Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
40/11.4GTPTG.E2-A.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: ARMINDO MONTEIRO
Descritores: RECUSA
IMPEDIMENTO
IMPARCIALIDADE
TRIBUNAL DA RELAÇÃO
REENVIO DO PROCESSO
NULIDADE
TESTEMUNHA
OBJECTO DO PROCESSO
DISTRIBUIÇÃO
RECURSO PENAL
Data do Acordão: 07/18/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: ESCUSA
Decisão: IMPROCEDENTE
Área Temática:
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - SUJEITOS DO PROCESSO / JUIZ E TRIBUNAL / IMPEDIMENTOS E ESCUSA - PROVA / MEIOS DE PROVA - RECURSOS.
Doutrina:
- Henriques Gaspar, no Comentário ao "Código de Processo Penal", ed. Almedina, 2014, p. 133.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 5.º N.ºS 1 E 2 A) E B), 40.º, AL. D), 41.º, 43.º N.ºS 1, 2, 3 E 4, 129.º, N.º1, 410.º, N.º2, 426.º, N.º 4.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 32.º, N.º1, 205.º.
Referências Internacionais:
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM (CEDH): - ARTIGO 6.º, N.º1.
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM (DUDH): - ARTIGO 10.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:
-DE 20.1.2009, CJ, XXXIV, I, 154.
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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 5.5.2011, P.º N.º 157/05, DA 5.ª SEC., DE 27.6.2012, Pº N.º 127/10.OJABRG.G2, 9.6.2010, P.º N.º 2290/07.
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AFJ N.º 4/2009, IN DR, I SÉRIE, DE 19.3.2009.
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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-N.º 135/88, IN DR II SÉRIE, DE 8.9.88;
-N.º 124/90, IN DR, II SÉRIE, DE 8.2.91;
-N.º 114/95, IN DR II SÉRIE , DE 22.4.95;
-N º.399/2003;
-N.ºS 393/2004, IN DR II SÉRIE, DE 8.7.2004;
-P.º N.º 841/05, DE 17/05/2006;
-N.º 167/2007, P.º N.º 895/2006.
Sumário :


I - A actual redacção do art. 40.º, al. d), do CPP, é clara no segmento que cinge o impedimento ao conhecimento, a final, pelo mesmo juiz, do mérito da causa, do objecto do processo, pondo fim à relação punitiva, termo ao processo, pelo seu encerramento ou arquivamento.
II - No caso em apreço, a intervenção do Desembargador que os arguidos recusaram posicionou-se numa postura de anulação de julgamento, em que se limitou, formando-se caso julgado formal sobre esse ponto, a exarar acórdão com o objectivo de a 1.ª instância complementar a prova, com outras, mormente a inquirição de testemunhas em julgamento, não indicando qualquer sentido decisório e não valorando o depoimento, o que cabia à 1.ª instância, em razão da imediação, oralidade e contraditório.
III - Não existe, assim, impedimento do mesmo, por suspeita séria de parcialidade.
IV - Acresce que a atribuição, sem distribuição, do recurso, atenta a nulidade verificada, suprida em 1.ª instância, por força do art. 426.º, n.º 4, do CPP, não agrava em nada a posição dos recorrentes, tendo o legislador considerado esta norma procedimental como a forma mais prática de encaminhar em novo recurso o processo, em caso de anterior reenvio, e também como a mais vantajosa, ciente que estava da hipótese de impedimento a que poderia dar lugar.



Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça :

O Tribunal da Relação de Évora por acórdão de 04-06-2013, constante de fls. 486 a 511, proferido no P.º n.º 40/II 4GTPG.E2 –A, da 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal Judicial de Portalegre , declarou nula a decisão recorrida, com o fundamento de que depoimento das testemunhas AA, BB e CC , elementos da GNR, não era indirecto , conversa informal , mas resultante do seu conhecimento directo, com origem naquilo que ouviram dizer a um dos arguidos e , assim , por erro de direito e de julgamento, determinou "a prolação de nova decisão expurgada do vício em causa (…)  para o que haverá que incluir na apreciação probatória o depoimento das testemunhas  em alusão “, sendo esse conhecimento de valorar e atender, baixando os autos à 1.ª instância .

Após inquirição das citadas testemunhas , os arguidos , que antes haviam sido absolvidos , foram , a recurso do Exm.º Magistrado do M.º P.º, depois , ali condenados , interpondo , de seguida ,,recurso para a Relação , mas agora os arguidos DD e EE.

São as seguintes as CONCLUSÕES do seu recurso, a limitarem o poder cognitivo deste STJ :

1- Tendo o Sr. Juiz Relator do Tribunal da Relação de Évora intervindo em decisão anterior que declarou nula sentença absolutória, anterior, que se converteu em sentença condenatória, sem produção de prova adicional nem reabertura do contraditório, o que ocorreu motivado exclusivamente por interpretação do direito (Artº129 do C.P.P) diversa da do Juiz da 1ª instância, deve entender-se que por tais motivos a nova intervenção do mesmo Juiz Relator em nova decisão de recurso coloca os ali arguidos em posição processual com agravamento sensível da sua situação processual e ainda evitável, constituindo a opinião do Juiz Relator, desfavorável aos arguidos, uma limitação do seu direito de defesa, violando o disposto no Artº40 alínea d) da anterior redacção do C.P.P aplicável “ex vi” Artº 5, nº2 alínea a), do C.P.P..

2- Tendo o Sr. Juiz Relator do Tribunal da Relação de Évora intervindo em decisão de recurso anterior, interposto (30.11.2012) à data da vigência das regras do processo penal que à data o impediam de intervir em novo julgamento ou recurso, no mesmo processo penal, e tendo proferido decisão cujo conteúdo e fundamentos prejudicaram e/ou prejudicam, colocando em posição mais difícil ou agravada a situação dos arguidos, deve considerar-se que lhe são aplicáveis as regras vigentes àquela data (30.11.2012) e à data da instauração do processo penal que, neste caso, será a disciplina do Artº 40 alínea d) do C.P.P. aplicável “ex vi” Artº 5, nº2 alínea a) do C.P.P.

3- Por ambos motivos e por força do disposto nos Artºs 40 alínea d) do C.P.P. (Anterior Redacção) e ainda do Artº 41, nº1 do C.P.P deveria o Sr. Juiz Relator ter-se declarado impedido de intervir no julgamento do presente recurso, devendo considerar-se, por isso, que o despacho recorrido viola as mencionadas disposições de processo penal e o direito dos recorrentes ao recurso previsto e consagrado no Artº 32, nº1 da C.R.P..

4- O despacho proferido pelo Sr. Juiz Relator, datado de 25.03.2014, violou o disposto nos Artº 40 alínea d) do C.P.P. (anterior Redacção) e Artº 41, nº1, também, do C.P.P., devendo este Tribunal Superior revogar o mesmo e substituí-lo por um outro que pelos invocados motivos declare o Meritíssimo Juiz Relator, ora recorrido, impedido de intervir no julgamento do recurso interposto da sentença que condenou os arguidos em 1ª instância.

5-

O Exm.º Procurador Geral-Adjunto neste STJ considerou infundada a pretensão de recusa apresentada pelos arguidos , refutando, como já o fizera, em termos próximos ,  a Exm.ª Procuradora Geral-Adjunta na Relação .

Colhidos os legais vistos, cumpre decidir :

A questão suscitada no presente recurso reporta-se ao impedimento oposto pelos arguidos ao EXm.º Sr. Juiz Desembargador a quem os autos foram atribuídos para decisão de mérito , pela segunda vez, com o fundamento de que a sua participação em data anterior a este julgamento em que aquele Exm.º Magistrado relatou  o acórdão, apontando à decisão recorrida , de 1.ª instância , vício impeditivo de bem decidir a matéria de facto , visto que, sem motivo legal, se não inquiriram  três testemunhas em audiência de julgamento, compromete a sua imparcialidade e objectividade

Absteve-se , assim , de indicar qualquer sentido sobre o mérito da causa à  1.ª instância, mas apenas impor a inquirição de testemunhas , por o seu depoimento não ser indirecto , com a consequente valoração livre e em conjunto com as demais provas .

A nova redacção introduzida pela Lei n.º 28/2007 , de 29/8, ao art.º 40.º , do CPP veio estipular o impedimento do juiz em julgamento, decisão de recurso ou pedido de revisão em processo ,em que tiver participado ou proferido decisão, nos termos sua da al.d)

Esta disposição legal foi alterada pela redacção dada ao preceito pela Lei n.º 20/2013 , de 21/2, especificando de forma mais alargada e clarificada , mantendo ainda a sua prolixidade , que essa participação anterior releva no caso de ter proferido ou participado em decisão de recurso anterior que haja conhecido , a final , do objecto do processo , de decisão instrutória ou de decisão a que se refere a al.a) , ou seja aplicado medida de coacção prevista nos art.ºs 200.º a 202 .º , do CPP ou proferido ou participado em decisão de pedido de revisão anterior

O objectivo é , ainda , convergente , a “ ratio essendi “ coincidente e a filosofia inspiradora sem divergência : as normas em causa visam assegurar a questão do desempenho funcional em moldes de isenção e imparcialidade , pois importa num estado de direito que o juiz que preside ao julgamento o faça com independência , ou seja à margem de quaisquer pressões e imparcialidade , numa posição distanciada , acima dos interesses das partes , sendo desejável também que o público nele tenha confiança , surgindo aos olhos daquele o julgamento como objectivamente justo e imparcial , impondo-se a predefinição de um quadro legal orientado para tal finalidade .

Importa , pois , que o cargo de juiz seja rodeado de cautelas para assegurar aqueles objectivos , para que a comunidade confie nele , pois que a confiança da comunidade nas decisões judiciais  é essencial ao “ administrar a justiça em nome do povo “ , nos termos do art.º 205.º , da CRP , como se anota no AC. do TC n.º 124/90 , in DR , II Série , de 8.2.91 , além de que só assim se materializa o direito constitucionalmente previsto dos cidadãos a um processo justo –art.º 32.º n.º 1 , da CRP .

A imparcialidade e objectividade do juiz assume  a natureza de um dever ético-social ; estando ausentes, o juiz pode –deve mesmo –ser declarado “ judex inhabilis ( Ac. do TC n.º 135/88 , do TC , in DR II Série , de 8.9.88 . A imparcialidade e objectividade exigidas para se dizer o direito é tanto a subjectiva como a objectiva

A jurisprudência do TEDH , apoiada nos  art.ºs 6.º n.º1 , da CEDH e 10.º , da Declaração Universal dos Direitos do Homem , reflecte essa exigência , abordada pela primeira vez , no domínio do CPP de 87 , no Ac.do TC n.º 114/95 , in DR II Série , de 22.4.95 , onde se escreveu que , numa perspectiva subjectiva “ …o que juiz pensa no seu foro íntimo em determinada circunstância é uma vertente da imparcialidade que se presume até prova em contrário , mas também numa visão subjectiva , de modo a dissiparem-se quaisquer reservas : deve ser recusado todo o juíz de que se possa temer uma falta de imparcialidade para preservar a confiança que , numa sociedade democrática , os tribunais devem oferecer aos cidadãos (…) “ .

Os impedimentos, porque não envolvem qualquer juízo de desconfiança concreta sobre um juiz , relacionado com a causa que lhe foi atribuída ou com as respectivas partes assumem “… uma função preventiva , razão pela qual têm de ser opostos antes de o juiz se ver confrontado com a necessidade de decidir , como se decidiu no Ac. do TC de 17 5.2006 , in P.º n.º 841/05 , da 3 .ª Sec. .devendo ser declarados pelo próprio juiz imediatamente , por despacho proferido nos autos , nos termos do art.º 41 .º do CPP , logo que ocorram .

Já as suspeições arrancam de uma posição muito específica e pessoal , de uma particular posição do julgador ante a causa, que pode comprometer aquela incontornável postura de independência e imparcialidade , nos termos do art.º 43.º n.ºs  1 e 2 , do CPP , desde que se perfile o concreto risco de verificação de  motivo sério e grave adequado a gerar a desconfiança sobre a sua imparcialidade , não podem ser declaradas voluntariamente , antes e , nos termos do n.º 4 , daquele art.º 43 .º , ser requeridas pelo julgador ao tribunal competente que o recuse de intervir , se o não tiverem feito o M.º P.º , o arguido , assistente ou partes civis , nos termos do n.º 3 , do mesmo preceito .

Mas a intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo , nos termos do art.º 40.º , do CPP ,também pode configurar motivo de suspeição nos termos art.º 43.º n.º 2 , do CPP .

O legislador mostra receio que a participação do juiz em julgamento anterior seja susceptível de influenciar o desfecho da nova decisão , o mérito da causa, de comprometer o sentido de independência esperado pelas partes e pelo público em geral, prevenindo o risco de prejuízo .

Mas a nova redacção trazida ao art.º 40.º , al.d) , do CPP , é clara no segmento em que cinge o impedimento ao conhecimento , a final , pelo mesmo juiz do mérito da causa , do objecto do processo , pondo fim à relação punitiva , termo ao processo,  pelo seu encerramento ou arquivamento .

No domínio da lei anterior ( redacção da Lei n.º 28/07, de 29/8 , de desenharam-se ao nível jurisprudencial duas formas de encarar essa participação quando o juiz reenviava o processo para novo julgamento , uma delas , a mais antiga , de feição mais literalista, não distinguindo a intensidade dessa participação , toda e qualquer estava proscrita , mas outra , de feição restritiva da interpretação da lei , dela não emergente directamente, reputada mais lógica e racional , pois o legislador foi excessivo ao resolver o dissídio , escreveu Paulo Pinto de Albuquerque , in Comentário do Código de Processo Penal , pág. 126, sendo de cominação apenas quando o julgador não conheceu do mérito da causa , antes se debruçando na apreciação de questões meramente formais , incidentes , questões interlocutórias ou sobre nulidades do julgamento ou outras ,ordenando a sua supressão à instância recorrida , caso em que tais decisões” não atingem o grau de comprometimento com um sentido de decisão ( …) que seja objectivamente razoável para criar o risco de algum prejuízo ou preconceito relativamente à matéria da causa por forma a suscitar dúvidas “ , nas palavras de Henriques Gaspar no Comentário ao Código de Processo Penal , ed. Almedina , 2014, pág. 133. Este último entendimento foi o seguido nos Acs. deste STJ , de 5.5.2011 , P.º n.º 157/05 , da 5.ª Sec., de 27.6.2012 , Pº n.º 127/10.OJABRG.G2 , 9.6.2010, P.º n.º 2290/07 e do TRC, de 20.1.2009, CJ, XXXIV, I, 154 .

O Tribunal Constitucional já abordou em sede de fiscalização concreta a conformidade constitucional da interpretação do citado art.º no sentido a que vem de se referir, ilaccionando não envolver atropelo à CRP , a participação de juízes que , tendo intervindo em julgamentos anulados por via de recurso , voltam a participar no segundo julgamento . Assim se decidiu nos Acs n.ºs 393/2004 , in DR II Série , de 8.7.2004 e 399/2003 , disponível em www.tribunalconstitucional .pt e 167/2007 , noticia o proferido no P.º n.º 895/2006 , da 3.ª Sec. , sob o n.º 167/2007.

No Ac.º n.º 393/2004 perfilhou-se o entendimento no sentido de não constituir motivo de recusa de intervenção de juízes em novo julgamento que veio a ser considerado inválido por força da revogação em recurso de despacho que determinara o desentranhamento da contestação e do requerimento de produção de prova apresentados pelo arguido ; no Ac. n.º 399/2003 também a participação de juízes em novo julgamento , anulado do antecedente , afim de se proceder à documentação das declarações prestadas em audiência considerada manter-se nos parâmetros constitucionais .

E assim se consequenciou no predito Ac. n.º 399/2003 que porque a anulação do julgamento não derivou de “ vícios intrínsecos e lógicos do conteúdo da própria decisão “ , antes “ ditada reflexamente por via da anulação de actos posteriores em consequência do cometimento de uma nulidade decorrente da tramitação da causa “ , não ocorrendo ; “ risco de ser considerada suspeita a intervenção no novo julgamento dos juízes que haviam participado no anterior , por não existir motivo sério , grave , adequado a gerar a desconfiança sobre a sua imparcialidade , justificativo da sua recusa . “

A Intervenção do Exm.º Sr. Juiz Desembargador posiciona-se numa postura de anulação de julgamento , em que se limitou , formando-se caso julgado formal sobre esse ponto , a exarar  acórdão com o objectivo de a primeira instância complementar a prova , com outras , mormente a inquirição de três testemunhas em julgamento , por não infracção ao disposto no art.º 129.º n.º 1 , do CPP , não indicando qualquer sentido decisório e nem o podia porque não valorava o depoimento, cujo sentido ignorava , o que cabia à 1.ª instância em razão da imediação , oralidade e contraditório .

Não pode , pois , concluir-se pelo impedimento, por suspeita séria de parcialidade, que aquele Exm.º Magistrado , de resto, rejeita .

Outra questão :

O artigo 426° do CPP, na redacção inovadora, introduzida pela Lei nº 20/ 2013 de 21/2, que:

1.Sempre que, por existirem os vícios referidos nas alíneas do nº2 do artigo 41º,  não for possível decidir da causa, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio.

2(…) ;

3. (..);

4.Se da nova decisão a proferir no tribunal recorrido vier a ser interposto recurso, este é sempre distribuído ao mesmo relator, excepto em caso de impossibilidade.

A redacção deste preceito determina que sempre que ,neste contexto , da nova decisão a proferir vier a ser interposto recurso este é distribuído ao mesmo relator.

E apresentação do processo neste Tribunal da Relação ao mesmo relator não está , apenas , condicionada à declaração prévia da ocorrência dos vícios prevenidos no artigo 410° nº2 do CPP como pretendem os recorrentes, mas, inclusivamente , e também , à impossibilidade de decidir a causa e subsequente  reenvio relativamente à totalidade do objecto do processo ou a pontos concretos pré-enunciados pelo tribunal remetente, circunscritos in casu à produção de prova adicional , de tipo testemunhal , como sem discrepância se entende .

Outra questão a merecer tratamento jurídico pertine à questão de indagar se a lei nova é de aplicação a caso vertente , alvo de contestação pelos arguidos .

A lei processual penal é , como regra, na sucessão estabelecida , de aplicação imediata , mesmo aos processos pendentes , a menos que daí resulte agravamento  sensível e ainda evitável da situação processual do arguido , nomeadamente limitação ao direito de defesa ou quebra da harmonia e unidade do sistema, é o princípio geral com tradução no art.º 5.º n.ºs 1 e 2 a) e b) , do CPP, com o sentido de “ tempus regit actum “ .

A lei , na sua nova versão , em sede dos art.ºs 40.º e 426., do CPP , com o alcance definido pela lei n.º 20/2013 , de 21/2, entra em  vigor em 21-03-2013 , o acórdão da Relação que declara nula por ocorrência de nulidade a sentença é de 04-06-2013, pois , em plena aplicação na data em que foi prolatado o despacho recorrido na Relação .

As restrições apontadas ao âmbito de aplicação reportam-se ao facto de o processo penal comportar uma dimensão publicística , tocando  a franja dos direitos liberdades e garantias dos cidadãos , que importa salvaguardar , o que significa que as inovações legislativas operadas  só não comportarão imediata aplicação se daí puder resultar prejuízo para os arguidos .

Em sede de recurso ou seja quanto às regras da sua admissibilidade, instâncias e graus de recurso, este STJ , ao fixar jurisprudência uniformizante , reporta –as às reinantes no momento em que é proferida a decisão recorrida por ser aí que o recorrente vê atingido o seu direito , até aí gozando , apenas, de uma expectativa de reponderação, um potencial direito material , gorada se o sentido da decisão lhe for favorável , não havendo  remédio a impetrar do tribunal superior ; não já às regras estritamente processuais de preparação e remessa do recurso( condições procedimentais )-Ac. FJ , n.º 4/2009,DR, I Série , de 19.3.2009

Só no momento do conhecimento da decisão conhece o prejuízo que lhe causa a condenação ou a decisão .

Bem visível se torna que a ampliação e clarificação trazida ao art.º 40.º n.º 1 d), do CPP , na nova redacção , em nada colide com os direitos de defesa dos arguidos , com o direito a um processo justo , nos termos do art.º 32.º n.º 1da CRP, ao sufragar-se o entendimento de que o impedimento não macula o juiz que conheça, em recurso,  de nulidade, consagrando , e repetindo , entendimento que a jurisprudência já seguia, no reconhecimento de que se revelava excessiva a interpretação literal daquele preceito, em interpretação com o aval expresso do TC .

Ao fim e ao cabo o recurso que agora surge , sem distribuição , sorteio , mas  por averbamento ao anterior relator  , com uma nova roupagem , uma nova veste , um novo teor,  na medida em que o sentido decisório agora vem orientado na sentença, de 09-10-2013, para a condenação –antes absolvição- com base em novas provas , num contexto de novidade que não prejudica os arguidos , descomprometido como se mostra o mesmo relator, com o decidido com o qual nem sequer tomara contacto.

Por outro lado a atribuição sem distribuição do recurso , atenta a nulidade verificada , suprida como se mostra em 1.ª instância , por força do art.º 426.º n.º 4 , do CPP , não agrava em nada  a posição dos recorrentes , sendo esta norma , procedimental, havida pelo legislador como a forma mais prática de encaminhar em novo recurso o processo, em caso de anterior reenvio, e também a mais vantajosa , não lhe escapando, por certo,  a hipótese de impedimento a que poderia dar lugar .

Partindo-se do suposto que o legislador consagra a solução mais justa , a norma em causa apresenta-se como deixando intocados os valores da imparcialidade e objectividade , que são apanágio de um processo equitativo e justo .

Sem censura o despacho de 25.03.2014, que se mantém , desatendo-se à recusa peticionada .

Nega-se provimento ao recurso . Taxa de justiça : 8 Uc.




Armindo Monteiro (relator)
Santos Cabral
Ana Paula Boularot