Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2018/21.0T8FNC-A.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANA RESENDE
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
NOMEAÇÃO DE PATRONO
REQUERIMENTO
PRAZO
INTERRUPÇÃO DE PRAZO
CONTAGEM DE PRAZOS
DILAÇÃO DO PRAZO
MANDATO FORENSE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
CONTESTAÇÃO
Data do Acordão: 01/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA IMPROCEDENTE.
Sumário :

I- Os prazos processuais consubstanciam-se em interregnos de tempo atribuído aos interessados para virem aos autos defenderem os seus direitos e interesses legalmente protegidos, na articulação de factos e direitos exigindo conhecimentos técnicos no âmbito do direito, cuja prática apenas é reconhecida às pessoas legalmente habilitadas para exercer o patrocínio judiciário, se o prazo não se interrompesse corria-se o risco de o interessado não poder defender de modo efetivo, por o prazo se ter extinguido, ou sempre menor ao estabelecido na lei para a prática do ato ao qual o prazo é funcionalizado, e desse modo sempre numa posição juridicamente desigual aos demais interessados que não careciam de meios económicos para socorrer-se dos serviços de mandatário para defender as suas posições.


II- O principio da igualdade tem três dimensões ou vertentes, isto é, a proibição de discriminação e a obrigação de diferenciação, no sentido de igualdade de tratamento para situações iguais e interdição de tratamento para situações diferentes, ilegitimidade de qualquer diferenciação de tratamento baseada em critérios subjetivos, e uma última como forma de compensar as desigualdades de oportunidade, a que se reporta a sanação do risco da indefesa do requerente do benefício do apoio judiciário


III- O quadro de proteção jurídica, configura-se como um regime que se basta em si mesmo, quer em termos dos fundamentos para a sua atribuição, mas também as consequências resultantes do respetivo desenvolvimento, caso de sancionamento quando contrariando os termos definidos, caso das sanções por litigância de má-fé, e eventuais condenações por despesas efetuadas indevidas.


IV- Tal não significa que possa haver extrapolações, enviesando o regime, importando dessa forma reações diversas das apontadas, em casos manifestamente abusivos e ilegais, donde resultará as consequências que se justifiquem para o caso, pois apenas perante a situação e os seus contornos concretos apurados será possível formular um juízo caraterizado por um intenso desvalor


V- Tendo o Requerente solicitado o benefício de apoio judiciário também na modalidade de nomeação de patrono, e tendo renunciado a esse pedido que lhe foi satisfeito, constituindo mandato forense, pode usufruir da interrupção do prazo para contestar que derivou daquele pedido.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NA 6ª SECÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. RELATÓRIO

1. AA veio intentar contra BB a presente ação declarativa de simples apreciação negativa com a forma comum, pedindo que seja declarado impugnado o facto justificado na escritura de Justificação Notarial de 20 de Janeiro de 2020, referente à invocada aquisição por usucapião do prédio indicado, declarado nula e sem efeito aquela escritura de modo a evitar que o R, através de tal instrumento, registe quaisquer direitos sobre o prédio, e seja declarado que não assiste o direito invocado ao R.

1. Alegou, em síntese, que em 20 de janeiro foi celebrada escritura de justificação, segundo a qual o R. declarou que é dono e legítimo possuidor do prédio urbano descrito por lhe ter sido vendido verbalmente em 1986, desde então usufruindo do mesmo, agindo como e com o ânimo de proprietário, com o conhecimento de toda a gente, o que não corresponde à verdade, conforme o enunciado.

2. O R. veio impugnar o factualismo, alegando o que considerou relevante, juntando oficio da Segurança Social com a indicação do deferimento do pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos e nomeação e pagamento de patrono, com a respetiva indicação, mais juntando procuração forense constituindo mandatário outro Senhor Advogado.

3. A A. venho requerer que a apresentação da contestação fosse considerada extemporânea, porquanto o Mandatário que subscreveu aquele articulado, tinha sido constituído muito antes da formulação do pedido de nomeação de patrono, não passando esse pedido de um meio para obterem uma dilação do prazo para contestar. Mais alude que não tendo feito da aquisição do prédio através da usucapião, não demonstrado o que o R. declara na escritura de justificação, a mesma é ineficaz, devendo dar-se como provados os factos constantes da petição inicial, e o R. bem como o seu Mandatário condenados em multa e indemnização por litigância de má-fé.

4. O R. veio responder.


5. Foi proferido despacho saneador que considerou que a contestação tinha sido apresentada, na observância do prazo legal, não estando demonstrado nos autos qualquer factualidade que traduza fraude à lei com a apresentação do requerimento de apoio judiciário, por forma à parte poder apresentar a contestação mais tarde, e determinou o prosseguimento dos autos.


6. Inconformada, veio a A. interpor recurso de apelação, tendo a Relação de Lisboa proferido Acórdão que julgou o recurso improcedente.


7. Novamente inconformada, veio a A.. interpor recurso de revista excecional formulando nas suas alegações as seguintes conclusões: (Transcritas)


A) O fundamento desta revista é a oposição de julgados entre o acórdão revidendo e o acórdão fundamento de 25/06/2019, proferido no processo n.º 156/18.6T8NZR-A.C1 do Tribunal da Relação de Coimbra, de que se junta cópia, protestando juntar certidão, sem prejuízo de menção de outros acórdãos do mesmo Tribunal da Relação de Coimbra, além dos outros acórdãos dos Tribunais da Relação, através dos quais a Recorrente também fundamentou a sua orientação, acórdãos que correspondem às duas correntes jurisprudenciais, que se têm vindo a formar e que urge resolver;


B) No acórdão fundamento foi decidido que o Requerente/Beneficiário de apoio judiciário com nomeação NÃO pode beneficiar do direito à interrupção de um prazo e consequente prolongamento de prazo da contestação, quando fizer descaso da nomeação oficiosa e, paralelamente, constituir um mandatário voluntário, por tal situação consubstanciar fraude à lei;


C) Refere e explica o acórdão fundamento que, o regime de interrupção de prazo processual só colhe efeitos dentro do apoio judiciário, como um todo, não se podendo entender que tal regime possa ser desvirtuado ou usado de forma a dele apenas se retirar o benefício da referida interrupção de prazo processual, para, dessa forma, o Beneficiário do pedido de apoio contestar fora dos prazos processuais convencionais;


D) A não ser assim, segundo esta corrente jurisprudencial, estar-se-ia a violar o princípio da igualdade, consagrado constitucionalmente, bem como na lei processual, porquanto estar-se-ia a admitir que se requerido apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e, à posteriori, constituído voluntariamente mandatário judicial, tenha um prazo acrescido (e desigual) de exercício do seu direito em relação aos demais cidadãos que, desde o início da ação constituíram mandatário judicial;


E) Porém, o acórdão recorrido, em confirmação da 1.ª instância, seguiu a outra corrente jurisprudencial e decidiu que não está excluída a possibilidade/ direito de o Beneficiário, a justo título, de nomeação de patrono oficioso, a ela renunciar e contestar através de mandatário constituído beneficiando da prorrogação do prazo, pelo que considerou tempestiva a contestação;


F) Resulta com inequívoca transparência que no caso sub judice o R./Recorrido, com o Ilustre mandatário CC, fizeram do pedido de apoio um expediente meramente dilatório e abusivo, com o único objetivo e intuito de ganhar tempo, para poder viver e usufruir de uma casa reconstruída pela A./Recorrente, à conta e em prejuízo da mesma e dos demais herdeiros sobrinhos do R.;


G) É incontestável e está comprovado pelo procedimento cautelar apenso A que o Ilustre mandatário que subscreveu a contestação, foi constituído, muito antes do pedido de nomeação de patrono, pois tem procuração junta desde Fevereiro de 2021;


H) O acórdão recorrido viola claramente jurisprudência dos Tribunais congéneres que seguem esta corrente jurisprudencial, quando, perante a factualidade assente como no caso sub judice, se defende que a Lei de Apoio Judiciário consagra uma interrupção, tout court, do prazo em curso, e não uma interrupção sob a condição resolutiva de o ato ser praticado através do patrono nomeado;


I) Não pode o acórdão revidendo, nem a jurisprudência compactuar com este tipo de situações abusivas, por contrárias, inversas e incompatíveis com o intuito a que se propôs a Lei n.º 34/2004 de 29/07, de Acesso ao Direito e aos Tribunais;


J) Sem que se olvide que a factualidade descrita in casu, integra comportamentos violadores de deveres processuais das partes, os quais desencadeiam, além do mais, a perda de todos os benefícios associados ao estatuto de parte que goza de proteção jurídica (acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 01/10/2013, Proc. 4550/11.5T2AGD.C1, disponível em www.dgsi.pt);


K) Assim, o Tribunal da Relação, face à factualidade sustentada em prova documental, devia ter decidido pela extemporaneidade da contestação, com as demais consequências legais, em consonância com o acórdão fundamento e demais jurisprudência invocada;


L) O acórdão recorrido viola por isso o disposto nos arts.º 24.º, n.ºs 4 e 5 da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho e arts.º 542.º e 543.º do CPC;


M) Mais se entendendo que deverá até face à dicotomia jurisprudencial, ser uniformizada jurisprudência no sentido ora pretendido da revista, para uma melhor aplicação do direito.


8. Determinada a subida ao Supremo Tribunal de Justiça, o então Exmo Senhor Conselheiro relator ordenou a remessa à Formação, que proferiu Acórdão admitindo o recurso de revista excecional.


9. Os autos foram redistribuídos por Jubilação do Exmo. Senhor Conselheiro.


10. Cumpre apreciar e decidir.


*

II – ENQUADRAMENTO FACTO-JURIDICO

a. Das ocorrências processuais referenciadas no Acórdão da Relação:

1. AA intentou ação declarativa sob a forma comum que classificou como de simples apreciação negativa, contra BB, pedindo que se: - declare impugnado, para todos os devidos e legais efeitos, o facto justificado na escritura de Justificação Notarial de 20 de Janeiro de 2020, referente à invocada aquisição por usucapião indicado; declare nula e de nenhum efeito a dita escritura de justificação, de modo a evitar que o Réu, através daquele instrumento, registe quaisquer direitos sobre o indicado prédio; e declare que não assiste ao Réu o direito invocado na dita escritura.

2. O R. foi citado a 19/05/2021.

3. Em 28/05/2021, o R. veio informar que requerera o benefício de apoio judiciário, a 27/05/2021, na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e encargos, bem como de nomeação e compensação de patrono.

4. Em 14/07/2021 foi o Tribunal informado por oficio da Ordem dos Advogados, que na sequência do deferimento do pedido de Apoio Judiciário foi nomeado para o patrocínio do réu a Sra. Dra. DD.

5. Com data de 17/09/2021, veio Sr. Dr. CC, Advogado, informar que recebeu poderes forenses de BB, juntando procuração forense, datada de 16/09/2021.

6. Com data de 20/09/2021 foi junta contestação pelo Réu, subscrita pelo mandatário constituído, pugnando pela improcedência da ação.

7. Com data de 18/07/2022, foi proferido o seguinte despacho:


«A contestação foi apresentada tempestivamente, considerando que:


- A citação ocorreu a 19.05.2021, conforme decorre de folhas 20;


- A 27.05.2022 o réu pediu apoio judiciário, para contestar, solicitando tal apoio para a nomeação de patrono e para a dispensa de pagamento de taxas de justiça e demais encargos com o processo (veja-se folhas 21 e seguintes);


- O apoio judiciário foi deferido a 14.07.2021, data em que foi efectuada a nomeação da ilustre patrona.


Assim, o prazo de contestação interrompeu-se com o pedido de apoio judiciário, à luz do artigo 24.º, n.º 4, da Lei 34/2004, de 29 de julho, apresentado a 27.05.2022, iniciando-se o prazo da contestação com a nomeação da ilustre patrona, à luz do n.º 5, al. a) do mesmo artigo, ocorrida a 14.07.2021.


Assim, o prazo de contestação de 30 dias ainda não tinha sido atingido, quando a mesma foi apresentada a 20.09.2021, considerada a suspensão decorrente das férias judicias de Verão (verificada entre 16.07.2022 e 31.08.2022).


A tal não obsta a circunstância de o requerido ter constituído mandatário, a 16.09.2021, nos presentes autos, o mesmo que fora constituído anteriormente no âmbito de outros autos, e de a contestação ter sido apresentada pelo mesmo, e não pela ilustre patrona nomeada (cujas funções cessaram com a constituição de mandatário), não estando demonstrado nos autos qualquer factualidade que demonstre que ocorreu fraude à lei com a apresentação do requerimento de apoio judiciário por forma a que a parte pudesse apresentar mais tarde a contestação.


Não há óbices ao seguimento dos autos, sendo a instância válida e regular.


Valor da causa: 29.029, 00€.”

b. Do direito

1. Como se sabe, o objeto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente, importando em conformidade decidir as questões nelas colocadas, bem como as que forem de conhecimento oficioso, com exceção daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, artigos 635.º, 608.º, 663.º e 679.º, do CPC, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos ou fundamentos que as partes indiquem para fazer valer o seu ponto de vista, sendo que, quanto ao enquadramento legal, não está sujeito às razões jurídicas invocadas pelas mesmas, pois o julgador é livre na interpretação e aplicação do direito, artigo 5.º, n.º 3, também do CPC.

1. Estando nós no âmbito de um recurso de revista excecional, importa ater-nos ao consignado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido pela Formação em 21.06.2023, quanto às questões jurídicas formuladas:


A Autora vem interpor recurso de revista excecional do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que julgou improcedente o recurso de apelação e manteve o despacho recorrido que considerou a contestação apresentada nos autos tempestiva.


Invocou como fundamentos da excecionalidade da revista interposta a contradição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento proferido pelo tribunal da Relação de Coimbra, em 25-06-2019, no âmbito do processo n.° 156/18.6T8NZR-A.C1, relativamente à questão de saber se o requerente/beneficiário de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono beneficia da interrupção do prazo a que alude o artigo 24.°, n.°s 4 e 5, da Lei 34/2004. de 29-07, num caso, como o dos autos, em que a contestação tenha sido subscrita por mandatário constituído e não pelo patrono nomeado.


(…)


Analisados os acórdãos em confronto, resulta que em ambos se discute a questão de saber se o requerente/beneficiário de apoio judiciário pode beneficiar da interrupção do prazo para contestar, a que alude o n.° 4, do artigo 24.°, da Lei n.° 34/2004, caso a contestação seja apresentada por mandatário constituído e não pelo patrono nomeado.


Ora, muito embora os quadros fácticos considerados em ambas as decisões não sejam, totalmente, coincidentes, a verdade é que, em nossa perspetiva, os mesmos assumem, ainda assim, uma natureza similar, o que se nos afigura suficiente para concluir no sentido da verificação de oposição de julgados.


De facto, no acórdão recorrido estava em causa a junção de uma procuração outorgada em momento posterior à data da nomeação do patrono, ao contrário do que sucedeu no âmbito do acórdão-fundamento, em que a procuração junta aos autos havia sido outorgada em data posterior à data do pedido de apoio judiciário e anterior à nomeação de patrono.


Esta diferença não afasta, em nossa perspetiva, a identidade fáctico-normativa entre ambos os processos, na medida em que a especificidade a que se fez referência não se revelou, na economia das decisões em confronto, determinante para a decisão tomada num e noutro processo, cuja tónica foi colocada na circunstância de a contestação ter sido apresentada por mandatário constituído e não pelo patrono nomeado, independentemente do momento em que foi constituído o mandatário.


Assim, consideramos que mesma norma jurídica foi interpretada e aplicada de forma oposta a duas situações similares, o que é suficiente para que se afirme a verificação da invocada situação de contradição de julgados”.


A questão assim a apreciar prende-se em saber se o requerente/beneficiário de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono beneficia da interrupção do prazo a que alude o artigo 24.°, n.°s 4 e 5, da Lei 34/2004. de 29-07, no caso, como o dos autos, em que a contestação foi subscrita por mandatário constituído e não pelo patrono nomeado, e sendo negativa a resposta aferir da pretendida extemporaneidade da contestação apresentada.

2. As instâncias convergiram no entendimento, como decorre do enunciado Despacho proferido em 1.ª Instância, bem como do Acórdão recorrido, que desde logo referenciou a inexistência de qualquer providência cautelar apensa aos autos, nos momentos tidos como relevantes, a saber, a citação, o pedido de apoio judiciário, da apresentação da contestação e a prolação do Despacho ali recorrido, nada relevando a constituição de mandatário pelo Recorrido em qualquer outra ação, na contestação de uma situação litigiosa envolvendo outros processos.


No atendimento do regime de apoio judiciário e as ocorrências descritas nos autos, considerou-se que a mera constituição de mandatário não se traduzia numa conduta fraudulenta, o que se mostrava contrário ao espírito da atribuição do apoio judiciário, não vislumbrando porque o beneficiário seria assim prejudicado, tão só por constituir mandatário apontando para o facto da a apresentação da procuração, mais aludindo se o mandatário já constituído já patrocinava o Recorrido noutros processos interpostos pela Recorrente, contrariamente à invocada argumentação no sentido da existência de fraude, antes justifica a constituição, concluindo que o disposto no n.º 4 do art.º 24, da Lei 34/2004, consagra tão só uma interrupção do prazo em curso, e não uma interrupção sob condição resolutiva de o ato ser praticado através de patrono nomeado, interrupção essa que se produz no momento do facto interruptivo, independentemente de ocorrências posteriores, mantendo a decisão de tempestividade da junção da contestação.

1. Já a Recorrente vem invocar nas suas alegações que o Recorrido só podia beneficiar do prazo interruptivo se a contestação tivesse sido apresentada pela patrona nomeada, pois o entendimento diverso desvirtua o regime de apoio judiciário de modo de apenas se retirar o benefício de tal interrupção contestando fora dos prazos processuais gerais, numa violação do direito da igualdade, sendo inequívoco que o Recorrido e o seu Mandatário fizeram do pedido de apoio um expediente dilatório e abusivo, com o único objetivo de ganhar tempo, para poder viver e usufruir de uma casa reconstruída pela Recorrente, em prejuízo dela e dos demais herdeiros sobrinhos do Recorrido, pois está comprovado pelo procedimento cautelar em apenso que o Mandatário subscreveu a contestação, foi constituído muito antes do pedido de nomeação de patrono, tendo procuração junta desde Fevereiro de 2021.

3. A Lei 34/2004, de 29 de julho, (Lei de acesso ao direito e aos tribunais – LADT) e posteriores alterações1, veio alterar o regime do acesso ao direito e aos tribunais, na transposição para a ordem jurídica nacional a Diretiva n.º 2003/8/CE, do Conselho de 27 de janeiro, no estabelecimento de regras mínimas comuns relativas ao apoio judiciário, visando a melhoria do acesso à justiça nos litígios transfronteiriços.


3.1.Em conformidade, em termos de finalidade, foi apontado que o sistema de acesso ao direito e aos tribunais visa assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido o conhecimento, o exercício ou defesa dos seus direitos, em razão da sua condição social ou cultural ou por insuficiência de meios económicos, art.º1, n.º1, através dos mecanismos de informação jurídica e proteção jurídica, n.º 2, e n.º 2, do art.º 2, da LADT.


Centrando-nos na proteção jurídica na modalidade de apoio judiciário, n.º1, do art.º 6, da LADT, concedida para questões ou causas jurídicas concretas em que o utente tenha um interesse próprio ou que versem sobre direitos diretamente lesados ou ameaçados de lesão, n.º2, têm direito à mesma, neste caso, os cidadãos nacionais que demonstrem estar em situação de insuficiência económica, art.º 7, n.º1, nos termos delineados nos artigos 8.º, 8.º-A, a realizar tal como dispõe o art.º 8.º-B, da LADT.


3.2.Por sua vez o cancelamento, resultará, nomeadamente, na aquisição de meios suficientes para poder dispensá-la, art.º 10, n.º1, devendo o requerente declarar, logo que o facto se verifique que está em condições de dispensar a proteção em alguma ou todas as modalidades, sob pena de ficar sujeito às sanções previstas para a litigância de má fé, n.º 2 do mesmo artigo 10, se o não realizar voluntariamente, para tanto pagando as despesas processuais devidas a juízo, ou no caso de patrono nomeado, constituindo mandatário forense, o cancelamento pode ser realizado de modo oficioso pelos serviços da segurança social, a requerimento do Ministério Público, da Ordem dos Advogados, da parte contrária e do patrono nomeado, para casos como o dos autos, ouvido o beneficiário, realizado nos termos dos mecanismos dos artigos 12.º, e 13.º, com instauração da ação para cobrança das importâncias devidas, podendo ocorrer ainda a caducidade da proteção jurídica, art.º 11, todos preceitos da LADT.


3.3.Entre as modalidades do apoio judiciário estão a dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, bem como a nomeação e pagamento da compensação ao patrono, art.º 16, n.º1, a) e b), aplicando-se em todos os tribunais, qualquer que seja a forma do processo, art.º 17, n.º1, sendo concedido qualquer que seja a posição processual que o requerente ocupe na causa, deve ser requerido antes da primeira intervenção processual, mantém-se para efeitos de recurso, qualquer que seja a decisão da causa, sendo extensivo a todos os processos que corram por apenso, sendo também aos autos principais se concedido num apenso, e sendo o processo desapensado, o apoio concedido será mantido, juntando-se aos autos desapensados, oficiosamente, certidão da decisão que o concedeu, sem prejuízo da notificação ao patrono nomeado, para o mesmo se pronunciar sobre a manutenção ou escusa do patrocínio, art.º 18, n.ºs 1, 2, 4, 7 e 6, da LADT.


3.4. Neste enquadramento releva, maxime, no caso sob análise, a designada “autonomia do procedimento” no que concerne ao n.º 4 do art.º 24, da LADT, consignando que quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de ação judicial e o requerente pretenda a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação de requerimento com que é promovido o procedimento administrativo, iniciando-se o prazo interrompido, a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação, ou a partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de apoio de nomeação de patrono, respetivamente, alíneas a) e b), do n.º 5, do mesmo preceito legal.


A nomeação do patrono é feita ao requerente com a expressa advertência do início do prazo judicial, e menção da obrigação de lhe prestar a sua colaboração, sob pena de o apoio judiciário ser retirado, e igualmente ao tribunal, art.º 31, n.º1 e 2, podendo o beneficiário em qualquer processo requerer à Ordem dos Avogados a substituição do patrono nomeado, fundamentando o seu pedido, com a comunicação por parte da Ordem dos Advogados ao tribunal da nomeação do novo patrono, art.º 32, assim como o patrono nomeado pode pedir escusa, mediante requerimento à Ordem dos Advogados, com a indicação dos respetivos motivos, que sendo formulado na pendência da ação, interrompe o prazo que estiver em curso, com a junção aos autos do respetivo requerimento, art.º 34, todos da LADT.


3.5. No que concerne à interrupção do prazo, conforme o n.º 4, do art.º 24, da LADT, importa para a devida compreensão e limites no regime ali estabelecido, procurar a ratio do preceito, como alude o Acórdão do Tribunal Constitucional de 23.06.20042, reportando-se ao similar n.º 4 e 5 do art.º 25, da Lei 30-E/2000, de 20 de dezembro, que antecedeu a LADT, e assim parafraseando o ali mencionado, os prazos processuais consubstanciam-se em interregnos de tempo atribuído aos interessados para virem aos autos defenderem os seus direitos e interesses legalmente protegidos, na articulação de factos e direitos exigindo conhecimentos técnicos no âmbito do direito, cuja prática apenas é reconhecida às pessoas legalmente habilitadas para exercer o patrocínio judiciário, se o prazo não se interrompesse corria-se o risco de o interessado não poder defender de modo efetivo, por o prazo se ter extinguido, ou sempre menor ao estabelecido na lei para a prática do ato ao qual o prazo é funcionalizado, e desse modo sempre numa posição juridicamente desigual aos demais interessados que não careciam de meios económicos para socorrer-se dos serviços de mandatário para defender as suas posições. “O princípio da igualdade de armas, corolário no processo do princípio fundamental da igualdade dos cidadãos, sairia irremediavelmente afetado”.


Sob o principio da igualdade referencia-se três dimensões ou vertentes, isto é a proibição de discriminação e a obrigação de diferenciação, no sentido de igualdade de tratamento para situações iguais e interdição de tratamento para situações diferentes, ilegitimidade de qualquer diferenciação de tratamento baseada em critérios subjetivos, e uma última como forma de compensar as desigualdades de oportunidade, a que se reporta a sanação do risco da indefesa do requerente do benefício do apoio judiciário.


3.6. Retenha-se que a decisão final sobre o pedido de proteção jurídica não só é notificada ao requerente, e também à Ordem dos Advogados se for solicitada a nomeação de patrono, mas também ao tribunal em que a ação se encontra pendente, e através dela à parte contrária, tendo esta legitimidade para impugnar a decisão, art.º 26, n.º 1, n.º 2, n.º 4 e n.º 5, impugnação essa, judicial, a realizar nos termos do art.º 27 e 28, todo das LADT, sendo irrecorrível a decisão proferida pelo tribunal, sendo que o indeferimento do pedido de apoio judiciário importa a obrigação do pagamento das custas devidas, e no caso de nomeação de patrono o pagamento da quantia prevista no n.º 2, do art.º 36, da LADT, tal como resulta do art.º 29, n.º4, também da LADT.


3.7. Neste breve quadro delineado do quadro de proteção jurídica, configura-se, que para além do natural apontamento do regime subsidiário no concerne ao procedimento de concessão de proteção jurídica – Código de Procedimento Administrativo, art.º 37 da LADT, se estabeleceu um regime que se basta em si mesmo, quer em termos dos fundamentos para a sua atribuição, mas também as consequências resultantes do respetivo desenvolvimento, caso de sancionamento quando contrariando os termos definidos, caso das sanções por litigância de má-fé, e eventuais condenações por despesas efetuadas indevidas.


Tal não significa que possa haver extrapolações, enviesando o regime, importando dessa forma reações diversas das apontadas, em casos manifestamente abusivos e ilegais, donde resultará as consequências que se justifiquem para o caso, pois apenas perante a situação e os seus contornos concretos apurados será possível formular um juízo caraterizado por um intenso desvalor.

4. Reportando-nos aos autos, analisando-os, via Citius, resulta cristalinamente que inexistem quaisquer outros apensos que não sejam os presentes de recurso em separado, Apenso A, pelo que as conclusões que a Recorrente pretenda retirar de essa apensação falecem por falta de qualquer fundamento.


Adita-se, que o documento apresentado com as alegações do documento de revista, que corresponderão a uma oposição e procuração relativas a outros autos em que as partes em litígio serão as mesmas, para além de não se mostrar certificado enquanto articulado e documento pertencentes a um processo judicial, sendo certo que sempre seria extemporânea a respetiva apresentação, considerando a própria alegação da Recorrente, art.º 680, do CPC.


Assim, releva saber se como invoca a Recorrente, tendo o Recorrido suscitado o benefício de apoio judiciário também na modalidade de nomeação de patrono, e tendo renunciado a esse pedido que lhe foi satisfeito, constituindo mandato forense, não pode usufruir da interrupção do prazo para contestar que derivou daquele pedido, considerando que constitui um expediente dilatório, gerador não só de uma situação manifesta desigualdade, mas traduzindo-se também numa fraude à lei contrariando os fins para o que o instituto foi desenhado.


Desde logo, na sequência do já enunciado, apenas nos podemos ater aos presentes autos, e nestes o Requerido efetivamente pediu o apoio judiciário na modalidade de na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e encargos, bem como de nomeação e compensação de patrono, informando os autos alguns dias após o Tribunal interrompendo-se o prazo, que lhe foi concedido, contudo antes de findar o prazo em conformidade atribuído, constituiu mandatário, isto é desistiu voluntariamente de parte do benefício concedido, o que como vimos não lhe estava vedado, não sendo atribuído outra consequência a essa desistência, que não as decorrentes de deixar de beneficiar desse modo de proteção.


Por outro lado não pode ser esquecido que lhe foi atribuída a proteção solicitada, que não consta que tenha sido retirada na modalidade de que não desistiu, no pressuposto de insuficiência económica, mostrando-se também já acima enunciado que nos termos como lhe foi dada visava colocar as partes com igualdade de armas, tendo em conta que a Requerente terá disponibilidade económica para custear as despesas decorrentes deste pleito com o Requerido, afastada ficando a violação do princípio de igualdade.


Sublinhe-se também que o facto de o Requerido vir a constituir mandatário, que o terá acompanhado noutros litígios anteriores não pode ser considerado como o obstáculo à legalidade da interrupção do prazo e à tempestividade da apresentação da contestação, face não só à explicitada autonomia do procedimento, mas também às múltiplas vicissitudes que afetam a vida económica das pessoas, dotando a sua esfera patrimonial de uma dinâmica por vezes imprevisível, mas também às ligações pessoais que por vezes determinam situações não expectáveis, numa miríade de aspetos que por terem natureza especulativa não cabe aqui dissecar.


Não se desconhecendo entendimentos divergentes, configura-se que um atendimento, que se dirá radical, no sentido de a constituição de mandatário pelo requerente de apoio judiciário quando ainda decorre a interrupção do prazo, constitui uma violação do regime, ou mesmo uma fraude à lei, e como tal extemporânea a apresentação da contestação, para além do já dito, será de difícil compaginação com a situação em que formulado o pedido de nomeação de patrono, o mesmo é negado, iniciando-se o prazo a partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento desse pedido de nomeação de patrono, art.º 24, n.º 5, b), da LADT.


Por último, não se enjeita que surjam situações de verdadeiro abuso, na obtenção de dilatação dos prazos, à margem da ratio da lei mas ainda com possível inserção no seu elemento literal, assumindo a natureza de abusivas, ou mesmo fraudulentas, determinando a sua verificação, que importa, em termos de sanação processual, a consideração da extemporaneidade da contestação, e decorrente desentranhamento.


Pela sua gravidade, como já referimos, deverão estar bem delineadas no processo, caso que não se patenteia nos presentes autos, e como tal não merecendo o desvalor pretendido pela Recorrente.

5. Improcedem assim as conclusões formuladas.


III – DECISÃO


Nestes termos, decide-se negar a revista


Custas pela Recorrente,

Lisboa, 16 de janeiro de 2024

Ana Resende (Relatora)

Luís Espírito Santo

A. Barateiro Martins

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Sumário, art.º 663, n.º 7, do CPC.


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1. Lei 47/2007, de 28.08, Lei 40/2018, de 08/08, Lei 120/2018, de 27/12, Lei 2/2029, de 31.03 e Lei 45/2004, de 29.07.↩︎

2. Acórdão n.º 467/2004, processo n.º 76/04, in TC > Jurisprudência < Acórdão 467/2004, wwwtribunalconstitucional.pt.↩︎