Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
143/14.3TTFUN.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
ANALOGIA
PENSÃO POR INCAPACIDADE
Data do Acordão: 11/13/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA.
Doutrina:
- ANTÓNIO GARCIA PEREIRA, É Portugal um estado de Direito?, O Tribunal Constitucional recusa a declaração de inconstitucionalidade de uma lei que nega aos trabalhadores da Administração Pública o direito às respectivas pensões por acidente em serviço ou doença profissional!, Questões Laborais ano XXV, 2018, n.º 53, pp. 149 e ss., 153 e 154.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 614.º, N.º 1 E 615.º, N.ºS 1, ALÍNEAS B) E D).
LEI DE ACIDENTES DE TRABALHO (LAT): - ARTIGO 11.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 30-04-2008, PROCESSO N.º 07S4749;
- DE 12-01-2012, PROCESSO N.º 421/06.5TTFIG.C1.S1;
- DE 25-08-2018, RELATOR OLIVEIRA ABREU.
Sumário :
I. A analogia pressupõe um conjunto de operações de facto e de direito, como sejam a identificação de uma situação similar que, à luz da ratio legis, do escopo da norma, exige a mesma solução, o que ocorre quando  foi provada a existência de uma lesão com sequelas profissionais e que é uma lesão do mesmo órgão e da mesma funcionalidade desse órgão que as lesões descritas na Tabela Nacional de Incapacidades.

II. Face ao disposto no artigo 11.º, n.º 3, da LAT, não se adiciona o coeficiente de incapacidade resultante do acidente com o resultante de acidente de trabalho anterior.

III. Uma vez calculado o dano que o empregador teria que suportar se não tivesse, em cumprimento da lei, transferido a sua responsabilidade para um segurador, esse dano funciona como o limite da obrigação do segurador, mesmo que o empregador por qualquer motivo tenha indicado um volume de retribuições superior ao real.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

Relatório
AA interpôs ação emergente de acidente de trabalho, pedindo a condenação de BB, S.A. a pagar-lhe pensão anual e vitalícia a calcular sobre a incapacidade restante (100% - 4,94%), em função da retribuição anual de € 130.552,20, e a IPP que viesse a ser fixada cm perícia por junta medica, por força da incapacidade permanente parcial que o afeta, bem como juros moratórios vencidos e vincendos, desde o dia seguinte ao da alta.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente.
Inconformado o Autor recorreu.
Foi proferido Acórdão que julgou procedente o recurso interposto por AA e revogou a sentença recorrida, tendo fixado em 7,79%, a IPP de que padece o sinistrado desde 09/01/2014 e condenado a Ré a pagar ao sinistrado a pensão anual e vitalícia de € 6.961,23, (seis mil, novecentos e sessenta e um euros e vinte e três cêntimos), desde a data de 09/01/2014, devendo compensar-se tal quantia com as já pagas ao abrigo da sentença proferida no processo 1188/13.6TTPNF, a título de pensão anual.

Inconformada a Ré BB, SA interpôs recurso de revista com as seguintes Conclusões:
1. Por sentença proferida pelo Juízo do Trabalho do ... a presente ação havia sido julgada totalmente improcedente, tendo a Recorrente sido absolvida do pedido;
2. Inconformado, o Autor interpôs recurso para Tribunal ad quo, que delimitou o objeto do recurso a decidir se a primeira instância “errou ao não considerar a aplicação analógica do Capítulo I.8.2.3 c)” da TNI ao presente caso. “Caso seja de considerar que o sinistrado está afetado de IPP, cumpre decidir sobre o cômputo de tal IPP e acerca da pensão devida ao sinistrado”:
3. O Tribunal ad quo acrescentou três factos aos considerados provados pela primeira instância:
9-A – Não se verifica fratura viciosamente consolidada e não há prejuízo estético, nem alterações de rotação. A força muscular está ligeiramente diminuída e a preensão grossa é dolorosa
9-B – As alterações funcionais referidas em 9  e 9A que o sinistrado apresenta na mão direita prejudicam o seu trabalho, nomeadamente o trabalho no ginásio. E
14. – No processo 118/13.6TTPNF, que correu termos na comarca de ...– ... foi decidido: “Declarar que o sinistrado BB, em consequência do acidente de trabalho objeto dos presentes autos, apresenta uma incapacidade parcial permanente de 4,94% desde 17 de maio de 2013, data da alta definitiva.
II) Em consequência, condeno a CC, S.A., enquanto companhia da seguradora leader do contrato de co-seguro, a pagar ao sinistrado:
A pensão anual, vitalícia e atualizável de € 4.198,40, a ser paga mensalmente, até ao 3º dia de cada mês e no seu domicílio, devida a partir do dia 18 de Maio de 2013, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão, bem como subsídio de férias e de Natal, no valor de 1/14 da pensão anual, a serem pagos nos meses de Junho e Novembro de cada ano, prestações essas acrescidas de juros de mora, à taxa legal, devidos desde o dia do respetivo vencimento até efetivo e integral pagamento.
4. Em momento algum do acórdão se refere os fundamentos que justificam o aditamento dos factos 9-A e 9-B, nem tão pouco os elementos de onde foram retirados e porquê.
5. Aliás, dos elementos objetivos resultantes do processo, nomeadamente das justificações de posição apresentadas pelo perito da seguradora nas Juntas Médicas de 07.12.2017 e de 27.09.2017 e do relatório do RX realizado entre cada uma delas, resulta precisamente que não há qualquer prova de preensão dolorosa nem de supostas alterações funcionais da mão direita do sinistrado, suscetíveis de reduzir a sua capacidade de trabalho ou ganho.
6. Em face do exposto, o acórdão ora alvo de recurso encontra-se ferido de nulidade, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC.
7. Por outro lado, com base no aditamento do facto 14, o acórdão alvo de recurso fixou em 7,79% a IPP de que padece o sinistrado, desde 09.1.2014, somando à IPP que determinou com base no acidente dos presentes autos (2,85%) a IPP aplicada no processo 1188/13.6TTPNF (4,94%).
8. E, no cálculo da pensão, em vez de se limitar a calcular a pensão com base na IPP que fixou ex novo – 2,85% -, que resultaria no valor de pensão remível de € 2.651,00.
9. Condenou a Seguradora a pagar a pensão anual e vitalícia de € 6.961,23, sem se preocupar de apurar como é que o Sinistrado havia sido ressarcido/reparado da anterior pensão, que nada tem que ver com este processo e com este acidente.
10. Em consequência, proferiu uma decisão injusta e desadequada, pois o Sinistrado, trabalhador estrangeiro, já havia requerido a remição da pensão atribuída no processo anterior, e sido ressarcido, pelo menos, do valor de capital de remição de € 70.524,11 - conforme cópias de termo de entrega do capital de remição e cheque já pago ao Sinistrado pela Seguradora em 02.03.2015.
11. Ainda que fosse de atribuir ao Sinistrado a IPP de 2,85% por analogia – o que não se concede e apenas se coloca como mera hipótese de raciocínio – o cálculo da pensão devida ao Sinistrado no âmbito dos presentes autos nunca poderia exceder o valor correspondente àquela percentagem de IPP (€ 2 651,00).
12. À luz do Princípio da Capacidade Restante ou fórmula de ..., no caso de lesões múltiplas, o coeficiente de incapacidade será obtido pela soma dos coeficientes parciais, segundo o princípio da capacidade restante, calculando-se o primeiro coeficiente por referência à capacidade do indivíduo anterior ao acidente ou doença profissional e os demais à capacidade restante, fazendo-se a dedução sucessiva do coeficiente ou coeficientes já tomados em conta para o mesmo cálculo – al. d) do n. 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional das Incapacidades (TNI).
13. O objetivo da suprarreferida norma é que as desvalorizações a atribuir ao sinistrado tenham em consideração a capacidade restante e que não partam sempre dos 100% de capacidade.
14. Mesmo que o Sinistrado, como trabalhador estrangeiro (artigo 75º/3 da LAT), acorde com a Seguradora a remição da pensão ora fixada pelo acórdão em crise, esta teria de lhe pagar € 118.548,75 quando já lhe entregou € 70.524,11 pela IPP anterior!
15. Verificar-se-ia uma dupla condenação e obrigação de reparação por parte da Seguradora, e um enriquecimento sem causa do Sinistrado.
16. O valor já liquidado pela responsável, a título de capital de remição, consequência da fixação da pensão devida ao sinistrado e primitivamente fixada, extinguiu a obrigação de pagamento de tal pensão. Cumpre assim calcular a diferença entre o primitivo cálculo da pensão e o atual, sendo esse o valor que o sinistrado tem direito a receber. (Acórdão TRL, Processo 549/12.2TTFUN.1.L1-4, de 24-10-2018).
17. Uma vez que o presente acórdão só teve por base, relativamente ao processo do Tribunal de ..., o teor da sentença junta com a P.I., desconhecendo os trâmites posteriores desse outro processo, também só poderia calcular o valor da pensão atribuível no âmbito dos presentes autos, atenta a IPP que determinasse, esta sim, com base no princípio da capacidade restante.
18. A consideração da pensão anterior configura uma nulidade – que aqui expressamente se argui –  do acórdão proferido, prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, ex vi do artigo 685.º e 666.º, n.º 1 do mesmo diploma, por o Tribunal ad quo ter conhecido de questão de que não podia tomar conhecimento, violando ainda a proibição de condenar em objeto diverso do que se pedir (art.º 609º CPC).
19. Resulta dos artigos 635.º e 639.º do CPC que o objeto do recurso é delimitado pelas respetivas conclusões e que o Tribunal de recurso não pode conhecer de questões que não tenham sido objeto do recurso.
20. Não estava em causa nestes autos, a contabilização e forma de pagamento da pensão anterior, nem tão pouco o Sinistrado tinha interesse nessa contabilização, por ter já sido totalmente ressarcido da pensão anterior.
21. Consequentemente, não podia o Tribunal ad quo conhecer, em sede de recurso, de tal pensão, arbitrada à luz de outros autos.
22. A referida nulidade deve ser suprida mediante a prolação de acórdão que se limite a fixar o valor da pensão com base na IPP destes autos, sob pena de violar os limites de condenação previstos no art.º 609º do CPC.
23. Caso não se entenda que as questões vindas de invocar constituem nulidade, teremos então que, pelo menos a última, configura violação da regra da proibição de duplicação ou acumulação material de indemnizações e o enriquecimento sem causa do Sinistrado, ora Recorrido, a determinar a revogação do acórdão e sua substituição por outro que se limite a fixar a pensão com base na incapacidade a atribuir nos presentes autos, atento o princípio da capacidade restante/ regra de ....
24. O acórdão recorrido fez, também, uma incorreta aplicação do direito quanto à única questão que era objeto de recurso pelo Sinistrado no seu recurso de apelação, a propósito da possibilidade ou não, no presente caso, de aplicação analógica do Capítulo I.8.2.3 C) da TNI.
25. Acresce que o Tribunal ad quo violou o ónus da prova e o “princípio da livre apreciação da prova, que alicerça o julgamento da matéria de facto, sustenta-se em critérios racionais e objetivos, em juízos de ilações e inferências razoáveis”.
26. O Sinistrado apelou da sentença de primeira instância por não concordar com a parte da mesma que considerou não existir Incapacidade Permanente Parcial (doravante, IPP). Ou seja, defendeu a existência de IPP de 2,85% conforme laudo maioritário, com o qual discordou a Mma. Juiz do Tribunal do ..., pelas razões oportunamente expostas na sentença recorrida.
27. O Tribunal de primeira instância tinha decidido corretamente ao considerar a não existência de IPP, devendo ser mantida na íntegra por se encontrar bem fundamentada e não merecer qualquer reparo.
28. A Mma. Juiz do Tribunal da primeira instância interpretou cuidadosamente a TNI, ao considerar que só existe incapacidade quando estejam preenchidos, cumulativamente, duas sequelas: por um lado, uma fratura viciosa consolidada do 2.º e 3.º metacárpico e, por outro lado, quando tal originar um prejuízo estético.
29. Dos exames médicos realizados ao Sinistrado, verificou-se que não padecia de nenhuma fratura viciosamente consolidada nem de um prejuízo estético.
30. Conforme se pode verificar pelo relatório da Junta Médica datado de 07.12.2017, por maioria, os Senhores peritos médicos indicados pelo Sinistrado como pelo Tribunal indicaram que “4-não há prejuízo estético, nem alterações da rotação, força muscular ligeiramente diminuída e preensão grossa dolorosa”.
31. O perito indicado pela Seguradora discordou na atribuição de uma IPP, uma vez que “no capítulo através da qual a junta médica se baseou para determinar a IPP diz que a fratura viciosa consolidada do 2º e 3º metacarpo só determina a incapacidade quando origina prejuízo estético, facto que não é objetivável no exame como indica na alínea n.º 4 dos quesitos.”
32. No auto de exame por junta médica datado de 27.09.2018, os Senhores Peritos médicos esclareceram que “mediante visualização da radiografia efetuada, verificamos a presença material de osteossíntese no 2º e 3º metacarpo da mão direita, encontrando-se as fraturas consolidadas”.
33. Esta afirmação dos peritos médicos não justifica a atribuição da IPP, nem tão pouco indica a desvalorização por analogia, bem como não justificam a razão da redução de capacidade de ganho do Sinistrado, ora Recorrido.
34. Ademais, o Sinistrado logo após a alta médica, a 08.01.2014, continuou a jogar, participando na maioria dos jogos realizados pela equipa principal do Marítimo, num total de 714 horas.
35. Este facto era tão ou mais relevante que aqueles que os Senhores Desembargadores acrescentaram ao relatório de factos provados.
36. O facto de o Sinistrado ter continuado a participar na maioria dos jogos realizados pela equipa principal do Marítimo, foi relevante para formar a convicção da Sra. Juiz de primeira instância, no sentido de que o acidente dos presentes autos e as lesões resultantes do mesmo não determinaram qualquer desvalorização ou diminuição da capacidade do sinistrado.
37. A Mma. Juiz analisou criticamente todos os exames médicos realizados, bem comos esclarecimentos prestados de parte a parte e o resultado do RX solicitado pela Seguradora, no fim, verificou cuidadosamente a TNI e proferiu a sentença de acordo com todos estes elementos.
38. São estes os fundamentos para a manutenção, na íntegra, da douta sentença de primeira instância. A juiz apreciou livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. É certo que se afastou do laudo maioritário de Junta Médica, mas a lei assim o permite: Ela (Juiz) é o perito dos peritos e, como tal, viu para além do referido laudo, o que está correto e é compreensível.
39. O laudo maioritário da Junta Médica de 07.12.2017 não foi fundamentado, ao contrário do laudo minoritário do perito da seguradora (cfr. ponto 30 supra) que foi, e bem, atendido pela Juiz da Comarca da Madeira.
40. Em 22.02.2018, os peritos do laudo maioritário vieram dizer “Não nos opomos à realização do RX da mão direita, para justificar a alínea através da qual atribuímos IPP”, ou seja, “prometeram” com base no RX oportunamente solicitado vir explicar por que razão recorreram à aplicação, por analogia, do Capítulo I.8.2.3 C) da TNI.
41. Contudo, do relatório do então RX realizado, datado de 01.05.2018, resulta “Densidade óssea visualizada normal. Nenhuma fratura óbvia observada (…) Espaço comum pareceu normal. Sombras dos tecidos moles pareceram normais.” Ou seja, tudo normal, nenhum vício, nenhum prejuízo estético. Estes são dados médicos objetivos.
42. Da segunda Junta Médica realizada, presidida por Juiz, no dia 27.09.2018, os senhores peritos, em vez de justificarem a referida aplicação analógica, limitaram-se a confirmar que o Sinistrado não tem sequer a fratura viciosa.
43. Ao contrário dos peritos do laudo maioritário, o perito vencido, da Seguradora, justificou uma vez mais porque não era de aplicar nem direta nem tão pouco analogicamente qualquer desvalorização, fazendo constar do relatório do exame:
•          Que o Sinistrado realizou 515 minutos de jogos, sendo destes 4 jogos completos, mesmo antes da alta;
•          Que logo após a alta, o Sinistrado participou na maioria dos jogos realizados pela equipa principal do marítimo, num total de 714 horas. Na liga dos campeões da Ásia, 2014/2015 – 120 minutos. AFC Cup 450 minutos e na 2.ª Divisão 576 minutos.
•          Que a rotação anormal, não existe, nem tão pouco a preensão dolorosa, porque o Colega do GML no exame objetivo afirmou haver apenas uma discreta diminuição da força muscular grau 4.
44. A Mma. Juiz da primeira instância tinha, no processo, mais elementos para acolher a posição minoritária e justificada da Seguradora, do que o laudo maioritário.
45. Para além de a supra-referida informação ser de conhecimento público (https://www.....pt/player.php?id=52472), ela consta expressamente dos exames médicos dos autos, ao contrário das alegações subjetivas e infundadas do laudo maioritário.
46. Nenhuma prova foi feita relativamente à diminuição da função corporal da mão do Sinistrado e, consequentemente, relativamente à diminuição da sua capacidade de trabalho ou ganho, pelo que, como bem decidiu a Mma. Juiz da primeira instância, apenas “não é matéria controvertida que efetivamente a fratura não se encontra viciosamente consolidada”.
47. O Sinistrado nenhuma prova efetuou da redução da sua capacidade de trabalho ou ganho para, sequer justificar, a aplicação analógica da TNI.
48- Em face do exposto, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 662.º, n.º 1 -quanto à possibilidade de modificação da matéria de facto - e 607º, n.º5 do CPC– relativamente ao princípio da livre apreciação da prova, com base no princípio da imediação, bem como o disposto no artigo 342.º do CC- (Ónus da prova).
49. Não há qualquer prova de preensão dolorosa nem de supostas alterações funcionais da mão direita do sinistrado, suscetíveis de reduzir a sua capacidade de trabalho ou ganho.
50. Sem prescindir, o acórdão viola a própria TNI, designadamente a norma constante do Capítulo concreta e incorretamente aplicado (Cap. I.8.2.3 C)) e o próprio n.º 5, al. f) das Instruções Gerais, bem com as normas do CC sobre analogia (artigo 10º), pois dos exames médicos (elementos objetivos) constantes dos autos decorre que o Sinistrado não sofre de qualquer prejuízo estético, nem de nenhuma fratura viciosamente consolidada.
51. Por esta razão, a Mma. Juiz, e bem, decidiu, que nenhuma das consequências do acidente, melhor descritas no ponto 9 dos factos provados, consubstancia um caso análogo ao previsto na TNI.
52. Se o legislador previu que apenas e unicamente existe incapacidade quando há fratura viciosamente consolidada e prejuízo estético, quis estipular que estas duas sequelas se têm de verificar cumulativamente para que se considere que há uma diminuição ou perda de capacidade de trabalho ou ganho. Não basta apenas que exista uma delas. Caso o legislador não tivesse como objetivo cumular estas duas sequelas tinha mencionado a alternativa ou.
53. Mesmo que existisse uma preensão dolorosa (mera hipótese e não facto provado!), teria que se verificar uma fratura viciosamente consolidada, o que não é o caso. No caso dos presentes autos, nenhum dos pressupostos do Cap. I.8.2.3 C)) se preenche, pelo que nenhuma semelhança pode ser encontrada entre as sequelas descritas no referido Cap. da TNI e a situação da mão direita do Sinistrado
54. Não basta dizer-se que está em causa o mesmo órgão, como refere o acórdão recorrido. Era necessário que tivesse sido provada alguma redução da perda de capacidade de trabalho ou ganho e que se verificasse pelo menos um dos requisitos cumulativos do referido Capítulo (sendo certo que só a verificação simultânea de tais requisitos determinaria a aplicação direta da norma).
55. Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei. Se o Sinistrado tivesse uma fratura viciosamente consolidada e outro prejuízo estético que não os expressamente previstos na TNI (rotação anormal ou preensão dolorosa) compreendia-se a semelhança da situação e o recurso à analogia.
56. Na ausência da fratura viciosamente consolidada e de qualquer prejuízo estético ou outro que influa na capacidade de trabalho ou ganho, o legislador quis que não houvesse desvalorização em sede de IPP, por considerar que não se verifica qualquer diminuição da capacidade de trabalho ou ganho.
57. A sentença de primeira instância aplica corretamente a TNI, não atribuindo nenhum grau de IPP ao Sinistrado, na medida em que não se verifica nenhuma das sequelas exigidas cumulativamente para se considerar que o mesmo se encontra com uma incapacidade, pelo que deve ser anulado o acórdão ora recorrido que a revoga, este sim, violador das normas da TNI e do CC, designadamente sobre analogia.

E rematava pedindo que fosse julgado procedente o seu pedido.

O Recorrido alegou, concluindo que deveria ser revogado o Acórdão recorrido e substituído por outro que condenasse a Recorrente a pagar ao Recorrido uma pensão emergente de Acidente de trabalho, calculada com base no montante transferido para a Recorrente (€ 130.552,20) e no grau de IPP de 2,85% que afeta o sinistrado e que resulta exclusivamente do acidente de trabalho que este sofreu em 28/09/2013.

O Ministério Público emitiu Parecer no sentido de que fosse concedido parcial provimento ao recurso.

O Recorrente exerceu o seu direito de resposta.

Fundamentação

De facto

Foi a seguinte a matéria de facto dada como provada nas instâncias;


1. O sinistrado nasceu em ....
2. Em 15 de maio de 2013, o sinistrado celebrou um contrato de trabalho desportivo com o DD, SAD, com a duração de duas épocas desportivas, com início em 01/07/2013 e termo em 30/06/2015.
3. O sinistrado auferia a retribuição salarial mensal de € 10.229,23 x 12, acrescida de outras remunerações de € 409,00 x 12, num total anual de € 127.658,76.
4. O DD, SAD transferiu a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho, relativamente ao sinistrado, para a Ré, com referência ao montante salarial mensal de € 10.879,35 x 12, num total anual de € 130.552,20.
5. No dia 28 de setembro de 2013, durante um jogo oficial entre as equipas de futebol profissional DD, SAD e ..., que se iniciou às 16:15 horas, no ..., no ..., o sinistrado, numa disputa de uma bola com um jogador da equipa adversária, foi pisado na mão direita, o que lhe provocou de imediato dores.
6. O sinistrado fraturou o 2.º e 3.º metacárpico da mão direita.
7. No dia 30 de setembro de 2013, o sinistrado foi operado na Clínica de ..., no ..., pelo Dr. EE, tendo sido realizada osteossíntese do 2.9 e 3.9 metacárpico.
8. O sinistrado foi submetido a terapêutica médica e fisioterapia.
9. Em consequência dos factos descritos, o sinistrado ficou com uma cicatriz nacarada linear no dorso da mão, na zona correspondente ao 3.9 metacárpico, com vestígios de pontos, medindo 5 cm de comprimento, não retráctil, nem aderente, palpação dolorosa do 2.9 e 3.9 metacárpico, mobilidade dos dedos e dos punhos mantidas, sendo ligeiramente dolorosas na extensão máxima do punho, sem sinais de edema e força muscular discretamente diminuída (grau 4+).
9A Não se verifica fratura viciosamente consolidada e não há prejuízo estético, nem alterações da rotação. A força muscular está ligeiramente diminuída e a preensão grossa é dolorosa.
9B As alterações funcionais referidas em 9. e 9A que o sinistrado apresenta na mão direita prejudicam o seu trabalho, nomeadamente o trabalho no ginásio.
10. O sinistrado sofreu ITA desde 29/09/2013 até 28/10/2013, num período de 30 dias.
11. O sinistrado sofreu ITP a 15% desde 29/10/2013 até 08/01/2014, num período de 72 dias.
12. O sinistrado já se encontra pago das indemnizações devidas a título de incapacidades temporárias.
13. O sinistrado teve alta clínica no dia 8 de janeiro de 2014.
14. No processo 1188/13.6TTPNF, que correu termos na comarca do ... - ... foi decidido: "l) Declarar que o sinistrado AA, em consequência do acidente de trabalho objeto dos presentes autos, apresenta uma incapacidade parcial permanente de 4,94% desde 17 de maio de 2013, data da alta definitiva. ll) Em consequência, condeno a CC, S.A., enquanto companhia seguradora leader do contrato de co-seguro, a pagar ao sinistrado: (1) A pensão anual, vitalícia e atualizável de €4.198,40, a ser paga mensalmente, até ao 3dia de cada mês e no seu domicílio, devida a partir do dia 18 de maio de 2013, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão, bem como o subsídio de férias e de Natal, no valor de 1/14 da pensão anual, a serem pagos nos meses de junho e novembro de cada ano, prestações essas acrescidas de juros de mora, à taxa legal, devidos desde o dia do respetivo vencimento até efetivo e integral pagamento”.

O Tribunal da Relação afirmou ainda que “não foi impugnado o grau de incapacidade permanente parcial atribuído pela junta médica ao sinistrado. Portanto declara-se que o sinistrado em consequência do acidente de trabalho a que se referem os autos apresenta uma IPP de 2,85%” (página 14 do acórdão, fls. 238).

De Direito

No seu recurso a Recorrente, BB, S.A., coloca fundamentalmente quatro questões:

Em primeiro lugar, invoca uma nulidade do Acórdão recorrido por falta de fundamentação (artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC) porquanto o Tribunal recorrido teria acrescentado factos aos considerados provados pela 1.ª instância, sem referir os fundamentos e “os elementos de onde foram retirados e porquê” (Conclusão n.º 4), designadamente os factos 9-A e 9-B.

Em segundo lugar, invoca uma outra nulidade, desta feita por excesso de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC) por o Tribunal ter atendido a pensão anterior, a qual “não estava em causa nestes autos” (Conclusão n.º 20; cfr., a este respeito Conclusões n.º 17 a 22).

Em terceiro lugar, invoca um erro de julgamento na aplicação analógica do Capítulo 1.8.2.3 da Tabela Nacional de Incapacidades (Conclusão n.º 24), invocando designadamente que “no caso dos presentes autos, nenhum dos pressupostos do Cap. 1.8.2.3 C)) se preenche, pelo que nenhuma semelhança pode ser encontrada entre as sequelas descritas no referido Cap. da TNI e a situação da mão direita do sinistrado” (Conclusão n.º 53) e acrescentando que “não basta dizer-se que está em causa o mesmo órgão, como refere o acórdão recorrido” e que “era necessário que tivesse sido provada alguma redução na capacidade de trabalho ou ganho e que se verificasse pelo menos um dos requisitos cumulativos do referido capítulo (sendo certo que só a verificação simultânea de tais requisitos determinaria a aplicação direta da norma)” (Conclusão n.º 54).

Em quarto lugar, invoca um outro erro de julgamento. Com efeito, e mesmo a admitir-se a aplicação analógica, o Acórdão deveria ter-se limitado a proceder ao cálculo da pensão com base na incapacidade atribuída nos presentes autos. Em vez disso acabou por determinar um enriquecimento injustificado do Recorrido.

Por seu turno, nas suas contra-alegações o Recorrido coloca, ainda, uma quinta questão, a saber, se o cálculo da reparação do acidente deveria ser feito com base na retribuição auferida pelo trabalhador e, por conseguinte, na retribuição anual de € 127.658,76 (facto provado n.º 3) ou, antes, no montante efetivamente transferido para o segurador pelo contrato de seguro obrigatório por acidentes de trabalho, que, neste caso é superior, ascendendo a € 130.552,20 (facto provado n.º 4).

Cumpre apreciar.

Relativamente à primeira questão, a exigência de fundamentação tem que ser analisada à luz do princípio da livre convicção do julgador, não estando em causa qualquer meio de prova com força probatória fixada por lei. De resto, esta apreciação da prova não é sequer sindicável em recurso de revista. Ora do Acórdão recorrido consta a fundamentação para se terem acrescentado os factos provados 9-A e 9-B, afirmando-se expressamente que “face à prova produzida, a saber, o exame médico levado a efeito no IML e o exame feito por junta médica e respetivos esclarecimentos (…) resulta ainda provado que as alterações funcionais na mão direita do sinistrado prejudicam o seu trabalho, nomeadamente o trabalho no ginásio”. O Tribunal forma livremente a sua convicção e pode, por conseguinte, dar mais crédito ao juízo da maioria dos peritos relativamente ao parecer do perito indicado pelo segurador (ou inversamente, como sucedeu na 1.ª instância) e dar mais relevo a este ou àquele esclarecimento. Mas o processo formativo dessa livre convicção não pode ser sindicado em sede de recurso de revista. Não se verifica, pois, qualquer nulidade do Acórdão, por falta de fundamentação.

Quanto à segunda nulidade invocada, a de excesso de pronúncia, dir-se-á que, para além de os direitos do sinistrado serem direitos indisponíveis de conhecimento oficioso, resulta do artigo 11.º da LAT, mais precisamente dos números 2 e 3 desse preceito, que o Tribunal ao fixar a medida da reparação de um acidente de trabalho pode, ou melhor, deve, ter em conta a existência de uma lesão ou doença anterior ao acidente ou de uma incapacidade permanente que já afete o sinistrado, Foi precisamente isso o que o Tribunal fez no Acórdão recorrido, pelo que não houve qualquer excesso de pronúncia. Questão diversa e que se subsume na questão quarta, a ser analisada infra é a de saber se terá havido erro de julgamento ao atender ao anterior acidente de trabalho.

A terceira questão reporta-se à aplicação analógica. Sublinhe-se, desde logo, que a possibilidade de os Tribunais recorrerem nesta sede à analogia não parece estar em causa. Entendimento diverso redundaria, como bem destaca o Acórdão recorrido, em “tornar a TNI um instrumento estanque de avaliação do dano corporal” (p. 12 do Acórdão, f.237) e, ainda nas palavras do Acórdão recorrido, tal “não foi intenção do legislador”, como resulta, de resto, tanto do preâmbulo da lei, como, e sobretudo, da instrução n.º 5 f, nos termos da qual “as incapacidades que derivem de disfunções ou sequelas não descritas na Tabela são avaliadas pelo coeficiente relativo a disfunção análoga ou subsequente”. O Tribunal recorreu, pois, como a lei lhe permite, à analogia. Os resultados assim atingidos foram, no entanto, impugnados pela Recorrente com o argumento de que “nenhuma semelhança pode ser encontrada entre as sequelas descritas no referido Cap. da TNI e a situação da mão direita do sinistrado” e não se provou qualquer redução na capacidade de trabalho ou de ganho.

Antes de mais, importa atender a que o Tribunal a quo não aplicou diretamente o capítulo 1.8.2.3. c) e disse-o expressamente: “Não há qualquer dúvida de que o sinistrado não apresenta fractura viciosamente consolidada e de que, ainda que apresentasse, não apresenta prejuízo estético, nem alterações da rotação. Daqui resulta que não lhe é diretamente aplicável o Cap. 1.8.2.3. c). Mas essa não é a questão que nos traz a decidir. Importa sim aferir se a norma pode ser aplicada por analogia” (p. 13 do Acórdão recorrido, f. 238). A tese da Recorrente de que não se pode aplicar por analogia esse Cap.1.8.2.3 c) por não se verificarem os (ou alguns dos) pressupostos para a sua aplicação direta não tem qualquer arrimo legal e esvaziaria, em grande medida, a aplicação analógica. A analogia pressupõe um conjunto de operações de facto e de direito, como sejam a identificação de uma situação similar que, à luz da ratio legis, do escopo da norma, exige a mesma solução. Ora aqui há, como o Acórdão recorrido destaca, uma lesão com sequelas profissionais e que é uma lesão do mesmo órgão e da mesma funcionalidade desse órgão, justificando-se assim a analogia. E não se diga que não ficou provada a perda de capacidade de trabalho ou de ganho, como afirma a Recorrente. Com efeito, tendo-se provado que “as alterações funcionais referidas em 9 e 9-A que o sinistrado apresenta na mão direita prejudicam o seu trabalho, nomeadamente o trabalho no ginásio”, está demonstrada a existência de um prejuízo na capacidade de trabalho ou de ganho. Com efeito, a lei usa as duas expressões, devendo entender-se que não são sinónimas, mas que o que a lei visa proteger não é apenas o dano que se traduz em perda de retribuições, mas sim o dano na “profissionalidade” e na própria carreira de um trabalhador[1]. Um trabalhador desportivo com maiores dificuldades no trabalho no ginásio terá uma atividade mais onerosa e terá que realizar um esforço suplementar para lograr atingir os resultados de outros trabalhadores que não sofrem das mesmas sequelas de um acidente de trabalho.

Relativamente à quarta questão suscitada no recurso – a de que o Acórdão deveria ter-se limitado a proceder ao cálculo da pensão com base na incapacidade atribuída nos presentes autos – interessa, desde logo, referir que também o Recorrido o admite nas suas doutas alegações, bem como o Ministério Público no seu douto Parecer junto aos autos neste Tribunal. O Acórdão recorrido aplicou a instrução geral 5 d) da Tabela Nacional de Incapacidades aplicável aos Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais para os casos de lesões múltiplas, tendo adicionado a desvalorização de 2,85% calculada no presente acidente à desvalorização de 4,94% calculada no processo 1188/13.6TTPNF, para chegar ao coeficiente global de incapacidade de 7,79%, tendo, em conformidade, condenado o segurador, ora Recorrente, ao pagamento de uma pensão anual e vitalícia de € 6.961,23. Mas face ao disposto no artigo 11.º, n.º 3, da LAT e tendo o sinistrado já obtido um capital de remição como pagamento integral da pensão fixada nesses autos – tal como resulta de documento junto aos autos e é admitido pelo Recorrido nas suas alegações (p.17, f.273) – não se justifica legalmente tal adição, devendo atender-se nestes autos apenas à desvalorização de 2,85%. Neste aspeto, pois, procede o presente recurso de revista interposto por BB, S.A.

A quinta questão a decidir foi colocada pelo Recorrido nas suas alegações e reporta-se à base de cálculo da pensão, que deveria ser, em seu entender, o montante indicado pelo tomador do seguro quando tal montante é superior (como é o caso – cfr. os factos provados n.º 3 e n.º 4) ao valor real da retribuição anual auferida pelo trabalhador. Cita em defesa da sua tese um Acórdão deste Tribunal (com voto de vencido) proferido a 12/01/2012, no processo n.º 421/06.5TTFIG.C1.S1, em cujo sumário se pode ler que “não seria justificável que o empregador tivesse de suportar o pagamento de um prémio de seguro mais elevado para garantir prestações mais vantajosas para o sinistrado e por se considerar haver impedimento legal no assegurar de tais prestações, se constituísse um benefício para a seguradora, sem qualquer contrapartida”.

O Recorrido começa por afirmar que se trata de um “erro material devido a lapso manifesto”, mas não se trata de um erro material e sim de uma divergência quanto à base de cálculo das pensões. Com efeito, não há lugar á retificação prevista no artigo 614.º n.º 1 do CPC, porquanto não se verifica qualquer erro de cálculo ou inexatidão devida a omissão ou lapso manifestos.

Como atrás se afirmou, o dano indemnizável nos acidentes de trabalho é o dano da perda da capacidade de trabalho ou ganho (ou a morte), não se reduzindo á perda de retribuições, ainda que a pensão deva ser fixada em termos percentuais da retribuição. Mas uma vez calculado o dano que o empregador teria que suportar se não tivesse, em cumprimento da lei, transferido a sua responsabilidade para um segurador, esse dano funciona como o limite da obrigação do segurador, mesmo que o empregador por qualquer motivo tenha indicado um volume de retribuições superior ao real. De resto, e mesmo sendo a natureza do seguro por acidentes de trabalho muito controversa e singular[2], a Lei do Contrato de Seguro manda-lhe aplicar as normas aplicáveis aos contratos de seguro de responsabilidade civil[3] e opera neste domínio o princípio indemnizatório.

Face às respostas dadas à quarta e à quinta questões, há que fixar o montante da pensão pelo acidente dos presentes autos na pensão anual de € 2546,79, obrigatoriamente remível nos termos do artigo 75.º da LAT.

Decisão: Concede-se parcialmente a revista, fixando-se o coeficiente de incapacidade permanente parcial pelo acidente de trabalho dos presentes autos em 2,85% e a pensão em € 2546,79, acrescida de juros de mora, à taxa legal, devidos desde o dia do respetivo vencimento até efetivo e integral pagamento. A referida pensão é de remição obrigatória.

Custas pelo Recorrente e pelo Recorrido na proporção respetivamente de 2/3 e 1/3.

Lisboa, 13 de novembro de 2019

Júlio Gomes (Relator)

Ribeiro Cardoso

Chambel Mourisco

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[1] ANTÓNIO GARCIA PEREIRA, É Portugal um estado de Direito?, O Tribunal Constitucional recusa a declaração de inconstitucionalidade de uma lei que nega aos trabalhadores da Administração Pública o direito às respectivas pensões por acidente em serviço ou doença profissional!, Questões Laborais ano XXV, 2018, n.º 53, pp. 149 e ss., p. 153. Para o autor, ob. cit., p. 154, a capacidade de ganho “não se reportando exclusivamente às funções concretamente exercidas pelo trabalhador, consubstancia-se, antes, na potencialidade que o mesmo possui de obter rendimento através da sua actividade laboral” (sublinhado no original). Na jurisprudência cfr., por exemplo, Acórdão do STJ de 30/04/2008, processo n.º 07S4749 (BRAVO SERRA), em cujo sumário se pode ler que “o escopo da previsão das pensões nos casos de incapacidade permanente para todo e qualquer tipo de trabalho ou para o trabalho habitual não se confina unicamente a “compensar” a concreta perda de incapacidade de ganho advinda do sinistrado, mas sim de incapacidade de trabalho, o que poderá causar outros danos que não só necessariamente decorrentes dessa incapacidade”.
[2] Acórdão do STJ de 25/08/2018 (OLIVEIRA ABREU): “III. As particularidades do contrato de seguro ramo acidentes de trabalho, atribuem-lhe uma natureza singular, configurando-o, parcialmente, como contrato a favor de terceiro, na medida em que a seguradora assume, nomeadamente, e perante o beneficiário do seguro, indicado pelo respetivo tomador, a obrigação de prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e quaisquer outras, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida ativa”.
[3] A lei do contrato de seguro (DL 72/2008 de 16 de Abril) prevê no seu artigo n.º138.º n.º3 que “o disposto na presente secção aplica-se ao seguro de acidentes de trabalho sempre que as disposições especiais consagradas neste regime não se lhe oponham”. Na verdade, a natureza do seguro de acidentes de trabalho é altamente controversa, havendo quem o considere um seguro de responsabilidade civil, ao passo que para outros seria antes um seguro por conta mais próximo do seguro de pessoas (recorde-se que a lei fala de pessoa segura e não em segurado).