Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08P301
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ARMÉNIO SOTTOMAYOR
Descritores: HOMICÍDIO
HOMICÍDIO QUALIFICADO
HOMICÍDIO QUALIFICADO «ATÍPICO»
ASFIXIA
ESPECIAL PERVERSIDADE
ESPECIAL CENSURABILIDADE
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Nº do Documento: SJ20080703003015
Data do Acordão: 07/03/2008
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário :
I - O legislador, depois de, no art. 131.º do CP, proceder à descrição do tipo fundamental de homicídio, previu, no artigo seguinte, uma forma agravada de homicídio, fazendo uso da combinação de um critério generalizador – a especial censurabilidade ou perversidade – determinante dum especial tipo de culpa, com a técnica dos exemplos-padrão.
II - Segundo o MP recorrente, as circunstâncias susceptíveis de, no caso dos autos, indiciarem uma “especial censurabilidade ou perversidade” não integram nenhum exemplo-padrão; a agravação do crime seria obtida por aplicação directa do n.º 1 do art. 132.º do CP, constituindo um homicídio qualificado atípico.
III - Os exemplos-padrão têm uma função delimitadora dos casos atípicos, deles se devendo apreender “não apenas o seu especial grau de gravidade, mas também a sua própria estrutura valorativa” (Ac. de 15-05-2002, Proc. n.º 1214/02 - 3.ª). Por poder afectar o princípio da legalidade, não se permite, o “apelo directo à cláusula de especial censurabilidade ou perversidade, sem primeiramente a fazer passar pelo crivo dos exemplo-padrão e de, por isso, comprovar a existência de um caso expressamente previsto ou de uma situação valorativamente análoga” (Ac. de 13-07-2005, Proc. n.º 1833/05 - 5.ª).
IV -No caso em análise, o circunstancialismo que, segundo o recorrente, justifica a qualificação do crime resulta dos seguintes aspectos:
a) a primeira agressão, com uma garrafa de vidro, ter sido levada a efeito sem aviso prévio, quando o ofendido se encontrava de costas, sem possibilidade de defesa;
b) a asfixia da vítima, conseguida pela obstrução das vias respiratórias através da pressão da mão direita, ser demonstrativa de uma elevada insensibilidade do arguido perante a vida humana, que retirou à vítima, olhos nos olhos;
c) o furto de objectos pertencentes à vítima demonstrar que o arguido tem uma personalidade fria, calculista e insensível.
V - A atitude do agente é altamente reprovável, não só por pôr em causa o bem supremo que é a vida, mas também por a agressão, que culminou com a morte por asfixia, ter sido iniciada de surpresa, dificultando à vítima a possibilidade de defesa e colocando-a à mercê do arguido.
VI -Tal situação, não podendo ser tida como análoga à do exemplo-padrão da al. b), não mostrando uma grande persistência na intenção de matar, nem se tendo provado que a morte foi levada a cabo com o objectivo de facilitar a apropriação dos bens e dinheiro da vítima, não atinge o especial grau de censurabilidade ou perversidade que o legislador considerou inerente ao homicídio qualificado.
VII - Sendo a ilicitude muito elevada – a vítima, que conhecera o arguido alguns dias antes, vinha a ajudá-lo monetariamente; no dia do crime, acolheu o arguido em sua casa e proporcionou-lhe uma refeição –; o dolo, que é directo, muito intenso – colocado perante a proposta para a manutenção de relações homossexuais, o arguido ficou surpreendido, pediu algum tempo para pensar, mas depois, quando chamado pela vítima, acompanhou-a ao quarto, vindo a agredi-la com uma garrafa, quando a mesma se encontrava de costas –; os sentimentos manifestados no crime, de grande baixeza; as condições económicas do arguido, deficientes, vivendo da actividade de vendedor de ambientadores para automóveis; e tendo-se o arguido, após a prática do crime, apoderado de bens, documentos, cartões de crédito e de débito e do veículo automóvel da vítima, com o qual fugiu para o Porto e depois para Espanha; não tendo antecedentes criminais, nem confessado o crime, nem revelou arrependimento, a pena severa ser de 15 anos de prisão, próxima do respectivo limite máximo, respondendo às necessidades de prevenção geral, não ultrapassando o limite da culpa e respeitando as necessidades de prevenção especial.
Decisão Texto Integral:
Acórdão no Supremo Tribunal de Justiça:

1. Acusado pelo Ministério Público, AA, identificado nos autos, foi julgado pelo tribunal colectivo do 1º Juízo da comarca de Amarante, como autor de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132 nº 1 e 2 als. f) e g) do Código Penal, na pessoa de BB, em concurso real com um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº1, al. d), do Código Penal e de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto no art. 3º nº 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro. Por não se ter provada a circunstância que qualificava o crime de furto, foi este convolado para furto simples, de que , o arguido foi absolvido, dada a ilegitimidade do Ministério Público resultante de não ter sido exercido o direito de queixa. Foi condenado como autor material de um crime de homicídio do art. 131º do Código Penal, na pena de 11 anos de prisão e de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 120 dias de multa à razão diária de € 4,00, no montante total de € 480,00.
Restrito à matéria de direito, foi interposto recurso pelo Ministério Público, o qual se apresenta limitado ao crime de homicídio e visa a condenação do arguido pela prática do crime de homicídio qualificado atípico previsto no art. 132º nº 1 do Código Penal, em pena que o recorrente propõe que não seja inferior a 18 anos, ou, para o caso de se manter a qualificação dos factos como crime de homicídio simples, a aplicação de pena mais severa.
Também o arguido interpôs recurso, não da decisão condenatória, mas do despacho de fls 720 que não prorrogou o prazo para interpor recurso e apresentar a respectiva motivação por demora na entrega de cópia das cassetes que em que foi gravada a prova produzida na audiência. Tal recurso subiu à Relação do Porto, nos próprios autos, mas nesse Tribunal foi mandado separar, após o que foi julgado e considerado improcedente.
Por decisão do relator no Tribunal da Relação do Porto, logo após o despacho que ordenou a separação dos recursos, o processo principal baixou à 1ª instância, onde aguardou a decisão da Relação, só então tendo sido remetido ao Supremo Tribunal de Justiça.
O Ministério Público neste Tribunal, promoveu a realização da audiência.

2. O presente recurso vem interposto de decisão do tribunal colectivo proferida em 26 de Junho de 2007, quando ainda vigorava a redacção do Código de Processo Penal anterior à revisão operada pela Lei nº 48/2007, de 28 de Agosto.
Conforme entendimento deste Supremo Tribunal, ao recurso aplica-se a lei em vigor no momento da decisão de 1ª instância, que era também a que vigorava no momento em que o recurso foi interposto. Assim, o processamento do recurso será feito de harmonia com a anterior redacção do Código de Processo Penal, que é, de resto, mais garantística para os interesses do arguido do que a actual, pois, conforme foi afirmado noutro contexto, o direito de defesa do arguido ficou empobrecido pela circunstância de os recursos passarem a ser julgados em conferência, quando a audiência não tiver sido requerida, pela diminuição do número de adjuntos, só intervindo na conferência o presidente da secção, o relator e um adjunto e ainda por a apreciação do recurso poder ser decidida por decisão sumária e, mesmo havendo reclamação desta para a conferência, por não se exigir agora unanimidade no caso de rejeição por manifesta improcedência.

Realizou-se a audiência, com a produção de alegações orais pelo Ministério Público, que se pronunciou no sentido da procedência do recurso, considerando que a traição e deslealdade e o profundo desprezo pela vida humana são reveladores duma imagem global do facto agravada, tendo a defesa pedido que fosse feita Justiça.
Cumpre decidir.

3. Os factos que o tribunal colectivo considerou provados são os seguintes:
1. O arguido, cidadão romeno, emigrou para Portugal em finais do ano de 2005, não tendo residência fixa nem profissão, dedicando-se à venda de ambientadores para automóveis, o que fazia em diversos locais da cidade do Porto, junto de semáforos.
2. Pelo menos no início de Maio de 2006, na cidade do Porto, o arguido conheceu BB, solteiro, professor do ensino secundário, nascido a 31 de Julho de 1963, com residência habitual no Edifício S….. L…, bloco 4, 6º piso, S… L…., nesta cidade e comarca de Amarante.
3. Entre eles estabeleceu-se uma relação de amizade, passando então o arguido a visitar o BB em Amarante, pernoitando inclusive na sua casa.
4. Desde o início do relacionamento, para além dos contactos pessoais, o arguido e o BB também se contactavam pelo telefone, sendo que tais contactos se foram intensificando no decurso da relação.
5. Nesses contactos, invocando dificuldades económicas, era frequente o arguido pedir dinheiro ao BB e este corresponder ao pedido.
6. Em 9 de Maio de 2006, o BB enviou para o arguido, por vale postal e a partir da estação dos correios de Amarante, a quantia de 50,00 euros, que o arguido levantou na estação dos correios do Município do Porto.
7. Nesse mesmo dia, o BB, através do seu telemóvel (…….), efectuou para o telemóvel do arguido (…….) sete chamadas, recebeu deste nove mensagens escritas e enviou-lhe duas mensagens escritas.
8. No dia 10 de Maio de 2006 o BB enviou novamente para o arguido, a partir da estação dos correios de Amarante, um vale postal, no valor nominal de 20 euros, o qual também foi levantado por aquele na estação dos correios do Município do Porto.
9. Nesse dia mantiveram contacto, através dos respectivos telemóveis, por 11 vezes.
10. No dia 11 de Maio de 2006, no período compreendido entre as 9 horas 21’ e 11’’ e as 16 horas 53’ e 39’’, o arguido e o BB estabeleceram contacto, através dos respectivos telemóveis, 15 vezes.
11. Num desses contactos o arguido pediu mais uma vez ao BB para lhe enviar dinheiro através de vale postal.
12. O BB acedeu ao pedido e entre as 13.30 e as 14.00 horas desse dia 11 de Maio de 2006 deslocou-se à estação dos correios de Amarante, tendo enviado um vale postal no valor nominal de 35,00 euros, o qual foi levantado pelo arguido na estação dos correios do Município do Porto.
13. Pelas 16.00/ 16.30 horas desse mesmo dia 11 de Maio de 2006 o arguido encontrava-se na cidade de Amarante, tendo-se deslocado, na companhia do BB, ao “Restaurante R….”, sito em Santa Luzia, onde AA almoçou.
14. Pelas 19 horas, 42’ e 17’’, o arguido, através do seu telemóvel, efectuou uma chamada para o nº de telemóvel …… .
15. Cerca das 20/21 horas desse dia 11 de Maio, o arguido e o BB recolheram-se no apartamento deste último, sito no edifício S….. L…., bloco 4, 6º piso, nesta cidade de Amarante, onde jantaram.
16. Aí, depois da refeição, o BB sugeriu ao arguido para manterem relações sexuais e sexo oral.
17. Entretanto o BB foi arranjar a cama, enquanto o arguido permaneceu sentado no sofá da sala a ver televisão.
18. Cerca de uns minutos depois daquela conversa, o BB veio à porta do quarto e chamou pelo AA para ir ter com ele.
19. O arguido assim fez.
20. Quando ambos estavam no interior do quarto, o BB dobrado sobre a cama e o AA atrás de si, o arguido agarrou numa garrafa de ornamentação de vidro, apreendida nos autos (saco prova 022636), de cor azul, que estava pousada sobre a cómoda.
21. Com este objecto desferiu uma pancada na cabeça do BB, provocando-lhe uma ferida na linha média da região occipital com 5 centímetros de comprimento e hemorragia abundante.
22. Mercê desta agressão o BB caiu sobre a cama, ficando na posição de decúbito dorsal, e começou a gritar por socorro.
23. Após, o arguido debruçou-se sobre o BB e com a mão direita tapou-lhe a boca e o nariz, impedindo-o de respirar.
24. O arguido manteve-se nessa posição, com a mão direita a pressionar e a obstruir as vias respiratórias, até sentir que a vítima deixara de se mexer e que ficara completamente imobilizada, assim lhe provocando a morte.
25. A obstrução do nariz e da boca, impedindo o ar de entrar no aparelho respiratório, veio a determinar de forma directa e necessária a morte do BB.
26. De seguida, o arguido dirigiu-se à sala e do interior da mochila pertença da vítima, a qual se encontrava em cima da mesa, apoderou-se das chaves do veículo de matrícula …-…-…, marca Lancia, modelo Y, de dois telemóveis, um de marca Nokia e outro de marca Samsung, com os IMEI ………. e ………….., respectivamente, de uma carteira que continha documentos pessoais, cartões de crédito/débito e ainda um fio e uma medalha em ouro, tudo em valor que não foi possível apurar.
27. Abandonou a habitação na posse destes bens e dirigiu-se à Rua …….., nesta cidade de Amarante, local onde estava estacionado o veículo de matrícula …-…-…, ligeiro de passageiros, pertença do BB, cujo valor não foi possível apurar.
28. Abriu a porta, meteu as chaves na ignição e arrancou dali em direcção à cidade do Porto, apesar de não ser titular de carta de condução.
29. Pelas 23 horas, 16 ’ e 21 ’’o arguido telefonou para o nº …… através do telemóvel pertença do BB (……).
30. O arguido deslocou-se no dia 11 de Maio de 2006, após as 23.20 horas, à residência da testemunha D. B., na Travessa dos ……., nº ….., cidade do Porto, a quem vendeu o telemóvel de marca Nokia e o fio de ouro, pela quantia de 70,00 euros. Alegou, na altura, que o telemóvel era dele e o fio da companheira.
31. No dia seguinte, 12 de Maio de 2006, arrancou para Espanha ao volante do veículo pertença da vítima, por onde permaneceu pelo menos até ao dia 25 de Maio, altura em que foi interceptado pelas autoridades da cidade de Badalona, a conduzir sem carta de condução, tendo então a viatura sido rebocada para o depósito daquela localidade.
32. O arguido agiu com intenção de provocar a morte do BB, o que conseguiu, com a utilização, no início, de um instrumento de fácil manuseamento e de características contundentes.
33. O arguido conduziu o veículo automóvel de matrícula …-…-…, mas não possui carta de condução que lhe permita conduzir veículos automóveis.
34. O arguido agiu com o propósito, concretizado, de se apropriar da viatura, dos telemóveis, dos cartões de crédito/débito e do fio e medalha de ouro, sabendo que não lhe pertenciam e que agia contra a vontade do seu legítimo dono.
35. Em todas as descritas condutas, o arguido agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, com conhecimento da proibição e punibilidade das mesmas por lei.
36. Na venda de ambientadores para automóveis o arguido obtinha rendimento mensal cujo montante exacto não foi possível apurar em concreto, mas não inferior a cerca de 700 euros por mês.
37. Por vezes dormia numa pensão, despendendo na mesma 5 euros por cada dia de dormida.
38. A sua esposa é doméstica e reside na Roménia, juntamente com os 3 filhos do casal, todos menores.
39. O arguido enviava semanalmente para a Roménia, a fim de contribuir para as despesas do agregado familiar, a quantia de cerca de 100 a 150 euros.
40. Tem como habilitações literárias o 8º ano de escolaridade.
41. Não lhe são conhecidos antecedentes judiciários.

E foram considerados não provados os factos seguintes:
- Pelas 19 horas, 42’ e 17’’ do dia 11 de Maio de 2006 o arguido telefonou a A. S., pedindo-lhe emprestado 200,00 euros, alegando que se destinavam a despesas com um contrato de trabalho. Porém, tal pretensão não foi atendida.
- O BB prometeu ao arguido, em troca da prática de sexo oral, uma determinada quantia em dinheiro, a qual não foi apurada ao certo nos autos.
- O arguido telefonou a A. S. através do telemóvel pertença do BB, marca Nokia, propondo-se a venda por 300,00 euros do veículo Lancia, modelo Y, o que ele não aceitou.
- O arguido provocou a morte do BB com o objectivo de facilitar a apropriação dos bens deste e de dinheiro.

5. Apesar de constar da acusação que o homicídio praticado pelo arguido seria qualificado pelas alíneas f) e g) do nº 2 do art. 132º do Código Penal, o Ministério Público aceita a decisão do tribunal colectivo que entendeu que não se mostram preenchidos os requisitos das referidas alíneas.
Defende, todavia, o recorrente que, atenta a matéria provada nos pontos 20 a 28 e 34, a conduta do arguido revela especial censurabilidade ou perversidade, o que, por si só, permite qualificar o crime de homicídio. Para tanto, apresenta a seguinte argumentação:
Três circunstâncias concorrem para que se deva considerar a conduta do arguido como qualificando o crime de homicídio praticado na pessoa do professor BB.
Antes porém, importa salientar, aquilo que nos parece pacífico para a doutrina e jurisprudência, de que a enumeração das circunstâncias susceptíveis de revelar especial censurabilidade ou perversidade previstas no nº 2 do artigo 132.° do Código Penal, é meramente exemplificativa e não taxativa, pelo que outras circunstâncias existem, para além das aí enumeradas, que podem qualificar o crime de homicídio.
Tais circunstâncias são:
a) A agressão que o arguido levou a cabo com a garrafa de vidro, verificou-se sem aviso prévio e quando a vítima se mostrava de costas, ou seja, sem possibilidade de defesa. Isto mostra o carácter traiçoeiro e altamente censurável, com que o arguido agiu.
b) Ao asfixiar a vítima, pressionando com a mão direita e obstruindo as vias respiratórias até sentir que a vítima deixara de se mexer, demonstra o arguido uma elevada insensibilidade para com a vida humana, pois mostra uma forte vontade de tirar a vida a alguém, já que a acção se prolonga por alguns minutos, com contacto físico e olhos nos olhos com a vítima a vê-la morrer lentamente e com as próprias mãos.
c) O furto de vários objectos pertencentes à vítima, precisamente no momento a seguir a lhe ter tirado a vida, demonstra uma personalidade fria, calculista e uma vez mais insensível do arguido.
Acrescenta, subsidiariamente, como revelador de um maior desvalor da acção do arguido, o facto de entre a vítima e o arguido se ter gerado uma amizade e de a vítima estar a ajudar o arguido há cerca de duas semanas, nomeadamente dando-lhe dinheiro, como resulta dos pontos 2 a 15 dos factos provados.

6. Depois de, no art. 131º do Código Penal, proceder à descrição do tipo fundamental ou matricial de homicídio, o legislador, no artigo seguinte, previu uma forma agravada de homicídio, fazendo uso da combinação de um critério generalizador – a especial censurabilidade ou perversidade – determinante dum especial tipo de culpa, com a técnica dos exemplo-padrão.
Refere o Prof. Figueiredo Dias (Comentário Conimbricense ao Código Penal,, I, pág. 26) que “a qualificação deriva da verificação de um tipo de culpa agravado, assente numa cláusula geral extensiva e descrito com recurso a conceitos indeterminados: a «especial censurabilidade ou perversidade» do agente”, conceitos a que se acede através de uma ponderação global das circunstâncias externas e internas presentes no facto concreto.
Considerando que o qualificativo “especial” se refere tanto à censurabilidade como à perversidade, Teresa Serra (Homicídio Qualificado – Tipo de Culpa e Medida da Pena, pág. 63) densifica os conceitos de seguinte modo: “A ideia de censurabilidade constitui o conceito nuclear sobre o qual se funda a concepção normativa da culpa. Culpa é censurabilidade do facto ao agente, isto é, censura-se ao agente o ter podido determinar-se de acordo com a norma e não o ter feito. No art. 132º, trata-se duma censurabilidade especial: as circunstâncias em que a morte foi causada são de tal modo graves que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores. Nesta medida, pode afirmar-se que a especial censurabilidade se refere às componentes da culpa relativas ao facto, ou seja, funda-se naquelas circunstâncias que podem revelar um maior grau de culpa como consequência de um maior grau de ilicitude.
Com a referência à especial perversidade, tem-se em vista uma atitude profundamente rejeitável, no sentido de ter sido determinada e constituir indicio de motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade. ... Especialmente perversa, especialmente rejeitável será então a atitude na qual as tendências egoístas ganharam um predomínio quase total e determinaram quase exclusivamente a conduta do agente.”
Através deste método é concedida ao julgador uma maior flexibilidade na valoração do caso concreto, a qual vem sendo feita, pela jurisprudência com “uso moderado e criterioso, impeditivo da multiplicação ad nauseam das hipóteses respectivas” (Figueiredo Dias, Comentário, I, pág. 26) e cujo repositório, fruto duma cuidadosa recolha, se pode encontrar no recente acórdão de 02-04-2008 – proc. 4730/07-3, relatado pelo Conselheiro Raul Borges.

7. Segundo o Ministério Público recorrente, no caso dos autos as circunstâncias susceptíveis de indiciarem uma “especial censurabilidade ou perversidade” não integram nenhum exemplo-padrão. Com efeito, o recorrente não põe em causa que a qualificação não seja levada a efeito através das als. f) e g) do nº 2 do art. 132º do Código Penal que constavam da acusação, exprimindo mesmo neste aspecto concordância com a decisão do colectivo que julgou não se mostrarem preenchidos aqueles requisitos. A agravação do crime seria, portanto, obtida por aplicação directa do preceito do nº 2 do art. 132º do Código Penal, constituindo um homicídio qualificado atípico.
Tal entendimento, considerado pela doutrina como fonte de muitas incertezas, depara com dificuldades, como a referida por Teresa Serra (op.cit., pág. 70/71), de “a ausência de qualquer das referidas circunstâncias [isto é, das circunstâncias legalmente descritas] indicia[r] a inexistência da especial censurabilidade ou perversidade do agente. Logo, indicia que o caso se deve subsumir no art. 131º.” E acrescenta: “Só circunstâncias extraordinários ou um conjunto de circunstâncias especiais que assentam num aumento essencial da licitude e/ou da culpa e que sejam expressivas do leitbild dos exemplos-padrão, podem levar à afirmação da existência de especial censurabilidade ou perversidade do agente”, não sendo suficiente para tanto um mero aumento da culpa para justificar a diferença de grau existente entre o homicídio simples e o homicídio qualificado.
Num bosquejo pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça é possível encontrar casos em que se decidiu pela qualificação do homicídio apesar de os factos concretos não autorizarem a julgar verificada a subsunção em exemplos-padrão. Assim sucedeu numa situação em que o agente, depois de ameaçar a vítima com uma faca, lhe apertou violentamente o pescoço por duas vezes, acabando por a estrangular com um cinto, o que foi considerado revelador de frieza e ausência de sentimentos e insistência em tirar a vida à vítima, que seriam circunstâncias abrangidas pela fórmula legal “entre outras” (ac. 08-04-1987, BMJ, 366, 280); também num caso em que foram desferidas facadas de modo traiçoeiro (ac. 22-03-1989, Tribuna da Justiça, nº4.5, 1990, pág. 284); bem como no acórdão de 03-04-1991 (BMJ, 406, 314), onde se julgou verificada uma especial perversidade por via da intensa reprovação decorrente de a vítima ser mulher do arguido, que assim violou gravemente os deveres de respeito e de cooperação impostos pela lei civil; por sua vez, no acórdão 07-05-1992 (BMJ, 417, 297), afastada a circunstância da existência de motivo fútil, julgou-se que o número e diversidade de instrumentos utilizados, a persistência da acção criminosa e o grau de parentesco (sobrinho/tia) revelam especial censurabilidade e perversidade, confirmadas pela circunstância de, em audiência, o arguido, tendo confessado os factos, não se ter mostrado particularmente arrependido de os ter praticado; ou, no ac. de 09-02-2000 (BMJ, 494, 207), em que, não tendo sido dada como demonstrada a frieza de ânimo, considerou revestida de especial censurabilidade a conduta que consistiu em efectuar quatro disparos sobre a vítima, dois deles à queima-roupa, usando arma de fogo que o arguido manejava profissionalmente, encontrando-se a vítima sob o efeito do álcool, desinteressando-se o arguido do estado em que a deixou, atingida em órgãos vitais, o que revela completa insensibilidade, roçando mesmo total desprezo pela vida humana, bem como em situações em que foi tida a realização do facto foi tida como especialmente desvaliosa (ac. de 28-02-2002 – proc- 226/02-5 e de 30-10-2003, -proc-. 3252/03-5). Algumas destas decisões sofreram duras críticas da doutrina, que propugnava uma interpretação mais restritiva do preceito do art. 132º nº1 do Código Penal.
A par desta corrente, formou-se na jurisprudência uma outra, mais próxima das reflexões doutrinais, em que se atribui aos exemplos-padrão uma função delimitadora dos casos atípicos, deles se devendo apreender “não apenas o seu especial grau de gravidade, mas também a sua própria estrutura valorativa” (ac. de 15-05-2002 – proc. 1214/02-3). Por poder afectar o princípio da legalidade, não se permite, portanto, o “apelo directo à cláusula de especial censurabilidade ou perversidade, sem primeiramente a fazer passar pelo crivo dos exemplo-padrão e de, por isso, comprovar a existência de um caso expressamente previsto ou de uma situação valorativamente análoga.” (ac. de 13-07-2005, proc. 1833/05-5, relatado pelo Conselheiro Rodrigues da Costa e no qual o ora relator foi adjunto).
Esta nos parece a melhor doutrina. Conforme se escreveu nesse aresto, “a ocorrência destes exemplos não determina por si só e automaticamente, a qualificação do crime; assim como a sua não verificação não impede que outros elementos possam ser julgados como qualificadores da culpa, desde que sejam substancialmente análogos aos legalmente descritos.” Tal como se afirmou no acórdão de 23-05-2002 - proc. 2709/02, relatado pelo Conselheiro Pereira Madeira, “o recurso à figura do homicídio qualificado atípico há-de ser levado a cabo com alguma parcimónia, pois, no fim de contas, ‘é de facto uma ousadia criar homicídios qualificados...sobretudo na base da pirâmide normativa, onde actua o juiz, confrontado com o caso concreto e sem a legitimação (...) parlamentar em última instância, que tem o legislador penal’ (Margarida Margarida Silva Pereira, Direito Penal II - Os Homicídios, 1ª edição, pág. 67) e não é menos verdade que ‘a exigência de um grau especialmente elevado de ilicitude ou de culpa, para se poder afirmar um homicídio qualificado atípico, constitui um importante critério quanto à decisão a tomar relativamente a casos cuja pena concreta se venha a situar no âmbito de justaposição das molduras penais do tipo simples e do tipo qualificado’ e, que, ‘com estas exigências, parece posta de parte qualquer possibilidade de multiplicação de casos de homicídio qualificado atípico’ (Teresa Serra, Homicídio Qualificado – Tipo de Culpa e Medida da Pena, pág. 75)”.

8. Volvendo ao caso em análise, verifica-se que na tese do recurso, o circunstancialismo que justifica a qualificação do crime resulta dos seguintes aspectos:
- a primeira agressão, com um garrafa de vidro, ter sido levada a efeito sem aviso prévio, quando o ofendido se encontrava de costas, sem possibilidade de defesa;
- a asfixia da vítima, conseguida pela obstrução das vias respiratórias através da pressão da mão direita, ser demonstrativa de uma elevada insensibilidade do arguido perante a vida humana, que retirou à vítima, olhos nos olhos;
- o furto de objectos pertencentes à vítima demonstrar que o arguido tem uma personalidade, fria, calculista e insensível.
Estas circunstâncias são suficientes, segundo o Ministério Público, para ser dada como provada a especial censurabilidade ou perversidade.
Como se referiu, trata-se de circunstâncias reportadas à culpa. Por isso, conforme refere o Prof. Figueiredo Dias, (Comentário Conimbricense, I, pág. 43), “o que o aplicador tem de fazer é partir da situação tal como ela foi representada pelo agente. E a partir dela perguntar se a situação, tal como foi representada corresponde a um exemplo-padrão ou a uma situação substancialmente análoga; e se, em caso afirmativo, se comprova uma especial censurabilidade ou perversidade do agente.”
Nessa busca, não pode, para tanto, ser olvidado que “qualquer homicídio simples, enquanto lesão do bem jurídico fundamental que é a vida humana revela já a censurabilidade ou perversidade do agente que o comete. No homicídio qualificado, o que está em causa é uma diferença essencial de grau que permite ao juiz concluir pela aplicação do artigo 132º ao caso concreto, após a ponderação da circunstância indiciadora presente ou outra circunstância susceptível de preencher o Leitbild dos exemplos-padrão”. (Teresa Serra, op.cit., pág. 64), ou, segundo Figueiredo Dias, “o que motiva a agravação … tem a ver com a maior desconformidade que a personalidade manifestada no facto possui, face à suposta e querida pela ordem jurídica, em relação à desconformidade, já de si grande, da personalidade subjacente à prática de um homicídio simples”. («Homicídio qualificado», Colectânea de Jurisprudência, ano XII – 1987, tomo 4, pág, 52).
A atitude do arguido é altamente reprovável, não só por pôr em causa o bem supremo que é a vida, mas também por a agressão, que culminou com a morte por asfixia, ter sido iniciada de surpresa, dificultando à vítima a possibilidade de defesa e colocando-a à mercê do arguido. Contudo, tal situação não pode ser tida como análoga à do exemplo padrão da al. b) - praticar o facto contra pessoa particularmente indefesa, em razão da idade, deficiência, doença ou gravidez – pois, como se refere no Comentário Conimbricense, a estrutura valorativa deste exemplo-padrão encontra-se ligada a uma situação de desamparo da vítima, que no presente caso não se verifica, tanto mais que o próprio recorrente indica como circunstância agravativa a circunstância de a vítima vir amparando materialmente o arguido.
Relativamente à morte por asfixia, reveladora de “elevada insensibilidade para com a vida humana, mostrando uma grande persistência na intenção de matar, com contacto físico e olhos nos olhos com a vítima” como refere o Ministério Público, tal circunstância, só por si, não permite a qualificação do crime. Desde logo porque, atentando nos factos, não se lobriga uma persistência na intenção de matar, que é geralmente associada à utilização de diversos meios ou instrumentos para conseguir a morte. Acresce que, como se considerou no acórdão deste Supremo Tribunal de 07-10-1998 - proc. n.º 823/98-3, “do ponto de vista da ilicitude, não deve qualificar-se como modo de execução particularmente mais grave do que o suposto pelo legislador para a generalidade dos homicídios simples, o estrangulamento da vítima pelos meios mais previsíveis - as mãos do arguido e, depois, por assim não ter logrado o seu objectivo, um cinto de roupão que se encontrava ao alcance deste -, de uma forma rápida e directa, não infligindo àquela mais sofrimento do que o necessário para lhe pôr termo à vida.”
Finalmente, a circunstância de o arguido se ter apropriado de bens da vítima também não tem capacidade qualificadora do crime, uma vez que não se provou que a morte foi levada a cabo com o objectivo de facilitar a apropriação dos bens deste e de dinheiro, o que determinou, com concordância expressa do recorrente, o afastamento do exemplo-padrão da al. f).
Não sendo possível integrar, a conduta do arguido integradora, memo através do recurso à analogia, em nenhum dos exemplos-padrão, haverá que reconhecer que não foi atingido o especial grau de censurabilidade ou perversidade que o legislador considerou inerente ao homicídio qualificado.
Improcede, portanto, nesta parte o recurso.

9. O Ministério Público, na conclusão 5ª, sustenta que “independentemente da qualificação jurídica dos factos dado como provados, a pena de 11 anos de prisão aplicada ao arguido, mostra-se diminuta e desadequada relativamente à sua culpa que é muito grande, à gravidade dos factos praticados que é a maior e às elevadas necessidades de prevenção geral que o crime de homicídio convoca.”
Tendo o recorrido sido condenado pela prática dos crime de homicídio e de condução de veículo sem habilitação legal, apenas vem impugnada a pena relativa ao primeiro dos mencionados crimes.
Nos termos do art. 403º do Código de Processo Penal, é admissível a limitação do recurso a uma parte da decisão, sendo considerada autónoma a parte da decisão que, em caso de concurso de crimes, se refira a cada crime.
Encontrando-se o recurso limitado ao crime de homicídio, não há, portanto, que tomar posição quanto à condenação pelo crime de condução de veículo sem habilitação legal.

10. O crime de homicídio do art. 131º do Código Penal é punível com pena de 8 a 16 anos de prisão.
A determinação da pena concreta dentro dos limites da moldura penal abstracta obedece a parâmetros rigorosos, que têm como elementos nucleares de referência a prevenção e a culpa, reconduzindo-se à temática do fim das penas.
Segundo o art. 40º do Código Penal, a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo, em caso algum, a pena ultrapassar a medida da culpa. A pena assume, assim, como finalidade última, para a qual todas as outras convergem, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, ou seja, finalidades de prevenção. Conceito que compreende a prevenção geral, não já no sentido negativo, como intimidação do delinquente, o qual pressupõe a aplicação de penas severas, mas antes como prevenção positiva ou de integração, entendida como o reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma que protege os bens jurídicos, bem como a prevenção especial de socialização do delinquente, ou seja de reintegração do agente na sociedade.
A necessidade de tutela de bens jurídicos, que assume um significado prospectivo traduzido na tutela das expectativas da comunidade na manutenção, senão mesmo reforço, da vigência da norma infringida, há-de constituir um acto de valoração em concreto que o julgador deve levar a efeito tendo em vista as circunstâncias do caso. Como adverte o Prof. Figueiredo Dias (Direito Penal Português – Parte II – As consequências jurídicas do crime, pág. 241) trata-se de “determinar as exigências que ressaltam do caso sub iudice, no complexo da sua forma concreta de execução, da sua específica motivação, das consequências que dele resultaram, da situação da vítima, da conduta do agente antes e depois do facto, etc.”. Estabelecer-se-á deste modo, “o quantum de pena indispensável para que se não ponham irremediavelmente em causa a crença da comunidade na validade de uma norma e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais” (op.cit, pág. 243), o que não significa que não tenha de que fazer coincidir esse quantum de pena necessário para, em concreto, restabelecer aquela mesma confiança com o mínimo da pena pensado, em abstracto, pelo legislador para preservar a confiança da comunidade na vigência de uma norma relativa a um certo tipo de factos. Tal metodologia permite encontrar uma medida óptima de tutela dos bens jurídicos e da expectativas comunitárias consentida pela culpa, medida que admite a existência gradativa de pontos inferiores, em que aquela tutela é ainda efectiva, até se atingir o limiar mínimo abaixo do qual a fixação da pena perde, face à comunidade, a sua função tutelar. Entre aquele ponto óptimo e este limiar mínimo há-de ser fixada a medida concreta da pena com recurso às razões de prevenção especial de socialização, sempre na mira de evitar a quebra da inserção social do agente, antes levando à sua reintegração na sociedade, e sem esquecer que, por mais fortes que sejam as razões da prevenção, nunca por nunca pode ser ultrapassada a medida da culpa, em, homenagem ao princípio da dignidade da pessoa humana, pois o condenado jamais pode servir de instrumento às exigências de prevenção.
Como forma de o julgador atingir tal desiderato, o Código Penal estabelece, no nº 2 do do artigo 71º do Código Penal, de modo genérico, que, na determinação da pena, o tribunal atenderá a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, indicando, numa enumeração não exaustiva, o grau de ilicitude do facto; a intensidade da culpa; os sentimentos manifestados no cometimento do crime; as condições pessoais do agente; a conduta anterior e posterior ao facto; a falta de preparação para manter uma conduta lícita.

No caso em apreço, a ilicitude é muito elevada. A vítima, que conhecera o arguido alguns dias antes, vinha a ajudá-lo monetariamente. No dia do crime, acolheu o arguido em sua casa, proporcionando-lhe uma refeição. Propôs-lhe a prática de actos de natureza sexual. Segundo o auto de reconstituição do crime – que, em conjugação com a prova testemunhal, os autos de apreensão e a prova pericial subsequente, designadamente os exames periciais juntos, foram os elementos determinantes para a formação da convicção do tribunal, como se refere na fundamentação de facto da decisão recorrida, por o tribunal não ter acreditado na versão dos factos relatada pelo arguido em sede de julgamento –, tal proposta causou surpresa ao arguido, que pediu algum tempo para pensar, mas, depois, quando chamado pela vítima, acompanhou esta ao quarto. “Quando ambos estavam no interior do quarto, o BB dobrado sobre a cama e o AA atrás de si, o arguido agarrou numa garrafa de ornamentação de vidro … e, com este objecto desferiu uma pancada na cabeça do BB, provocando-lhe uma ferida na linha média da região occipital”. Existe nesta agressão um factor surpresa, que aumenta em muito a ilicitude do comportamento delituoso do arguido, porque dificultou significativamente a possibilidade de a vítima se defender. A essa primeira agressão, seguiram-se os actos que provocaram a asfixia da vida e que culminaram com a sua morte.
O dolo, que é directo, é muito intenso. Colocado perante a proposta para a manutenção de relações homossexuais, o arguido formulou o propósito de matar a vítima, aproveitando-se para tanto do momento em que ela estava numa situação de maior vulnerabilidade.
Os sentimentos manifestados no crime são de grande baixeza. O arguido vinha sendo ajudado pela vítima, de quem obteve diversas importâncias em dinheiro.
As condições económicas do arguido são deficientes, vivendo da sua actividade de vendedor de ambientadores para automóvel, actividade de que auferia cerca de 700 euros por mês, de que remetia semanalmente para a Roménia, onde vivem a mulher e três filhos menores do casal, de 100 a 150 euros.
Após a prática do crime, apoderou-se de bens e documentos pertencentes à vítima, nomeadamente de objectos em ouro, de dois telemóveis, de cartões de crédito e de débito e do seu próprio automóvel, que utilizou para a fuga, inicialmente para o Porto e depois para Espanha, tendo, assim, o comportamento posterior ao crime revelado ter o arguido uma personalidade fria e calculista.
Não são conhecidos antecedentes judiciários.
Não confessou o crime de homicídio, nem revelou arrependimento
Face a todo o descrito circunstancialismo, a pena terá necessariamente de situar-se na metade superior da moldura abstracta, aproximando-se mesmo do seu máximo, respondendo, desse modo, às necessidades de prevenção geral, que no crime de homicídio são muito elevadas por ter sido violado o bem jurídico supremo, que é a vida humana, necessidades que são satisfeitas com uma pena de 15 anos de prisão, que não ultrapassa o limite da culpa e respeita as necessidades de prevenção especial.

Termos em que, após audiência, acordam no Supremo Tribunal de Justiça em dar provimento parcial ao recurso do Ministério Público, alterando a pena aplicada ao arguido pelo crime de homicídio, que se fixa em 15 (quinze) anos de prisão, no mais se mantendo a condenação.
Sem custas por delas estar isento o Ministério Público (art. 2º al a) do C.C.J.), bem como o arguido, por não ser recorrente nem ter respondido ao recurso do Ministério Público (art. 75º al. b) do C.C.J.).

Lisboa, 3 de Julho de 2008

Arménio Sottomayor (Relator)
Souto Moura
António Colaço
Soares Ramos ("Vencido quanto à qualificação. Existindo, do meu ponto de vista, bem mais do que o simples «factor surpresa» nomeado no projecto, pois se me afigura acrescer-lhe uma vil quebra de relação de confiança e amizade (até intimidade), qualificaria o homícidio, à luz do art. 132º, nº 2, alíneas f) e g) C.P 1995 (meio insidioso e frieza de ânimo), fixando a pena, também, em 15 (quinze) anos de prisão. Quando não assim especificamente qualificado, sempre o faria na base da "noção do tipo expressivo" contida no corpo do citado nº 2 do art. 132º, no entendimento de que, no caso, como se exige na referida obra de Teresa Serra (1990, 71), "a estrutura valorativa e o grau de gravidade do facto em apreço corresponde ao Leitbild dos exemplos padrão")