1, do Código de Processo Penal.

      

       No que respeita ao campo de aplicação do preceituado no artigo 377.°, n.º 1, do CPP, houve divergências na jurisprudência, havendo quem defendesse que haveria que considerar o pedido cível formulado apenas nos casos em que existisse responsabilidade civil extracontratual ou responsabilidade fundada no risco, não sendo de condenar nos casos de mera responsabilidade contratual, defendendo outros que a condenação deveria ser proferida, quer a obrigação derivasse de facto ilícito extracontratual, quer se fundasse no risco, quer tivesse por fonte violação de qualquer direito subjectivo, incluindo direitos de crédito.

       No primeiro caso, que representava então a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal de Justiça, podiam ver-se os acórdãos de 25-01-1996, processo n.º 48 480, in CJSTJ 1996, tomo 1, pág. 189 («absolvido o arguido do crime restará sempre a possibilidade de ter existido, residualmente, “ilícito civil ou responsabilidade fundada no risco”, para usar a expressão mais clara do art.º 12.° do DL n.º 605/75, fonte do art.º 377.°, n.º 1, nesse caso aplicável» (...) «não basta que se provem factos que consubstanciem uma obrigação de natureza civil: é necessário que se esteja perante um ilícito civil que produza o dever de indemnizar, nos termos do art.º 483.° do C. Civil»); de 06-11-1996, processo n.º 48 738, CJSTJ 1996, tomo 3, p. 185 («a acção cível que adere ao processo penal, ficando nele enxertada, é apenas a que tem por objecto a indemnização de perdas e danos emergentes de crime; por isso, se o pedido não é o da indemnização por danos ocasionados pelo crime, se não se funda na responsabilidade civil do agente pelos danos que, com a prática do crime causou, é o pedido inadmissível no processo penal», e acrescenta que «nunca pode haver condenação cível em processo penal quando se não provou a existência do dano invocado pelo autor do respectivo pedido»); de 10-12-1996, processo n.º 553/96, in CJSTJ 1996, tomo 3, pág. 202 e BMJ n.º 462, pág. 294 (o n.º 1 do art.º 377.° só pode funcionar quando esteja em causa uma situação de responsabilidade civil extracontratual, mas já não quando se configura um caso de responsabilidade civil contratual); de 09-07-1997, processo n.º 1257, in CJSTJ 1997, tomo 2, pág. 260 (o princípio da adesão e com ela a competência do tribunal criminal, restringe-se à indemnização civil conexa com a responsabilidade criminal, à indemnização fundada na prática de um crime. Trata-se de responsabilidade civil extracontratual, estando excluída a responsabilidade contratual, ou seja, a decorrente do incumprimento dos simples vínculos creditícios, que escapam à competência dos tribunais penais, nada têm a ver com matéria criminal ou matéria civil nela fundada e qualquer que seja a natureza do contrato (económico, administrativo ou privado); de 02-04-1998, processo n.º 591/97, in CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 179 (do mesmo relator do acórdão de 25-01-1996, processo n.º 48 480, in CJSTJ 1996, tomo 1, pág. 189, que segue de perto); e de 24-02-1999, processo n.º 221/98, in CJSTJ 1999, tomo 1, pág. 224, e no segundo entendimento, os acórdãos das Relações do Porto, de 19-11-97, in CJ. 1997, tomo 5, pág. 227 e de Coimbra, de 17-06-98, in CJ. 1998, tomo 3, pág. 56.

       O Supremo Tribunal de Justiça foi chamado a resolver o conflito suscitado por dois acórdãos da Relação de Coimbra, que preconizavam soluções opostas para a questão, proferindo acórdão uniformizador de jurisprudência em 17 de Junho de 1999.

       Aí fixou a seguinte jurisprudência: “Se em processo penal for deduzido pedido cível, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal, verificando-se o caso previsto no artigo 377.° n.º 1, do Código de Processo Penal, ou seja, a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extracontratual ou aquiliana, com exclusão da responsabilidade civil contratual”.

       Tal acórdão foi publicado no Diário da República, Série I - A, n.º 179, de 3 de Agosto de 1999, sob a designação de “Assento n.º 7/99” e no BMJ n.º 488, pág. 49.

       No assento a questão fundamental era a de saber se deveria olhar-se apenas ao bem fundado (ou não) do pedido cível, independentemente da natureza da responsabilidade que lhe subjaz, abarcando não apenas os casos de responsabilidade aquiliana e de responsabilidade objectiva, mas também outros casos, como o da responsabilidade contratual, em que o pedido cível se pode basear na violação de uma relação creditícia, ou se pelo contrário, o bem fundado do pedido cível se deveria confinar, restringir à responsabilidade extracontratual ou aquiliana, ou ainda responsabilidade objectiva, com exclusão da responsabilidade contratual.

       A solução do acórdão de uniformização de jurisprudência assentou na dicotomia responsabilidade extracontratual e contratual, por estar em equação no caso concreto crime de emissão de cheque sem provisão, em que ocorrendo absolvição pelo crime, subsiste a relação causal, pois na génese de um título de crédito está sempre um negócio subjacente, causal, a relação jurídica fundamental, que determina a emissão do cheque, seja compra e venda, mútuo, arrendamento, transporte, etc, tendo na sua base uma relação contratual. Apenas estas hipóteses ficaram arredadas e não também os casos de responsabilidade objectiva.

       O acórdão deste STJ de 20 de Abril de 2005, proferido no processo n.º 746/05-3.ª Secção, in CJSTJ 2005, tomo 2, pág.181, decidiu ser de continuar a considerar válida a doutrina fixada no Assento n.º 7/99.

       A fórmula constante do artigo 377.°, n.º 1, do CPP - pedido cível “fundado” - é algo diversa da que figurava no texto do artigo 12.° do Decreto-Lei n.º 605/75, de 3 de Novembro.

       O artigo 377.°, n.º 1, do CPP de 1987 “sucede” ao artigo 12.° do Decreto-Lei n.º 605/75, que lhe serviu de fonte próxima, abandonando, porém, a então paradigmática referência expressa a “ilícito desta natureza (gerador de responsabilidade civil) ou a responsabilidade fundada no risco” para passar a referir-se a situações em que o pedido de indemnização civil se venha a revelar “fundado”.

       Resulta dos artigos 84.° e 377.° do CPP a admissibilidade de condenação em indemnização civil sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado, ainda que a sentença seja absolutória quanto à responsabilidade criminal.

       Com a introdução desta nova fórmula a questão é saber em que consiste um pedido “fundado”, ou quando é que um pedido se revela “fundado”, ou seja, o que deve entender-se por “pedido (de condenação em indemnização civil) fundado”.

       O pedido de indemnização civil deduzido em processo penal é o que é fundado, é fundamentado na prática de um crime, o que convoca como causa petendi da conexa civil obrigação de indemnizar, a prática de um crime, como o impõe o artigo 71.° do CPP, que estabelece: «O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei».

       Nos casos de responsabilidade civil conexa com a criminal a mesma tem a sua génese no crime, sendo um crime o seu facto constitutivo.

          Este conceito de “fundado”, no sentido de o pedido assentar em responsabilidade criminal, emergente de um crime, não se confunde com o conceito de “fundado” do artigo 377.°, n.º 1, do CPP.

       O pedido de indemnização pode obter vencimento sem que o agente seja condenado pela prática de crime; absolvido o arguido da prática de crime restará a possibilidade de ter existido residualmente ilícito civil ou responsabilidade fundada no risco; a absolvição não impede a adesão, a conexidade da indemnização não se reporta apenas a responsabilidade criminal, pois que a responsabilidade civil pode assentar na prática de factos criminosos, mas pode derivar de outros comportamentos ilícitos sem tal matriz.

       Como dizia Manuel Gomes da Silva, O dever de prestar e o dever de indemnizar, Lisboa, 1944, volume I, pág. 72, o próprio facto de ser admissível a acção civil emergente de factos criminosos quando cessou todo o procedimento criminal prova que o fundamento dessa acção civil não é o carácter criminoso desses actos.

       Como refere Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2008, pág. 128, citando Carlos Lopes do Rego, «As partes civis e o pedido de indemnização deduzido no processo penal», Revista do Ministério Público, Cadernos - 4, págs. 61 e ss., afirma que “A obrigação de indemnizar pode emergir do crime, mas podem os factos objecto da acusação não constituírem crime, mas serem geradores de responsabilidade civil ou de responsabilidade pelo risco, nos termos da lei civil (arts. 483.° e ss. e 499.° e ss. do CC)”.

       No âmbito do artigo 71.° do CPP, o pedido de indemnização civil deduzido em processo penal tem sempre de ser “fundado na prática de um crime”, isto é, fundamentado na prática de um crime, tem de ter na sua base uma conduta criminosa, que determina o funcionamento do princípio da adesão. Tem a mesma causa de pedir, baseia-se nos mesmos factos que constituem também pressuposto da responsabilidade criminal.

       Já no plano do artigo 377.°, n.º 1, do CPP, pedido fundado significará pedido que tem a base, que pode ter por fundamento ilícito civil gerador de dano, fora do quadro de responsabilidade criminal, derivando de ilícito civil extracontratual ou de caso de responsabilidade objectiva.

       Enquanto o artigo 71.° pressupõe sempre a prática e condenação por um crime, no artigo 377.°, sendo caso de absolvição, prescindindo o facto gerador de responsabilidade de enquadramento criminal, o pedido continuará a ancorar-se noutro quadro de responsabilidade, em fundamento que poderá ser ilícito civil - responsabilidade extra contratual ou aquiliana - ou responsabilidade objectiva.

       Daí, como se referiu supra, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, pág. 109 (e 125 na edição de 2008) afirmar ser insuficiente a expressão do artigo 71.° do CPP, “como resulta dos arts. 84.° e 377.°, que admitem a condenação em indemnização civil sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado, ainda que a sentença seja absolutória quanto à responsabilidade criminal”.

       Paulo Pinto Albuquerque no Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, UCE, em anotação ao artigo 71.°, a págs. 221-222, na edição de Dezembro de 2007 e a págs. 229-230, na 4.ª edição actualizada de Abril de 2011, refere: “a indemnização civil arbitrada em processo penal mantém a sua natureza civil e a sua autonomia em face do destino da acção penal” (...), “a extinção da acção penal não tem como consequência necessária a extinção da acção cível” (...)

       Na edição de 2007 dizia ainda: “se o arguido for absolvido do crime imputado e o fundamento da responsabilidade civil for extra-contratual ou pelo risco, o tribunal deve conhecer do pedido de indemnização”, o que era repetido ao anotar o artigo 377.°, a págs. 944.

       Na edição de 2011 esta última asserção é repetida na pág. 229 na anotação ao artigo 71.°, mas com a introdução a seguir a imputado de “por falta de prova”, passando a referir que “se o arguido for absolvido do crime imputado, por falta de prova, e o fundamento da responsabilidade civil for extra-contratual ou pelo risco, o tribunal deve conhecer do pedido de indemnização”, o que é igualmente repetido ao anotar o artigo 377.°, a pág. 980.

       Abordando este aspecto, na fundamentação do já aludido Acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 1/2013, para além da referência, na pág. 59 - 2.ª coluna, a extinção do procedimento criminal por amnistia e prescrição, invocando os AUJ n.º 1/1998 e n.º 3/2002, pode ver-se, a págs. 67 - segunda coluna, §§ 3.º e 6.º, do Diário da República, 1.ª série, n.º 4, de 7 de Janeiro de 2013, o seguinte:

       “A responsabilidade civil do arguido, a apreciar em processo penal, se não é sempre consequência de uma condenação por infracção penal, tem, no entanto, originariamente, por suporte a imputação de um crime, com verificação dos seus elementos constitutivos e de uma subsunção à “fattispecie” legal, ainda que posteriormente possa vir haver absolvição, o que não invalida o conhecimento do pedido de indemnização civil face ao princípio da adesão, com fundamento em responsabilidade extracontratual. (…)

       Diríamos que se a fonte da obrigação de indemnização é a responsabilidade civil, como se perfila no artº 483º do Código Civil, constitui apenas critério metodológico de fixação da indemnização, já que a causa de pedir, está no dano emergente de crime, ou melhor na conduta constitutiva da ilicitude criminal, que produziu dano e que não deixará de ser apreciada, em termos de responsabilidade extracontratual, ainda que haja absolvição ou extinção do procedimento criminal. (Sublinhados nossos).

       Jurisprudência sobre o artigo 377.º, n.º 1, do CPP

      Para além dos já citados, pela clareza de exposição passa a transcrever-se os seguintes passos do acórdão de 10-07-2008, proferido no processo n.º 1410/08 - 3.ª Secção, e seguido de perto no acórdão do mesmo Relator, de 14-07-2010, no processo n.º 203/99.9TBVRL.P1.S1-A: 

       “O artigo 71.º do CPP («processo de adesão») consagra a interdependência das acções penal, para aplicação das reacções criminais adequadas, e civil, para a reparação dos danos patrimoniais e não patrimoniais a que a infracção tenha dado causa.

       A interdependência das acções significa que mantêm a independência nos pressupostos e nas finalidades (objecto), sendo a acção penal dependente dos pressupostos que definem um ilícito criminal e que permitem a aplicação de uma sanção penal, e a acção civil dos pressupostos próprios da responsabilidade civil; a indemnização de perdas e danos emergente de um crime é regulada pela lei civil (artigo 129º C Penal) nos respectivos pressupostos e só processualmente é regulada pela lei processual penal. A interdependência das acções significa, pois, independência substantiva e dependência (a «adesão») processual da acção cível ao processo penal.

       Aderindo ao processo penal, o pedido («a acção») para indemnização civil mantém, no entanto, alguma autonomia funcional, quer por efeito das regras procedimentais próprias a que está vinculada (artigo 73º e ss. do CPP), quer pela possibilidade de intervenção dos responsáveis meramente civis que, enquanto tais, seriam extraneus no processo penal.

       A obrigatoriedade, como regra, da adesão (que só nos casos excepcionais do art. 72.º do CPP cede, permitindo-se, então, o uso autónomo dos meios processuais civis) determina, porém, para respeitar a finalidade funcional do princípio, que a autonomia qualitativa dos pressupostos se sobreponha e exija a continuidade instrumental do processo para apreciação do pedido de indemnização sempre que, cedendo por circunstâncias próprias a acção penal, se mantenham, ainda assim, em aberto as possibilidades de verificação dos pressupostos da reparação civil.

       Os fundamentos da acção que, aderindo ao processo penal, ficam interdependentes, sendo qualitativamente diversos, têm, no entanto, que revelar uma unidade material que constitui a base relevante para a verificação, positiva ou negativa, dos respectivos pressupostos. A reparação fundada na prática de um crime reverte, na base, às correlações factuais e ao complexo de factos que constituem, ou são processualmente identificados como constituindo um crime: tipicidade dos factos, ilicitude, imputação ao agente, dignidade penal.

       A dimensão penal é, porém, apenas uma parte (porventura a parte mais qualificada) das possíveis relações de uma identificada unidade factual com a ordem jurídica.

       Consistindo, pois, a ilicitude penal numa «ilicitude qualificada», não está excluído que uma base factual, com autonomia e identidade próprias, que não atinja a dimensão «qualificada» do nível de ilicitude, possa suportar ou exigir uma valoração de outro nível segundo uma outra fonte de antinormatividade, nomeadamente no plano dos pressupostos da responsabilidade civil.

       Deste modo, se o arguido for absolvido de um crime, e se subsistir, apesar da absolvição, uma base factual com autonomia que suscite, ou permita suscitar, outros níveis de apreciação da normatividade como pressuposto ou fonte de indemnização civil (autonomia qualitativa dos pressupostos), haverá que considerar o pedido de reparação civil (dependência ou adesão especificamente processual) que se possa fundamentar nos mesmos factos – seja responsabilidade por facto ilícito, seja responsabilidade pelo risco (cfr., v. g., Ac,s. do STJ de 25/1/96. CJ (STJ), IV, t. 1, p. 89; de 2/4/98, CJ (STJ), VI, t. 2, p. 179)”.

       O acórdão de 10-12-2008, proferido no processo n.º 3638/08-3.ª Secção, citando o referido acórdão de 10-07-2008, refere que o pedido de indemnização civil, a deduzir no processo penal, há-de ter por causa de pedir os mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade criminal e pelos quais o arguido é acusado. A autonomia da responsabilidade civil e criminal não impede, por isso, que, mesmo no caso da absolvição da responsabilidade criminal, o tribunal conheça da responsabilidade civil que é daquela autónoma e só por razões processuais, nomeadamente de economia e para evitar julgados contraditórios, deve ser julgada no mesmo processo. 

       No sentido de que a circunstância da absolvição criminal não determina a preclusão da apreciação cível, não impedindo a condenação em indemnização civil, pronunciou-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-04-2002, processo n.º 2259/01-3.ª Secção, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 171. (Caso de imputada infracção fiscal aduaneira não provada, consubstanciando a conduta provada ilícito considerado integrante de contra-ordenação de descaminho, cujo procedimento prescrevera, mas verificando-se inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido de indemnização civil). 

       Citando o anterior pode ler-se no acórdão de 10-11-2010, proferido no processo n.º 3891/03.0TDPRT.S1-3.ª Secção: 

       “Mas mesmo declarado prescrito, amnistiado ou descriminalizado nem por isso o facto deixa de ser fundante de responsabilidade por facto ilícito extracontratual ou aquiliana, pois continua a subsistir a sua individualidade histórica, o seu acontecer ofensivo, ainda, de direitos de vária índole, a que se não associa já uma reacção penal, que pode desembocar na privação de liberdade, como é timbre do facto penal, mas enquanto constituinte de ilícito civil, tendo este como timbre a obrigação de indemnizar.

       E, nessa ordem de considerações e de hipóteses extintivas da acção penal, se aceita, associadamente a uma razão de justiça e de economia processual, que, em caso de absolvição, o tribunal, no enxerto cível deduzido, possa conhecer da responsabilidade civil por facto ilícito extracontratual ou pelo risco – art. 377.º, n.º 1, do CPP (como se decidiu no Ac. do STJ, de 17-04-2002, in CJSTJ, XI, T II, pág. 171)”.

       
       Mais recentemente, pronunciou-se o acórdão deste Supremo Tribunal de 14 de Abril de 2016, proferido no processo n.º 165/11.6TELSB.E1.S1, da 5.ª Secção, nestes termos:
       “I - A norma contida no art. 377.º, n.º 1, do CPP, na interpretação fixada no Acórdão 7/99, de 17-06, implica que, mesmo nos casos de absolvição pelo crime, o tribunal deva conhecer do pedido de indemnização civil e condenar o arguido sempre e desde que se comprove a respectiva responsabilidade extracontratual por factos ilícitos (ou pelo risco).
       II - Se através de fraude consistente na utilização de facturas por operações inexistentes, se deu como provado que a sociedade arguida obteve um benefício patrimonial no montante global de € 59.916,42, às custas do erário público através de igual diminuição da receita tributária do Estado, a mera absolvição do crime – em razão de a vantagem patrimonial ilegítima ser inferior a € 15.000,00, considerando-se cada declaração apresentada por referência a cada imposto – não interfere na ilicitude da conduta.
       III - Não se trata de uma dívida de imposto, de um mero incumprimento de obrigação fiscal, mas de uma fraude fiscal (da prática de actos fraudulentos) embora sem assumir dignidade penal.
       IV - Daí que, verificada a responsabilidade extracontratual por facto ilícito (ainda que não constitutivo de crime) se impusesse, nos termos do art. 377.º, n.º 1, do CPP, a manutenção da condenação da sociedade arguida, no pedido de indemnização civil contra eles deduzido pelo Estado, sendo de revogar o acórdão da Relação recorrido, na parte em que absolveu do pedido de indemnização civil a aludida sociedade.”

  Para o acórdão de 26 de Outubro de 2016, proferido no processo n.º 953/09.3TASTR.E2.S1-3.ª Secção, o pedido de indemnização civil a deduzir no processo penal tem necessariamente por causa de pedir o facto ilícito criminal, ou seja, os mesmos factos que constituem também o pressuposto da responsabilidade criminal. E assim se compreende que é por força da autonomia entre as duas responsabilidades que o tribunal absolva da responsabilidade criminal, mas possa conhecer da responsabilidade civil.

       A responsabilidade criminal pode gerar a responsabilidade cível, mas esta pode existir sem aquela.

       No acórdão de 13 de Janeiro de 2016, no processo n.º 1178/10.OTAFIG.C1.S1, por nós relatado, o preceito foi abordado, mas não aplicado.

                                                                    ***

       Por ter conexão com a situação precedente, embora não sendo caso de absolvição, mas de extinção da responsabilidade criminal por outros motivos, em que o processo finda sem ser com conhecimento do mérito, passamos a transcrever o que consta do acórdão de 4-02-2010, por nós relatado no processo n.º 106/01.9IRDPRT.S1, em que estava em causa a questão de saber se a extinção da responsabilidade criminal determina (inexoravelmente) a extinção da acção cível conjunta, texto depois presente igualmente no citado acórdão de 12-09-2013.

       «A condenação em indemnização civil, no caso de absolvição quanto à matéria penal, só pode ter lugar no caso previsto no artigo 377.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ou seja, quando – ainda que haja sentença absolutória na parte criminal – o pedido de indemnização civil se venha a revelar fundado.

       Como consabido, o pedido de indemnização civil deduzido em processo criminal terá sempre de ser fundado na prática de um crime (artigo 71.º do C. P. Penal).

       Absolvido o arguido do crime, restará sempre a possibilidade de ter existido, residualmente, ilícito civil ou responsabilidade fundada no risco, para usar a expressão do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 605/75, de 03-11.

       Não bastará que se provem factos que consubstanciem uma obrigação de natureza civil: é necessário que se esteja perante um ilícito civil, que produza o dever de indemnizar, nos termos do artigo 483.º do Código Civil.  

       A questão será a de saber se estamos perante um ilícito civil de natureza delitual.

       Estabelece o artigo 377.º, n.º 1, do Código de Processo Penal que “A sentença, ainda que absolutória, condena o arguido em indemnização civil sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 82.º”.

       Simas Santos, Leal Henriques e Borges de Pinho, in Código de Processo Penal Anotado, 1996, 1.º volume, págs. 340/1, entendem que nos casos de extinção do procedimento criminal (que pode ocorrer por prescrição, falecimento do arguido, por amnistia, por renúncia e por desistência da queixa ou da acusação particular ou em caso de revogação da lei que prevê e pune a infracção), “se já houver pedido de indemnização cível formulado, o processo penal continua para conhecimento desse pedido, salvo se os lesados preferirem, entretanto, a via cível autónoma”.

       Vejamos então o que ocorre com outros casos de extinção da responsabilidade criminal, decorrentes de descriminalização, de prescrição e de amnistia (artigos 2.º, n.º 2, 117.º a 120.º e 126.º do Código Penal).

       Na sequência da descriminalização da emissão de cheque sem provisão, em 1997, com a exclusão da tutela penal dos cheques de garantia e pós-datados, e em 2005, com a emissão de cheques de montante igual ou inferior a 150 euros, foi conferida a possibilidade de, no processo que se encontrasse em fase de julgamento, o lesado poder requerer a prossecução apenas para efeito de julgamento do pedido civil - artigo 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 316/97, de 19-11 (1.ª alteração ao regime jurídico do cheque sem provisão aprovado, pelo Decreto-Lei n.º 454/91, de 28-12) e repetida ipsis verbis no artigo 2.º, n.º 4, da Lei n.º 48/2005, de 29-08 (4.ª alteração ao mesmo regime jurídico do cheque sem provisão).

       Por seu turno, as sucessivas leis de amnistia, face à extinção do procedimento e da responsabilidade, prevêem expressamente a possibilidade, não só de prosseguimento da acção cível já interposta, mas inclusive de dedução do pedido, como se vê das quatro últimas leis de clemência, cingindo-nos a estas apenas por economia de exposição. 

       Assim, no artigo 12.º da Lei n.º 16/86, de 11-06, depois de afirmar no n.º 1 que a amnistia decretada no artigo 1.º não prejudica a responsabilidade civil emergente dos factos que sejam objecto daquela, confere aos ofendidos a faculdade de ainda deduzirem o pedido de indemnização cível – 1.ª parte do n.º 2 – e caso já haja sido deduzido para requerer o prosseguimento – 2.ª parte do n.º 2 e n.º 3.

       A Lei n.º 23/91, de 04-07, no artigo 12.º, n.º 1, depois de afirmar no n.º 1 que a amnistia decretada no artigo 1.º não prejudica a responsabilidade civil emergente dos factos que sejam objecto daquela, quanto a possibilidade de prosseguimento do processo, nos n.ºs 2 e 3, pronuncia-se exactamente nos mesmos termos da lei anterior. 

       O artigo 7.º da Lei n.º 15/94, de 11-05, depois de no n.º 1 proclamar que a amnistia prevista no artigo 1.º não extingue a responsabilidade civil emergente de factos amnistiados, confere a faculdade ao lesado, quer para deduzir no processo o pedido cível – n.º s 2 e 3 –, quer para requerer o prosseguimento do processo apenas para apreciação e fixação da indemnização cível – n.º s 4 e 5.

       O artigo 11.º da Lei n.º 29/99, de 12-05, depois de no n.º 1 proclamar que a amnistia prevista no artigo 7.º não extingue a responsabilidade civil emergente de factos amnistiados, confere a faculdade ao lesado quer para deduzir no processo o pedido cível – n.º s 2 e 3 – quer para requerer o prosseguimento do processo apenas para apreciação e fixação da indemnização cível – n.º s 4 e 5.

       No domínio da Lei n.º 23/91, de 4 de Julho, pelo Assento n.º 1/98, de 16-10-1997, no processo n.º 1134/96, publicado no DR - I Série - A, n.º 2, de 03-01-1998, e BMJ n.º 470, pág. 33, foi fixada por este Supremo Tribunal, a jurisprudência seguinte: “Quando, por aplicação da amnistia, se extingue a acção penal, e apesar de ainda não ter sido deduzida acusação, poderá o ofendido requerer o prosseguimento da acção penal para apreciação do pedido cível, nos termos do artigo 12.º, n.º 2, da Lei n.º 23/91, de 4 de Julho”.

       Na fundamentação do acórdão uniformizador pode ler-se: “Na verdade, se até ao Decreto-Lei n.º 259/74 era afirmado que a amnistia não prejudicava a possibilidade de os interessados poderem exigir a responsabilidade civil, a partir daí inicia-se a possibilidade do prosseguimento dos processos em que já fora formulado o pedido de indemnização civil. Nas leis de amnistia dos anos de 1986 e 1991 ainda se avançou mais na defesa dos direitos dos ofendidos e no aspecto concernente com a possibilidade de se obter a indemnização civil”.

       Igualmente, nos casos em que é declarada a prescrição, como se vê do Acórdão n.º 3/2002, de 17-01-2002, processo n.º 342/2001, publicado no DR, I Série - A, de 05-03-2002, que fixou a seguinte jurisprudência:

      “Extinto o procedimento criminal, por prescrição, depois de proferido o despacho a que se refere o artigo 311º do Código de Processo Penal, mas antes de realizado o julgamento, o processo em que tiver sido deduzido pedido de indemnização civil prossegue para conhecimento deste”. (…)».


       Casos especiais de reparação de danos

       Vejamos alguns casos de leis avulsas, prevendo situações especiais em que é prevista a possibilidade de reparação de perdas e danos em processo penal.     

       No Código da Propriedade Industrial

     Na versão anterior Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 36/2003, de 5 de Março, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 318/2007, de 26 de Setembro, pelo Decreto-Lei n.º 360/2007, de 2 de Novembro, pela Lei n.º 16/2008, de 1 de Abril, pelo Decreto-Lei n.º 143/2008, de 25 de Julho, e pelas Leis n.º 52/2008, de 28 de Agosto, n.º 46/2011, de 24 de Junho e n.º 83/2017, de 18 de Agosto (Diário da República, 1.ª série, n.º 159, de 18 de Agosto de 2017), que estabeleceu medidas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, transpondo parcialmente as Directivas 2015/849/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Maio de 2015, e 2016/2258/UE, do Conselho, de 6 de Dezembro de 2016, sendo por esta alterado, pelo artigo 187.º, o artigo 324.º do CPI, relativo a venda, colocação em circulação ou ocultação de produtos contrafeitos, por quaisquer dos modos e nas condições referidas nos artigos 321.º a 323.º, com conhecimento dessa situação. O diploma alterou ainda o Código Penal e revogou a Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho e o Decreto-Lei n.º 125/08, de 21 de Julho.

       A indemnização por perdas e danos estava prevista no artigo 338.º- L.

       Este diploma foi revogado pelo artigo 1.º, n.º 2, alínea c), do Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de Dezembro, Diário da República, 1.ª série, n.º 237, de 10-12-2018, que aprovou o Código de Propriedade Industrial (artigo 2.º), estando a indemnização prevista no Capítulo III – Ilícitos criminais e contraordenacionais – Secção II – Ilícitos criminais (artigos 318.º a 327.º), na Subsecção V - artigo 347.º.

       Estabelece o

                                                                  Artigo 347.º

                                                   Indemnização por perdas e danos   

1 – Quem, com dolo ou mera culpa, viole ilicitamente o direito de propriedade industrial ou segredo comercial de outrem, fica obrigado a indemnizar a parte lesada pelos danos resultantes da violação.

       O n.º 2 estabelece os critérios de determinação do montante da indemnização por perdas e danos; o n.º 3 versa sobre o cálculo da indemnização devida à parte lesada, devendo atender-se à importância da receita resultante da conduta ilícita do infractor; o n.º 4 versa sobre danos não patrimoniais causados pela conduta do infractor; o n.º 5 reporta a fixação de quantia com recurso a equidade; o n.º 6 prevê a cumulação dos aspectos presentes nos n.ºs 2 a 5; e

7 – Em qualquer caso, o tribunal deve fixar uma quantia razoável destinada a cobrir os custos, devidamente comprovados, suportados pela parte lesada com a investigação e a cessação da conduta lesiva do seu direito.

       Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro de 1988 - Lei de Protecção de Dados Pessoais (Diário da República, I Série–A, n.º 247/1998, de 26 de Outubro de 1998, rectificada pela Rectificação n.º 22/98, in Diário da República, I Série–A, de 28 de Novembro de 1998 e alterada pela Lei n.º 103/2015, de 24 de Agosto, in Diário da República, 1.ª série, n.º 164/2015, de 24 de Agosto) - Transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 95/46/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento dos dados pessoais e à livre circulação desses dados.

 

       Estabelece o

                                                           Artigo 34.º

                                                Responsabilidade civil

1 – Qualquer pessoa que tiver sofrido um prejuízo devido ao tratamento ilícito de dados ou a qualquer outro acto que viole disposições legais em matéria de protecção de dados pessoais tem o direito de obter do responsável a reparação pelo prejuízo sofrido.

2 – O responsável pelo tratamento pode ser parcial ou totalmente exonerado desta responsabilidade de provar que o facto que causou o dano lhe não é imputável.

       Versando indemnização por danos não patrimoniais em processo crime com condenação penal transitada em julgado, que reconheceu que o demandado civil infringiu as normas do artigo 43.º, n.º 1, alínea c) (não cumprimento de obrigações relativas a protecção de dados) e artigo 47.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e c) (violação do dever de sigilo), ambos da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, destinada a proteger as pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, estando em causa, para além do direito à privacidade, o direito fundamental da autodeterminação informacional, pode ver-se o acórdão de 16 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 679/05.7TAEVR.E2.S1, da 5.ª Secção.

       Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos - CDADC - Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de Março (Diário da República, I Série, n.º 61/1985, de 14 de Março de 1985), alterado por 13 vezes, sendo a penúltima pela Lei n.º 36/2017, de 2 de Junho, e a última pelo Decreto-Lei n.º 100/2017, de 23 de Agosto, Diário da República, 1.ª série, n.º 162, de 23-08-2017, que pelo artigo 6.º (do Capítulo III – Outras alterações legislativas) alterou os artigos 184.º, 204.º, 208.º e 210.º, n.º 1, dispondo o

 

                                                           Artigo 203.º

                                                   Responsabilidade civil

A responsabilidade civil emergente da violação dos direitos previstos neste Código é independente do procedimento criminal a que esta dê origem, podendo, contudo, ser exercida em conjunto com a acção criminal.

       [Alterado pela Lei n.º 45/85, de 17 de Setembro (2.ª versão)].

       O artigo 211.º, com as alterações da Lei n.º 45/85, de 17 de Setembro e da Lei n.º 16/2008, de 1 de Abril (9.ª versão do diploma), estabelece os critérios para determinação do montante de indemnização por perdas e danos, patrimoniais e não patrimoniais.

                                                          Artigo 211.º

                                                         Indemnização

1 – Quem, com dolo ou mera culpa, viole ilicitamente o direito de autor ou os direitos conexos de outrem, fica obrigado a indemnizar a parte lesada pelas perdas e danos resultantes da violação.

2 – Na determinação do montante da indemnização por perdas e danos, patrimoniais e não patrimoniais, o tribunal deve atender ao lucro obtido pelo infractor, aos lucros cessantes e danos emergentes sofridos pela parte lesada e aos encargos por esta suportados com a protecção do direito de autor ou dos direitos conexos, bem como com a investigação e cessação da conduta lesiva do seu direito.

3 – Para o cálculo da indemnização devida à parte lesada, deve atender-se à importância da receita resultante da conduta ilícita do infractor, designadamente do espectáculo ou espectáculos ilicitamente realizados.

4 – O tribunal deve atender ainda aos danos não patrimoniais causados pela conduta do infractor, bem como às circunstâncias da infracção, à gravidade da lesão sofrida e ao grau de difusão ilícita da obra ou da prestação.

5 – Na impossibilidade de se fixar, nos termos dos números anteriores, o montante do prejuízo efectivamente sofrido pela parte lesada, e desde que este não se oponha, pode o tribunal, em alternativa, estabelecer uma quantia fixa com recurso à equidade, que tenha por base, no mínimo, as remunerações que teriam sido auferidas caso o infractor tivesse solicitado autorização para utilizar os direitos em questão e os encargos por aquela suportados com a protecção do direito de autor ou direitos conexos, bem como com a investigação e cessação da conduta lesiva do seu direito.

6 – Quando, em relação à parte lesada, a conduta do infractor constitua prática reiterada ou se revele especialmente gravosa, pode o tribunal determinar a indemnização que lhe é devida com recurso à cumulação de todos ou de alguns dos critérios previstos nos n.ºs 2 a 5.

       Versando caso de crime de usurpação de obra, p. e p. nos artigos 195.º, n.º 1 e 197.º, n.º 2, do CDADC, violação do direito de propriedade intelectual e protecção dos programas de computador, cálculo da indemnização por perdas e danos, Directiva n.º 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril de 2004, transposta para a ordem jurídica interna pela Lei n.º 16/2008, de 1 de Abril e artigo 211.º do CDADC, pode ver-se o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Janeiro de 2010, proferido no processo n.º 54/02.5EACBR.C1.S1, da 3.ª Secção.

       Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro – Lei das comunicações electrónicas (Diário da República, Série I-A, n.º 34/2004, de 10-02-2004, com a Rectificação n.º 32.º-A, de 10-04 e alterada por 13 vezes, a última das quais pelo DL n.º 92/2017, de 31 de Julho).

      O acórdão deste Supremo Tribunal, de 29 de Abril de 2010, proferido no processo n.º 349/09, da 5.ª Secção, versou caso de indemnização devida por agente condenado por crime (dispositivo ilícito), p. e p. pelo artigo 104.º, n.º 1, alínea a), relativo a fabrico, importação, distribuição, venda, locação ou detenção, para fins comerciais, de dispositivos ilícitos, no caso alteração de software, recorrendo à equidade para a sua fixação.

 

       Caso especial de reparação de danos – No domínio dos danos pessoais – Violência doméstica.

       Passa a enumerar-se apenas os diplomas legais relativos a indemnização, podendo os vários outros atinentes à temática da violência doméstica ser vistos no acórdão por nós relatado em 14 de Dezembro de 2016 no processo n.º 952/14.3PHLRS-L1.S1, versando um caso de violência doméstica, abrangendo companheira e quatro filhos, e mais recentemente, no acórdão de 13 de Setembro de 2018, por nós relatado no processo n.º 372/17.8PBLRS.L1.S1.

        Está em causa compensação por danos não patrimoniais a atribuir a ofendidos com actos de violência doméstica, sendo que a indemnização está prevista actualmente na Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas.

       Anteriormente, vigorou o Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro (Diário da RepúblicaI Série-A, n.º 250, de 30 de Outubro de 1991), o qual veio dar execução à previsão do então artigo 130.º do Código Penal e estabelecia as condições em que o Estado indemnizaria as vítimas dos crimes violentos, determinando que a concessão da indemnização era da competência do Ministro da Justiça, aprovando o regime jurídico de protecção às vítimas de crimes violentos.

      O diploma instituiu um mecanismo de reparação de danos, compreendido como uma espécie de «seguro social», dando sequência ao espírito que enformava o então 129.º, n.º 1, do Código Penal (actual artigo 130.º), o qual estabelecia: “Legislação especial assegurará, através da criação de um seguro social, a indemnização do lesado que não possa ser satisfeita pelo delinquente”.

       Após definir na alínea a) do artigo 1.º «Vítima» como “a pessoa singular que sofreu um dano, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou mental, um dano moral, ou uma perda material, directamente causada por acção ou omissão, no âmbito do crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º do Código Penal”, inserto no Capítulo IV – Estatuto da vítima – Secção I – Atribuição, direitos e cessação do estatuto de vítima –, estabelecia o

                                               Artigo 21.º

                     Direito a indemnização e a restituição de bens

1 – À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável.

2 – Para efeito da presente lei, há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser.

3 – ……………………………………………………………………………………...

4 –……………………………………………………………………………………....

       (Alterado pelas Leis n.º 10/96, de 23 de Março, e n.º 136/99, de 28 de Agosto, e pelo Decreto-Lei n.º 62/2004, de 22 de Março e revogado pelo artigo 25.º, alínea b), da Lei n.º 104/2009, de 14 de Setembro).
       O Decreto Regulamentar n.º 4/93, de 22 de Fevereiro, (Diário da RepúblicaI Série-B, n.º 44, de 22 de Fevereiro de 1993) regulamentou o anterior, ou seja, definiu as condições em que o Estado indemnizaria as vítimas de crimes violentos.

       Diploma alterado pelo Decreto Regulamentar n.º 1/99, de 15 de Fevereiro.

       E revogado pelo artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 120/2010, de 27 de Outubro.

      

      No plano do direito interno, na consecução dos objectivos de política criminal, temos a considerar, versando a indemnização, para além dos já citados, os seguintes diplomas legais:

       A Lei n.º 61/91, de 13 de Agosto (Diário da RepúblicaI Série-A, n.º 185, de 13 de Agosto de 1991) - Garante protecção adequada às mulheres vítimas de violência (abrangendo, nomeadamente, os casos de crimes sexuais e de maus tratos a cônjuge, bem como de rapto, sequestro ou ofensas corporais  – artigo 7.º, n.º 2 – e criação de um gabinete SOS – artigo 6.º – e a possibilidade de as associações de mulheres se constituírem assistentes em representação da vítima no processo penal e de deduzirem o pedido indemnizatório e requerer o adiantamento pelo estado da indemnização – artigo 12.º, n.º 1 e 2 –, prevendo no artigo 16.º, a medida de coacção de afastamento da residência).


     A Lei n.º 129/99, de 20 de Agosto (Diário da RepúblicaI Série-A, n.º 194, de 20 de Agosto de 1999) - Aprova o regime aplicável ao adiantamento pelo Estado da indemnização devida às vítimas de violência conjugal.
       Revogada pelo artigo 25.º, alínea a), da Lei n.º 104/2009, de 14 de Setembro.

       O Decreto-Lei n.º 62/2004, de 22 de Março (Diário da RepúblicaI Série-A, n.º 69, de 22 de Março), face à alteração introduzida ao artigo 508.º do Código Civil pelo Decreto-Lei n.º 59/2004, de 19 de Março, reequaciona a remissão feita no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 423/91 para os limites máximos de indemnização que se aplicariam também nos casos de indemnização por parte do Estado às vítimas de crimes violentos, alterando a redacção do preceito.

       O Decreto - Lei n.º 206/2006, de 27 de Outubro (Diário da República1.ª série, n.º 208, de 27 de Outubro de 2000) aprova a Lei de Organização do Ministério da Justiça.

       Nos termos do artigo 7.º

       “No âmbito do MJ funcionam:

       b) A Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes.

       No artigo 24.º - Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes, consta do n.º

1 - A Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes tem por missão a instrução dos pedidos de indemnização por parte do Estado às vítimas de crimes.  

       O n.º 1 do artigo 24.º foi alterado pelo artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 120/2010, de 27 de Outubro.

        A Lei n.º 104/2009, de 14 de Setembro (Diário da República, I Série, n.º 178, de 14 de Setembro) aprova o regime de concessão de indemnização às vítimas de crimes violentos e de violência doméstica, o regime aplicável ao adiantamento pelo Estado das indemnizações devidas às vítimas de crimes violentos e de violência doméstica, como concretiza no artigo 1.º, distinguindo no Capítulo I o adiantamento da indemnização às vítimas de crimes violentos – artigos 2.º a 4.º - e no Capítulo II, o adiantamento da indemnização às vítimas de violência doméstica – artigos 5.º e 6.º.

      Foi criada a Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes, extinguindo-se a Comissão para a Instrução dos pedidos de Indemnização às Vítimas de Crimes Violentos, prevista no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro e no Decreto Regulamentar n.º 4/93, de 22 de Fevereiro.

      Entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2010 (artigo 27.º).

      Pelo artigo 25.º foram revogados a Lei n.º 129/99, de 20 de Agosto, e o Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro.

       (Alterada pela Lei n.º 121/2015, de 1 de Setembro de 2015).

       Esta lei foi regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 120/2010, de 27 de Outubro (Diário da República, I Série, n.º 209, de 27-10, regulando a constituição, o funcionamento e o exercício de poderes e deveres da Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes.

       Pelo artigo 13.º foi alterado o artigo 24.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 206/2006, de 27-10 (Lei de Organização do Ministério da Justiça).

       Pelo artigo 17.º foi revogado o Decreto Regulamentar n.º 4/93, de 22 de Fevereiro, alterado pelo Decreto Regulamentar n.º 1/99, de 15 de Fevereiro.

       A Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro (Diário da República, 1.ª série, n.º 180, de 16 de Setembro de 2009, págs. 6550 a 6561) estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas, revogando pelo artigo 82.º a Lei n.º 107/99, de 3 de Agosto e o Decreto-Lei n.º 323/2000, de 19 de Dezembro.

       No Capítulo III define os princípios e no Capítulo IV o Estatuto da vítima.

 

       Versando o diploma pode ver-se André Lamas Leite, Revista Julgar, n.º 12, Novembro 2010, no artigo A Violência Relacional Íntima: Reflexões Cruzadas entre o Direito Penal e a Criminologia, págs. 59 a 64.

       Despacho n.º 7108/2011 (Diário da República, Série II, n.º 91, de 11 de Maio de 2011) – Presidência do Conselho de Ministros – Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género. – Estabelece os critérios de atribuição do estatuto de vítima.

       A Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro (Diário da República, 1.ª série, n.º 37, de 21 de Fevereiro de 2013 e Declaração de Rectificação n.º 15/2013, de 19 de Março), que procedeu à 29.ª alteração ao Código Penal, modificou a redacção dos artigos 69.º, 120.º, 132.º, 152.º, 204.º, 207.º, 213,º, 224.º, 231.º, 240.º, 347.º, n.º 3 e 359.º do Código Penal, aditou o artigo 348.º-A, procedeu a alteração sistemática ao Código Penal e introduziu a primeira alteração à supra referida Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, modificando os artigos 35.º, n.º 1 e 36.º, n.º 7.

       Pelo artigo 173.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento para 2015), Diário da República, 1.ª Série, n.º 252, de 31 de Dezembro de 2014), foi alterado o artigo 46.º (Segunda alteração).

       A Lei n.º 121/2015, de 1 de Setembro (Diário da República, 1.ª série, n.º 170, de 1 de Setembro, pág. 6637) – Introduz a primeira alteração à Lei n.º 104/2009, de 14 de Setembro (aprova o regime de concessão de indemnização às vítimas de crimes violentos e de violência doméstica).

       A Lei n.º 129/2015, de 3 de Setembro, (Diário da República, 1.ª série, n.º 172, de 3 de Setembro), alterou vários artigos, aditou outros e republicou a Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, já antes alterada pela Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro e pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro. (Terceira alteração).

      A Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro (Diário da República, 1.ª série, n.º 173, de 4 de Setembro, págs. 7004 a 7010) procede à vigésima terceira alteração ao Código de Processo Penal e aprova o Estatuto da Vítima, transpondo a Diretiva 2012/29/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Outubro de 2012, que estabelece normas relativas aos direitos, ao apoio, e à protecção das vítimas da criminalidade e que substitui a Decisão – Quadro 2001/220/JAI do Conselho, de 15 de Março de 2001.

      Altera os artigos 68.º, 212.º, 246.º, 247.º, 292.º e 495.º e adita o artigo 67.º-A e procede a alteração sistemática do Código de Processo Penal.

      Aprova em anexo o Estatuto da Vítima.

      A Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro (Orçamento de Estado), pelo artigo 253.º aditou à Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, o artigo 80.º-A, relativo a orçamento. (Quarta alteração).

       Resolução da Assembleia da República n.º 67/2017, aprovada em 10 de Março de 2017 e publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 80, de 24 de Abril de 2017 – Recomenda ao Governo que reforce as medidas para a prevenção da violência doméstica e a protecção e assistência às suas vítimas.

      A Lei n.º 24/2017, de 24 de Maio (Diário da República, 1.ª série, n.º 100, de 24 de Maio, págs. 2520/1) altera o Código Civil promovendo a regulação urgente das responsabilidades parentais em situações de violência doméstica e procede à quinta alteração à Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro (pelo artigo 3.º altera o artigo 31.º, n.º 4 e pelo artigo 7.º revoga o artigo 37.º-B), à vigésima sétima alteração ao Código de Processo Penal, à primeira alteração ao Regime Geral do Processo Tutelar Cível e à segunda alteração à Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro.

       A Lei n.º 96/2017, de 23 de Agosto (Diário da República, 1.ª série, n.º 162, de 23 de Agosto, págs. 4.924/8) define os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2017-2019, em cumprimento da lei n.º 17/2006, de 23 de Maio, que aprova a Lei-Quadro da Política Criminal.

       A violência doméstica é definida como crime de prevenção prioritária – artigo 2.º, alínea f) – e como crime de investigação prioritária – artigo 3.º alínea b).

       Na perspectiva que ora nos interessa, da reparação do dano, há que ter em conta o disposto no artigo 6.º.

       Sob a epígrafe “Proteção da vítima” estabelece o Artigo 6.º:

       É prioritária a proteção da vítima e o ressarcimento dos danos por ela sofridos, em resultado da prática de crime, devendo ser-lhes facultados a informação e o apoio adequados à satisfação dos seus direitos.

       Sobre o tema pode ver-se Pedro Miguel Vieira, A vítima enquanto sujeito processual e à luz das recentes alterações legislativas, na Revista Julgar, n.º 28, Janeiro/Abril 2016, págs. 171 a 209 e de págs. 186 a 195, abordando o Estatuto da vítima.

      A Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, adoptada em Istambul em 11 de Maio de 2011, aprovada pela Resolução da Assembleia da República, n.º 4/2013, de 14 de Dezembro de 2012, e ratificada por Decreto do Presidente da República n.º 13/2013, de 21 de Janeiro de 2013, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 14, de 21 de Janeiro de 2013, no que importa, estabelece sobre a indemnização no artigo 30.º e no n.º 2, no que concerne a indemnização estatal.

       O mecanismo de monitorização da Convenção foi confiado ao GREVIO - Grupo de Peritos para o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica.

    

       A questão da competência

             Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2013

        A fixação de jurisprudência debruçou-se sobre a competência do tribunal criminal para julgar pedido de indemnização civil deduzido em processo crime instaurado pela prática de crimes fiscais e aduaneiros, tendo sido controvertida a questão da competência para conhecer do pedido de indemnização civil com base na prática de tais crimes, colocando-se a questão de saber se poderia ser deduzido em processo penal ou se deveria sê-lo perante os tribunais administrativos.
       A controvérsia foi solucionada, porém, num âmbito apertado, restrito, pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2013, de 15 de Novembro de 2012, proferido no processo n.º 1187/09.2TDLSB.L2-A.S1, da 3.ª Secção, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 4, de 7 de Janeiro de 2013, págs. 44 a 74, que, com unanimidade, fixou a seguinte jurisprudência: 
       “Em processo penal decorrente de crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. p. pelo artigo 107.º n.º 1, do RGIT, é admissível, de harmonia com o artigo 71.º do CPP, a dedução de pedido de indemnização civil tendo por objecto o montante das contribuições legalmente devidas por trabalhadores e membros dos órgãos sociais das entidades empregadoras, que por estas tenha sido deduzido do valor das remunerações, e não tenha sido entregue, total ou parcialmente, às instituições de segurança social”.

       No Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 1/2013, a identificação do objecto do recurso consta da pág. 51 - 2.ª coluna do citado Diário da República, 1.ª série, n.º 4, de 7 de Janeiro de 2013, nestes termos:
       “A questão objecto do presente recurso centraliza-se exclusivamente na admissibilidade ou não do pedido de indemnização civil em processo penal, que tenha por objecto o ressarcimento da quantia correspondente ao montante de contribuições - prestações tributárias, incluindo os respectivos juros - devidas e não entregues à Segurança Social, contempladas no art.º 107.º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), cuja conduta omissiva constitui crime de abuso de confiança contra a Segurança Social. 
       A questão consiste em saber se o valor dessas quantias, devidas e não entregues à Segurança Social, que integram a materialidade desse ilícito penal fiscal, pode ser reclamado em processo penal desencadeado por tal crime, face ao princípio da adesão, ou se o ressarcimento do referido valor por tais dívidas à Segurança Social, não pode constituir objecto de pedido de indemnização civil em processo penal por ser da exclusiva competência da jurisdição administrativa fiscal a sua liquidação e cobrança.
       Explicitando de outra forma: 
       Cabendo embora exclusivamente à jurisdição administrativa-tributária a apreciação e conhecimento das obrigações advenientes das relações jurídicas tributárias, isso não obsta a que esteja incluído na competência material dos tribunais judiciais o conhecimento do pedido cível de indemnização pelos danos resultantes de uma dada conduta criminal, formulado pela Segurança Social nos termos do artigo 71.º do Código de Processo Penal?”
 

      Vejamos alguns dos acórdãos em que foi assumida a competência material do tribunal criminal para apreciar pedido de indemnização civil, estando em causa reparação de dano causado pela prática de crime tributário-fiscal.

       No acórdão de 6 de Janeiro de 2005, proferido no processo n.º 4450/04, da 5.ª Secção, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 87, pág. 108, sendo os arguidos absolvidos de crime de abuso de confiança fiscal, foram condenados por dois crimes de fraude fiscal, pelo não envio das declarações de IRC, dos anos de 1997 a 2000 e de IVA, dos anos de 1997 a 2001, em penas de prisão suspensas na execução e condenados a pagar ao Estado Português a quantia peticionada de 1.089.295,10 euros, acrescida de juros de mora.

      No acórdão de 26 de Janeiro de 2006, proferido no processo n.º 235/05, da 5.ª Secção, estava em causa pedido de indemnização civil formulado pelo IGFSS, encontrando-se pendente uma execução fiscal por dívidas participadas pelo IGFSS, sendo que o âmbito da execução fiscal instaurada não coincidia, quer quanto aos períodos temporais a que a dívida fiscal se reportava, quer quanto aos executados, com o âmbito do pedido civil objecto do recurso.

      

No acórdão de 11 de Dezembro de 2008, proferido no processo n.º 3850/08, da 5.ª Secção, mencionado no Acórdão do Supremo Tribunal Justiça n.º 1/2013 (Diário da República, 1.ª série, n.º 4, de 7 de Janeiro de 2013, pág. 52 - 1.ª coluna e pág. 68 - 2.ª coluna, § 8.º), estavam em causa três crimes de abuso de confiança contra a Segurança Social, tendo o IGFSS deduzido pedido cível de indemnização, pedindo a condenação do demandado na quantia de € 24.317,26, ampliada para € 119.050,99 e depois para € 172.799,62, acrescidas de juros de mora, à taxa especial fixada nos termos da legislação prevista para as contribuições da Segurança Social, tendo o demandado sido condenado no pagamento do montante de € 101.964,85.
       Este acórdão segue a par e passo o acórdão anterior, de 26 de Janeiro de 2006, proferido no processo n.º 235/05, transcrevendo a fundamentação constante dos pontos 9.2, 9.3, 9.4 e 10 deste.
       No acórdão de 29 de Outubro de 2009, proferido no processo n.º 433/04.3TAPRD-S1, da 5.ª Secção, invocado nas conclusões do Instituto de Segurança Social apresentadas no recurso para fixação de jurisprudência que conduziu ao Acórdão do Supremo Tribunal Justiça n.º 1/2013 - conclusão 19.ª - e incorporado no texto da fundamentação do acórdão (Diário da República, I Série, n.º 4, de 7 de Janeiro de 2013, pág. 48 - 1.ª coluna e pág. 68 - 2.ª coluna - § 8.º), consta:
        “Pelos danos causados pelos crimes tributários respondem os agentes do crime nos termos da lei civil e não nos termos da Lei Geral Tributária. O que é objecto do processo penal, por via do processo de adesão, é a responsabilidade civil emergente do crime tributário, ou seja, pelos danos causados com a prática do crime. O recorrente, enquanto responsável pelo crime de abuso de confiança à segurança social responde (solidariamente) pelos danos causados com a prática do crime, fixados na decisão da 1.ª instância – nos termos da responsabilidade civil extracontratual (arts. 483.º e ss. do CC) e em conformidade com os limites do pedido (art. 661.º do CPC)”.
       No acórdão de 15 de Setembro de 2010, por nós relatado no processo n.º 322/05.4TAEVR.E1.S1, igualmente mencionado na fundamentação do Acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 1/2013 (a págs. 52 - 1.ª coluna; transcrição de págs. 69 - 2.ª coluna a 71 – 1.ª coluna e nota de rodapé n.º 108, do Diário da República, I Série, n.º 4, de 7 de Janeiro de 2013), em que em causa estava um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, foram abordadas as questões de caducidade do direito à liquidação, substituição tributária (artigo 20.º da LGT), responsabilidade subsidiária (artigo 23.º da LGT), extensão da legitimidade passiva na execução fiscal (artigo 153.º, n.º 2, do CPPT), o instituto da reversão e litispendência.
       No acórdão de 27 de Abril de 2011, proferido no processo n.º 712/00.9JFLSB.L1.S1 da 3.ª Secção, em que interviemos como adjunto, estando em causa crime de fraude fiscal, o benefício patrimonial estava apurado no valor global de € 463 368,12, quantitativo referente a impostos devidos a título de IRS.
       No acórdão de 21 de Junho de 2012, proferido no processo n.º 10987/05.1TDLSB.L1.S1, da 5.ª Secção,  em que estava em causa crime de abuso de confiança contra a Segurança Social foi ponderado: “Tratando-se de dívida originada por não entrega de contribuições devidas à segurança social, estas encontram-se perfeitamente determinadas, desde o momento em que a entrega era legalmente exigível, ou seja, muito antes da formulação do próprio pedido cível enxertado na acção penal. E a falta de entrega dessas contribuições configura a prática de um facto ilícito. Sendo assim, rege o n.º 2 do art. 805.º do CC, e não o n.º 3”.
       No mesmo sentido o acórdão de 6 de Dezembro de 2012, proferido no processo n.º 224/02.6TASRT.C1.S1, da 5.ª Secção, versando acção cível enxertada em processo crime, estando em causa crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, reiterando a jurisprudência fixada no acórdão de fixação, tirado, por unanimidade, na sessão do Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Novembro de 2012 – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2013, publicado in Diário da República, 1.ª série, n.º 4, de 7 de Janeiro de 2013, do qual se extrai o seguinte:

       “Quanto aos juros, o art. 805.°, n.º 3, do CC, rege para as situações de o crédito ser ilíquido, mas, no caso, falha esse pressuposto. Tratando-se de dívida originada por não entrega de contribuições devidas à Segurança Social, estas encontram-se perfeitamente determinadas, desde o momento em que a entrega era legalmente exigível, ou seja, muito antes da formulação do pedido de indemnização civil “enxertado” na acção penal. (…).
       O acórdão de 27 de Janeiro de 2016, proferido no processo n.º 2522/11.9TBVFX.L1.S1, da 5.ª Secção, segue a par e passo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2013, convocando depois o acórdão de 15-09-2010, por nós relatado no processo n.º 322/05.4TAEVR.E1.S1, aí se dizendo:
       “A interpretação seguida no AFJ 1/2013 não viola o principio da igualdade previsto no art. 13.º, n.º 1, da CRP, na medida em que, o pedido de indemnização civil em processo penal no crime de abuso de confiança contra a Segurança Social não tem por objeto a definição e exequibilidade de ato tributário, mas sim a obrigação de indemnização por danos emergentes da conduta danosa que o integra, com fundamento na responsabilidade por factos ilícitos que daí surge nos termos dos arts. 483.° e segs., do CC”.
       Em causa estava crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, muito embora na primeira instância o arguido tenha sido condenado por crime de abuso de confiança fiscal, sendo condenado a pagar ao ISS, I.P., a quantia de 57.992,02 €, sendo a condenação confirmada pela Relação, que apenas corrigiu o nomen do crime de abuso de confiança fiscal para crime de abuso de confiança contra a Segurança Social.
      O então IGFSS, I. P. deduzira pedido de indemnização cível em 29 de Outubro de 2003 (e daí a possibilidade de apreciação do recurso), pedindo a condenação do demandado no pagamento de 171.374,00 €.
      
       No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2013, bem como nos acórdãos de 26 de Janeiro de 2006, proferido no processo n.º 235/05, da 5.ª Secção, de 11 de Dezembro de 2008, processo n.º 3850/08, da 5.ª Secção, de 29 de Outubro de 2009, proferido no processo n.º 433/04.3TAPRD-S1, da 5.ª Secção, de 4 de Fevereiro de 2010, por nós relatado no processo n.º 106/01.9IDPRT.S1, de 15 de Setembro de 2010, por nós relatado no processo n.º 322/05.4TAEVR.E1.S1, de 21 de Junho de 2012, proferido no processo n.º 10987/05.1TDLSB.L1.S1, da 5.ª Secção, de 6 de Dezembro de 2012, proferido no processo n.º 224/02.6TASRT.C1.S1, da 5.ª Secção e de 27 de Janeiro de 2016, processo n.º 2522/11.9TBVFX.L1.S1, da 5.ª Secção, foi reconhecida a competência do tribunal criminal para julgar o pedido cível de indemnização, tendo um ponto comum.
       Nos casos versados no acórdão uniformizador e restantes oito acórdãos, o pedido deduzido pelo Instituto de Segurança Social - ISS, I. P. -, era líquido, as quantias estavam já apuradas, até porque retidas, deduzidas pelo mecanismo da substituição ou da retenção na fonte.
       No acórdão de 27 de Abril de 2011, proferido no processo n.º 712/00.9JFLSB.L1.S1 da 3.ª Secção, em que interviemos como adjunto, estava em causa crime de fraude fiscal, sendo que o benefício patrimonial estava apurado no valor global de € 463 368,12, quantitativo referente a impostos devidos a título de IRS.
      No acórdão de 24 de Janeiro de 2018, por nós relatado no processo n.º 5007/14.8TDLSB.L1.S1, foi reafirmada a validade do Acórdão n.º 1/2013.

      
       Directiva n.º 2/2013 da Procuradora-Geral da República

       Nesta perspectiva não será despiciendo referir a Directiva n.º 2/2013 da Procuradora-Geral da República, de 6 de Setembro de 2013, publicada no Diário da República, 2.ª Série, n.º 189, de 1 de Outubro de 2013, a págs. 29.936/29.937, que se passa a transcrever:

       “Pedido de indemnização civil em processo penal por crime fiscal
       A atuação do Ministério Público no âmbito do processo penal por crime fiscal tem-se pautado por diferentes critérios de decisão sobre a admissibilidade ou não da dedução de pedido de indemnização civil.
       O Código de Processo Penal consagra, a respeito do pedido de indemnização civil emergente da prática de crime, um sistema de adesão obrigatória ou vinculada relativamente aos crimes de natureza pública, só podendo ser deduzido em separado, perante o tribunal civil, nos casos concretos que a lei processual penal elenca (n.º 1 do artigo 72.º) ou quando as questões por ele suscitadas inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem suscetíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal (n.º 3 do artigo 82.º).
       O Código de Processo Penal consagra ainda o princípio da sua suficiência (artigo 7.º), segundo o qual se afirma a autonomia da jurisdição penal para conhecer de todas as questões, mesmo que não penais que possam influir na apreciação da causa penal, uma vez que o processo penal é promovido independentemente de qualquer outro e nele se resolvem todas as questões que interessarem à decisão da causa.
       Ao Ministério Público cabe, em representação do Estado e de outras pessoas e interesses cuja representação lhe seja atribuída por lei, formular o pedido de indemnização civil conexo com o processo penal (n.º 3 do artigo 76.º do Código de Processo Penal), o qual deve ser deduzido aquando da prolação da decisão acusatória (n.º 1 do artigo 77.º do Código de Processo Penal).
       A Autoridade Tributária e Aduaneira constitui um serviço da administração direta do Estado dotado de autonomia administrativa que tem por missão administrar os impostos, direitos aduaneiros e demais tributos que lhe sejam atribuídos.
       A noção de Estado constante do n.º 3 do artigo 76.º do Código de Processo Penal reporta-se a serviço público/ente público diretamente gerido pela Administração (Estado Administração), a um serviço integrado, totalmente distinta da noção de Estado coletividade.
       O ato legislativo de criação da Autoridade Tributária e Aduaneira identifica expressamente um serviço integrado do Estado e não um ente personalizado, individualidade jurídica dele distinta, que indiretamente prossegue algum ou alguns fins específicos da administração pública que o Governo entendeu confiar-lhe.
       Aquilo que constitui a causa de pedir no pedido civil indemnizatório enxertado no processo penal fiscal são justamente os factos narrados e que integram a prática do crime, situação totalmente autónoma da dívida tributária consequente.
       Não ocorre litispendência entre o pedido formulado em ação executiva para cobrança da dívida de impostos e o pedido de indemnização civil deduzido em processo penal contra o ali executado, neste arguido e demandado civil, pela prática de crime fiscal.
       Atualmente, e através da jurisprudência uniformizada vertida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2013, ocorre reconhecimento da admissibilidade da dedução de pedido de indemnização civil conexo com o processo penal fiscal nos casos de crime de abuso de confiança contra a segurança social.
       Nas situações em que o valor do pedido indemnizatório seja inferior a 20 unidades de conta, enquanto demandante civil, o Estado Português - Autoridade Tributária e Aduaneira - está isento de custas [alínea n) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais]; e, nos casos em que o valor seja igual ou superior aquele limite, o Estado fica dispensado do pagamento prévio de taxa de justiça [alínea d) do n.º 1 do artigo 15.º do Regulamento das Custas Processuais].
       No pedido de indemnização civil enxertado no processo penal são aplicáveis as regras referentes ao instituto das custas de parte, devendo o Ministério Público, em representação do Estado, fazer uso, se for caso disso, das regras contidas no Código de Processo Civil e no Regulamento das Custas Processuais a esse respeito.
       Em face do exposto, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 12.º do Estatuto do Ministério Público, determino que os magistrados e agentes do Ministério Público observem o seguinte:
       1 - Cabe ao Ministério Público, em representação da Autoridade Tributária e Aduaneira, deduzir pedido de indemnização civil conexo com o processo penal, por crimes de natureza fiscal, sem exceção, e desde que aquela solicite tal intervenção [artigo 1.º, alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º do Estatuto do Ministério Público, artigo 71.º e n.º 3 do artigo 76.º do Código de Processo Penal].
       2 - A pretensão dirigida ao Ministério Público para que, em representação da Autoridade Tributária e Aduaneira, deduza pedido de indemnização civil conexo com o processo penal por crime fiscal, deve ser expressamente formalizada no inquérito pelo dirigente do serviço desconcentrado competente, e, sempre que possível, prévia ou contemporaneamente à remessa ao Ministério Público do parecer a que alude o n.º 3 do artigo 42.º do Regime Geral das Infrações Tributárias.
       3 - Sempre que a Autoridade Tributária e Aduaneira não manifestar a sua posição nos termos assinalados no número antecedente, deverão os magistrados do Ministério Público efetuar as diligências necessárias tendo em vista a sua obtenção.
       4 - Em conformidade com a admissibilidade de dedução do pedido de indemnização civil, reunidos que se mostrem os respetivos pressupostos legais, nada obsta à utilização dos processos penais especiais, máxime o processo sumaríssimo e o processo abreviado, no domínio da criminalidade fiscal.”

       A Directiva n.º 2/2013 da Exma. Procuradora-Geral da República dá conta dos diferentes critérios de decisão sobre a admissibilidade ou não da dedução de pedido de indemnização civil no âmbito do crime fiscal, e efectivamente, por vezes, não há lugar a dedução de pedido de indemnização, como ocorreu nos casos dos acórdãos por nós relatados, de 4 de Fevereiro de 2010, no processo n.º 106/01.9IDPRT.S1 (IVA e IRS), estando o arguido acusado da prática de um crime de abuso de confiança fiscal e de 27 de Janeiro de 2017, no processo n.º 231/11.8IDLSB.L2.S1 (IVA), em que era imputada ao arguido a prática de um crime de fraude fiscal.
       A Directiva tem a preocupação de realçar a natureza da Autoridade Tributária e Aduaneira, identificada expressamente como um serviço integrado do Estado e não um ente personalizado, com individualidade jurídica dele distinta, como ocorre com o Instituto de Segurança Social, ISS, I.P., que surge nas vestes de demandante nos pedidos de indemnização emergente de crimes de abuso de confiança contra a Segurança Social, a quem foi reconhecida legitimidade para intervir como assistente, conforme Acórdão n.º 2/2005, de 16 de Fevereiro de 2005, proferido no processo n.º 1579/04, da 3.ª Secção, publicado no Diário da República, Série I-A, n.º 63, de 31 de Março de 2005, que fixou a seguinte jurisprudência:
       “Em processo por crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto e punido no artigo 107.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social tem legitimidade para se constituir assistente”.

     
       Nos casos versados nos acórdãos citados os prejuízos reparáveis eram resultantes da prática de crimes previstos no direito penal secundário, sendo igualmente aplicáveis a pedido de indemnização tendo por génese a prática de crimes previstos no direito penal clássico.
     No caso o arguido era um depositário, possuidor “nomine alieno”, um mero detentor, que feriu a confiança em si depositada, confiança que é suposto ser de esperar de um depositário.
       O arguido integrou na sua esfera patrimonial os montantes descritos, dispondo dos mesmos como se fossem seus, como de forma clara resulta dos factos provados 6, 7, 8 e 9.

      Concluindo: Improcede o alegado nas conclusões R), S), T, Z), declarando-se o tribunal criminal competente para em sede de enxerto cível apreciar pedido de indemnização cível tendo por base causação de lesão patrimonial determinada por prática de dois crimes de abuso de confiança, por cuja prática o arguido /demandado foi condenado.

        Decisão

       Pelo exposto, acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, na apreciação do recurso interposto pelo arguido/demandado BB, em:

I – Rejeitar, por inadmissibilidade legal, o recurso na parte penal;   

II – Julgar improcedente o recurso na parte cível, declarando competente o Juízo Central Criminal de Vila Nova de Gaia para julgar os pedidos cíveis deduzidos pelas demandantes Condomínio do Edifício Páteo de Canibelo e Condomínio do Edifício Simoga V.

       Custas pelo recorrente, nos termos dos artigos 374.º, n.º 4, 513.º, n.º s 1, 2 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, in Diário da República, 1.ª série, n.º 40, de 26 de Fevereiro, (rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril, in Diário da República, 1.ª série, n.º 81 e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 43/2008, de 27 de Agosto, in Diário da República, 1.ª série, n.º 165, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de Agosto, pelo artigo 156.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro – Lei do Orçamento do Estado 2009 (Diário da República, 1.ª série, n.º 252, Suplemento), pelo artigo 163.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril – Orçamento do Estado para 2010, pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril, Diário da República, 1.ª série, n.º 73, de 13-04-2011, pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, in Diário da República, 1.ª série, n.º 31, de 13 de Fevereiro, que procedeu à sexta alteração e republicação do RCP, rectificada com a Declaração de Rectificação n.º 16/2012, de 26 de Março, in Diário da República, 1.ª série, n.º 61, de 26-03-2012, pela Lei n.º 66-B/2012, de 31de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, in Diário da República, 1.ª série, n.º 167, de 30 de Agosto, pela Lei n.º 72/2014, de 2 de Setembro, pela Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, in Diário da República, 1.ª série, n.º 156, de 14 de Agosto e pela Lei n.º 27/2019, de 28 de Março, in Diário da República, 1.ª série, n.º 62, de 28 de Março), o qual aprovou – artigo 18.º – o Regulamento das Custas Processuais, publicado no anexo III do mesmo diploma legal).

       Mantém-se em vigor o valor da UC (Unidade de conta) vigente em 2018, conforme estabelece o artigo 182.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2019), publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 251, de 31-12-2018. Tal valor é de 102,00 €, que se tem mantido inalterado desde 20 de Abril de 2009.   

       Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.                              

                            Lisboa, Escadinhas de São Crispim, 11 de Julho de 2019

    Raúl Borges (relator) *
Gabriel Catarino