Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
239/21.5T8FAR.E1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS
SUB-ROGAÇÃO
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
Data do Acordão: 10/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I.O direito de crédito do Fundo de Garantia Automóvel ( FGA), adquirido por sub-rogação, prescreve no prazo de três anos a contar do pagamento. E sendo este faseado, o prazo conta-se a partir do último pagamento.

II.Quando a lei ( art.498 nº2 CC ) determina que o prazo de três anos se conta desde o cumprimento ( “ a contar do cumprimento” ) e o art.54 nº6 do DL nº291/2007 impõe como relevante, em caso de pagamentos fraccionados por lesado ou a mais do que um lesado, “a data do último pagamento efectuado pelo Fundo de Garantia Automóvel”, tanto se reporta ao pagamento voluntário, como forçado, ou judicialmente reconhecido, visto que a razão de ser é a mesma.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I - RELATÓRIO



1.1.- O Autor - Fundo de Garantia Automóvel ( FGA ) – instaurou acção declarativa de condenação, com forma de processo comum, contra o Réu - AA.

Pediu a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de € 63.897,94 e correspondentes juros legais, vencidos e vincendos, à taxa legal, sendo os vencidos no montante de € 7.590,73, quantia a que acrescem as despesas de gestão vincendas com estes autos, nomeadamente despesas com deslocações e honorários de advogados, a liquidar em execução de sentença.

Fundamentou tal pretensão no seu direito de sub-rogação legal, relativamente à indemnização que pagou aos lesados na sequência de acidente de viação, em que foi responsável o Réu, condutor e proprietário do veículo de matrícula ..-..-GD.

1.2. O Réu contestou, defendendo-se com a excepção da prescrição do direito do A., relativamente aos valores pagos a BB, ao Centro ... e a M..., porquanto tais pagamentos respeitam a diversos sinistrados e não foram fraccionados, impugnando simultaneamente os reembolsos peticionados.

1.3- Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a acção, decidiu:

“a) Declarar prescrito o pedido deduzido pelo Autor Fundo de Garantia Automóvel contra o Réu AA relativo ao reembolso dos valores pagos em 06-11-2012 (€ 1.475,00) a BB, em 30-09-2013 (€ 23.308,89 ao Centro ... e em 09-10-2013 (€ 1.656,58) à M...;

b) Condenar o Réu AA a pagar ao Autor Fundo de Garantia Automóvel a quantia de € 32.288,45, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis, absolvendo-o do demais peticionado.”

1.4.- O Autor apelou e a Relação de Évora decidiu:

“Pelo exposto, acorda-se neste Tribunal da Relação em conceder parcial provimento à a apelação e, consequentemente:

- Revoga-se a sentença recorrida no segmento em que declarou “prescrito o pedido deduzido pelo Autor Fundo de Garantia Automóvel contra o Réu AA relativo ao reembolso dos valores pagos em 30-09-2013 (€ 23.308,89) ao Centro ...”, julgando-se não verificada a prescrição;

- Condena-se o R. AA a pagar a A., Fundo de Garantia Automóvel, a quantia de € 23.308,89, acrescida de juros de mora, computados à taxa legal, actualmente, de 4%, desde a citação e até integral e efectivo pagamento;

- Confirma-se, no mais, a sentença apelada.

Custas pelo apelado, na proporção do respectivo decaimento, considerando a isenção pessoal do apelante FGA.”

1.5.- Inconformado, o Réu recorreu de revista, com as seguintes conclusões:

1) Vem o presente recurso interposto do douto acórdão do Tribunal da Relação de Évora na parte que concedeu parcial provimento ao recurso de Apelação interposto pelo Fundo de Garantia Automóvel da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, e, em consequência, revogou o segmento em que havia declarado “prescrito o pedido deduzido pelo Autor Fundo de Garantia Automóvel contra o Réu AA relativo ao reembolso dos valores pagos em 30-09-2013 (€ 23.308,89) ao Centro ...”, julgando não verificada a prescrição.

2)O Acórdão «sub judice» no que se reporta ao pagamento efectuado pelo Fundo de Garantia Automóvel em 08.10.2013 ao Centro ..., no valor de € 23.308,89, entendeu que o mesmo não se mostra prescrito. Por via disso decidiu revogar a sentença nesse segmento e condenou o aqui Recorrente ao seu reembolso ao Autor, uma vez que segundo o douto acórdão “(…) sendo idêntico o fundamento normativo de ambos os pagamentos, os mesmos configuram-se como incindíveis, e, como tal, não se verifica, neste conspecto, a prescrição do direito do FGA. Com efeito, o pagamento efectuado ao Centro ..., é insuscetível de integrar um núcleo indemnizatório autónomo e juridicamente diferenciado, relativamente ao qual pudesse iniciar-se a correr, de modo autónomo, um prazo de prescrição do direito do A./apelante.”

3) Com a devida vénia, não sufragamos de todo em todo a interpretação dada pela decisão recorrida.

4) Desde logo, da matéria provada (ponto 6 dos factos assentes) resulta que: “No referido processo n.º 1076/13.6..., por decisão transitada em julgado em 03-11-2017, com aplicação do DL 218/99, de 15 de junho, foi decidido:

“1) Absolvo a chamada, Seguros Logo, SA, do pedido contra si formulado;

2)Condeno solidariamente os Réus, Fundo de Garantia Automóvel e AA a pagar à Autora a quantia de € 26.845,78 (...) acrescida de juros de mora vencidos, no valor de € 408,94 (...) e ainda nos vincendos até efetivo e integral pagamento, à taxa de 4%”, tal como resulta de fls. 77 a 92, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigo 27º da petição inicial).

5)Ou seja, nesses autos o FGA foi condenado solidariamente com o aqui Recorrente a pagar a GP..., SA, aquela quantia, e extinguiu essa obrigação em 02.02.2018.

6)O direito que veio exercer nos presentes autos quanto a esse pagamento que efetuou à GP..., SA, consubstancia um direito de regresso (cfr. artigo 524.º do CC) e não um direito de sub-rogação legal (cfr. artigos 589.º e 590.º) como sucede com o alegado direito ao reembolso relativo ao valor pago em 08.10.2013 ao Centro ...,

7) A sub-rogação legal distingue-se do direito de regresso, porque ao contrário do credor sub-rogado, que antes da satisfação do direito do credor era terceiro, alheio ao vínculo obrigacional, o titular do direito de regresso é um devedor com outros, o seu direito nasce, ex novo, com a extinção da obrigação a que também ele estava vinculado.

8)Vale isto por dizer que o fundamento normativo do pagamento efectuado em 08.10.2013 ao Centro ... é distinto daquele em que se fundou o pagamento à GP..., SA.

9). No primeiro o FGA é titular de um direito de sub-rogação legal, enquanto que no segundo surge investido num direito de regresso sobre o Recorrente.

10)Destarte, é patente estarmos perante situações juridicamente distintas, logo, juridicamente cindíveis, logo, suscetíveis de integrar núcleos indemnizatórios autónomos e juridicamente diferenciados ao contrário do defendido na decisão «sub judice.»

11)A douta decisão em recurso não apreciou essa diferente natureza que resulta da matéria julgada provada pelo tribunal de 1ª instância e que não foi objecto de recurso, o que na ótica do Recorrente constitui, ressalvado o devido (e merecido) respeito, um erro de julgamento de direito.

12)Aqui chegados, impõe-se chamar à colação o disposto no art.º 54.º, n.º 6 do Dec.-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto que prescreve que “Aos direitos do Fundo de Garantia Automóvel previstos nos números anteriores é aplicável o n.º2 doart.498.ºdoCódigoCivil, sendo relevante para o efeito, em caso de pagamentos fraccionados por lesado ou a mais do que um lesado, a data do último pagamento efectuado pelo Fundo de Garantia Automóvel”.

13)Por sua vez o aludido n.º 2 do art.º 498.º do Código Civil estabelece que: “Prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis.”

14)Nesse sentido veja-se o douto aresto desse STJ de 04.03.2010, no âmbito

do Proc. 1472/04.O..., relatado pelo Colendo Conselheiro SERRA BAPTISTA que ensina que “1 - O fundamento último da prescrição situa-se na negligência do credor em não exercer o seu direito durante um período de tempo razoável, em que seria legítimo esperar que ele o exercesse, se nisso estivesse interessado. Compreendendo-se que razões de certeza e de segurança nas relações jurídicas imponham que a inércia prolongada do credor envolva consequências desfavoráveis para o exercício tardio do direito, nomeadamente em defesa da expectativa do devedor de se considerar libero de cumprir e até da dificuldade que ele poderia ter de passado muito tempo, fazer prova de um cumprimento que, porventura, tivesse feito.”

15)Essas razões de certeza e segurança jurídica que se encontram consagradas no n.º 1 do art.º 298.º, no art.º 301.º, no art.º 303.º e n.º 1 do art.º 304º e 498.º todos do Código Civil, também foram erradamente interpretadas pelo tribunal «a quo» na decisão aqui em recurso.

16)Pois, no caso vertente, o prazo para o exercício do direito de sub-rogação do FGA relativamente ao pagamento efectuado ao Centro ..., iniciou a sua contagem no dia 08-10-2013 – cfr. alínea iv do ponto 27 dos factos provados. O FGA intentou a presente acção em 26 de janeiro de 2021 e o Réu foi citado em 2 março de 2021 (cfr. facto provado em 28). Nesse período temporal não ocorreram quaisquer actos suscetíveis de interromper a prescrição.

17) Assim, dúvidas não restam que aquando da citação do Reu para intervir na demanda (02-03-2021), estavam decorridos quase 8 anos sobre o pagamento ao Centro ..., aqui em causa, ou seja, o direito do Autor FGA quanto a esse concreto segmento indemnizatório já se encontrava prescrito por força das supramencionadas disposições legais.

18) Prescrição que foi declarada em 1ª Instância e que o Tribunal da Relação de Évora, mal a nosso ver, revogou, impondo-se assim a sua reapreciação à luz da matéria de facto provada nos autos e dos argumentos que o Recorrente deixou aduzidos.

19) Nesta confluência a douta decisão recorrida, pela errada interpretação e aplicação que delas faz, violou, entre outras, as seguintes disposições legais: n.º 1 do art.º 298.º, no art.º 301.º, no art.º 303.º e n.º 1 do art.º 304º, 498.º, 524.º, 589.º e 590.º todos do Código Civil; artigo º 54.º, n.º 6 do Dec.-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto.

Não foram apresentadas contra-alegações.


II – FUNDAMENTAÇÃO


2.1.- O objecto do recurso

A prescrição do direito de crédito do FGA pelo pagamento, em 8 de Outubro de 2013, ao Centro ... da quantia de € 23.308,89.

2.2.- Os factos provados

1. A acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, n.º 1076/13.6... do Juízo de Competência Genérica de ... - Juiz ..., foi intentada por GP..., SA contra Fundo de Garantia Automóvel, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 26.845,78, acrescida de juros de mora vencidos, no valor de € 408,94, e vincendos até integral pagamento (artigo 26º da petição inicial).

2. GP..., SA alega que prestou serviços de saúde a CC em virtude de acidente de viação ocorrido em ... de julho de 2012, no qual foi interveniente o veículo automóvel de matrícula ..-..-GD conduzido por DD e no qual seguia como passageiro o seu paciente, não tendo sido localizado seguro obrigatório de responsabilidade civil daquele veículo.

3. O Fundo de Garantia Automóvel, na sua contestação, assumiu que não existia seguro válido e eficaz, impugnando o montante da indemnização a pagar e invocou a sua ilegitimidade passiva em virtude de haver litisconsórcio necessário com o condutor do veículo ..-..-GD, tendo o GP..., SA requerido a intervenção principal provocada de AA, o qual, na sua contestação, invocou a existência de seguro de responsabilidade civil emergente de acidente de viação do veículo ..-..-GD na Seguros Logo, SA, sendo o proprietário do veículo EE, tendo sido admitida a intervenção principal provocada da Seguros Logo, SA que, na sua contestação, invocou a inexistência de seguro de responsabilidade civil automóvel na sequência da venda do veículo, em 24 de Junho de 2012, a AA, pelo que cessou o contrato de seguro em vigor.

4. Na sentença do processo n.º 1076/13.6..., transitada em julgado em 03-11-2017, deu-se como provado, com relevância para os autos:

“(…) 4. No dia ... de julho de 2012, ao km 121 da EN ..., na localidade de B..., no sentido T... ocorreu um acidente de viação, no qual foi interveniente o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-GD, conduzido por AA, o qual entrou em despiste e colidiu com uma casa adjacente à via pública.

5- Nessa sequência, a Guarda Nacional Republicana do Destacamento Territorial de ... lavrou auto de ocorrência, tendo apurado que o condutor do veículo referido em 4) conduzia o mesmo com a taxa de álcool no sangue 1,02 g/l.

6. No veículo referido em 4) seguia como passageiro CC, a quem o Autor prestou cuidados médicos.

7. Em consequência do acidente de viação referido em 4), CC sofreu graves ferimentos corporais, tendo sido subsequentemente encaminhado para o C..., no qual ficou internado um total de 58 dias.

8. Em consequência do acidente referido em 4) CC necessitou de acompanhamento regular da evolução da sua condição física no C... consubstanciado em consultas médicas, sessões terapêuticas, ajudas técnicas, atribuídas a pessoas com limitações funcionais, entre outros.

9. Os cuidados de saúde prestados a CC foram-no entre agosto de 2012 e fevereiro de 2013 e ascenderam ao valor global de € 26.845,76.

10. Não foi localizado seguro de responsabilidade civil automóvel válido que garantisse à data mencionada em 4), os danos decorrentes da circulação do veículo com a matrícula ..-..-GD.

11. Na sequência do referido em 10) a Autora solicitou ao Fundo de Garantia Automóvel o pagamento das despesas de saúde referidas em 9).

12. O Fundo de Garantia Automóvel assumiu a responsabilidade pela inexistência de seguro de responsabilidade civil automóvel válido e eficaz à data do acidente, mas recusou o pagamento da totalidade da dívida, alegando que 25% das despesas de saúde não deveriam ser por si suportadas, alegando que (…) o passageiro da viatura sem seguro ao aceitar ser transportado por um condutor com uma taxa de álcool no sangue de 1,02 g/l, colocou-se a si próprio numa situação e risco (…).

13. O Autor não aceitou a posição assumida pelo Fundo de Garantia Automóvel.

14. À data do acidente mencionado em 4) a propriedade do veículo automóvel encontrava-se inscrita a favor de FF.

15. No exercício da sua atividade comercial, a chamada Seguros Logo, SA, celebrou em 29.02.2012, com FF, um contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice n.º ..14, mediante o qual garantiu a responsabilidade civil inerente à circulação do veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-GD.

16. Na data referida em 15) FF era o proprietário e condutor habitual do veículo GD.

17. Em 24.06.2012, FF vendeu o veículo GD a AA.”.

5. Na sentença do processo n.º 1076/13.6..., transitada em julgado em 03-11-2017, deu-se como não provado que “À data do sinistro em 4) a responsabilidade pelo risco de circulação do veículo automóvel com a matrícula ..-..-GD encontrava-se transferida através da apólice n.º ..14 para a Seguros Logo, SA.”.

6. No referido processo n.º 1076/13.6..., por decisão transitada em julgado em 03-11-2017, com aplicação do DL 218/99, de 15 de junho, foi decidido:

“1) Absolvo a chamada, Seguros Logo, SA, do pedido contra si formulado;

2) Condeno solidariamente os Réus, Fundo de Garantia Automóvel e AA a pagar à Autora a quantia de € 26.845,78 (…) acrescida de juros de mora

vencidos, no valor de € 408,94 (…) e ainda nos vincendos até efetivo e integral pagamento, à taxa de 4%”, tal como resulta de fls. 77 a 92, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigo 27º da petição inicial).

7. No dia ... de julho de 2012, pelas 06.30 horas, ao Km 121 da EN ..., na localidade de B..., concelho de ..., no sentido T...- O... ocorreu um acidente de viação (artigo 1º da petição inicial).

8. Nele foi interveniente o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-GD, conduzido pelo Réu AA e que o tinha comprado a FF, em 24 de junho de 2012, a favor de quem estava inscrito o registo na data em 7 de julho de 2012 (artigo 2º da petição inicial).

9. O veículo ..-..-GD circulava no sentido T.../ O..., pela hemi-faixa direita, atento o seu sentido de marcha (artigo 3º da petição inicial).

10. No veículo ..-..-GD seguia como passageiro, no banco da frente, CC (artigo 4º da petição inicial).

11. O local do acidente apresenta as seguintes características: a) Estrada com largura entre bermas de sete metros;b) Recta com boa visibilidade; c) Existência de sinalização vertical, horizontal e luminosa; d) Boas condições atmosféricas (artigo 5º da petição inicial).

12. O Réu e condutor do veículo ..-..-GD seguia na hemi-faixa da direita atento o seu sentido de trânsito a velocidade não concretamente apurada e entrou em despiste e invadiu a berma direita que tinha 4,10 m de largura, indo colidir com a lateral direita do seu veículo numa casa adjacente à faixa de rodagem, deixando impressa na parede da mesma um vinco com 6 metros de comprimento (artigos 6º e 7º da petição inicial).

13. Quando retomou a faixa de rodagem, o veículo ..-..-GD derrubou o semáforo e foi colidir frontalmente com uma outra casa também adjacente à faixa de rodagem, do lado direito, onde ficou imobilizado (artigo 8º da petição inicial).

14. O embate provocou um extenso buraco na parede desta casa (artigo 9º da petição inicial).

15. O veículo ..-..-GD deixou marcas de derrapagem impressas no pavimento, imediatamente antes do local da primeira colisão (artigo 10º da petição inicial).

16. O Réu conduzia o referido veículo em velocidade não concretamente apurada, sob a influência de álcool, apresentando uma taxa de alcoolémia no sangue de 1,02 g/l (artigo 11º da petição inicial).

17. À data do acidente, e quanto ao veículo ..-..-GD, não dispunha o Réu de seguro válido e eficaz (artigo 14º da petição inicial).

18. Em consequência directa e necessária do acidente, o veículo ..-..-GD ficou totalmente danificado (artigo 15º da petição inicial).

19. Também em consequência directa e necessária do acidente, a casa referida em 14., propriedade de BB, sofreu danos cuja reparação foi avaliada e orçamentada em 1.200,00€ (artigo 16º da petição inicial).

20. Ainda em consequência directa e necessária do acidente, CC sofreu ferimentos graves, tendo sido assistido no local pela VMER, sedado e ventilado e transportado para o Hospital ..., a fim de receber assistência médica (artigo 17º da petição inicial).

21. Foram-lhe diagnosticadas as seguintes lesões: • traumatismo craniano lateral de impacto elevado; • traumatismo da face;• traumatismo do pescoço; • traumatismo da região dorso-lombar; • traumatismo dos membros superiores e membro inferior direito (artigo 18º da petição inicial).

22. O lesado CC ficou em estado comatoso cerca de um mês (artigo 19º da petição inicial).

23. Foi assistido no Hospital ... onde esteve internado desde o dia do acidente até 08/08/2012, data a partir da qual e até 19/10/2012 ficou internado no “...” onde recebeu tratamentos de fisioterapia (artigo 20º da petição inicial).

24. Dada a urgência e necessidade de manter as condições de segurança da referida EN ..., a “M...”, entidade contratada pela sociedade “R..., S.A.”, procedeu à reparação do semáforo e à limpeza da via, tendo despendido € 1.656,68 (artigo 22º da petição inicial).

25. Valor que a mesma reclamou junto do Fundo de Garantia Automóvel (artigo 23º da petição inicial).

26. Em observância com a lei em vigor, DL. 291/2007 de 21 de agosto, o Autor, a título de indemnização pelos danos patrimoniais causados pelo sinistro, despendeu o montante total de 63.897,94€, correspondendo € 58.580,02 a indemnizações satisfeitas aos lesados e € 5.317,92 a despesas com a instrução do processo, tal como resulta de fls. 25-vº, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigo 27º da petição inicial).

27. O Autor pagou:

i. Em 29.11.2012 o valor de € 1.475,00 a BB;

ii. Em 26.07.2013 o valor de € 459,00, em custas judiciais;

iii. Em 23.09.2013 o valor de € 280,00, em despesas de advogado;

iv. Em 08.10.2013 o valor de € 23.308,89, ao Centro ...;

v. Em 04.11.2013 o valor de € 1.656,58 à M...;

vi. Em 15.11.2013 o valor de € 75,00 à Clínica ..., em avaliações;

vii. Em 06.06.2014 o valor de € 75,00 à Clínica ..., em avaliações;

viii. Em 05.01.2015 o valor de € 816,00 de custas judiciais;

ix. Em 09.01.2015 o valor de € 350,56 a advogados;

x. Em 22.07.2016 no valor de € 264,45, a advogados;

xi. Em 21.10.2016 o valor de € 325,95 a advogados;

xii. Em 17.03.2017 o valor de € 264,45 a advogados;

xiii. Em 25.08.2017 valor de € 1428,00 em custas judiciais;

xiv. Em 13.10.2017 o valor de € 343,17 a advogados;

xv. Em 27.10.2017 o valor de € 635,91 a advogados;

xvi. Em 02.02.2018 o valor de € 32.138,45 a GP..., SA.”.

28. A presente acção foi intentada em 26 de Janeiro de 2021 e o Réu foi citado em 2 de março de 2021.

2.3. – A prescrição do direito do Autor FGA

O Fundo de Garantia Automóvel foi instituído para garantir a indemnização aos lesados em acidente de viação quando se desconhece quem foi o causador, ou, conhecendo-se, o responsável não tenha seguro válido e eficaz ( art.21 do DL nº 522/85 de 31/12 ).

A sub-rogação, enquanto transmissão do crédito, pressupõe o cumprimento, logo o terceiro que paga pelo devedor só se sub-roga nos direitos do credor pelo pagamento, embora haja necessariamente uma conexão com o acidente.

Problematiza-se o prazo da prescrição do direito reclamado pelo FGA. Como o acidente ocorreu em.../7/2012 tem directa aplicação o regime instituído pelo DL nº 291/2007 de 21/8, que entrou em vigor em 21/10/2007, sendo que a lei aplicável à sub-rogação do FGA é a vigente à data do acidente.

Verifica-se que o art. 54 nº6 do DL nº 291/2007 remete agora expressamente para o art.498 nº2 do CC – “Aos direitos do Fundo de Garantia Automóvel previstos nos números anteriores é aplicável o n.º 2 do artigo 498º do Código Civil, sendo relevante para o efeito, em caso de pagamentos fracionados por lesado ou a mais do que um lesado, a data do último pagamento efetuado pelo Fundo de Garantia Automóvel”.

O legislador veio positivar a posição jurisprudencial prevalecente produzida ao abrigo do DL n.º 522/85, de 31/12, que já então aplicava analogicamente o art.498 nº2 CC ( cf., por ex., Ac STJ de 25/3/2010 ( proc. nº 2195), Ac STJ de 9/6/2016 ( proc. nº 190/98), disponíveis em www dgsi.pt ).

Sendo assim, é apodíctico que o prazo de prescrição é de três anos a contar do pagamento.

Está provado que, em consequência directa e necessária do acidente, CC sofreu ferimentos graves, tendo sido assistido no local pela VMER, sedado e ventilado e transportado para o Hospital ..., a fim de receber assistência médica, onde esteve internado desde o dia do acidente até 08/08/2012, data a partir da qual e até 19/10/2012 ficou internado no “Centro de Medicina ...” onde recebeu tratamentos de fisioterapia. Em 8/10/2013 o Autor pagou o valor de € 23.308,89, ao Centro ....

Na revista discute-se apenas a prescrição do direito do Autor quanto ao valor que pagou ao Centro ....

A sentença julgou prescrito do direito, discorrendo assim:

“Relativamente à contagem do prazo de prescrição, importa discutir se se deve considerar que a contagem do prazo de prescrição se inicia com o primeiro pagamento efetuado ou se será de considerar que apenas releva a data do último pagamento efetuado, por aplicação do princípio da reparação integral do dano.

A questão tem sido amplamente discutida na jurisprudência, importando chamar à colação os princípios subjacentes ao instituto da prescrição, o qual tem como princípio geral o de que o prazo de prescrição se inicia na data em que o lesado soube do seu direito, independentemente da data em que conheceu quem era o responsável ou a extensão do dano (artigos 498º, n.º 1 e 569º do Código Civil).

Assim, será lícito concluir que o Autor soube do seu direito de sub-rogação logo que fez cada um dos pagamentos, altura em que cumpriu a sua obrigação para com cada um dos credores.

Refira-se que o AUJ dos do STA 2/2018, publicado no DR n.º 236/2018, Série I de 07-12-2018, fixou a seguinte jurisprudência: “O prazo de prescrição do direito da sub-rogada companhia de seguros só começa a correr depois de ter pago os danos sofridos pelo seu segurado, em consequência de acidente de viação, visto que só depois deste pagamento o seu direito pode ser exercido, nos termos do artigo 498.º, n.os 1 e 2, do Código Civil”.

Por outro lado, existindo uma pluralidade de obrigações perante uma pluralidade de credores, titulares de direitos de indemnização autónomos, o prazo de prescrição do crédito de regresso iniciou-se relativamente a cada um dos pagamentos efetuados, altura em que surge o direito de sub-rogação, sendo que, no caso de pluralidade de lesados, o início do prazo prescricional do “direito de regresso” da seguradora verifica-se, em regra, com o último pagamento efetuado a cada lesado, havendo tantos prazos prescricionais, quantos os lesados.

Na verdade, “atendendo ao carácter uno da obrigação de indemnizar, revelado desde logo pelo seu modo de cálculo, assente na teoria da diferença (cf. art.º 562.º do CC), e salvo casos escolhidos em que se imponha a autonomização das indemnizações, o prazo prescricional, quando tenham ocorrido pagamentos faseados, conta-se do último pagamento”.

De facto, tendo a obrigação de indemnizar sido satisfeita de forma fracionada, o prazo de prescrição começa a correr com o último pagamento efetuado, até porque o cumprimento daquela obrigação perdura até à recuperação do sinistrado, sendo, como tal, incompatível com o prazo curto de prescrição estabelecido no n.º 3 do artigo 498.º do Código Civil.

Nos autos foi invocada a prescrição relativamente aos pagamentos feitos pelo Autor a 3 lesados distintos ocorrido entre 6 de novembro de 2012, em 30 de setembro de 2013 e em 9 de outubro de 2013, tendo a presente ação sido intentada em 26 de junho de 2021, pelo que claramente está prescrito o pedido de reembolso das despesas pagas pelo Autor a BB, Centro ...e à M..., dado que já tinham decorrido mais de 3 anos desde que foram pagos pelo Autor no momento de propositura da ação, logo antes da interpelação do Réu para pagar, dado que não se apurou interpelação anterior”.

A Relação optou por outro critério, ao considerar que o prazo prescricional ( de 3 anos ), quando a indemnização for paga de forma faseada, não se deve contar de modo autónomo relativamente a cada pagamento parcelar, atomisticamente considerado, mas na data em que for efectivado o último pagamento.

Afirma-se no acórdão:

“Em suma: se não parece aceitável a autonomização do início de prazos prescricionais, aplicáveis ao direito de regresso da seguradora, em função de circunstâncias puramente aleatórias, ligadas apenas ao momento em que foi adiantada determinada verba pela seguradora, já poderá ser justificável tal autonomização quando ela tenha subjacente um critério funcional, ligado à natureza da indemnização e ao tipo de bens jurídicos lesados, com o consequente ónus de a seguradora exercitar o direito de regresso referentemente a cada núcleo indemnizatório autónomo e juridicamente diferenciado, de modo a não diferir excessivamente o contraditório com o demandado, relativamente à causalidade e dinâmica do acidente, em função da pendência do apuramento e liquidação de outros núcleos indemnizatórios, claramente cindíveis do primeiro.

E, nesta perspectiva, incumbirá ao R. que suscita a prescrição o ónus de alegar e demonstrar que o conjunto de recibos ou facturas pagas pela seguradora até ao limite do período temporal de 3 anos que precederam a citação na acção de regresso corresponderam a um núcleo indemnizatório, autónomo e bem diferenciado, relativamente aos restantes valores indemnizatórios peticionados na causa – não lhe bastando, consequentemente, alegar, como fundamento da prescrição que invoca, a data constante desses documentos.

Partindo desta densificação, que subscrevemos, e face à factualidade relevante que o caso em apreço convoca, verifica-se que, o A. pagou, em 29.11.2012, o valor de € 1.475,00, relativo à reparação dos danos sofridos no imóvel, propriedade de BB, lesada, (cfr. pontos fatuais 13., 14., 19. e 27. i), em 08.10.2013, o valor de € 23.308,89, ao Centro ..., onde o sinistrado CC foi assistido e esteve internado entre ....07.2012 e 08.08.2012 (cfr. pontos factuais 23 e 27. iv) e em 04.11.2013 o valor de € 1.656,58 à M..., pela reparação do semáforo e à limpeza da via (cfr. pontos factuais 24. e 27. v), sendo certo que tal como atestado na certidão emitida pela Autoridade de Supervisão de Seguros e de Fundos de Pensões “o último pagamento efetuado pelo FGA neste processo ocorreu no dia 02.02.2018”, ou seja, com o último pagamento feito à GP..., SA. o FGA “regularizou o acidente de viação” a que os autos se reportam, pelo que, considerando a data deste último pagamento se conclui que a presente acção foi instaurada antes de ter relativamente ao mesmo decorrido o prazo de prescrição de três anos”.

O critério jurisprudencial seguido pelo STJ e pelas Relações pode resumir-se no seguinte: Considerando a natureza una da obrigação de indemnizar, patente pelo seu modo de cálculo, assente na teoria da diferença e salvo casos singulares em que se imponha a autonomização das indemnizações, o prazo prescricional, quando tenham ocorrido pagamentos faseados, conta-se do último pagamento. Quando se imponha a autonomização das indemnizações, por se reportarem a “danos normativamente diferenciados”, caberá ao réu, sobre quem recai o ónus de alegação e prova dos elementos constitutivos da excepção, invocar a autonomia e cindibilidade de cada pagamento ou grupo de pagamentos, não bastando a alegação genérica de que o direito do credor sub-rogado se encontra prescrito.

Neste contexto, havendo de pagamentos faseados o início da contagem do prazo de prescrição de três anos situa-se na data do último acto de pagamento de cada “núcleo indemnizatório autónomo identificado e juridicamente diferenciado” ( cf., por todos, Ac STJ de 4/7/2019 ( proc nº 1977/15), em www dgsi ).

Por conseguinte, na obrigação de indemnização, o devedor cumpre a obrigação, quando realiza, integralmente, a prestação a que está vinculado, nomeadamente quando paga a totalidade da indemnização, e o prazo da prescrição, para o exercício do direito de sub-rogação, inicia-se a partir do pagamento da indemnização ou, sendo parcelar ou a mais do que um lesado, a partir da última prestação realizada, por correspondência ao momento do cumprimento integral da obrigação de indemnizar ( Ac STJ de 21/9/2017 ( proc nº 900/13), em www dgsi ).

O acórdão recorrido seguiu esta orientação e como tal contou o prazo de prescrição a partir do último pagamento efectuado pelo FGA que ocorreu em 2/2/2018 à GP..., SA.

O Recorrente argumenta com a condenação solidária do FGA e do Réu DD no processo nº 1076/13.6..., à GP..., SA, para dizer que em virtude disso não pode relevar o dia 2/2/2018 como o último pagamento. Acrescenta que “ o direito que veio exercer nos presentes autos quanto a esse pagamento que efetuou à GP..., SA, consubstancia um direito de regresso (cfr. artigo 524.º do CC) e não um direito de sub-rogação legal (cfr. artigos 589.º e 590.º)”.

O direito que o FGA exerce nesta acção é de sub-rogação legal ( e não de regresso) e reporta-se ao pagamento efectuado ao Centro ....

A autonomia diferenciada do dano e cindibilidade do pagamento, para o efeito, não depende de estar ou não previamente reconhecido judicialmente um dos pagamentos (neste caso à GP..., SA) e de o FGA haver sido condenado solidariamente com o aqui Réu/recorrente. O FGA foi condenado a pagar o dano patrimonial da GP devido à sua posição de garante da obrigação de indemnizar, que é a mesma relativamente ao Centro ....

Quando a lei ( art.498 nº2 CC ) determina que o prazo de três anos se conta desde o cumprimento ( “ a contar do cumprimento” ) e o art.54 nº6 do DL nº291/2007 impõe como relevante, em caso de pagamentos fraccionados por lesado ou a mais do que um lesado, “a data do último pagamento efectuado pelo Fundo de Garantia Automóvel”, tanto se reporta ao pagamento voluntário, como forçado, ou judicialmente reconhecido, visto que a razão de ser é a mesma. Na verdade, o que releva, para o efeito, é a unidade do dano e consequente unidade do direito à indemnização.


III – DECISÃO


Pelo exposto, decidem:

1)


Julgar improcedente a revista e confirmar o acórdão recorrido.

2)


Condenar o Recorrente nas custas.

Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 10 de Outubro de 2023


Jorge Arcanjo (Relator)

Jorge Leal

Manuel Aguiar Pereira