Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
482/06.7TTPRT.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO PEREIRA
Descritores: PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 03/03/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - Integra-se nos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça a questão de direito de saber se o elenco apresentado como contendo a matéria de facto provada se circunscreve, efectivamente, a dados com tal natureza ou se contém matéria que envolva juízos de direito, de valor ou conclusivos e que haja de ser considerada matéria de direito.
II - Pese embora a expressão trabalhar sob as ordens e direcção de alguém seja utilizada na linguagem comum para traduzir uma realidade fáctica e, nessa medida, possa, em certas circunstâncias, ser considerada como matéria de facto, isso não sucede quando numa acção o thema decidendum consiste justamente em saber se determinado contrato reveste, ou não, natureza laboral.
III - Nesta hipótese, a referida expressão, se valesse como verdadeira e própria matéria de facto, já encerraria em si a resolução da concreta questão de direito que é objecto da acção, o que implica que tenha de se considerar não escrita, nos termos do n.º 4, do art. 664.º, do Código de Processo Civil.
IV - A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito da matéria de facto é residual e destina-se exclusivamente a apreciar a observância das regras de direito material probatório, nos termos do disposto nos arts. 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, ou a mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, ou a providenciar no sentido de serem sanadas contradições relevantes que tenham ocorrido na decisão sobre a matéria de facto (art. 729.º, n.º 3).
V - Daí se retira que o Supremo não tem poderes para censurar a livre e prudente convicção que o julgador de facto haja firmado, no que respeita aos factos em que valha o princípio geral da liberdade de julgamento, consagrado no n.º 1 do art. 655.º, do Código de Processo Civil, segundo o qual o tribunal colectivo aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
VI - Tendo a relação jurídica invocada pelo Autor sido constituída antes da entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003 mas perdurado após a vigência deste diploma – 1 de Dezembro de 2003 – a sua qualificação jurídica há-de operar-se à luz do regime anterior a este, que é o constante do DL n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969 (LCT), tanto mais que não emerge da factualidade assente qualquer mudança essencial na configuração daquela relação antes e depois de 1 de Dezembro de 2003.
VII - A distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço assenta em dois elementos essenciais: o objecto do contrato (prestação de actividade ou obtenção de um resultado); e o relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia).
VIII - O contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e, como elemento típico e distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador de conformar, através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou; diversamente, no contrato de prestação de serviço, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que efectiva por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra parte.
IX - Tratando-se, em qualquer caso, de um negócio consensual, é fundamental, para determinar a natureza e o conteúdo das relações estabelecidas entre as partes, averiguar qual a vontade por elas revelada, quer quando procederam à qualificação do contrato, quer quando definiram as condições em que se exerceria a actividade – ou seja, quando definiram a estrutura da relação jurídica em causa – e proceder à análise do condicionalismo factual em que, em concreto, se desenvolveu o exercício da actividade no âmbito daquela relação jurídica.
X - A subordinação jurídica, característica basilar do vínculo laboral e elemento diferenciador do contrato de trabalho, implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de sujeição do trabalhador, cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.
XI - A subordinação, traduzindo-se na possibilidade de a entidade patronal orientar e dirigir a actividade laboral em si mesma ou dar instruções ao próprio trabalhador com vista à prossecução dos fins a atingir com a actividade deste, deduz-se de factos indiciários, todos a apreciar em concreto e na sua interdependência, sendo os mais significativos: a sujeição do trabalhador a um horário de trabalho; o local de trabalho situar-se nas instalações do empregador ou onde ele determinar; a existência de controlo do modo da prestação de trabalho; a obediência às ordens e sujeição à disciplina imposta pelo empregador; a propriedade dos instrumentos de trabalho por parte do empregador; a retribuição certa, à hora, ao dia, à semana ou ao mês; a exclusividade de prestação do trabalho a uma única entidade, podendo, ainda, a subordinação comportar diversos graus, não sendo incompatível com a verificação de alguma margem de autonomia do trabalhador, quer no que se refere à forma de produção do trabalho, quer à sua orientação, desde que não colida com os fins últimos prosseguidos pelo empregador.
XII - Dado que os factos reveladores da existência do contrato de trabalho se apresentam como constitutivos do direito que, com base neles, se pretende fazer valer, o ónus da prova incumbe a quem os invoca, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.
XIII - A actividade de assessoria técnica – prevista no contrato firmado entre Autor e Ré – não é incompatível com a noção legal do contrato de prestação de serviço, nomen, aliás, que as partes deram àquele contrato.
XIV - Não é de qualificar como sendo de natureza laboral o vínculo que existiu entre o Autor e a Ré quando não logrou apurar-se qualquer indício no sentido de aquele estar sujeito às ordens e instruções desta, quer quanto à forma da execução contratada, quer quanto à fiscalização da sua actividade, e não logrou apurar-se que estivesse sujeito a horário de trabalho e a eventuais consequências do seu incumprimento, designadamente a nível disciplinar e de retribuição.
XV - Pese embora o Autor, findo o contrato firmado com a Ré, tenha continuado a prestar-lhe alguma actividade, com o conhecimento e consentimento desta – mas agora sem um suporte ou enquadramento formal, ao contrário do que acontecera antes – não se pode afirmar que o tenha sido ao abrigo de um contrato de trabalho quando nada se provou em matéria de ordens e instruções, quanto à forma de execução dessa actividade e, bem assim, quanto à vinculação ao cumprimento de um horário de trabalho e sujeição a poder disciplinar.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I – O autor AA intentou a presente acção, com processo comum, contra o réu Instituto de Solidariedade e Segurança Social, pedindo que:
a) seja declarada a nulidade do seu despedimento, por ilícito, com as legais consequências;
b) seja a Ré condenada a reintegrá-lo ao seu serviço, no seu posto de trabalho ou, se assim optar, a pagar-lhe a indemnização de antiguidade, no montante de € 7.243,80, acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento;
c) seja a R. condenada a pagar-lhe a quantia de € 2.414,60, referente a remunerações já vencidas, bem como todas as vincendas até à data do trânsito em julgado da sentença, acrescidas dos juros de mora à taxa legal até efectivo e integral pagamento, sendo a quantia já vencida desde a data da citação e as vincendas desde a data em que se forem vencendo;
d) Seja a Ré condenada a pagar-lhe as quantias de € 45.873,7, relativa a retribuições não pagas de 05/07/03 a 24/11/04 e € 6.881,60, de subsídios de férias e de Natal não pagos, acrescidas dos juros de mora legais desde a citação.
Alegou, para tal, em síntese:
Foi admitido ao serviço do R., em 5 de Maio do ano de 2003 e, por um período improrrogável de 60 dias, para, no Gabinete de Coordenação dos Centros de Recursos e Apoio aos Estabelecimentos Integrados do Centro Distrital do Porto, prestar serviços de assessoria técnica, mediante retribuição mensal ilíquida de 2.414,60 € e sob as suas ordens e direcção, conforme consta do impropriamente denominado “contrato de prestação de serviços” junto aos autos.
Durante os referidos dois meses, o A. exerceu efectivamente as funções que lhe estavam atribuídas como Assessor do Director Distrital, nas instalações do Centro Distrital, onde dispunha de gabinete, ou nos locais de trabalho indicados pelo Director, dentro do horário normal de funcionamento do Centro Distrital, com instrumentos de trabalho a este pertencentes (computador, extensão interna e linha directa para o exterior, telemóvel), tendo-lhe sido pagas as mensalidades referentes ao Contrato.
Sucede, porém, que, terminado o “improrrogável” prazo de dois meses previsto no contrato mencionado, continuou ao serviço da Ré, a exercer as mesmas funções que desempenhou ao longo do período de vigência inicial do contrato, ininterruptamente e até ao dia dois de Dezembro de 2004, sem qualquer diferença relativamente ao período coberto por aquele contrato, no mesmo local, com o mesmo horário, e a ter as mesmas regalias.
Porém, não mais foi retribuído pelo exercício das suas funções, ou seja, trabalhou para o R. cerca de 19 meses, de Julho de 2003 a final de Novembro de 2004, sem que este lhe tivesse pago qualquer retribuição.
Pelo então Director do Centro Distrital do Porto do Instituto Réu tudo foi feito para a regularização da sua situação retributiva.
A referida situação de não pagamento de salários só foi regularizada em 24/11/2004.
Porém, essa regularização da situação retributiva não teve efeitos retroactivos, pois não lhe foram pagas as retribuições em falta dos mencionados 19 meses, ou seja, desde Julho de 2004 até Novembro de 2004.
O contrato deve ser, em todo o período da sua execução, qualificado como contrato de trabalho
Em 12.03.05, foi impedido de exercer as suas funções o que perdurou até 18 desse mês, o que consubstancia despedimento ilícito.

A Ré contestou a acção, defendendo-se por excepção e impugnação.
Em sede de excepção, alegou: a falta de competência do Director do Centro Distrital para celebração de contratos individuais de trabalho, a qual é do Conselho Directivo do Instituto, que nunca celebrou ou propôs ao A. a celebração de qualquer contrato de trabalho. Mesmo que assim se não entendesse, os créditos resultantes do suposto contrato de trabalho estariam prescritos, já que, a partir de Dezembro de 2004, o A. passou a ser remunerado pela Secretaria Geral do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, entidade distinta e com quem assumiu um outro vínculo. O tribunal do trabalho é materialmente incompetente já que, não se estando em presença de um contrato de trabalho, os tribunais materialmente competentes seriam os Administrativos.
Por impugnação: entre as partes foi, pelas razões que invoca, celebrado, pelo período de 60 dias improrrogável, um contrato de prestação de serviços e não de trabalho; após o seu termo, o A. continuou a prestar alguma actividade aos serviços do réu, sem que tivesse sido remunerado; no entanto, tal só sucedeu por se ter perspectivado que pudesse vir a ser celebrado um contrato de avença, o qual chegou a ser proposto pelo Director do Centro Distrital do Porto ao Conselho Directivo do Réu. No entanto, para que tal sucedesse e para que, conforme orientações em vigor, pudesse ser autorizado pelo Secretário de Estado da Segurança Social, necessário seria a observância de determinados procedimentos, designadamente documentação e justificação necessárias que nunca chegaram a ser remetidas pelo Centro Distrital. Nessa sequência, em Dezembro de 2004, o A. passou a ser remunerado pela Secretaria Geral do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social; a partir dessa data o então Exmº. Sr. Secretário de Estado passou a ter, também no Porto, o seu Gabinete Ministerial, no mesmo edíficio dos serviços do CDSS do Porto.

O A. respondeu, alegando que o recurso à celebração do contrato de prestação de serviços mais não era do que um estrategema para ultrapassar a dificuldade da contratação de pessoal e reafirmando o demais alegado na p.i.; mais refere que os créditos não se encontram prescritos e que o tribunal do trabalho é materialmente competente, concluindo no sentido da improcedência das excepções e da condenação do réu, como litigante de má-fé, em multa e indemnização condignas.

Foi proferido despacho saneador, em que, além do mais, se considerou ser o tribunal «competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia».

Dispensada a selecção da matéria de facto, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova, e, findas as alegações orais, o A., conforme consignado na respectiva acta (fls. 205), declarou não ser sua intenção a reintegração no posto de trabalho «sendo que, como reconheceu em alegações finais, não foi feita prova do despedimento ilícito do mesmo, pelo que fica prejudicado este pedido.».

Foi proferida sentença julgando a acção totalmente improcedente, por não provada, e absolvendo o réu dos pedidos contra ele formulados pelo A.

Inconformado, o A. apelou, tendo a Relação do Porto negado provimento ao recurso e confirmado a sentença.


II – Novamente inconformado, a A. interpôs a presente revista, em que formulou as seguintes conclusões:
1a - O objecto do presente recurso é o mui douto acórdão de Relação do Porto, com processo à margem referenciado, que confirmou a decisão de 1a instância, pois, como se demonstrará, houve violação da lei substantiva, na perspectiva da errada interpretação e aplicação das normas invocadas.
2a - Em síntese, nas alegações e conclusões do recurso de apelação, o apelante pôs em causa não só a decisão sobre a matéria de facto proferida em 1a instância, como também a interpretação e aplicação da "Lei" aos factos dados como provados.
3a - Na impugnação da matéria de facto, foi alegado que deveriam ser dados como provados os factos constantes dos arts. 14° e 15°, 16º a 21°, 31° e 33° da p. i. e eliminada a alínea t), por estar em contradição com as alíneas p) a s).
4a - No que se refere à decisão da matéria de direito, alegou-se, em síntese que, mesmo a ser julgada improcedente a impugnação da matéria de facto, o factualismo apurado já era suficiente para se concluir pela existência de um contrato de trabalho, ao contrário do que se decidiu na sentença sob recurso.
5a - No mui douto acórdão sob recurso, foi decidido, erradamente, eliminar na alínea a) da factualidade aprovada a seguinte passagem e sob as suas ordens e direcção" por se entender ter a mesma natureza conclusiva, devendo, nos termos do art° 646°, n° 4 do CPC ser dada como não escrita.
6a - No artigo 1o da p. i. foi alegada esta factualidade: “O A, foi admitido ao serviço do R para, mediante retribuição e sob as suas ordens e direcção prestar serviços de assessoria técnica.
- No artigo 20° da contestação o réu aceita que os factos alegados nos arts 1° a 10 da p.i, “correspondem à verdade dos factos, confissão irretractável, sendo certo que a expressão “sob as suas ordens e direcção” é utilizada na linguagem comum para traduzir uma materialidade fáctica, a realidade do que efectivamente se passou no caso dos autos, não configurando um juízo conclusivo.
9a - No que se refere à impugnação da matéria de facto, o Tribunal da Relação, no mui douto acórdão recorrido, reconhece não só que o apelante indicou quais os concretos pontos de facto que considerou incorrectamente julgados, isto é, os artigos 14° e 15°, 16° a 22°, 31° e 33° da petição inicial, como também quais os concretos meios probatórios, pessoais e documentais que impunham decisão diversa, com excepção do art° 22°, tudo como o determina o n° do art° 690° do CPC, concluindo que do ponto de vista formal nada obsta à pretendida reapreciação
10a - O Venerando Tribunal da Relação julgou parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto, aditando as alíneas v), w), v) que devia ser x), alterando a al. u) ficando aquém daquilo que, em nosso entender, estava obrigado.
11a - Relativamente aos factos alegados nos arts. 14° e 15° da p. i. não foram devidamente valorados os depoimentos das testemunhas indicadas, muito em especial o depoimento do Director do Centro Distrital do Porto, do qual foi aproveitada apenas a matéria levada à nova alínea v).
12a - Quanto à matéria fáctica dos arts. 16° e 17° suportada pelos documentos n.° s 7 a 11 juntos com a p. i., foi decidido que já estava parcialmente reproduzida nas alíneas l) e m), nomeadamente a sua participação na Comissão de Análise, pelo que não havia que alterar estas.
13a - No que se refere aos factos alegados no art° 18° consideram que os mesmos já se encontravam na parte final da alínea m) e que as notícias dos jornais, (Doc. n° 8) não fazem prova plena da veracidade dos factos nelas noticiadas, esquecendo-se que os factos noticiados não foram impugnados, pelo contrário foram aceites no art° 50° da contestação e só de forma genérica foi dado como assente na referida al. m).
14a - O facto alegado no artº 19°, ou seja, que mesmo depois de cessado o contrato dos autos “continuou a ser convocado para as reuniões da Direcção do Centro com os respectivos directores.. acabou por ser considerado, sendo, por isso, aditada mais uma nova alínea, a w), embora a sua redacção não traduza a matéria suportada documentalmente.
15a - No que se refere ao documento n° 8, ou seja, os Certificados de Frequência de Cursos de Formação do IIES, para prova do alegado nos arts 20° e 21° aderiu-se à decisão de 1ª instância, sem fundamentar cabalmente tal adesão, conformando-se a com a sua vaga e genérica inclusão na al. m).
16a - A matéria fáctica alegada no art° 31°, suportada pelos Docs. N°s 13 e 14 levou à modificação da decisão de 1a instância, com a alteração da redacção da al. u) e aditamento da x) que por lapso se repete como v).
17a - A matéria de facto alegada no art° 33°, deveria ser dada como assente, sendo que a prova desta resulta do depoimento da testemunha do Réu Sr. Dr. R… P…, devidamente transcrito, que a um pedido do Meritíssimo Juiz esclareceu que o A. apesar de passar a receber salários pela Secretaria Geral do Ministério Trabalho e S. Social continuou a prestar trabalho para o Centro Distrital do Porto do ora recorrido, pelo que pode ainda ser corrigida em sede de revista.
18a - A contradição entre as alíneas q), r) e s) e a t), que deve ser eliminada, é evidente, pois bastava ver as datas das cartas trocadas entre a Vogal do Conselho Directivo do R e o Director do Centro Regional, para constatar que a deste, datada de 08/10/2003, é resposta àquelas datadas de dois meses antes e a leitura atenta desta não deixa dúvidas de que foi dada cabal satisfação às questões colocadas para a contratação do A.
19a - Apesar das alterações e aditamentos à matéria de facto assente em 1a instância, resultante da apelação do recorrente, a reapreciação da mesma ficou aquém do que, em nosso entender, deveria ter sido feito.
20a - Assim sendo, como efectivamente o foi, não fez o Venerando Tribunal da Relação, neste seu acórdão recorrido, o correcto uso dos poderes que lhe são conferidos pelo n° 1 do art. 712° do CPC, pelo que deve a mesma ser alterada, ou mandado repetir o depoimento da testemunha R… P… .
21a - Entrando na segunda questão que se propôs apreciar foi a de saber se no período de 05/05/03 a Novembro de 2004 existiu entre as partes um contrato de trabalho, socorrendo-se da definição de contrato de trabalho do art° 1152° do Código Civil e do art° 1° do da tal LCT, aliás idênticas e a de contrato de prestação de serviços do art° 1154° daquele código,
22a - Conclui-se que destas definições legais resulta como o elemento diferenciador essencial destes contratos a sujeição, no contrato de trabalho, da pessoa contratada à autoridade e direcção do contratante (subordinação jurídica), sendo que no contrato de prestação de serviços, a pessoa contratada não está sujeita a ordens ou instruções do contratante agindo com autonomia.
23a - Porém, a diferença substancial entres estes contratos não reside, essencialmente, na subordinação jurídica, como se defende no acórdão recorrido, como muito bem salienta Júlio Gomes no I Volume do seu livro "Direito do Trabalho", a fls. 101 e segs. (7 A SUBORDINAÇÃO JURÍDICA E A CRISE DA SUBORDINAÇÃO), a caracterização da subordinação jurídica é dos temas que mais apreensão suscita para quem a aborda, pois como sempre defendeu “foi uma abstracção, uma fórmula mágica, mas oca, ou, pelo menos, suficientemente elástica, para proporcionar uma aparência de justificação ...”.
24a - A diferença entre estes dois tipos de contratos deve procurar-se no respectivo objecto, pois no de trabalho, um dos contraentes se obriga a prestar ao outro a sua actividade, o seu trabalho e no de serviços obriga-se antes a um certo resultado do seu trabalho, é como que uma obrigação de resultado e não o trabalho em si próprio.
25a - Não se desconhece que em certas situações se torna muito difícil descortinar a diferença entre estes dois contratos e que nesses casos, tem a doutrina e jurisprudência lançado mão de determinados indícios para confirmar a existência de um contrato de trabalho, tendo o acórdão recorrido tecido doutíssimas considerações sobre “...os diversos elementos adjuvantes e indiciários – internos e externos – da caracterização do contrato de trabalho, designadamente da subordinação jurídica”, que se subscrevem integralmente.
26ª - Acresce que o Código do Trabalho, no seu art° 12°, estabelecia a presunção da existência de contrato de trabalho, desde que se verificassem cumulativamente 5 requisitos, os quais correspondem aos tais indícios de que a Jurisprudência e a Doutrina se socorriam para o efeito.
27a - Sendo certo que a nova redacção deste artigo, introduzida pela lei 9/2006 de 20/03, veio atenuar o rigor da exigência dos 5 requisitos cumulativos, para se beneficiar da presunção, caminhando na "direcção certa", como diz Júlio Gomes no Volume 1 do "Direito de Trabalho", a fls 142, embora continue “a não facilitar sobremaneira o esforço probatório do trabalhador.", realçando-se de entre as alterações introduzidas a eliminação a exigência de um período mínimo de 90 dias e a do horário previamente definido.
28a - A matéria fáctica assente na 1a Instância, acrescida da aditada na 2a, permitem-nos concluir a existência cumulativa dos referidos indícios, no caso dos autos, a saber.
a) O A. estava inserido na estrutura organizativa do Centro Distrital do Porto do R(a));
b) Prestava a sua actividade, mediante retribuição, sob as ordens do respectivo Director, de quem era assessor (a));
c) Mesmo que se elimine a parte relativa às ordens e direcção desta alínea, o que se não concede, ficou provado que foi admitido para prestar serviços de assessoria técnica (b)) e que exerceu efectivamente as funções de que lhe estavam atribuídas como Assessor do Director do Centro Distrital (Al, b) e e))
d) O local de trabalho era no edifício do R. na Rua António Patrício, 13°, em gabinete próprio, junto de toda a direcção (f));
e) Foram- lhe pagas a mensalidades referentes aos 2 meses do contrato (e));
f) A partir de Dezembro de 2004, passou a ter uma retribuição mensal certa ilíquida, com descontos para a "Segurança Social "e IRS(c), com direito a férias, subsídio de férias e de Natal, sendo lhe atribuído a categoria profissional de Adjunto(Al. u e v).
29a - Face ao factualismo apurado, substancialmente melhorado pela Relação, não pode deixar de concluir-se pela efectiva existência de um contrato de trabalho entre as partes.
30a - Assim não o entendeu o muito douto acórdão em crise, considerando exígua a factualidade apurada, para se poder concluir, com um mínimo de segurança que a relação entre as partes consubstancia um contrato de trabalho, começando por alegar que a actividade de assessoria não é incompatível com a sua prestação em regime de prestação de serviços.
31a - Com o devido respeito, com esta alegação, demonstra-se desconhecer o que é uma assessoria ou um assessor, porquanto Assessoria é o " Exercício da função de assessor do especialista em determinada matéria que presta colaboração a um superior hierárquico",(negrito nosso) in "Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea" da Academia das Ciências, a fls 386 do I Volume, sendo o assessor um auxiliar, um assistente, pessoa que auxilia outrem no cumprimento de certas tarefas.
32a - O A., ora recorrente, como ficou provado (e)), era assessor do Director Distrital do ISS- IP, o Dr. R… P…, seu superior hierárquico, a quem prestava a sua actividade, como é evidente, sob as suas orientações e instruções e como tal em regime de contrato individual de trabalho.
33a - Por outro lado, acrescenta que nada se provou quanto à vinculação do A, ao cumprimento de um horário de trabalho e às consequências do seu incumprimento, porém, esse facto não é indispensável para qualificar uma relação como laboral, sendo que a nova redacção do mencionado art° 12° do CdT, veio eliminar esse requisito, como elemento indiciador de um contrato de trabalho.
34a - Ao contrário do que ainda se alega o "nomen juris" não é determinante para indiciar a vontade contratual, até por o A, não ser um jurista, sendo certo que é um facto notório as empresas, a administração pública e local, os institutos públicos recorrerem aos impropriamente chamados contratos de prestação de serviços e a recibos verdes para afastarem a aplicação do regime do contrato de trabalho.
35a - Em conclusão, ao contrário do decidido no mui douto acórdão sob recurso, no caso em apreço, no período de 05/05/03 a 05/07/03, ficou inequivocamente provado, face ao factualismo assente em 1a e 2a instância, que a relação contratual existente entre as partes consubstanciava um verdadeiro contrato de trabalho, que o vinculava ao Réu, ora recorrido, sem prejuízo de tal ser reforçado se for alterada a matéria fáctica, pelas razões supra alegadas.
36a - Mas se o impropriamente denominado "Contrato de Prestação de Serviços", junto sob o doc. N° 1 da p. i. vigorou apenas naqueles dois meses, já a relação contratual existente entre as partes, permaneceu idêntica até meados de Março de 2005, com a diferença de que, entre 05/07/03 a Novembro de 2004, o R. não pagou ao A. a retribuição a que tinha direito, sendo essa a 3a questão a apreciar neste recurso.
37a - A matéria fáctica apurada relativa a esse período, ou seja, desde o termo daquele contrato até ao fim da relação contratual, com interesse para a decisão da causa, é a constante das alíneas l) a u) e as que lhe foram acrescentadas em 2a instância:
- Continuou a usar o gabinete que utilizara antes, o tal do 13° piso, logo com todos os instrumentos de trabalho a ele afectos pertencente ao réu;
- Continuou a prestar algum serviço;
- Participou numa Comissão de Análise;
- Representou o Instituto Réu em actos públicos,
- Foi convocado pela secretária do Director Distrital do CDSSS do Porto para
reuniões de trabalho com outros directores do referido Centro (w));
- A vogal do Conselho Directivo do Réu, Sra. Dra. M… O… enviou ao Director do Centro Distrital do Porto as comunicações juntas a fls 120 a 124, datadas respectivamente de 23/07/2003 e 01/08/2003, relativas à contratação do A;
- O Director do Centro Distrital do Porto respondeu àquela Vogal do Conselho Directivo do R. por carta datada de 08/10/2003, junta a fls. 56 a 59;
- Após o termo do contrato dos autos a referida Dra. M… deslocou-se ao Porto e numa reunião ocorrida nas instalações do Centro Distrital, o assunto da contratação do autor foi ventilado;
- O Director do Centro Distrital do Porto envidou todos os esforços para que a situação retributiva do autor fosse regularizada;
- Finalmente tal veio acontecer, em Dezembro de 2004, através Secretaria do
Ministério da Segurança Social, de que depende o Instituto Réu.
38a - Esta é a sequência lógica e cronológica do que efectivamente se passou desde o termo do contrato improrrogável, em 05/07/2003, até ao fim da relação contratual.
39a - Sem prejuízo de para além destes factos outros virem a ser dados como provados, a ser julgado procedente o presente recurso, como se espera, no que se refere à alteração da matéria de facto, nomeadamente que:
- o A. apesar de passar a receber salários pela Secretaria Geral do Ministério Trabalho e S. Social continuou a prestar trabalho para o Centro Distrital do Porto do ora recorrido;
- A eliminação da alínea t).
40a - Só por distracção ou falta de leitura atenta das cartas trocadas entre o Conselho Directivo do R e o Director do Centro Regional, se compreende o conteúdo da alínea t).
41a -O mais aberrante na singela decisão de 1a instância, sufragada com fundamentação diversa na 2a, é reconhecer que o A esteve ao serviço do Réu, durante cerca de 19 meses, de 5/7/2003 a 30/11/2004, como assessor do seu Director Distrital do Porto, e, mesmo assim, decidir não ter direito o A. a ser retribuído pelo serviço efectivamente prestado, sancionando dessa forma um autêntico enriquecimento sem causa.
42a - O Meritíssimo Juiz "a quo" e os Senhores Desembargadores sufragaram este entendimento, aceitando a desculpa formal do R., do nosso ponto de vista imoral e eticamente inaceitável, não resolvendo a questão substancial que nesta acção se levantava.
43a - Eliminada a alínea t) e considerando a matéria fáctica assente em 1a e 2a instância, devidamente interpretada, deverá o mui douto acórdão recorrido ser substituído por outro que condene o R. no pagamento das retribuições a que tinha direito e reclama, durante aqueles 19 meses, no período de Julho de 2003 a Novembro de 2004.
44a - O acórdão recorrido fez uma incorrecta aplicação da lei aos factos apurados, violando os artigos 376°, n° 1 e 2, 405°, 1152° e 1154° do Código Civil, art° 1º da LCT e arts. 646, n° 4 e 712°, n° 1 do CPC.
Pede a revogação do Acórdão recorrido, com a anulação e repetição do julgamento se for necessário, ou, se assim não for entendido, substituindo-o por outro que condene o Réu no pagamento das retribuições a que o A. tinha direito e reclama.

O recorrido contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
1ª. O Senhor Dr. R… P… foi nomeado politicamente para o cargo de Director do CDSS do Porto, que com as conhecidas medidas de contenção orçamental, foi como todos os políticos limitado na possibilidade de colocar "Assessores".
2ª. Uma das limitações foi a impossibilidade dos organismos públicos realizarem contratos de prestação de serviços por mais de dois meses.
3ª. O ISS, LP. nunca teve necessidade ou pretendeu a contratação do Autor, o Senhor R… P… no limite das suas competências contratou um contrato de prestação de serviços por dois meses com o Autor.
4ª. Após esse contrato, o Autor por auto recriação permaneceu nas instalações e a executar tarefas, apesar de saber que não tinha qualquer vínculo e conhecedor do risco da situação que estava a criar, que exemplarmente a testemunha R… P… explica e transmite ao Tribunal a quo.
5ª. Da prova produzida resultou também que, em Dezembro de 2004, o Autor foi contratado pela Secretaria-Geral do Ministério da Segurança Social da Família e da Criança, cujo gabinete foi instalado precisamente no 13° Andar do mesmo edifício do CDSS do Porto, e que recebeu desta entidade a remuneração constante do recibo a fls. 60 dos autos.
6ª. Nesta medida, o Tribunal verificou que o Autor e o seu conhecido o Dr. R… P…, à data nomeado Director do CDSS do Porto tentaram que o ISS, LP. contratasse o Autor por mais tempo do que os dois meses do contrato de prestação de serviços.
7ª. O Autor manteve-se a frequentar as instalações do CDSS do Porto, mas com a plena consciência de que não havia qualquer vínculo com o ISS, LP. e que o Senhor Director do CDSS do Porto não tinha competência para contratar, pelo que nem a aparência de um contrato Individual de Trabalho com o ISS, LP. existia.
8ª. A Secretaria-geral do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, com a tentativa de regionalização do então primeiro Ministro Santana Lopes, foi deslocada para o Porto repentinamente, tendo ficado a mesma sedeada na sede do CDSS do Porto, no 13° andar.
9ª. Ora, dessa forma o Autor para os amigos que o visitavam e restantes pessoas que contactava permaneceu no mesmo local, e ainda por cima tratando-se do Ministério da Solidariedade, o Autor continuava a movimentar-se nas mesmas matérias.

10ª. O Autor pretende forçar o Tribunal a conclusões retiradas da realidade pelo mesmo planeada, consciente e propositadamente, como ficou provado, até pelo testemunho da pessoa que deu cobertura a todo o comportamento e consequente aparência construída, o Sr. Dr. R… P…, de forma a que seja reconhecido um Contrato Individual de Trabalho entre as partes oral e dissimulado. Conclui pela improcedência da revista.

No seu douto Parecer, não objecto de resposta das partes, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo pronunciou-se no sentido de ser negada a revista.

III – Colhidos os vistos, cumpre decidir.

A sentença entendeu que, ao contrário do invocado pelo A., não resultava provado que, entre este e o R., tivesse vigorado um contrato de trabalho, razão por que improcediam todos os pedidos formulados pelo A. que assentavam nesse pressuposto não verificado.

E, no que aqui interessa e, em síntese, o acórdão recorrido:
- Eliminou, por conclusiva e, como tal, dever ser considerada não escrita, a expressão “e sob as suas ordens e direcção” que constava da al. a) dos factos provados;
- Apreciou a impugnação contra a matéria de facto deduzida pelo A., tendo aditado as alíneas v), w) e x) dos factos provados e alterado a redacção da alínea u), e, no mais, desatendido a impugnação;
- Entendeu que o A. não logrou provar que tenha havido um contrato de trabalho a vinculá-lo ao R., e, por isso, julgou improcedente a apelação e confirmou a sentença.

Novamente inconformado, o A. pede, na revista, que seja decidido que houve contrato de trabalho entre as partes e que o R. seja condenado a pagar-lhe € 45.873,7 de retribuições não pagas de 5.7.2003 a 24.11.2004, e € 6.881,60 dos subsídios de férias e de Natal que peticionara, verbas acrescidas de juros de mora.
É, pois, este o único pedido que figura como objecto da revista, à semelhança, aliás, do que já havia acontecido na apelação.

E sabido que o objecto dos recursos, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões (art.ºs 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do CPC), está em causa na revista, saber:
- Se o Tribunal da Relação fez correcta interpretação e aplicação do disposto no artigo 664º, nº 4, do Código de Processo Civil.
- Se o Tribunal da Relação fez ou não correcto uso dos poderes de alteração da decisão de facto que lhe são conferidas pelo artigo 712º, nº 1, do Código de Processo Civil.
- Se, no período de 05.05.2003 a Novembro de 2004, existiu entre as partes um contrato de trabalho, e se o A. tem direito às quantias que peticionou e acima indicadas.

O acórdão recorrido deu como provados os seguintes factos:
a)– O A. foi admitido ao serviço do R., em 5 de Maio do ano de 2003, no Gabinete de Coordenação dos Centros de Recursos e Apoio aos Estabelecimentos Integrados do Centro Distrital do Porto para, mediante retribuição, (1) conforme consta do denominado “CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS” junto a fls. 34 e 35,
b) Prestar serviços de assessoria técnica ao dito gabinete “designadamente efectuando o levantamento das necessidades e o estudo de condições de futuros acordos, bem como a articulação com futuros fornecedores”, conforme consta do denominado “CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS”, junto a fls. 34 e 35.
c) – Por um período improrrogável de 60 dias, mediante a remuneração mensal ilíquida de 2.414,60 €, na sequência de convite que lhe foi dirigido por carta do Centro Distrital do Porto, conforme cópia junta a fls. 36.
d) - Convite esse que foi expressamente aceite pelo A. como se constata pela cópia da carta junta a fls. 37.
e) – Durante os referidos dois meses o A. exerceu efectivamente as funções que lhe estavam atribuídas como Assessor do Director Distrital, tendo-lhe sido pagas as mensalidades referentes ao Contrato, conforme cópias juntas a fls. 38 e 39.
f) – O A. exercia as supra mencionadas funções no Edifício do Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social do Porto, sito na Rua António Patrício, nº 262, no 13º andar, em gabinete próprio, junto de toda a direcção do Centro Distrital.
g) – No referido gabinete dispunha de um computador, ligado em rede a todo o sistema da Segurança Social, nº de funcionário (port. 0001), mobiliário de escritório, uma extensão interna, com o nº 8509 e linha directa do e para o exterior, com o nº 220 908 509, como resulta do documento junto a fls. 40 e 41.
h) – Dispunha ainda de telemóvel de serviço com o nº 917 554 252, sujeito a um plafond de 25 €, podendo ser utilizado para chamadas particulares mediante o pagamento do respectivo excedente.
i) – Durante os dois meses do dito “CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS”, visitou com a Direcção e, por vezes, com o director da respectiva Unidade, todos os Estabelecimentos Integrados no âmbito do Centro Distrital, a fim de poder conhecer os ditos estabelecimentos, bem como os seus dirigentes, para poder com eles contactar directamente.
j) – Destinavam-se tais visitas a proceder a uma avaliação do seu funcionamento, bem como das suas necessidades, quer em termos de pessoal, quer em termos de logística para posterior decisão pela Direcção.
k)Quer o Autor, quer o Director do Centro Distrital do Porto, o Licenciado R… J… T… de C… P…, que outorgou o contrato referido na alínea a) em representação da Ré, tinham consciência de que este apenas tinha poderes para a celebração do dito contrato, não podendo celebrar contratos por período superior nem prorrogar aquele.
l)Posteriormente ao termo do prazo do contrato referido na alínea a) o Autor com o conhecimento e consentimento do Réu continuou a prestar alguma actividade aos serviços do Réu.
m)E, nessa sequência, chegou a participar numa Comissão de Análise, chegou a fazer formação pelo ISS, IP, e chegou a representar os serviços da segurança social em actos públicos.
n)Porém, após o termo do contrato referido na alínea a), o Autor nunca mais recebeu qualquer remuneração do Réu.
o)O Autor permaneceu no serviço após o termo do prazo de 60 dias constante do contrato, nos termos e condições referidos nas alíneas k) a n) porque, quer ele, quer o Director do Centro Distrital do Porto do Réu, R… P… tinham a expectativa de que a situação do Autor pudesse vir a ser resolvida, com a celebração de outro contrato.
p) - O Director do Centro Distrital do Porto do Réu, R… P…, envidou vários esforços para que a situação retributiva do Autor fosse regularizada.
q)O Director do Centro Distrital do Porto do Réu subscreveu e assinou e enviou à Senhora Srª Drª M… O… e S… , Responsável pelo Departamento de Recursos Humanos e vogal do Conselho Directivo do ISSS, o documento junto por cópia a fls. 56 a 59, cujo teor aqui se dá por reproduzido e no qual responde ao pedido de envio de elementos com vista a uma possível contratação do Autor.
r)Por sua vez, a referida Srª Vogal do Conselho Directivo do Réu enviou ao Director do Centro Distrital do Porto, as comunicações juntas aos autos por cópias a fls. 120 a 124 relativas à mesma possível contratação.
s)Durante o período posterior à cessação do contrato referido em A) e durante a permanência do Autor nas instalações do Centro Distrital do Porto, pelo menos por uma vez o assunto da contratação do Autor foi falado numa reunião ocorrida nas instalações do Centro Distrital do Porto do Réu, aquando de uma deslocação da referida Drª M… M… O… e S… .
t)A contratação do Autor nunca chegou a concretizar-se, por não terem sido apresentados os elementos documentais necessários para tal.
u)(2) - Em Dezembro de 2004 o Autor recebeu da Secretaria Geral do Ministério da Segurança Social de Família e da Criança, através do Gabinete do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Segurança Social da Família e da Criança, cujo gabinete foi instalado precisamente no 13º Andar referido na alínea f), a quantia referida no recibo de fls. 60, do qual consta, como categoria profissional, a de “Adjunto”, bem como o pagamento de quantias a título de “vencimento” (2.700,52), de “Desp. Representação” (482,86), de “Subs. de natal (1 duodécimo)” (225,04), de “Subs. de refeição” (77,70) e descontos de IRS (811,00) e para a Segurança Social (321,81).
v)(3) – Após o termo do prazo do contrato referido na alínea a), o A. continuou a utilizar o gabinete referido na alínea f) da matéria de facto provada.
w)(4) – Graça Guedes, Secretária do Director Distrital do CDSSS do Porto, aos 30.06.2003 e 11.07.2003, enviou, por correio electrónico, ao A e a outras pessoas, as mensagens que constam dos documentos de fls. 50 e 51, com o seguinte teor, respectivamente: “Convocam-se os Senhores Directores para uma reunião agendada para o dia 17 de Julho p.f., às 10h00, com eventual continuação para a tarde, com o Snr Director e Directores Adjuntos do CDSS Porto, no 13º piso.(…)” e “Convocam-se os Senhores Directores para uma reunião agendada para o dia 18 de Julho, pelas 10h00, (…).
x)(5) – No ano de 2005 o A. recebeu, a título de “trabalho dependente, o rendimento bruto total” de €13.610,79, tendo sido, de “imposto”, retida a quantia de €2.663,00 e, de “Contribuições Obrigatórias para Protecção Social”, deduzida a quantia de €1.217,97, conforme consta da “Declaração de Abonos e descontos Para IRS” referentes ao ano de 2005, emitida, em 09.01.2006, pelo Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, Gabinete do Secretário de Estado da Segurança Social, que consta do documento de fls. 61.

O denominado “Contrato de Prestação de Serviços”, junto a fls. 34/35 e referido na al. a) dos factos dados como assentes, tem o seguinte teor:
«CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS,
Celebrado ao abrigo do disposto no n.º 2 do Artigo único do Decreto-Lei n° 330/85, de 12 de Agosto, sob autorização dada por Despacho de 05/05/2003 do Director do Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social do Porto no uso da competência delegada por Deliberação n.0 1742/2002 de 24/10/2002 do Conselho Directivo do Instituto de Solidariedade e Segurança Social do Norte.

CONTRATO
PRIMEIRO OUTORGANTE: Instituto de Solidariedade e Segurança Social, (…), representado pelo Licenciado R… J… T… DE C… P…, Director do Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social do Porto
SEGUNDO OUTORGANTE AA, (…)
Os dois outorgantes, acima identificados, celebram, entre si o contrato de prestação de serviços que se rege pelas cláusulas seguinte:s:
-PRIMEIRA-
Objecto do Contrato
O objecto do presente contrato é a prestação de serviços de assessoria técnica ao Gabinete de Coordenação dos Centros de Recursos e Apoio aos Estabelecimentos Integrados do Centro Distrital do Porto, designadamente efectuando o levantamento das necessidades e o estudo de condições de futuros acordos com estabelecimentos, bem como a articulação com fornecedores.
-SEGUNDA-
Duração do Contrato
O presente contrato é celebrado pelo período improrrogável de sessenta dias.
-TERCEIRA-
Remuneração
A remuneração acordada é de Esc.:2.414,60€- dois mil quatrocentos e catorze Euros e sessenta cêntimos mensais.
-QUARTA-
Local de Prestação de Serviços
O Segundo Outorgante obriga-se a prestar os seus serviços profissionais ao do Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social do Porto.
-QUINTA-
Estatuto Jurídico do Segundo Outorgante
O presente contrato não confere ao Segundo Outorgante a qualidade de funcionário ou agente do Estado, não cria qualquer vínculo, sendo regulado nas partes omissas pelas disposições aplicáveis do Código Civil.
-SEXTA-
Entrada em Vigor
Este contrato produz efeitos a partir do dia imediato ao da assinatura pelas partes.-
(…)».


IV – Conhecendo:
Quanto à 1ª questão:
Como vimos, o acórdão recorrido eliminou da alínea a) da matéria de facto provada, a expressão “e sob as suas ordens e direcção”, por ter entendido que, “no contexto de acção em que se discute a existência de um contrato de trabalho ou de prestação de serviços, a referência genérica de sujeição do prestador da actividade a «ordens e instruções» do empregador tem natureza conclusiva, devendo, nos termos do art. 646º, n.º 4, do CPC, ter-se como não escrita”.
Na revista, o A. insurge-se contra tal decisão, defendendo, em síntese, que a expressão em causa, objecto de confissão pelo R., é utilizada na linguagem comum para traduzir uma materialidade fáctica, a realidade do que efectivamente se passou no caso dos autos, não configurando um juízo conclusivo (vejam-se as conclusões 5ª a 7ª).
Apreciando:
Antes de mais cabe referir, como justamente refere a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, no seu parecer, que esta questão cabe nos poderes de cognição do STJ, por, como tem sido entendido, constituir questão de direito a de saber se o elenco apresentado como contendo a matéria de facto provada se circunscreve, efectivamente, a dados com tal natureza ou se contém matéria que envolva juízos de direito, de valor ou conclusivos e que haja de ser considerada matéria de direito (6).
E é de dizer que o A. não tem razão, ao discordar do decidido, sendo de confirmar a decisão da Relação pelas razões que passamos a referir.
Como bem referiu o acórdão recorrido, a expressão em causa não consta do texto do contrato escrito mencionado nessa alínea a), e, por isso, não há razão, a esse título, para nela figurar.
Por outro lado, e como justamente nos dá conta o aludido parecer, esta Secção tem vindo, repetidamente, a afirmar que, muito embora a expressão “trabalhar sob as ordens e direcção” de alguém seja utilizada na linguagem comum para traduzir uma realidade fáctica e, nessa medida, possa, em certas circunstâncias, ser considerada como matéria de facto, isso não sucede quando numa acção o thema decidendum consiste justamente em saber se determinado contrato reveste, ou não, natureza laboral.
É que, nesta hipótese, a referida expressão, se valesse como verdadeira e própria matéria de facto, já encerraria em si a resolução da concreta questão de direito que é objecto da acção, o que implica que tenha de se considerar não escrita, nos termos do nº 4 do artigo 664º, do Código de Processo Civil (7).
Ora, como na presente acção se discute, precisamente, se a relação contratual estabelecida entre as partes deve qualificar-se, ou não, como contrato de trabalho, não podem ser incluídas na decisão da matéria de facto expressões que fazem parte do conceito legal do contrato de trabalho, como acontece com a que está em causa.
E, por isso, não nos merece censura a decisão ora em apreço, que é de confirmar.


Conhecendo da 2ª questão:
Na apelação, o Autor havia impugnado, ao abrigo do artigo 690º-A do Código de Processo Civil, a decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância, sustentando, no essencial, que os factos alegados nos artigos 14º a 22º, 31º e 33º tinham sido incorrectamente julgados, uma vez que os depoimentos gravados e os documentos juntos aos autos impunham uma decisão diversa da que foi tomada, ou seja, impunham que tais factos tivessem sido declarados provados.
E, como já dissemos acima, o Tribunal da Relação julgou parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto, aditando as alíneas v), w) e x) e alterando a alínea u) da matéria de facto dada como provada na 1ª instância, tendo, no mais, desatendido a impugnação.
Nas conclusões 9ª a 20ª da revista, o A. censura, nalguns pontos – que, a seguir, serão referidos – essa decisão, defendendo que a Relação não fez correcto uso dos poderes que lhe são conferidos pelo n.º 1 do art.º 712º do CPC.

Antes de passarmos à concreta análise das censuras feitas, importa atentar nos poderes deste Supremo em matéria de facto.
Os mesmos são limitados e excepcionais, restringindo-se às hipóteses contempladas nos art.ºs 729º, n.ºs 2 e 3 e 722º, n.º 2 do CPC.
Dispõe-se aí:
“Art.º 729º
1. Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.
2. A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 2 do artigo 722º.
3. O processo só volta ao tribunal recorrido quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito.
Art. 722º:
“2. O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.
Ou seja, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito da matéria de facto é residual e destina-se exclusivamente a apreciar a observância das regras de direito material probatório, nos termos do disposto nos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, ambos do Código Processo Civil, ou a mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, ou a providenciar no sentido de serem sanadas contradições relevantes que tenham ocorrido na decisão sobre a matéria de facto (n.º 3 do art.º 729º).
Daí se retira que o Supremo não tem poderes para censurar a livre e prudente convicção que o julgador de facto haja firmado, no que respeita aos factos em que valha o princípio geral da liberdade de julgamento, consagrado no n.º 1 do art.º 655º do CPC, segundo o qual “o tribunal colectivo aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”(8).

Posto isto, vejamos os pontos de censura do A. ao acórdão recorrido.
No que concerne às respostas aos art.ºs 14, 15 e 33 da p.i.(9), o A. invoca que não foram devidamente valorados pela Relação os depoimentos das testemunhas indicadas, muito em especial o depoimento do Director do Centro Distrital do Porto, com base nos quais deviam ter sido dados como provados os respectivos factos.
E, quanto aos factos dos art.ºs 16 e 17 (10), defende que deviam ter sido dados como assentes com base nos documentos n.ºs 7 a 11 juntos à p.i..
Acontece, porém, que tais documentos (11), cuja autoria é atribuída a terceiros, não têm força probatória plena relativamente a tais factos, estando, como tal, submetidos à livre e prudente apreciação do julgador de facto.
No apontado quadro e como resulta do que acima dissemos, este Supremo não pode censurar a convicção a que as instâncias chegaram, a esse respeito, nem, consequentemente, alterar as respostas aos mencionados artigos 14 a 17 e 33 da p.i..

O art.º 18º da p.i.(12) – ressalvado o que o R. aceitou no art.º 50º da contestação e que foi dado como provado na al. m) da factualidade dada como assente – foi impugnado pelo R. no art.º 21º da contestação.
Sendo que os recortes de jornais juntos a fls. 48 e 49 (e que integram o doc. n.º 8, junto com a p.i., e ora invocado pelo A.) não têm força probatória plena sobre os factos impugnados, estando submetidos ao princípio da livre apreciação do tribunal.
Por isso, não há fundamento para este Supremo alterar a resposta dada a esse n.º 18.

O art.º 19 da p.i. é do seguinte teor:
“[O A.] Continuou também a ser convocado para as reuniões da Direcção do Centro com os respectivos directores, como se constata pela convocatória feita pela secretária do Director do Centro Distrital, M. G… G… no e-mail de 30 de Junho de 2003, com efeitos para 17/07, já após a aparente cessação do improrrogável contrato, que se junta e se dá por reproduzido. (Doc n° 9)”.
Com fundamento nos já citados documentos de fls. 50 e 51 (convocatórias internas do Centro para reuniões, que constituem o doc. n.º 9 da p.i.), a Relação veio a aditar à matéria de facto provada a al. w), acima transcrita.
Na presente revista – quer no corpo da alegação, quer na conclusão 14ª – o A. limita-se a referir que a redacção desta nova alínea não traduz a matéria suportada documentalmente.
Invocação completamente vaga e, como tal, não minimamente fundamentadora da impugnação ora feita, o que inviabiliza ou impede, segundo os princípios processuais próprios, uma pronúncia por parte deste Tribunal, sendo certo, por outro lado, que não se vislumbra razão para uma apreciação oficiosa no sentido da alteração da resposta constante da mencionada alínea w).
Ao abordar a impugnação feita pelo A., na apelação, às respostas aos art.ºs 20º e 21º da p.i., o acórdão recorrido pronunciou-se assim:
« Quanto aos nºs 20 e 21, neles se diz que:
“20º No dia 14 de Julho de 2003, por determinação do Núcleo de Formação do Centro Distrital, o A. iniciou o seu 1° Curso em e-Learning denominado "IDQ CONSULTA GERAL", com os seguintes módulos:
Modulo I – Comece a Conhecer o "IDQ — Consulta Geral"
Modulo II – Pessoa Singular (PS)
Modulo III – Pessoa Colectiva (PC)
Modulo IV – Identificação Comum (ID)
Modulo V – Qualificação (QLF)
Tendo o A. obtido avaliação final de 90% em 17/10/2003, conforme doc que se junta e se dá por reproduzido. (Doc n°10)”
“21° Na política de formação deste Instituto, em Agosto de 2004, por determinação do Núcleo de Formação, o A. iniciou um novo curso em E-Learning denominado "O ESSENCIAL das PRESTAÇÕES", com os seguintes módulos:
Modulo I – Fique a Conhecer o Sistema de Informação
Modulo II – ITPT Conceitos, Legislação e Âmbito
Modulo III – ITPT Consultas na Aplicação
Modulo: 2a Disponibilização – Desemprego e SICC
Modulo IV – Desemprego – Conceitos, Legislação e Âmbito
Modulo V – Desemprego – Consultas na Aplicação
Modulo VI – SICC Prestações – Objectivos e Conceitos Essenciais
Modulo VII – SICC Prestações – Movimentos e Estado
Modulo VIII – SICC Prestações – Compensações de Movimentos
Modulo IX – SICC Prestações – CC na Prática
Modulo X – Outras Operações
Tendo o A. obtido avaliação final no ITPT de 81% em 13/08/2004, no Desemprego a de 83% em 29/11/2004 e igual avaliação no módulo SICC em 21/12/2004, conforme doc que se junta e se dá por reproduzido. (Doc n° 11)”
Já consta da al. m) dos factos provados que o A. chegou a fazer formação pelo ISS (facto aceite pela Ré na contestação – cfr. art. 50).
Quanto à participação do A. na formação referida no art. 20 da p.i. haver sido determinada/ordenada pelo Núcleo de Formação do Centro Distrital nada resulta dos documentos de fls. 52 a 55, que fazem apenas referência à participação do A., aos módulos e respectivos tempos. Quanto à concretização dos módulos e avaliação obtida pelo A. nessa formação afigura-se-nos irrelevante para a sorte da acção» (Fim de transcrição).
Ao impugnar essa decisão da Relação, na presente revista, o A. limita-se a invocar, quer no corpo da alegação, quer na conclusão 15ª, que a mesma aderiu à decisão de 1ª instância, sem fundamentar cabalmente tal adesão, conformando-se com a sua vaga e genérica inclusão na al. m).
Conhecendo:
O acórdão recorrido fundamentou de forma suficiente a decisão sobre a impugnação das respostas em causa, não colhendo, pois, a invocação de uma situação de fundamentação não cabal, quaisquer que fossem os efeitos que daí adviessem.
Por outro lado, também aqui, o A./recorrente não invoca qualquer outra motivação para a pretendida alteração das respostas, nem se vislumbra qualquer razão para uma apreciação oficiosa deste Tribunal.
O que inviabiliza a emissão de outra pronúncia, neste ponto.

Finalmente, há que abordar a alegada contradição entre factos, que o A. renova na conclusão 18ª, pelas razões que nela sintetiza.
O acórdão recorrido decidiu assim a questão:
«Quanto à eliminação da al. t), por alegada contradição com o que consta das als. q), r) e s).
A Exmª vogal do Conselho Directivo do Réu enviou ao Exmº Director do Centro Distrital (Dr. R… P…) as cartas que constam de fls. 120 a 124, datadas de Julho de 2003, 01.08.2003 e 13.08.2003, solicitando os elementos e informações que dela constam para que, “de acordo com as orientações legais e regulamentares em vigor”, “o processo” (com vista, como nelas se refere, à contratação do A. no âmbito de contrato de prestação de serviços), pudesse ser submetida à aprovação de Sua Excelência, o Ministro da Segurança Social e do Trabalho. A essas missivas, respondeu o Director do Centro Distrital nos termos da carta de fls. 56 a 59, datada de 08.10.2003. Ora, da mera circunstância do envio desta resposta não resulta que tais entidades hajam considerado que as informações/questões colocadas hajam sido satisfeitas, ou a elas dado cabal satisfação, de modo a que a contratação pudesse merecer aprovação.
Não se vê, assim, que exista qualquer contradição entre tais alíneas. O constante das alienas q), r) e s) não leva, necessariamente, a conclusão contrária e incompatível com o que consta da al. t) » (Fim de transcrição).
Concordamos com o entendimento da Relação – e com as respectivas razões – de que não se verifica a apontada contradição, isto é, que não há incompatibilidade ou desarmonia entre as realidades fácticas constantes, por um lado, das alíneas q), r) e s), e, por outro, da alínea t), que, assim, podem “conviver” entre si, não se tornando necessário providenciar pela sanação desse inexistente “vício”, vg. através da baixa dos autos à Relação, nos termos da parte final do n.º 3 do art.º 729º do CPC.

De todo o exposto resulta que é de manter a factualidade dada por provada no acórdão da Relação e acima transcrita em III.

Conhecendo agora da última questão:
O A. continua a defender, em síntese, que os factos provados contêm índices de subordinação jurídica que, num juízo global, conduzem a que se conclua pela existência de contrato de trabalho entre as partes, no período de 5.5.2003 a Novembro de 2004, e que tem direito às quantias que reclamou e já acima mencionadas.

No aludido período, ocorreram alterações no ordenamento jurídico, traduzidas na aprovação do Código do Trabalho pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto (Lei Preambular), que revogou os diplomas respeitantes às matérias reguladas no Código, entre os quais, o Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969, que aprovou o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho (LCT) – [artigo 21.º, n.º 1, alínea a), da Lei Preambular].
Daí que, para resolver a questão que ora nos ocupa, haja que atender a que a Lei Preambular fixou, no artigo 3.º, n.º 1, o dia 1 de Dezembro de 2003 para a entrada em vigor do Código e, no artigo 8.º, n.º 1, consignou a regra geral de aplicação no tempo, segundo a qual “ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho os contratos de trabalho [...] celebrados [...] antes da sua entrada em vigor, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento”.
A relação jurídica invocada pelo A. foi constituída antes da entrada em vigor do Código do Trabalho e, embora se tenha mantido na vigência deste diploma, não vislumbramos entre a factualidade assente que tenha ocorrido qualquer mudança essencial na sua configuração, antes e depois de 1.12.2003 – data da entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003 – v.g. no que toca aos seus contornos ou modo de execução, que leve a encarar uma “transmutação” da sua natureza, em termos de, sendo prestação de serviço, ter passado a ser contrato de trabalho, ou vice-versa.
Diga-se, aliás, que a própria versão do A., na p.i., foi no sentido de ter havido uma uniformidade de configuração do(s) acordo(s) vigente(s), nomeadamente, com a execução das mesmas tarefas ou de tarefas semelhantes, em termos e condições de tempo, local e direcção iguais ou semelhantes (vejam-se, a título de exemplo, os art.ºs 5º a 12º, 14º a 19º, 23º e 33º).
E, assim, nesse quadro, de acordo com a posição que tem vindo a ser perfilhada por esta Secção Social (13) e porque o Código do Trabalho não se aplica aos efeitos (direitos e obrigações) emergentes de factos totalmente passados, antes do início da sua vigência, a qualificação da relação jurídica que ligou as partes – que pressupõe um juízo de valoração sobre os factos que lhes deram origem, ocorridos antes da data da entrada em vigor do Código do Trabalho – há-de operar-se à luz do regime anterior a este, que é o constante da denominada LCT (Lei do Contrato de Trabalho, aprovada pelo DL n.º 49 408, de 24.11.1969), como foi entendido no acórdão e ao contrário do que vem defendido pelo recorrente.


O acórdão recorrido, na linha da orientação que vem sendo seguida pela doutrina e jurisprudência, fez judiciosas considerações sobre a questão da distinção entre o contrato de trabalho e o de prestação de serviço.
Por traduzir essa orientação, permitimo-nos transcrever o que, a esse respeito, se escreveu no recente acórdão deste STJ, de 4 de Novembro de 2009, proferido na Revista n.º 322/06.7TTGDM.S1, desta 4ª Secção.
Lê-se nele:
«A distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço, definidos, respectivamente, no artigo 1152.º do Código Civil – cujo texto foi reproduzido no artigo 1.º da LCT – e no artigo 1154.º do mesmo Código, assenta, como se observou no Acórdão deste Supremo de 23 de Fevereiro de 2005 (Documento n.º SJ200502230022684, em www.dgsi.pt), em dois elementos essenciais: o objecto do contrato (prestação de actividade ou obtenção de um resultado); e o relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia).
Assim, o contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e, como elemento típico e distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador de conformar, através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou.
Diversamente, no contrato de prestação de serviço, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que efectiva por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra parte.
Nem sempre, através do critério do objecto do contrato, surge, com nitidez, a distinção entre as duas figuras, já que, frequentemente, não se consegue determinar se a obrigação assumida foi a de “prestar uma actividade intelectual ou manual”, própria do contrato de trabalho (artigo 1152.º do Código Civil), ou se obrigação consiste em “proporcionar certo resultado do trabalho intelectual ou manual”, própria do contrato de prestação de serviço (artigo 1154.º do Código Civil), pois que todo o trabalho visa a obtenção de um resultado e este não existe sem aquele.
Por isso, em última análise, é o relacionamento entre as partes – a subordinação ou autonomia – que permite atingir aquela distinção.
Tratando-se, em qualquer caso, de um negócio consensual, é fundamental, para determinar a natureza e o conteúdo das relações estabelecidas entre as partes, averiguar qual a vontade por elas revelada, quer quando procederam à qualificação do contrato, quer quando definiram as condições em que se exerceria a actividade – ou seja, quando definiram a estrutura da relação jurídica em causa – e proceder à análise do condicionalismo factual em que, em concreto, se desenvolveu o exercício da actividade no âmbito daquela relação jurídica.
A subordinação jurídica, característica basilar do vínculo laboral e elemento diferenciador do contrato de trabalho, implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de sujeição do trabalhador, cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.
A cargo da entidade patronal estão os poderes determinativo da função e conformativo da prestação de trabalho, ou seja, o poder de dar um destino concreto à força de trabalho que o trabalhador põe à sua disposição, quer atribuindo uma função geral ao trabalhador na sua organização empresarial, quer determinando-lhe singulares operações executivas, traduzindo-se a supremacia da entidade patronal, ainda, nos poderes regulamentar e disciplinar.
A determinação da existência de subordinação jurídica e dos seus contornos consegue-se mediante a análise do comportamento das partes e da situação de facto, através de um método de aproximação tipológica, única via a percorrer, na ausência de comportamentos declarativos expressos definidores das condições do exercício da actividade contratada, situação frequente quando se trata de convénios informais.
A subordinação “traduz-se na possibilidade de a entidade patronal orientar e dirigir a actividade laboral em si mesma e ou dar instruções ao próprio trabalhador com vista à prossecução dos fins a atingir com a actividade deste, e deduz-se de factos indiciários, todos a apreciar em concreto e na sua interdependência, sendo os mais significativos: a sujeição do trabalhador a um horário de trabalho; o local de trabalho situar-se nas instalações do empregador ou onde ele determinar; existência de controlo do modo da prestação do trabalho; obediência às ordens e sujeição à disciplina imposta pelo empregador; propriedade dos instrumentos de trabalho por parte do empregador; retribuição certa, à hora, ao dia, à semana ou ao mês; exclusividade de prestação do trabalho a uma única entidade” e “pode comportar diversos graus, não sendo incompatível com a verificação de alguma margem de autonomia do trabalhador, quer no que se refere à forma de produção do trabalho, quer à sua orientação, desde que não colida com os fins últimos prosseguidos pelo empregador” – Acórdão deste Supremo Tribunal, de 21 de Março de 2001 (Processo n.º 3918/00 - 4.ª Secção), sumariado em www.stj.pt, Jurisprudência/Sumários de Acórdãos.
A subordinação apenas exige a mera possibilidade de ordens e direcção e pode até não transparecer em cada momento da prática de certa relação de trabalho, havendo, muitas vezes, a aparência da autonomia do trabalhador que não recebe ordens directas e sistemáticas da entidade patronal, o que sucede sobretudo em actividades cuja natureza implica a salvaguarda da autonomia técnica e científica do trabalhador.
As dificuldades na formulação do juízo qualificativo, através do critério do relacionamento entre as partes, acentuam-se perante situações que contêm elementos enquadráveis em diferentes figuras contratuais por se situarem em zonas de fronteira entre o contrato de trabalho e outras espécies de contratos, para cuja execução é necessária a prestação da actividade intelectual ou manual de alguém, sobretudo nos casos de maior autonomia técnica, em que é mais difícil clarificar os espaços de auto e heterodeterminação e, assim, descortinar qual o tipo de relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia).
Torna-se, assim, necessário, para alcançar a identificação da relação laboral, proceder à análise da conduta dos contraentes na execução do contrato, recolhendo do circunstancialismo que o envolveu indícios que reproduzem elementos do modelo típico do trabalho subordinado ou de outro (v. g. da prestação de serviço), por modo a poder-se concluir, ou não, pela coexistência no caso concreto dos elementos definidores do contrato de trabalho.
Dado que os factos reveladores da existência do contrato de trabalho se apresentam como constitutivos do direito que, com base neles, se pretende fazer valer, o ónus da prova incumbe a quem os invoca, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil » (Fim de transcrição).

Este, pois, o enquadramento genérico da questão, também perfilhado, no essencial, no acórdão recorrido, que veio a fundamentar assim o entendimento de que não se demonstrou, no caso dos autos, a existência de um contrato de trabalho entre as partes, com a consequente improcedência do pedido que estava em causa:

«3.1.2. Revertendo ao caso em apreço:
No que se reporta ao período de 05.05.03 a 05.07.03:
No sentido da eventual existência de contrato de trabalho poderia apontar a natureza da actividade prestada pelo A. (assessoria), o facto de o ser nas instalações do Réu, onde aquele dispunha de gabinete mobilado, e utilizando instrumentos a estes pertencentes (computador ligado em rede a todo o sistema da Segurança Social, telefone e telemóvel com um plafond). Também o pagamento de uma remuneração mensal fixa poderia apontar nesse sentido.
Porém, tal factualidade afigura-se-nos exígua no sentido de se poder concluir, ao menos com um mínimo de segurança, que tal relação consubstanciaria uma relação de trabalho subordinado.
Quanto à actividade de assessoria, não vemos que seja ela incompatível com a sua prestação em regime de prestação de serviços, tanto mais que nem alegadas ou provadas ficaram as concretas tarefas que o A., no dia a dia, efectuava.
A prestação dessa actividade nas instalações do réu, com gabinete para o efeito, e com instrumentos de trabalho deste, não é também concludente ou suficiente no sentido do contrato de trabalho, nem é igualmente incompatível com a prestação da actividade em regime de prestação de serviços, figura contratual esta no âmbito da qual a actividade também poderá ser prestada nas instalações do contratante (se, pela sua natureza, os serviços a prestar aí deverem ter lugar) e não excluindo a possibilidade de esses meios poderem ser facultados pelo contratante ao prestador, tanto mais envolvendo a actividade de assessoria, como envolve, uma relação de proximidade à pessoa que é assessorada.
E o pagamento de uma remuneração certa, com uma periodicidade mensal, também não é excluída pela prestação de serviços, que é também remunerada e que o poderá ser de forma certa e periódica, como acontece aliás com a avença, modalidade daquela figura contratual.
Quanto às ordens e instruções, e embora nada tenha ficado provado, sempre se diga que a prestação de serviços é compatível, também, com directrizes que sejam emitidas no âmbito da indicação e definição dos concretos serviços que o contratante pretende que sejam realizados ou prestados. De todo o modo, no caso, nada se provou relativamente quer a ordens ou instruções por parte do réu quanto à forma de execução da actividade contratada, quer quanto a fiscalização da sua actividade.
Por outro lado, também nada se provou quanto à vinculação do A. ao cumprimento de um horário de trabalho e às eventuais consequências desse incumprimento, bem como nada se provou quanto à eventual sujeição do A. ao poder disciplinar que é próprio de uma relação de trabalho subordinado.
Também o nomen juris atribuído ao contrato, ainda que não determinante (pois que o que valerá é a efectiva execução contratual), sempre constitui elemento indiciador da vontade contratual. Acresce que os subscritores do contrato – Autor e Director do Centro Distrital do Porto – tinham consciência de que este apenas tinha poderes para celebrar o tipo contratual que foi celebrado e não já para celebrar contratos de trabalho.
Por fim, resta acrescentar que, em caso de dúvida quanto à existência de contrato de trabalho, sempre deveria ela ser resolvida em desfavor do A. já que é sobre ele que impende o ónus da prova da existência de contrato de trabalho (arts. 342º, nº 1 e 346º do Cód. Civil e 516º do CPC).
Assim sendo, impõe-se concluir não ter o A. feito prova de que a relação contratual existente entre as partes consubstanciava, no período de 05.05.03 a 05.07.03, um contrato de trabalho, este a causa de pedir da acção.

O mesmo se diga quanto ao período de 05.07.03 a Novembro de 2004, em que nem tão pouco existia qualquer enquadramento formal da actividade prestada nesse período. Com efeito, quanto a este, apenas se provou que o A. continuou a prestar alguma actividade aos serviços do Réu, tendo participado numa Comissão de Análise, feito formação e representado a segurança social em actos públicos, o que, apesar dessa actividade ter sido prestada com o conhecimento e consentimento do réu (cfr. al. l) dos factos assentes), se mostra insuficiente no sentido de se concluir pela existência de um contrato de trabalho.
Nada se provou quer quanto ao poder, por parte, do Réu, de exigir ao A. essa actividade, quer quanto à vinculação/obrigação, de o A. lha prestar. Também nada se provou em matéria de ordens ou instruções quanto à forma de execução dessa actividade e, bem assim, quanto à vinculação do A. ao cumprimento de um horário de trabalho e às eventuais consequências desse incumprimento. O mesmo se diga quanto à eventual sujeição do A. ao poder disciplinar.
Resta acrescentar que se nos afigura irrelevante que o A., a partir de Dezembro de 2004, haja passado a ser remunerado em conformidade com uma relação jurídica de natureza subordinada, seja ela de direito público (designadamente no âmbito da existente quanto aos membros dos Gabinetes dos titulares de cargos governativos) ou privada. Com efeito, a partir dessa data, o A. passou a integrar, como Adjunto do Gabinete, o Gabinete do então Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Segurança Social da Família e Criança, entidade esta distinta e independente do Réu, remuneração essa que não tem a virtualidade ou eficácia de converter a relação que até então possa ter existido com o Réu em contrato de trabalho. Quando muito, poder-se-ia dizer que constituiria facto, embora quanto a nós manifestamente insuficiente, que poderia induzir à conclusão, por presunção judicial, de que a relação anterior constituiria um contrato de trabalho. Mas, como se disse, tal facto não permite essa conclusão, mesmo que conjugado com a troca de correspondência entre o director do Conselho Distrital e a vogal do Conselho Directivo (a que se reportam as als. q) e r) ou com o referido em s). Aliás, o que a factualidade constante destas alíneas permite concluir é que a referida vogal admitia a eventual possibilidade de contratação do A., mas em regime de prestação de serviços, o qual é, unicamente e sempre, o referenciado na correspondência remetida pela referida vogal como sendo o (eventualmente) possível.

Assim, e em conclusão, não se encontra demonstrado que, no período de 05.05.03 a 05.07.03 e desta data a Novembro (inclusive) de 2004, entre A. e Réu haja existido um contrato de trabalho, este a causa de pedir da acção.

3.1.3. De todo o modo, sempre se diga que nem de promessa de contrato de trabalho se poderia falar, já que nada se provou quanto à celebração de tal (eventual) contrato-promessa. Aliás, este está sujeito à forma escrita, dispondo o art. 8º da LCT (e, de forma idêntica, o art. 94º do CT) que:
1 - A promessa de contrato de trabalho só é válida se constar de documento assinado pelo promitente ou promitentes, no qual se exprima, em termos inequívocos, a vontade de se obrigar, a espécie de trabalho a prestar e a respectiva retribuição.
2 – O não cumprimento da promessa de contrato de trabalho dá lugar a responsabilidade nos termos gerais de direito.
3 - Não é aplicável ao contrato de que trata este artigo o disposto no artigo 830º do Código Civil.
No caso, não foi celebrada, por escrito, qualquer promessa de contrato de trabalho, nem o réu assinou qualquer documento escrito manifestando essa intenção, sendo, aliás, de realçar que da correspondência remetida pela vogal do Conselho Directivo ao Director do Centro Distrital do Porto o que consta é a alusão a eventual celebração de contrato de prestação de serviços.
Como se diz na sentença recorrida, e resulta da matéria de facto provada (al. o), o que existia da parte do A. e do Director do Centro Distrital do Porto era a expectativa de que a situação daquele pudesse vir a ser resolvida, com celebração de um outro contrato, nem sendo tão-pouco seguro que este outro contrato pudesse vir a ser o contrato de trabalho e não qualquer outro tipo contratual.
De todo o modo, nem a promessa, nem a expectativa, de celebração de contrato de trabalho constituem a causa de pedir da acção, a qual assentava na existência de uma relação jurídica que, ainda que constituída de facto, consubstanciaria um contrato de trabalho. Ora, pelo que já acima se disse, não fez o A. prova de que, de facto, a relação havida constituísse um contrato de trabalho, prova essa cujo ónus sobre ele impendia.

4. Quanto à 3ª questão:

Esta prende-se com a questão de saber se o A. tem direito às retribuições, que reclama, correspondentes ao período de Julho de 2003 a Novembro de 2004.
A procedência do recurso e, por consequência, desse pedido, dependia da prova da existência do alegado contrato de trabalho, este a causa de pedir em que ele assentava. Não tendo o A. feito tal prova, mais não resta do que concluir no sentido do não provimento do recurso » (Fim de transcrição).

Conhecendo, diremos que subscrevemos, nos termos essenciais, o juízo global feito pelo acórdão recorrido de que, no caso, não é de concluir pela existência de um contrato de trabalho a ligar as partes, quer no período de 5.5 a 5.7.2003, em que vigorou o denominado “contrato de prestação de serviços”, quer no período ulterior em que não houve qualquer enquadramento formal da actividade do A..
E concordamos também com a conclusão extraída da improcedência do pedido em causa.
Limitar-nos-emos, por isso, a tecer as breves considerações que se seguem.

No que respeita àquele primeiro período de 5.5 a 5.7.2003, há que ter em atenção o aludido contrato escrito, cujo teor foi acima transcrito, na parte que aqui interessa.
E é de dizer que, a nível do seu clausulado, não vislumbramos qualquer incompatibilidade ou discrepância com a noção legal do contrato de prestação de serviço, sendo também que, como salientou o acórdão recorrido, não vemos que a actividade de assessoria técnica não possa ser objecto de contrato de prestação de serviço.
Ajustou-se, no contrato celebrado, a obrigação de o A. prestar serviços de assessoria técnica ao Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social do Porto (doravante, designado por CDP), com indicação exemplificativa desses serviços, pelo período improrrogável de 60 dias, contra a remuneração aí indicada, mais se tendo convencionado, na cláusula 5ª, que esse contrato não conferia ao A. a qualidade de funcionário ou agente do Estado, nem criava qualquer vínculo, sendo regulado, nas partes omissas, pelas disposições aplicáveis do Código Civil.
Face à designação dada pelas partes ao contrato e ao aí clausulado, incluindo as especificações constantes da referida cláusula 5ª, referente ao estatuto jurídico que dele emergia para o A., extrai-se, em princípio, a intenção das partes de celebrarem um contrato de prestação de serviço.
Mas, como tem sido entendido, o nomen juris atribuído a um contrato não é decisivo para a sua qualificação, face ao concreto modo como o mesmo tenha sido executado, e que pode revelar que outra seja a sua natureza.
Adiantaremos, porém, à semelhança da posição do acórdão recorrido e do Parecer da Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo, que, no caso, os dados de facto apurados não têm virtualidade para levar a concluir que a verdadeira natureza do contrato em causa, que vigorou de 5.5 a 5.7.2003, tivesse sido a de contrato de trabalho.
É certo que vem provado que o A. exercia a sua actividade de assessoria nas instalações do R., utilizando os instrumentos que a este pertenciam e que auferiu, no aludido período, a quantia mensal de € 2.414,60, factos que, em princípio, se podem reconduzir a índices de subordinação jurídica.
Não pode, porém, esquecer-se a particularidade da prestação a que o A. se obrigou – a de assessoria técnica, com a realização, designadamente, do levantamento das necessidades e o estudo de futuros acordos com estabelecimentos, bem como a articulação com fornecedores – e que torna verosímil a vantagem, para as partes, até do ponto de vista de apoio logístico, de o A. utilizar as instalações e os equipamentos do R., na execução das suas tarefas, acrescendo, como se salientou no acórdão recorrido, que a actividade de assessoria envolve uma relação de proximidade à pessoa ou entidade que é assessorada.
E, por outro lado, não é de forma nenhuma anormal que prestações de serviço sejam retribuídas com uma verba fixa, em função da unidade de tempo considerada (vg. o mês), e não por outra forma, designadamente em função dos resultados da prestação, até porque nem sempre é fácil estabelecer os critérios deste tipo de retribuição e fazer o respectivo apuramento.
O que significa que, no caso dos autos, os apontados dados de facto assumem diminuta relevância no sentido da laboralidade do vínculo.
Em contrapartida é de relevar, como fez o acórdão recorrido, que da factualidade provada não resulta qualquer indício de que o A. estivesse sujeito às ordens e instruções por parte do R. quer quanto à forma de execução da actividade contratada, quer quanto à fiscalização da sua actividade.
Sendo também que, como aí foi focado e realçado no douto parecer da Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, não ficou provada a vinculação do A. ao cumprimento de um horário de trabalho e a eventuais consequências do seu incumprimento, designadamente a nível disciplinar e de retribuição.
E estes aspectos afiguram-se de particular valor sintomático no quadro da qualificação da natureza laboral ou não da relação jurídica vigente entre as partes.
Ora, nesse contexto, entendemos que o juízo global a efectuar não permite concluir que o contrato existente entre as partes, no aludido período de 5.5 a 5.7.2003, tivesse revestido a natureza de contrato de trabalho.

E no que toca ao período posterior?
A esse respeito, resulta, de relevante, da matéria de facto provada que, após o termo do referido contrato escrito (denominado “contrato de prestação de serviços”), o A. continuou a prestar alguma actividade nos serviços do R., com o conhecimento e consentimento deste; que, no referido período, o A. participou numa Comissão de Análise aos serviços locais e balcões do Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social do Porto, frequentou cursos de formação pelo ISS, IP, e representou os Serviços de Segurança Social em actos públicos.
Mais ficou assente que, após o termo do referido contrato, A. nunca mais recebeu qualquer remuneração do R. e que o A. permaneceu ao serviço após o termo do prazo de 60 dias constante do referido contrato escrito celebrado entre as partes, porque quer ele, quer o Director do mencionado Centro, R… P…, tinham a expectativa de que a situação do A. pudesse vir a ser resolvida, com a celebração de outro contrato, tendo aquele Director envidado todos os esforços para que a situação retributiva do A. fosse regularizada, mas a contratação do A. nunca chegou a concretizar-se.
Ora, também no que respeita ao período ora em causa e pelas razões lucidamente expostas no acórdão recorrido, e com as quais se concorda, entendemos que a referida factualidade é manifestamente insuficiente para que se possa concluir que a actividade prestada pelo A. ao R. – agora sem um suporte ou enquadramento formal, ao contrário do que aconteceu antes – o tenha sido ao abrigo de um contrato de trabalho, fosse por eventual manutenção do quadro de direitos/vinculações que pré-existira, fosse por celebração, verbal, de um acordo com objecto diferente do anterior.
Como se consignou, designadamente, no acórdão recorrido, “nada se provou quer quanto ao poder, por parte do Réu, de exigir ao A. essa actividade, quer quanto à vinculação/obrigação, de o A. lha prestar. Também nada se provou em matéria de ordens ou instruções quanto à forma de execução dessa actividade e, bem assim, quanto à vinculação do A. ao cumprimento de um horário de trabalho e às eventuais consequências desse incumprimento. O mesmo se diga quanto à eventual sujeição do A. ao poder disciplinar”.
E pelas razões também invocadas no acórdão recorrido, irreleva, igualmente, para os efeitos que nos ocupa, o facto de o A., a partir de Dezembro de 2004 (posteriormente, pois, lembre-se, ao período com referência ao qual reclama as retribuições e subsídios que estão em causa na presente revista), ter passado a ser remunerado por uma entidade distinta do R., por ter passado a integrar, como Adjunto, o Gabinete do então Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Segurança Social da Família e Criança.

Podemos concluir, assim, que o A. não logrou provar, como lhe cabia, que tenha vigorado um contrato de trabalho entre ele e o R., com base no qual tivesse direito a haver deste as retribuições que reclama, referentes ao período de Julho de 2003 e Novembro de 2004, e os subsídios de férias e de Natal que também peticionou, indicados no art.º 51º da p.i. [subsídio de férias do ano da admissão (2003) e proporcional do subsídio de Natal, bem como o subsídio de férias vencido em 01.01.2004 e 11/12 avos do subsídio de Natal de 2004].
Sendo que, ao contrário do que o A. defende na revista e levou às conclusões 41ª a 43ª, não pode este Tribunal emitir pronúncia sobre eventual direito do A. a haver as retribuições referentes ao período de 5.7.2003 a 30.11.2004, a título diverso do de contrato de trabalho, ou seja, a título de contrato de prestação de serviço ou de enriquecimento sem causa, por lhe falecer competência, em razão da matéria, para o efeito, face ao disposto no art.º 85º da Lei n.º 3/99, de 13.01 (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais) (14).


V – Assim, acorda-se em negar a revista e em confirmar a decisão recorrida.
Custas a cargo do A..

Lisboa, 3 de Março de 2010
Mário Pereira (Relator)
Sousa Peixoto
Sousa Grandão

_____________________________________
(1) - Alínea com a redacção dada pelo acórdão recorrido, que eliminou, por considerar “não escrita”, a expressão “e sob as suas ordens e instruções”, que, aqui constava na redacção da 1ª instância.
(2) - Alínea que tem a redacção dada pelo acórdão recorrido, a fls. 328, em sede de impugnação das respostas à matéria de facto.
(3) - Alínea mandada aditar pelo acórdão recorrido, a fls. 324, em sede de impugnação das respostas à matéria de facto.
(4) - Alínea mandada aditar pelo acórdão recorrido, a fls. 326, em sede de impugnação das respostas à matéria de facto.
(5) - Alínea mandada aditar pelo acórdão recorrido, a fls. 328, em sede de impugnação das respostas à matéria de facto.
(6) - Vejam-se, nesse sentido, entre outros, os acórdãos desta Secção do Supremo Tribunal de Justiça de 04.12.2002, no processo n.º 3494/02, de 13.07.2006, no processo n.º 1073/06, e de 14.02.2007, no processo n.º 3955/06.
(7) - Nesse sentido, podem ver-se os acórdãos desta 4ª Secção do STJ de 07.02.2007, de 14.02.2007 e de 22.11.2007 (disponíveis em www.dgsi, respectivamente, processos 06S3538, 06S3955 e 07S2889) e de 04.07.2002, no processo nº 1411/02.
(8) - Dispõe, por sua vez, o n.º 2 do art.º 655º: “Mas quando a lei exija, para a existência ou prova de facto jurídico, qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada”.
(9) - Tais artigos da p.i. são do seguinte teor: “14º Sucedeu porém que terminado o "improrrogável” prazo de dois meses previsto na cláusula Segunda do mencionado " CONTRATO de PRESTAÇÃO de SERVIÇOS", o A. continuou ao serviço do R., a exercer as mesmíssimas funções, que desempenhara ao longo do período de vigência inicial do contrato.
15° Continuou no mesmo local de trabalho, o seu gabinete no 13° andar, com o mesmo horário de trabalho, a ter as mesmas regalias, telefone telemóvel e-mail (…….@seg-social.pt), utilização de viaturas de serviço, a fazer visitas agora desta vez aos serviços locais, fazendo parte de uma COMISSÃO DE ANÁLISE
33º. Esclarece-se ainda que apesar do A. ter passado a receber os seus salários por aquela Secretaria de Estado, continuou a prestar a sua actividade no Instituto R., no mesmo local de trabalho, isto é, no mesmo 13º piso da R. António Patrício, 262, desempenhando as mesmíssimas tarefas, até meados do mês de março de 2005”.
(10) - Tais artigos da p.i. são do seguinte teor:
“16º: Comissão de análise que era integrada também pelos seguintes Directores:
Dr. F… S…, Director da U.S.I., Dr.ª F… G…, Directora da A.S., Dr. A… F…, Director da U.A.C.C, Dr. José Oliva Telles, Director do Núcleo de Lojas e Serviços Locais; Dr.ª A… P…, Directora do Núcleo da Comunicação e Apoio ao Cidadão; Arqt. D… C…, Coordenadora do G.I.P. (Vide doc. N.º 7).
17º:Para além de participar nos trabalhos desta Comissão, atendia os Beneficiários, bem como os Contribuintes, que solicitavam audiências à Direcção, para esclarecer ou realçar situações pendentes com este Centro Distrital”.
(11) - Tais documentos, juntos a fls. 44 a 55, consistem: num relatório, não datado, atribuído à Comissão de Análise do Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social do Porto; num sumário de recortes de Imprensa organizado por tal Centro, com recortes de duas notícias referentes a obras num Lar de Idosos; a duas convocatórias internas do dito Centro para reuniões de Directores; e fotocópias referentes a frequência e avaliação do A. em cursos de formação profissional.
(12) - Do seguinte teor: “Por diversas vezes representou, em cerimónias públicas, o Centro Distrital, nomeadamente em 18 de Outubro do ano de 2003, no lançamento da primeira pedra do Lar Residencial e ATL do Centro Social Padre Ramos, na Freguesia de Lavra, conforme se verifica pelas noticias dos jornais o FUTURO, edição n° 254 de Novembro de 2003 página 14 e do Jornal de Matosinhos a Fls 12 de 17 de Outubro de 2003, inserida nos recortes de imprensa dos serviços do Centro Distrital. (Doc n°8)”.
(13) - Vejam-se, entre outros, os recentes acórdãos deste Supremo, 4ª Secção, de 4.11.2009, proferido na Revista n.º 322/06.7TTGDM.S1, e de 20.01.2010, proferido na Revista n.º 462/06.2TTMTS.S1.
(14) - Neste sentido, veja-se o acórdão desta 4ª Secção do STJ de 25.11.2009, no processo n.º 1846/06.1YRCBR.S1, disponível em www.dgsi.