Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
00A3370
Nº Convencional: JSTJ00000663
Relator: AFONSO DE MELO
Descritores: UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
SOCIEDADES COMERCIAIS
GERENTE
ASSINATURA
Nº do Documento: SJ200112060033706
Data do Acordão: 12/06/2001
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 4968/99
Data: 05/10/2000
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA AMPLIADA.
Decisão: NEGADA REVISTA
Área Temática: DIR COM - SOC COMERCIAIS.
Legislação Nacional: CSC86 ARTIGO 260 N4.
LSQ ARTIGO 29 N1 ARTIGO 30.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1991/10/07 IN BMJ N490 PAG280.
ACÓRDÃO STJ DE 1999/11/28 IN CJSTJ ANOVII TIII PAG12.
ACÓRDÃO STJ DE 2000/10/03 IN CJSTJ ANO VIII TIII PAG65.
ACÓRDÃO STJ DE 1998/11/05 IN BMJ N481 PAG498.
ACÓRDÃO STJ DE 1999/06/02 IN BMJ N488 PAG365.
Sumário :
A indicação da qualidade de gerente prescrita no n. 4 do art. 260, do C.S.C., pode ser deduzida, nos termos do art. 217, do C.Civ., de factos que, com toda a probabilidade, a revelem.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em plenário as secções cíveis, no Supremo Tribunal de Justiça:

A sociedade "A", requereu, com base em letra de câmbio, execução ordinária para pagamento de quantia certa contra a sociedade "B, SA.:".
Invocou a sua qualidade de sacadora sendo aceitante a executada e, como causa da emissão da letra, transacção comercial com a mesma aceitante.
Esta deduziu embargos de executado, com fundamento na ilegitimidade da exequente - al.c) do artº813º do CPC.
Contestados os embargos, foram logo julgados improcedentes.
A Relação confirmou a sentença.
Nesta revista concluiu em síntese a embargante:
1 - A recorrida só fica obrigada como sacadora da letra se, sob a sua firma ou denominação social, um seu gerente assinar com a indicação expressa da qualidade em que o faz, representando a sociedade - art. 260, n. 4, do Código das Sociedades Comerciais (CSC) (1)
2 - A qualidade de gerente não se presume nem se admite tacitamente.
3 - Ao não entender assim, o acórdão da Relação fez incorrecta interpretação do disposto nos artºs 10º, 200º e 260º, nº4, do CSC, 9º do C.Civil e 25º da LULL.
4 - Deve consequentemente ser revogado, julgando-se a embargada parte ilegítima para com ela prosseguir a execução.
Requereu o julgamento ampliado da revista nos termos do art. 732-A do CPC para assegurar a uniformidade da jurisprudência, o que foi determinado.
Invocou sobre a questão da vinculação das sociedades por quotas, a oposição da decisão recorrida com jurisprudência das Relações de Coimbra e de Lisboa e também deste Supremo.
A recorrida não contra-alegou.
O MºPº emitiu parecer, de grande qualidade, propondo a uniformização da jurisprudência deste modo:
"Nos termos e para os efeitos do n. 4 do art. 260 do Código das Sociedades Comerciais, os gerentes vinculam a sociedade em actos escritos, apondo a sua assinatura, com a indicação expressa dessa qualidade".
A Relação fixou os seguintes factos, que entendeu essenciais para decidir:
1 - A letra de 3.573.500$00 foi emitida em 28/04/1997, com vencimento em 28/07/1997.
2 - Na face esquerda superior, em lugar destinado à identificação do sacador, com o nome, morada ou carimbo, consta "A., ... 2495 Fátima".
3 - No lugar destinado à assinatura do sacador consta a assinatura de C.
4 - A letra foi aceite pela embargante/executada.
5 - Consta do Registo Comercial (1º Conservatória de Leiria), que a sociedade "A.", tem sede em Loureira, são únicos sócios o C e mulher D, basta a assinatura de um gerente para a obrigar e cabe a gerência ao C.
Considerou depois:
Segundo o n. 4 do art. 260º do CSC, os gerentes vinculam a sociedade em actos escritos, apondo a sua assinatura com a indicação dessa qualidade.
É absurdo julgar a assinatura do C noutra qualidade que não seja a de gerente da sociedade.
Invocou o acórdão deste Supremo de 24/10/1996 (CJ IV, 3, p.78) que, considerando o disposto naquela norma, decidiu:
"O que importa é que do documento (no caso letra de câmbio) resulte, em termos aceitáveis segundo o costume, que o gerente assinou um documento que diz respeito à sociedade e não a ele pessoalmente".
Isto é, a vinculação da sociedade pode resultar do texto do documento que assinado pelo seu gerente não indicou expressamente que procedeu nessa qualidade.
No mesmo sentido de que não é indispensável que o gerente social assine o documento indicando de modo expresso que o faz nessa qualidade, pronunciaram-se outros acórdãos deste Supremo bem como das Relações (2) admitindo a indicação concludente.
Exigiram no entanto aquela indicação expressa outros acórdãos dos mesmos Tribunais Superiores (3) .
É pois manifesta a divergência jurisprudencial que impõe a uniformização agora em causa, (muitos outros acórdãos das Relações e do Supremo são indicados no parecer do MºPº).
O n. 4 do art. 260º do CSC dispõe:
"Os gerentes vinculam a sociedade, em actos escritos, apondo a sua assinatura com a indicação dessa qualidade" (4) .
A lei das Sociedades por Quotas de 11/04/1901 (LSQ) estabelecia:
"Para que a sociedade fique obrigada basta que um dos gerentes assine com a firma social" - art. 29, §1.
"Quando a sociedade não tiver firma, mas uma denominação particular (5), só ficará obrigada se os actos forem assinados em seu nome, pela maioria dos gerentes, salvo qualquer estipulação em contrário na escritura social" - artº30º (6) .
No chamado anteprojecto de Coimbra, na 2ª redacção revista, dizia o nº4 do artº86º:
"Os gerentes obrigam a sociedade juntando as suas assinaturas à firma social" (RDE, 5, 1979, p.173).
Na exposição dos motivos relativa ao correspondente nº4 do artº85º da 2ª redacção não revista, os seus autores omitem qualquer explicação (RDE, 3, 1977, p.371) (7) .
Provavelmente basearam-se no §61º do anteprojecto, depois §63º do projecto alemão da nova lei sobre sociedades por quotas, que dizia:
"Os gerentes assinam pela sociedade, acrescentando o seu nome à firma da sociedade" (BMJ 270 p.283).
Não parece, assim, ao contrário do que já se afirmou, que o nº4 do artº260º do CSC teve por fonte os referidos artigos do anteprojecto de Coimbra.
O n. 4 do art. 260º manteve intocado o n. 4 do art. 264º do projecto que resultou da revisão de um anteprojecto do CSC, elaborado por Raúl Ventura.
Informa este mestre, quanto às sociedades por quotas, que o legislador aproveitou tanto quanto possível os ensinamentos da jurisprudência e doutrina nacionais, elaboradas e afeiçoadas na vigência da Lei de 11 de Abril de 1901, mas sem esquecer o contributo valioso dos projectos alemães da reforma das sociedades de responsabilidade limitada (8) .
Comentando o nº4 do artº260º do CSC, Raúl Ventura sustenta:
Está abolida a antiga forma (artº29º, §1º, da Lei de 1901) de assinatura com a firma social (9) .
É indispensável para a vinculação da sociedade a reunião de dois elementos: a assinatura do gerente e a menção da qualidade de gerente.
A menção implica a especificação da sociedade de que a pessoa invoca a gerência e só está perfeita se o tipo da sociedade for tornado claro, o que resulta da própria firma social.
Em actos escritos não é admitida a extensão prevista no §36º da GmbH que, além da menção expressa, permite que das circunstâncias se deduza ser vontade dos interessados que o negócio é celebrado para a sociedade (10) .
Em termos semelhantes pronuncia-se L. Brito Correia, escrevendo que a prática do acto em nome da sociedade exige apenas a referência à sociedade representada de modo inequívoco. Relativamente a actos não sujeitos a forma especial, tanto pode ser expressa, como resultar das circunstâncias do acto, nos termos gerais do regime de representação (11) .
Nem todos os autores se comprometem abertamente com esta interpretação e há quem não a siga, dela discordando de modo declarado.
Assim, recentemente, João Espírito Santo limita-se a dizer que a lei exige, além da assinatura do gerente, a indicação dessa qualidade, tendo esta a função de tornar claro que o acto é realizado para ser imputado à esfera jurídica da sociedade e não à do gerente. Sobre o tema refere o ac. da Rel. Évora de 14/05/1992, CJ XVII, 3, p.337(12) .
Pinto Furtado sustenta que a vinculação da sociedade resulta de o acto ser praticado em seu nome, não se exigindo palavras sacramentais, nome que não tem obviamente de ser invocado de forma expressa, podendo igualmente resultar das circunstâncias em que a assinatura pessoal do gerente foi subscrita ou o acto praticado(13).
Posteriormente, diz-nos que o nº4 do artº 260º do CSC não pode ser entendido em termos do puro formalismo mecânico, atentatório da boa fé negocial, e chama a atenção como pode haver autêntico "venire contra factum proprium" quando ocorre a falta de indicação e a qualidade de gerente é incontestável (14) .
Os desencontros entre a doutrina e a jurisprudência são normais, particularmente quando uma proposta doutrinal não é pacífica e se revela desadequada às realidades da vida, que os tribunais melhor conhecem, conduzindo-os a decisões que se mostram incompreensíveis e mesmo injustas aos olhos do cidadão comum em nome do qual administram a justiça.
A interpretação que circunscreve a indicação da qualidade de gerente às manifestações expressas no acto escrito desprotege a confiança no tráfico jurídico, não tutela a boa fé dos que negoceiam com a sociedade e permite a esta o subterfúgio de, quando lhe convier, se desvincular das obrigações que assumiu.
Não resulta da letra do nº4 do artº260º do CSC que a indicação da qualidade de gerente tem de ser necessariamente expressa, sendo irrelevante outra equivalente.
Se foi intenção do legislador afastar a solução do §36 da GmbH teria, naturalmente, escrito: "com a indicação expressa dessa qualidade" (15) (16).
Não o tendo feito, não pode pretender de quem julga que considere indispensável a indicação expressa, tanto mais que não se afigura razoável.
O pensamento legislativo objectivado no texto legal em questão tem suficiente suporte verbal para permitir que o intérprete conclua que a indicação da qualidade de gerente pode ser expressa ou tácita - artº9º, nº2, do C.Civil, ex-adversus
Conclusão que lhe faculta declarar o direito efectivo aplicável respeitando os limites dos possíveis sentidos da norma, com fidelidade à lei.
Exigindo a indicação da qualidade de gerente da sociedade, o nº4 do artº260º do CSC prevê a chamada "contemplatio domini", pressuposto do exercício dos poderes de representação, sem o qual os efeitos jurídicos se produzem na esfera jurídica de quem, embora tenha esses poderes (17), não revelou que agia em nome do representado.
Na Alemanha, além do §36 da GmbH, o §164 do BGB (C.Civil) prevê na representação não orgânica, que possa resultar das circunstâncias que
a declaração de vontade foi emitida em nome do representado. (18)
Fora da área germânica, e ali perto, mesmo sem previsão legal específica, admite-se em matéria de sociedades (e não só) que a "contemplatio domini" não exige formas sacramentais, podendo a relação representativa resultar do comportamento da sociedade e de outros elementos que a tornem manifesta aos olhos de terceiro (contemplatio per facta concludentia", isto é, tácita) (19) .
Não é assim herético sustentar que o nº4 do artº260º do CSC admite tanto a indicação expressa como a tácita.
Escreveu Ferrer Correia:
A assinatura do sacador deve constar das indicações objectivamente necessárias e suficientes para a identificação da sua pessoa, conforme os usos da vida e do comércio. O lugar é um qualquer, contanto que revele que aquela é a assinatura de quem sacou (20).
Da letra consta a identificação da sacadora e a assinatura do seu sócio e único gerente, com o elemento comum do nome (original) C.
Deixando aos olhos de um declaratário normal a impressão de uma relação de representação orgânica.
Considera-se aqui que, constituindo a literalidade dos títulos de crédito uma regra de protecção do tráfico jurídico, não vale com o sentido excessivo de impor a interpretação literal do texto(21).
Aos títulos de crédito aplicam-se portanto os princípios da interpretação da declaração negocial estabelecidos nos artºs 236º-238º do C.Civil.
Observe-se de resto, quanto à impressão do destinatário, como se harmoniza com o princípio da aparência jurídica e a tutela da confiança, basilares no direito cambiário.
"In casu", estamos perante relações imediatas, como é típico das que se estabelecem entre sacador e sacado.
Nascidas da relação fundamental entre os mesmos sujeitos invocada pela exequente, não havendo aqui controvérsia.
O rigor do formalismo cambiário destina-se essencialmente a proteger os interesses de terceiro pelo que não há - ou se há em muito escassa medida - justificação alguma para que as circunstâncias extracartulares não sejam consideradas nas relações "inter partes" para interpretar o título e corrigir o formalismo de acordo com a boa fé (22.
A ordem de pagamento contida no saque (artº2º-1, da LULL) só tem sentido para a sacada/aceitante se assinada pelo C em representação da sociedade de que é gerente.
A que propósito assinava a título pessoal se foi a sociedade quem negociou com a B?
É precisamente nas relações imediatas, como observa Pinto Furtado, que a exigência legal da menção da qualidade de gerente, entendida em termos formais rigorosos, se revela mais ofensiva da boa fé negocial.
O art. 217, n. 1, do C.Civil, considera tácita a declaração negocial que se deduz dos factos que, com toda a probabilidade, a revelam.
Há aqui uma inferência a partir de factos concludentes, que se aplica a actos e negócios jurídicos, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto.
Das declarações que constam do título executivo, e das suas circunstâncias, apreciadas na perspectiva do que acontece na "vida dos negócios" e de acordo com a impressão ao destinatário (artº236º do C.Civil) (23), afigura-se inequívoco que o C assinou a letra na qualidade de representante (gerente) da sociedade sacadora.
Indica a recorrente como violados os artºs10º e 200º do CSC e o artº25º da LULL.
Nenhum deles vem a propósito neste recurso.
Quanto ao art. 25 da LULL, cabe dizer que não está em causa o aceite da letra.
Curiosamente, a embargante não discutiu que aceitou a letra embora desta não conste que foi assinada em seu nome.
Concluindo:
Uniformizam a jurisprudência como se segue:
A indicação da qualidade de gerente prescrita no n. 4 do art. 260 do Código das Sociedades Comerciais, pode ser deduzida, nos termos do artº217º do Código Civil, de factos que, com toda a probabilidade, a revelem".
Negam a revista.
Condenam a recorrente nas custas.
Lisboa, 06 de Dezembro de 2001
Afonso de Melo, (Vencido)
Miranda Gusmão,
Moitinho de Almeida,
Joaquim de Matos,
Sousa Inês,
Fernandes Magalhães,
Nascimento Costa,
Tomé de Carvalho,
Ribeiro Coelho,
Lemos Triunfante,
Armando Lourenço,
Moura Cruz,
Barata Figueira,
Abílio Vasconcelos,
Duarte Soares,
Abel Freire,
Óscar Catrola,
Abílio Calheiros,
Ferreira de Almeida. (Com a seguinte declaração de voto:
" A fim de prevenir a tentação de fazer apelo a factos instrumentais exógenos - que poderia conduzir a uma plena subsevação do texto legal - aditaria à formulação proposta a seguinte expressão:
" se constantes do próprio escrito",
Lopes Pinto. (Com a declaração de voto do Exmo. Conselheiro Ferreira de Almeida).
Garcia Marques. (Com a declaração de voto do Exmo. Colega Conselheiro Ferreira de Almeida).
Dionísio Correia. (Com a declaração de voto do Exmo. Colega Ferreira de Almeida).
Neves Ribeiro. (Acompanho a declaração de voto do Conselheiro Ferreira de Almeida).
Azevedo Ramos. (com a declaração de voto do Exmo Conselheiro Ferreira de Almeida).
Silva Salazar (subscrevo a declaração de voto do Exmo. Conselheiro Ferreira de Almeida).
Araújo de Barros (Declaração de voto igual à do Conselheiro Ferreira de Almeida).
Oliveira Barros (acompanho a declaração de voto do r. Conselheiro Ferreira de Almeida).
Barros Caldeira (subscrevo a declaração de voto do Exmo. Conselheiro Ferreira de Almeida).
Ferreira Girão (subscrevo a declaração de voto do Exmo. Conselheiro Ferreira de Almeida).
Ferreira Ramos (vencido, nos termos da declaração de voto junta).

DECLARAÇÃO DE VOTO:
Com respeito, embora, pela orientação que fez vencimento - aliás, amplo -, continuo a propender para o entendimento que defendi em processos de que fui relator (Proc. n.780/98, de 5.11.98, BMJ, n. 481-498, e Proc. nº 435/99, de 22.6.99, CJSTJ, ano VII, tomo II-159).
Entendimento que pode ser sintetizado como segue.
A vinculação da sociedade por actos praticados pelos seus gerentes postula, para além da assinatura destes, uma referência inequívoca à representação da sociedade em causa.
Quanto se esteja perante actos que não obedeçam a forma especial, essa forma inequívoca tanto pode ser expressa, como ressaltar do circunstancialismo do próprio acto, de acordo com os princípios e termos gerais do regime de representação.
Mas tratando-se de actos sujeitos a forma escrita, essa forma inequívoca não pode deixar de consistir na aposição da assinatura do gerente "com indicação dessa qualidade" - conforme impõe o n. 4 do artigo 260º do CSC.
Concluía, pois, que a mera assinatura, sem mais - sem qualquer indicação da qualidade de gerente ou respeitante à especificação da sociedade - não é susceptível de vincular a sociedade.
Outra conclusão, que não esta, não tem na letra da lei um mínimo de correspondência verbal - n. 2 do artigo 9º do Código Civil, preceito que erige a letra da lei como ponto de partida de qualquer actividade interpretativa, cometendo-lhe um Função negativa: eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou, pelo menos, qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei (Batista Machado, "Introdução a Direito e ao Discurso Legitimador", 2ª reimpressão, Coimbra, 1987, pp. 187e segs.). Ou, como diz Oliveira Ascensão ("O Direito, Introdução e Teoria Geral", Lisboa, 1978, p. 350) "a letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação. Quer dizer que o texto funciona também como limite de busca do espírito".
Ora, o n. 4 do artigo 260º do CSC não se basta, patentemente, com a assinatura do gerente - exige, também e ainda, a "indicação dessa qualidade".
"Indicar", significa "designar", "mostrar", "enunciar", "mencionar".
"Dessa qualidade", reporta-se, claramente, à qualidade de gerente.
Como assim, e com o respeito devido, a posição que fez vencimento olvida, ou não confere o relevo devido, ao segmento final da norma interpretada.
No sentido para que nos inclinamos vai, aliás a orientação dominante da doutrina (Raul Ventura, "Comentário ao CSC", vol. III, 1991, pp. 171-172, Brito Correia, "Novas Perspectivas do Direito Comercial", 1988, p. 351, Rui Rangel, "A Vinculação das Sociedades Anónimas", edição Cosmos, 1998, pp. 58-61) e, também, da jurisprudência deste Supremo Tribunal.
Restará dizer que, para situações que o justifiquem, há sempre uma "válvula de segurança" - ou seja, nos casos em que o titular de um direito exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou e económico desse direito, é possível o recurso ao instituto do abuso do direito (artigo 334º do CC).
Pelo exposto, sucintamente, votei vencido.
Lisboa, 6 de Dezembro de 2001
Ferreira Ramos.
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(1) A questão é colocada aqui às avessas pois a exequente apresenta-se como credora e a executada/embargante como obrigada cambiária.
(2) Assim, e quanto a este Supremo, referindo os publicados de mais fácil consulta, v.g.os acórdãos de 07/10/1999, 28/11/1999 e 3/10/2000, respectivamente no BMJ 490p 280 e nas CJ VII,3,p.129 e VIII, 3, p.57.
(3) Assim, e quanto a este Supremo, referindo também os publicados de mais fácil consulta, v.g.os acórdãos de 05/11/1998 e 02/06/1999 e 22/06/1999, respectivamente nos BMJ 481 p.498 e 488 p.365 e na CJ VII, 2,p.159.
(4) Fórmula semelhante, mas sem referência aos actos escritos, foi usada no nº1 do artº409º do CSC.
(5) Artº3º, §1º, da LSQ, donde resulta que na denominação particular não figuram os nomes dos sócios.
(6) Decidiu o ac. do STJ de 09/03/1988 (BMJ 375 p.385) que, se uma livrança foi subscrita como sacador e aceitante, por um sócio gerente de uma sociedade por quotas, nada constando do título que o tenha feito nessa qualidade, apenas se colhendo do seu exame que o fez utilizando o nome próprio, fica apenas obrigado a título pessoal.
(7) O artº90º, nº2, antes da revisão artº89º, nº2, do anteprojecto, regulava o que hoje se dispõe nos nºs 1, 2 e 3 do artº260º .
(8) BMJ 327 p.43 e 198
O anteprojecto de Raúl Ventura não é seguramente o que vem publicado no BMJ 182 p.197 e segs., onde de resto nada se dizia em especial quanto à vinculação da sociedade pelos actos dos seus gerentes.
Desconhece-se assim o que dele constava e a sua motivação quanto à vinculação da sociedade pelos gerentes, em actos escritos.
O eterno problema dos tribunais que vêem o legislador ocultar-lhes sistematicamente as suas fontes de inspiração.
(9) Assim também A Pereira de Almeida, Sociedades Comerciais, p.106, e o referido acórdão deste Supremo de 05/11/1998.
(10) Sociedades por Quotas (1991), Vol.III, p.170 e 171.
(11) Vinculação da sociedade, in Novas Perspectivas do Direito Comercial, p.351.
(12) Sociedade por Quotas e Anónimas, (2000), p.470, nota 1278.
A singeleza da nota não nos permite afirmar que o autor só admita a indicação expressa da qualidade de gerente nos termos sustentados por Raúl Ventura.
(13) Código das Sociedades Comerciais, 4ª ed., p.244.
(14) Títulos de Crédito (2000), p.149-150. Esta última observação dirige-se à decisão deste Supremo de 22/06/1999.
(15) Ocorre-nos aqui uma observação sugestiva de Castro Mendes, que o tempo não nos permitiu localizar, considerando lei mental a intenção que o legislador reteve na sua mente sem expressão alguma no texto legal.
(16) A solução alemã insere-se no princípio geral de direito comercial de que a tutela do tráfico jurídico prevalece sobre a do representado, reflectido na Directiva Comunitária em matéria de sociedades comerciais, transposta para o CSC (sobre este princípio e a recusa de teoria "ultra vires", J. Espírito Santo, ob. cit, p.207 e seg).
(17) Quanto aos poderes de representação voluntária, Oliveira Ascensão e Carneiro da Frada admitem,
sem dificuldade, que eles podem resultar de uma procuração tácita nos termos do artº217º do C.Civil-RDE, XVI-XIX, p.47.
(18) Explicam Enneccerus-Nipperdey, Derecho Civil, Parte General (3ª ed.), 2º Vol., 1ª parte, p.431: Segundo as circunstâncias, entender-se-á que se actua em nome de outrem quando a outra parte conhece ou pode conhecer que quem age está ao serviço do representado e o negócio se inclui na área da actividade deste, não satisfazendo necessidades pessoais do representante. A relação entre o representante e o representado, conhecida da outra parte, é a circunstância que permite conhecer que se actua em nome alheio.
(19) Cfr. v.g., C.Silvetti-G-Cavalli, Le Società Per Azioni, Tomo 2, 2ª ed., p.382-383; U.Natoli, Rappresentanza (dir.priv.), ED XXX VIII, p.464-465, quanto à representação em geral.
F.Galgano, II Negozio Giuridico, p.342, coloca a questão da dificuldade da "contemplatio domini" tácita tratando-se de actos escritos.
O nº2 do artº217º do nosso Cód. Civil oferece uma solução simples - é necessário que os factos concludentes revistam a forma legal (v.g. o ac. deste Supremo de 25/03/1996, CJ IV, 1, p.155).
O mesmo é dizer que os factos concludentes devem constar do documento, servindo as circunstâncias envolventes para a sua interpretação.
20) Lições de Direito Comercial - Letra de Câmbio (1956), p.112-113.
(21) G.L. Pellizzi, Principi di diritto cartolare, p. 31, nota 69.
(22) A. Hueck-C.W. Canaris, Derecho de Los Títulos-Valor, p.93-94.
(23) 23 P. Mota Pinto, Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, p.755 e segs.; ac. do STJ de 24/10/2000, CJ VIII, 3, p. 93.