Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | NUNO CAMEIRA | ||
| Descritores: | ACÇÃO POPULAR TELEFONE TAXA LEGITIMIDADE ACTIVA INTERESSES DIFUSOS TUTELA | ||
| Nº do Documento: | SJ200310070012436 | ||
| Data do Acordão: | 10/07/2003 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
| Processo no Tribunal Recurso: | 3724/02 | ||
| Data: | 11/12/2002 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA. | ||
| Sumário : | I - A fixação de preços no serviço público do telefone fixo tem que obedecer aos limites legais estabelecidos no DL n.º 207/92, de 02-10, no DL n.º 240/97, de 18-09, na Lei n.º 23/96, de 26-07 e no DL n.º 40/95, de 15-02. II - Este regime legal visa a defesa dos interesses dos consumidores, que são, neste caso, todas as pessoas individuais ou colectivas a quem é prestado pela Ré (a Portugal Telecom) o serviço público de telefone fixo, em regime de concessão exclusiva. III - Um dos instrumentos para se obter a protecção eficaz dos consumidores é a Convenção de Preços, a celebrar obrigatoriamente de 3 em 3 anos, envolvendo o Estado, o Instituto das Comunicações de Portugal e a Portugal Telecom. IV - No que se refere aos preços, a Convenção deve obediência a três princípios fundamentais fixados nos diplomas referidos em I: orientação para os custos, não discriminação e transparência. V - A Convenção de Preços para o triénio 1998/2000 define três diferentes preços: o impulso, a taxa de assinatura e a taxa de instalação. VI - A taxa de activação é ilegal porque não está prevista na Convenção e porque não integra a unidade de medida da comunicação telefónica ali definida. VII - Com efeito, mediante a taxa de activação o preço da chamada telefónica, em vez de ser medido pelo impulso, passa a conter dois elementos: um elemento fixo, que é a activação da chamada, e um elemento variável, que é o impulso. VIII - O pedido de restituição aos clientes das importâncias cobradas a título de taxa de activação é processualmente admissível e viável do ponto de vista do direito substantivo, no quadro duma acção popular, intentada com base na Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto. IX - Tal pedido apresenta-se como a consequência inerente à declaração da ilegalidade da taxa de activação, constituindo um seu efeito condenatório. X - A sua procedência não se funda no disposto no art.º 22, n.º 2, da Lei n.º 83/95, porque a indemnização prevista neste normativo só tem lugar quando os interesses violados são interesses difusos propriamente ditos e não, como sucede no caso presente, interesses individuais homogéneos, ou seja, interesses de titulares, se não identificados, pelo menos perfeitamente identificáveis: os assinantes do serviço fixo de telefone que, no período considerado, pagaram a taxa de activação. XI - No art.º 22, da Lei n.º 83/95 estabelece-se um regime cumulativo de responsabilidade civil subjectiva, que permite aos lesados obter, verificados os respectivos pressupostos, uma indemnização, mas não impede a concretização de outras formas de tutela dos seus direitos, considerando a natureza específica das relações de consumo. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Relatório A Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor-Deco, intentou acção popular com processo ordinário contra a Portugal A, SA, pedindo a condenação da ré a sustar, de imediato, a cobrança da taxa de activação prevista no tarifário para 1999, bem como a restituir a todos os clientes as importâncias cobradas a esse título. Contestada a acção, por excepção e por impugnação, foi proferido despacho saneador sentença que, julgando a acção procedente, condenou a ré a restituir aos assinantes os valores cobrados a título de taxa de activação durante o ano de 1999. A ré apelou. Por acórdão de 12.11.02 a Relação de Lisboa: a) Negou provimento a um agravo interposto pela ré no decurso do processo, confirmando, assim, a decisão que indeferira a suspensão da instância oportunamente pedida pela recorrente; b) Negou provimento à apelação, confirmando a sentença. Mantendo-se inconformada, a ré pede revista, formulando conclusões em que levanta as seguintes questões de direito, a apreciar por este Tribunal: Primeira: a de saber se a activação da chamada é ilegal; Segunda: a de saber se a consequência da eventual ilegalidade da activação consiste na obrigação de restituir aos assinantes os montantes cobrados a tal título, nos termos do artº 22º da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto. Na tese da recorrente, que com as suas alegações juntou um parecer jurídico da autoria do Professor Doutor Lebre de Freitas, o acórdão da Relação deve ser revogado e ordenada a ampliação da matéria de facto, nos termos do artº 729º, nº 3, do CPC, em ordem a constituir base de facto suficiente para a decisão daquelas duas questões de direito. A autora contra alegou, sustentando a confirmação do julgado. Fundamentação I. Através da presente acção, intentada com base na Lei 83/95, de 31 de Agosto, que definiu os termos em que é conferido e pode ser exercido o direito de acção popular para a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções previstas no nº 3 do artº 52º da Constituição, a autora teve em vista demonstrar a ilegalidade da chamada taxa de activação (de ora em diante, taxa) prevista no tarifário da ré para o ano de 1999, e exigir, consequentemente, a sua condenação na restituição a todos os clientes das importâncias cobradas a esse título. Os argumentos em que se baseou para sustentar a ilegalidade da taxa foram os seguintes, em resumo: 1º - A taxa não está prevista, e devia está-lo, na Convenção de preços celebrada entre a ré, o ICP e a DGCC, tendo-se violado, assim, o disposto nos artºs 5º do DL 207/92, de 2/10, e 34º do DL 240/97, de 18/10; 2º - A taxa consubstancia a cobrança de um consumo mínimo obrigatório, expressamente proibido pelo artº 8º da Lei 24/96, de 26/7 (Lei de Defesa do Consumidor); 3º - A taxa representa uma duplicação injustificada da taxa de assinatura pois tem, alegadamente, a mesma finalidade -acessibilidade ao serviço público de telefone; 4º - A taxa representa a utilização de práticas comerciais expressamente proibidas por lei, por abuso de dependência económica e distorcedora da concorrência, em infracção ao disposto no artº 4º do DL 371/93, de 29/10, e dos artºs 81º e 82º do Tratado de Amesterdão, porquanto não tem nenhuma correspondência com custos da empresa e foi fixada de forma arbitrária, num cenário de total ausência de concorrência dado o regime de monopólio em que a ré ainda exerce a sua actividade; 5º - A taxa ofende os princípios gerais de serviço universal constantes da concessão do serviço público de telecomunicações à ré, designadamente o disposto nos artºs 10º, nº 1, b), 25º, a) e nº 2 e 30º das Bases de Concessão do Serviço Público de Telecomunicações, aprovada pelo DL 40/95, de 15/2 (por lapso a autora refere o DL 40/93, da mesma data). A 1ª instância decidiu a causa no despacho saneador, sendo que, quanto à enunciada questão da ilegalidade, limitou-se a remeter para o acórdão da Relação de Lisboa junto de fls 1342 a 1348. Por este acórdão foi revogada a decisão do tribunal inferior e concedida a providência requerida pela autora, mandando-se a ré sustar imediatamente a cobrança da taxa. Se bem o interpretamos, considerou-se procedente, em termos práticos, o primeiro dos argumentos em que se fundou o pedido formulado na presente acção. A decisão da Relação foi posteriormente confirmada por este Supremo Tribunal (fls 1543 e segs), que todavia se recusou expressamente a apreciar o problema aqui ajuizado por ter considerado que, sendo ele de natureza substantiva, excedia o objecto do recurso de agravo; remeteu o respectivo julgamento, por isso, para este processo (acção principal). No acórdão recorrido (fls 2667 e segs) também nada se diz sobre o assunto, pois, no que se refere à apelação, a Relação limitou-se a apreciar, rejeitando-as, as várias arguições de nulidade da sentença suscitadas pela ré. Quanto à segunda questão posta na revista, atinente ao pedido de restituição formulado pela autora na petição inicial, a 1ª instância referiu apenas que "o segundo pedido deve proceder de harmonia com o disposto no artº 22º, nº 1, da lei 83/95, de 31 de Agosto" (fls 2499). E a Relação, por seu turno, também nada disse: com verdadeiro interesse para a abordagem dos problemas agora equacionados, limitou-se a negar a pretensão de ampliar a matéria de facto que a ré formulou, concluindo que esta, no seu articulado, "preocupou-se em justificar a sua tese, socorrendo-se de argumentação jurídica e de considerações e conceitos vários, mas não articulou factos quesitáveis" (fls 2678). É contra este entendimento que a recorrente continua a manifestar o seu inconformismo: sustenta que o processo deve baixar às instâncias a fim de se ampliar a matéria de facto, dada a insuficiência da já recolhida para se aplicar definitivamente o regime jurídico adequado, seja à questão da ilegalidade da activação da chamada, seja ao problema da determinação da indemnização devida nos termos do artº 22º da Lei 83/95, de 31/8. Vejamos. II. A 2ª instância deu como assentes os seguintes factos: 1) No ano de 1999 a ré manteve a cobrança de uma"taxa de activação" na utilização da rede de telefone vocal fixa, sem, ao mesmo tempo e em simultâneo, introduzir a tarifação ao segundo das respectivas chamadas, conforme documento de fls 17 a 47; 2) Tal "taxa de activação" ou "impulso de activação" tem o valor de 10$76 com IVA, e corresponde a um impulso inicial de três minutos nas chamadas locais, a um impulso de 36,5 segundos nas chamadas regionais e a um impulso de 14,6 segundos nas chamadas nacionais, e tem o valor de 21$50, com IVA, nas chamadas internacionais, correspondendo ao custo de dois impulso iniciais; 3) Em 10.9.97 foi celebrada entre a Direcção Geral do Comércio e Concorrência - DGCC, o Instituto das Comunicações de Portugal -ICP, e a A a Convenção para o triénio 1998/2000, que veio a ser publicada no DR de 31.12.97. 4) O preço de activação da chamada constava do tarifário de 1999, aprovado pelo ICP e pela DGCC. 5) Em 1999, o preço de activação nas chamadas nacionais era de 9$20, sem IVA, e de 18$40 nas chamadas internacionais. 6) Em 1999 o preço do impulso era de 9$20, sem IVA. 7) Em 1999, o preço da chamada telefónica decompunha-se em dois elementos: um fixo, correspondente ao impulso de activação, e outro variável, correspondente à duração da mesma. III. Análise da 1ª questão (ilegalidade da activação da chamada) A recorrente defende que a activação da chamada não consta nem tem que constar da convenção de preços, pois esta apenas se destina a fixar os princípios gerais e os requisitos a que deve obedecer o sistema de preços do serviço fixo de telefone, não contendo, por isso, todos os elementos que entram na formação dos preços (se contivesse, deixaria de ser uma Convenção para se tornar num Tarifário). Sustenta ainda que a activação da chamada não configura um preço autónomo do preço das chamadas telefónicas, - o que constitui outra razão, na sua perspectiva, para que não tenha que constar da convenção de preços. No seu modo de ver, a questão que deve colocar-se para decidir acerca da legalidade ou não da activação da chamada face à convenção de preços e demais normas legais aplicáveis consiste em saber se o tarifário onde ela está prevista, e ela própria, respeitam os princípios que decorrem daquele documento: orientação para os custos, não descriminação, transparência e variação de preços. Nos termos do artºs 2º, 3º e 5º do DL 207/92, de 2/10, os preços dos serviços prestados em exclusivo pelos operadores dos serviços públicos de telecomunicações são objecto de convenção a acordar entre a administração central, representada pela DGCC, o ICP e aqueles operadores, que não podem estabelecer para os serviços mencionados neste diploma legal preços diferentes dos que sejam determinados pelos princípios e regras fixados na convenção. No serviço telefónico, concretamente, a convenção tem que definir os princípios gerais e regras tendentes à fixação e aplicação" dos preços do impulso telefónico, da instalação de uma linha de rede em acesso simples à rede, "bem como as regras que, atendendo, entre outras, às características do tempo e da zona de comunicações, permitam fixar os restantes preços de utilização do serviço para comunicações nacionais e internacionais". O DL 240/97, de 18/9, por seu turno, que aprovou o Regulamento do Serviço Fixo de Telefone (SFT), transpondo para a ordem jurídica nacional uma directiva comunitária, refere no seu preâmbulo que o regime nele previsto "em simultâneo à prossecução do objectivo de harmonização das condições de prestação, acesso e utilização do serviço fixo de telefone, pretende ainda assegurar, através de um quadro regulamentar orientado por novos princípios, uma melhor e mais eficaz protecção dos direitos dos utilizadores de um serviço fundamental, com características de serviço universal, na decorrência dos mecanismos de tutela constitucionalmente consagrados, designadamente no que respeita aos direitos dos consumidores. Neste contexto, assume especial relevância a adaptação aos princípios constantes da lei nº 23/96, de 26 de Julho, que cria no ordenamento jurídico mecanismos destinados a proteger o utilizador de serviços públicos essenciais". Dando corpo a estes objectivos, reafirma-se no artº 32º deste diploma que os preços a cobrar pela empresa operadora pela prestação do SFT são fixados por convenção, celebrada nos termos do DL anteriormente referido, devendo tais preços ser independentes do tipo de utilização e obedecer aos princípios fundamentais da orientação para os custos, não discriminação e transparência. No artº 34º fixam-se as normas a que a facturação deve obedecer, especificando-se nas suas diversas alíneas os elementos que a factura do SFT tem de obrigatoriamente conter (e não se vê referência a taxa de activação em parte alguma). Antes deste diploma, já o DL 40/95, de 15/2, que aprovou as bases da concessão do serviço público de telecomunicações, conferindo à ré o exclusivo da prestação dos serviços fixos de telefone, tinha reafirmado no seu artº 30º a obrigatoriedade do estabelecimento dos preços dos serviços prestados em regime de exclusivo através de convenção celebrada por três anos, em princípio, entre o Estado e a concessionária, e com observância dos princípios atrás enumerados. Do quadro legal resumidamente apresentado extrai-se a conclusão segura de que a convenção de preços a celebrar obrigatoriamente de três em três anos, envolvendo o Estado, o ICP e a PT, é um instrumento de fundamental importância para a protecção dos consumidores -que são, neste caso, todas as pessoas individuais ou colectivas a quem é prestado pela ré o serviço fixo de telefone. Protecção que, diga-se, a lei assume como um fim em si mesmo, já que o serviço fixo de telefone é tido pelo legislador como um serviço público essencial, a par dos serviços de fornecimento de água, de energia eléctrica e de gás (artº 1º da lei 23/96). O que significa que, se nas relações de consumo legalmente tipificadas - e precisamente porque o são - se reconhece a necessidade de defender "todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios" (artº 2º, nº 1, da Lei 24/96), nas relações (que também são de consumo) estabelecidas no âmbito dos serviços públicos essenciais aquela exigência de protecção do "utente" (artº 1º, nº 3, do mesmo diploma) sobe de tom, intensifica-se; precisamente por isso foram criados "mecanismos" específicos destinados a proteger o utente de tais serviços, mecanismos esses previstos na Lei 23/96, de 26/7, lei esta que veio dar execução ao comando do artº 60º, nº 1, da Constituição. No caso sub judice, além de se tratar de um serviço público essencial, existe a particularidade da sua prestação em regime de concessão exclusiva pela ré, facto que, à partida, torna a posição dos utentes mais frágil e vulnerável. Bem se compreende, neste enquadramento, que a lei imponha a celebração duma convenção de preços que inclua o SFT, e obrigue a que, para este serviço, a concessionária pratique preços que respeitem os princípios fundamentais, também legalmente consignados e já referidos, da orientação para os custos, da não discriminação e da transparência. Conforme refere Alexandra Leitão (Estudos do Instituto de Direito do Consumo, I, pág. 138) a convenção visa "garantir o cumprimento das regras sobre preços". É por isso que o Estado compensa a PT pelos prejuízos que suporta, atendendo exactamente ao facto de a sua actividade estar sujeita a um regime de preços controlados. Pode, por isso, dizer-se que o serviço público de telecomunicações é financiado parcialmente pelo Estado". Acontece que a convenção de preços para o triénio 1998/2000 define os seguintes três diferentes preços: Impulso - "unidade de medida utilizada para o cálculo do preço de uma comunicação telefónica, consoante a sua duração, bandas horárias e zonas de comunicação"; taxa de assinatura - "preço que o assinante paga periodicamente pelo acesso a um serviço de telecomunicações"; taxa de instalação - "preço que o assinante paga, uma única vez, pela ligação a um serviço de telecomunicações". E define ainda o tarifário como sendo o"conjunto dos preços aplicáveis num determinado período pela utilização dos serviços objecto da Convenção, suas modalidades e facilidades associadas". Quer dizer: a taxa de activação não está prevista na convenção; e face à definição de impulso adoptada, acima referida, compreende-se perfeitamente tal exclusão, já que, como observa a recorrida, a introdução da activação da chamada altera a estrutura e o sistema de preços convencionados. Com efeito, mediante a activação o preço da chamada telefónica, em vez de ser medido pelo impulso passa a conter dois elementos: um elemento fixo, que é a activação da chamada, e um elemento variável, que é o impulso (cfr. facto nº 5). Por esta razão, cremos que é ocioso discutir se a activação é um novo preço, um preço autónomo do preço da chamada, ou antes um elemento do preço desta. Na verdade, só releva, só importa a constatação de que, independentemente do rigor conceitual com que possamos defini-la - do "nome" que lhe atribuamos - ela é uma realidade, é algo que tem expressão concreta, prática, quantificável no preço que os utentes do SFT pagam por cada chamada telefónica; não é uma abstracção. Ora, afirmar que os preços objecto da convenção devem ser "orientados para os custos", "não discriminatórios" e "transparentes" é desde logo afirmar, quanto a nós, que na convenção têm de ficar claramente expressos, no que respeita ao serviço aqui em causa, o elenco dos custos que o operador que presta o serviço pode incluir no respectivo preço e os parâmetros em função dos quais este é estabelecido. Os custos contemplados na convenção foram os cobertos pela taxa de instalação e pela taxa de assinatura; e o parâmetro para estabelecer o preço da chamada foi o impulso (por temporizações); impulso que, por seu turno, contempla também um custo -o inerente à utilização efectiva da linha telefónica. Foi isto que as partes intervenientes na convenção acordaram que dela ficasse a constar. Nem mais, nem menos. Aqui chegados, cabe perguntar: E haverá outro processo mais seguro e mais "fiável" de assegurar a obediência da convenção aos princípios orientadores a que atrás fizemos referência? Que outra garantia certa e segura poderão ter os utentes do SFT de que os preços que vão ter de pagar são "transparentes", "orientados para os custos" e "não discriminatórios"? Se no preço das chamadas a concessionária introduz um elemento (chamemos-lhe agora assim, por comodidade) que não está explicitamente contemplado na convenção e altera, se não mesmo subverte, o "critério" para a sua determinação que foi aceite e ficou consignado naquele documento, que segurança, que certeza podem ter os utentes acerca do rigor do preço que lhes é imposto -da correspondência tendencialmente exacta entre este e os custos suportados pela concessionária? Nenhuma, praticamente, em nosso entender. E não é isso o que o legislador pretendeu, como já se viu. Deste modo, permitir a taxa de activação fora e à margem da convenção de preços é criar o ensejo para a fixação de preços no serviço público do telefone fixo que escapam aos limites em que a lei, visando em primeira linha a protecção de todos os consumidores, os quis conter; é permitir que a concessionária, frustrando a razão de ser daquela, obtenha vantagens económicas excessivas num sector do mercado em que actua sozinha, numa situação de monopólio. Assim, conclui-se, por um lado, que a taxa de activação tinha que estar prevista na convenção de preços; por outro lado, que, não estando ali prevista, mas apresentando-se como uma realidade que contraria a definição da unidade de medida da comunicação telefónica prevista na convenção, está em desconformidade com ela. Daí a sua ilegalidade. Demonstrado, em face do exposto, o primeiro dos fundamentos que, segundo a autora, poderia levar à verificação da causa de pedir, o tribunal fica dispensado de analisar os restantes fundamentos (que de resto, como se disse, também não o foram nas instâncias). Isto é assim porque, consoante resulta do artº 660º, nº 2, do CPC, o dever de pronúncia do juiz incide sobre as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não sobre todos os argumentos e considerações por elas convocados para justificar a procedência do pedido ou das excepções. Trata-se, neste ponto, de doutrina e jurisprudência que se supõe praticamente unânime (cfr. Alberto dos Reis, CPC Anotado, V, pág. 143; Lebre de Freitas, CPC Anotado, II, 646, e A Acção Declarativa Comum à Luz do Código Revisto, pág. 287). Importa ainda dizer que, contrariamente ao defendido pela recorrente, não se justifica fazer uso da norma do artº 729º, nº 3, do CPC, uma vez que todos os factos relevantes para decidir a causa e chegar à conclusão a que se chegou sobre a ilegalidade da taxa de activação já estão introduzidos no processo. Esses factos são aqueles que a Relação fixou: existência (fora da convenção de preços para o triénio 1997/2000) da taxa de activação, sem a introdução, em simultâneo, da tarifação ao segundo das chamadas; valor da taxa de activação nos vários tipos de chamadas; e existência (prevista na convenção) da tarifação ao segundo nas chamadas telefónicas. Estes elementos - os necessários e suficientes para ficar caracterizada, em termos factuais, a realidade que se designou por taxa de activação - bastam para resolver a questão de direito subjacente, respeitante à sua ilegalidade . IV. Análise da 2ª questão (consequências da ilegalidade da activação da chamada) Prende-se esta questão com o pedido e consequente decisão, adoptada nas instâncias, de restituição das quantias cobradas pela recorrente a título de taxa de activação. Em nosso entender, está-se perante uma falsa questão - uma questão que não foi suscitada, que não foi (nem tinha que ser) decidida pela 1ª e pela 2ª instância, e que, de igual modo, não é do conhecimento oficioso do tribunal. O equívoco terá sido originado pela referência que se faz na sentença ao artº 22º da Lei 83/95, de 31/8, referência essa quanto a nós deslocada por sugerir que a restituição ordenada se funda, juridicamente, naquele dispositivo legal. No caso sub judicio o pedido é um só -justamente, o pedido de restituição das quantias que a ré cobrou no período considerado a título de taxa de activação. O outro pedido, atinente à declaração de ilegalidade daquela taxa, é meramente instrumental, é um pedido que não tem autonomia e cuja apreciação decorre exclusivamente do facto de se apresentar como um pressuposto necessário da restituição pretendida. Passa-se aqui algo de semelhante ao que ocorre na acção de reivindicação, hipótese em que a cumulação de pedidos é aparente porquanto o único pedido independente, autónomo, é o de restituição da coisa reivindicada. Sucede que o tribunal não pode, por sua própria iniciativa, alterar o pedido, estando-lhe também vedado condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir (artº 661º, nº 1, CPC); segundo alguma jurisprudência, somente lhe é consentido corrigir a qualificação jurídica do pedido, desde que acate o princípio dispositivo (cfr. o acórdão deste Tribunal de 19.11.98, publicado no BMJ 481º, pág. 405). Pode, porém, - e deve, - como já se deixou sugerido mais atrás, verificar se os factos apurados no processo têm como consequência jurídica e prática o acolhimento da pretensão formulada pelo autor, o que implica a formulação de um juízo sobre a concludência desses factos e sobre a articulação lógica entre eles e o efeito prático visado. Ora, não sofre qualquer dúvida que o pedido de restituição ajuizado - isto é, a forma de tutela jurisdicional requerida pela autora para a situação jurídica discutida no processo -se apresenta como a consequência inerente à prévia (no sentido anteriormente exposto) declaração acerca da ilegalidade da taxa de activação. Trata-se, é certo, de um efeito condenatório, não de um efeito meramente declarativo. No entanto, não se vê que isso constitua impedimento à sua procedência e "efectividade", digamos assim, no quadro duma acção popular, como é a presente. Por um lado, o artº 1º da Lei 83/95 dispõe expressamente que a acção popular é conferida, além do mais, para a cessação das infracções previstas no artº 52º, nº 3, da Constituição da República, de entre as quais avultam, justamente, as infracções contra os direitos dos consumidores. Depois, o direito de acesso aos tribunais não implica apenas o direito de obter em prazo razoável uma decisão que aprecie a pretensão regularmente deduzida em juízo; implica ainda, como se estatui no artº 2º, nº 2, do CPC, a garantia de que"a todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente" (sublinhado nosso). Finalmente, resulta do próprio texto constitucional citado que o direito de acção popular não se destina exclusivamente, não se esgota, melhor dizendo, na obtenção duma indemnização; e a Lei 83/95, em nosso entender, confirma inteiramente esta orientação constitucional. Parecem assim exactas, no essencial, as observações feitas pela recorrida na sua contra alegação a respeito deste assunto. Podemos formulá-las do seguinte modo: 1ª A lei de acção popular não define, nem, menos ainda, restringe os direitos dos interessados representados pelas entidades com legitimidade para intentar acções desta natureza; 2ª O consumidor (ou quem o represente em juízo) não tem que ser compelido a pedir uma indemnização, sempre e em qualquer caso, até porque podem não estar reunidos todos os pressupostos da responsabilidade civil; 3ª O que está previsto no artº 22º da Lei 83/95 é um regime cumulativo de responsabilidade civil subjectiva, que permite aos lesados obter, se for caso disso, uma indemnização, mas não impede a concretização de outras formas de tutela dos seus direitos, tendo em conta a natureza específica das relações de consumo; dentro desta especificidade há que salientar, como características do Direito do Consumo, "a presença duma dimensão colectiva no exercício de direitos e na socialização de riscos" e, bem assim, "a interdisciplinariedade e consequentemente a pluralidade das suas regulações"; isto porque "a defesa do consumidor pode ser considerada como um princípio jurídico, que corresponde a um pensamento jurídico geral, e, por isso, é mesmo comum a vários ramos do direito" (Luís Meneses Leitão, Estudos do Instituto do Direito do Consumo, I, 26/27). Resta dizer, para concluir, que a autora não exigiu qualquer indemnização, não formulou nenhum pedido dessa natureza. Assim, seria destituído de sentido mandar ampliar a matéria de facto em ordem a determinar a indemnização supostamente devida nos termos do artº 22º da Lei 83/95, também porque, coerentemente, nenhuns factos concretos foram alegados pela recorrida em ordem à demonstração dos pressupostos da responsabilidade civil. Independentemente disso, parece-nos de igual modo estar fora de causa a hipótese de fixação duma indemnização global, nos termos consentidos pelo nº 3 daquele preceito - isto é, uma indemnização estabelecida oficiosamente pelo tribunal. Muito embora a interpretação desta norma legal suscite muitas dúvidas (1), parece-nos seguro que a indemnização em apreço só tem lugar quando os interesses violados são interesses difusos propriamente ditos e não, como sucede no caso presente, interesses individuais homogéneos (interesses de titulares, se não identificados, pelo menos perfeitamente identificáveis: os assinantes do serviço fixo de telefone que, no período considerado, tiverem pago a taxa de activação). Mais uma razão que torna inútil, a nosso ver, o recurso à disposição do artº 729º, nº 3, do CPC. Em suma: face às patentes imperfeições técnicas da Lei de Acção Popular, designadamente no que toca à legitimidade para executar a sentença proferida no seu âmbito, admitimos que, em teoria, talvez haja dificuldades na concretização do presente julgado; simplesmente, esse é um problema que nesta fase não está posto e não colide, consoante tentou demonstrar-se, nem com a admissibilidade processual, nem com as condições substantivas de procedência da pretensão da autora. Decisão Nestes termos, nega-se a revista. Custas pela ré. Lisboa, 7 de Outubro de 2003 Nuno Cameira Afonso de Melo Fernandes Magalhães ------------------------ (1) O Professor Lebre de Freitas trata com desenvolvimento este assunto no parecer jurídico junto ao processo e num trabalho recentemente publicado na revista Sub Judice (Janeiro/Março de 2003), intitulado"A Acção Popular no Direito Português" (págs. 15 e seguintes). O Professor Miguel Teixeira de Sousa também aborda o tema no seu livro "A legitimidade Popular na Tutela dos Interesses Difusos" (Lisboa, 2003), maxime a pág. 165 e seguintes. |