Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
96A756
Nº Convencional: JSTJ00031772
Relator: MACHADO SOARES
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
TERRAÇOS
PRESSUPOSTOS
INOVAÇÃO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Nº do Documento: SJ199704080007561
Data do Acordão: 04/08/1997
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N466 ANO1997 PAG513
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Área Temática: DIR CIV - TEORIA GERAL / DIR REAIS.
Legislação Nacional: CCIV66 ARTIGO 12 N2 ARTIGO 1316 ARTIGO 1421 N1 B N2 E ARTIGO 1426.
DL 267/94 DE 1994/10/25.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO RL DE 1989/07/29 IN CJ ANOXIV TIII PAG139.
ACÓRDÃO RP DE 1990/07/02 IN CJ ANOXV TIV PAG231.
ACÓRDÃO STJ DE 1993/06/17 IN CJSTJ ANOI TII PAG159.
Sumário : I - Não é terraço de cobertura, para efeitos do artigo 1421 n. 1 alínea b) do CCIV66, o terraço intermédio, incrustado num dos vários andares do prédio e que dá cobertura apenas a uma parte deste, que não se situa na sua parte superior ao nível do último pavimento.
II - Tal terraço intermédio não se presume comum, desde que exclusivamente afecto ao uso de um dos condóminos, isto por interpretação a contrário do artigo 1421 n. 2 alínea e) do citado Código.
III - O artigo 1421 n. 1 alínea b) do CCIV66, na redacção do Decreto-Lei 267/94, de 25 de Outubro, não abrange os terraços intermédios, embora podendo servir de cobertura a outros andares.
IV - Mesmo que assim não devesse entender-se, a nova redacção desse preceito dada pelo Decreto-Lei 267/94 não se aplica às situações jurídicas constituidas por força da verificação de certos factos, cujo conteúdo ou cujos efeitos ficaram legalmente determinados com a produção desses factos e à medida dos mesmos factos, como sucede no caso de o terraço já ter sido afectado ao uso exclusivo de determinado condómino no domínio da lei na sua primitiva redacção, sob pena de se atribuir efeito retroactivo à nova redacção do preceito, efeito que ela não tem.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
A e mulher B, vieram propor a presente acção, com processo ordinário, contra C e marido D, pedindo que estes sejam condenados:
- a demolir, por sua conta, a construção referida no artigo 6 da petição, alegando, para tanto e em síntese:
Os Réus edificaram num terraço que é "parte comum" uma arrecadação, que contrasta claramente com o imóvel onde se integra, sem que tivessem obtido dos restantes condóminos autorização para tal.
Na contestação, os Réus pugnam pela improcedência da acção.
Posteriormente, veio a proceder-se a julgamento, que culminou com a prolação da sentença, onde se julgou a acção procedente condenando-se os Réus no pedido.
A Relação de Lisboa, para onde apelaram os Réus, confirmou a decisão recorrida, através do Acórdão de 16 de Abril de 1996, constante de folhas 133 e seguintes.
Ainda inconformados, os Réus recorreram para este
Supremo Tribunal, tendo concluído as suas alegações, do seguinte modo:
1- Aquando da aquisição da fracção "R" dos Réus, estes fizeram-na com base nas telas finais e projecto aprovados pela Câmara Municipal de Lisboa.
2- Da planta junta como documento n. 1, com a contestação consta a área da fracção "R" dos Réus, área esta na qual está integrada a parcela de terraço com 3 metros de largura, parcela esta a que a fracção "R" tem acesso directo e originário pelas portas existentes nos quartos e salas.
3- Só a parcela "R" dos Réus tem acesso directo e originário à parcela de terraço onde os Réus levaram a efeito a construção a que os autos se reportam.
4- A parcela de terraço de 3 metros de largura funciona em relação a fracção "R", como varanda da mesma, delimitada desde o início da construção por um muro que a separa do demais terraço.
5- Os restantes condóminos do imóvel só podem ter acesso à parcela de terraço de 3 metros de largura através da fracção "R".
6- Desde a construção do imóvel que houve uma afectação material - destinação objectivada - de parcela de terraço com 3 metros de largura, e varanda da fracção
R, propriedade dos Réus.
7- A afectação material "ab initio" de uma parte do prédio que se presume comum por força do artigo 142 n.
2 do Código Civil a uma das fracções é bastante para afastar a presunção estabelecida no mesmo preceito.
8- Deixa de ser parte comum do prédio constituído em propriedade horizontal a que, desde o início, foi adquirida conjuntamente com a fracção autónoma para ser usada em exclusivo, por determinado condómino, ainda que tal exclusividade não seja referida no título constitutivo (Acórdão do S.T.J. de 17 de Junho de 1993,
C.M. 1993, Tomo II, página 158).
9- A parcela de terraço de 3 metros de largura onde os
Réus procederam ao fecho da varanda foi adquirida conjuntamente com a fracção dos Réus, desde o início
(doc. n. 1 junto com a contestação).
10- Tal parcela de terraço é assim parte integrante da fracção "R".
11- Os Réus ao efectuarem o fecho da varanda não introduziram no imóvel qualquer inovação.
12- O fechar de uma varanda, com alumínio e vidros, não consubstancia qualquer alteração de forma ou de substância da coisa, nem modificações na afectação da coisa comum.
13- As obras levadas a efeito pelos Réus foram-no em coisas da sua exclusiva propriedade e não em coisa comum.
14- Dadas as características das obras levadas a efeito pelos Réus e o local onde as mesmas foram efectuadas não estão as mesmas sujeitas ao regime ínsito no artigo
1425 do Código Civil.
15- Foram violados pelas sentenças recorridas os artigos 1425 n. 2 e 1425 do Código Civil.
16- Devem as doutas sentenças recorridas ser revogadas e substituídas por outra, que julgando a parcela de terraço referida, como parte integrante da fracção "R" e que as obras levadas a efeito pelos Réus não consubstanciadoras de qualquer inovação, declarem improcedente o pedido formulado pelos Autores.
Na sua contra-alegação, os Autores sustentam que deve manter-se o Acórdão em crise.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
As instâncias consideraram como assente a seguinte facticidade: a) Acha-se inscrita a favor dos Autores a aquisição da fracção autónoma identificada com a letra "U", correspondente ao 3. andar, letra "B" do prédio urbano sito na Rua ...., em Lisboa, descrito na 7. Conservatória do Registo Predial de
Lisboa, sob o n. 189 página 165 do Livro B-32 e inscrito na matriz urbana da Repartição de Finanças do
2. Bairro Fiscal de Lisboa, sob o n. 420 "V". b) Acha-se inscrita a favor dos Réus a aquisição da fracção "R", correspondente ao 2. andar, A, conforme certidão de folhas 6 a 13. c) O aludido prédio foi constituído em propriedade horizontal por escritura pública de 19 de Dezembro de
1988, sendo a fracção "R" constituída por sala comum, cinco quartos, cozinha, duas casas de banho, despensa e estabelecimento para duas viaturas na 2. cave. d) A fracção "R" pertencente aos Réus é, na sua parte traseira, contígua a terraço. e) A fracção "R" tem acesso directo da sala e dos quartos para o terraço referido, através das portas na mesma existentes. f) Apenas os Réus tem acesso directo e originário
àquele terraço, através da sua fracção "R". g) Nesse terraço os Réus edificaram em Maio de 1991, uma construção revestida, nos lados e em cima, de alumínio e vidro. h) A construção levada a efeito pelos Réus é de estrutura metálica em alumínio anodisado Technal com vidros duplos. i) A cobertura de tal construção é em vidro duplo. j) O topo da aludida construção encontra-se a cerca de
70 metros do parapeito da varanda traseira da fracção dos Autores. k) O terraço onde a construção foi levantada pelos Réus encontra-se a mais de 10 metros de altura acima do nível da rua. l) Sem acesso directo a esta. m) Em Novembro de 1990, ocorreu, em prédio próximo do referido na alínea a) um incêndio que destruiu várias fracções. n) Os Réus não solicitaram nem obtiveram dos restantes condóminos autorização para efectuarem a aludida construção.
A Relação considerou ainda: m) que o prédio em apreço é constituído de caves, r/c e vários andares.
E extraiu a ilação de que: o) o terraço contíguo à fracção dos Réus é um terraço de cobertura.
O Acórdão recorrido considerou que o terraço em apreço se configura como um terraço de cobertura.
Trata-se, no entanto, de um terraço intermédio, incrustado num dos vários andares do prédio, e que dá cobertura apenas a uma parte deste que, obviamente, se não situa na sua parte superior, ao nível do último pavimento.
Ora o artigo 1421, n. 1 alínea b) do Código Civil
(redacção anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.
267/94 de 25 de Outubro) considera imperativamente comuns "o telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento".
Esta destinação do uso do terraço ao último pavimento só tem sentido se se entender que esse terraço é o que serve - tal como o telhado - de cobertura ao prédio em si, visto na sua globalidade.
Se a lei visasse também os terraços intermédios teria certamente ressalvado, do mesmo modo, a afectação do uso desses terraços aos pavimentos contíguos.
De resto, é o próprio normativo em análise que equipara terraço a telhado e que nos leva a pensar que terraço de cobertura é, no entender da lei, aquele que tem uma função - relativamente ao prédio em si - idêntica à do telhado. E, por isso, aí se fala de terraço de cobertura.
Parece-nos que é este também o entendimento dos
Professores Pires de Lima e Antunes Varela (Anotado
III, 8 edição página 422) ao defenderem, a propósito do preceito enfocado: "São ainda consideradas comuns por constituírem igualmente parte integrante da estrutura do prédio, o telhado e os terraços de cobertura. Na hipótese de o prédio ser coberto em parte por telhado e na outra parte por terraço, quer o telhado, quer o terraço, são comuns a todos os condóminos, e não apenas
àqueles cujas fracções se situem na respectiva vertical".
É ainda dentro desta hermenêutica que parece mover-se o
Professor Oliveira Ascensão (Direito Reais, 5. edição, página 462), quando afirma serem necessariamente comuns, nos termos do artigo 1421, "o solo e tudo o que constitui a estrutura do prédio, a cobertura, as entradas e passagens que não sejam de uso exclusivo de um condómino e as instalações gerais de água, electricidade aquecimento e semelhantes".
Temos, portanto, que o terraço em referência não se caracteriza como "terraço de cobertura" para os efeitos do artigo 1421 n. 1 alínea b) do Código Civil. Com a utilização desta expressão no Acórdão recorrido, pretendeu-se tão só caracterizar uma situação de facto, que não cabe naquela previsão legal, por se reportar, como vimos, a outra realidade.
Um autor significativo da nossa jurisprudência orienta-se noutro sentido, integrando no conceito de terraço de cobertura situações como a aqui referenciada, para assim as considerar partes comuns, sem mais (cfr. entre outros: Acórdãos da Relação de
Lisboa de 29 de Junho de 1989, Col. 1989, T 3, página
189 e da Relação do Porto de 2 de Julho de 1991, Col.
1991, T 4, página 231).
Esta corrente, porém, não tomou em consideração algum dos argumentos aqui aduzidos em sentido contrário, mormente o que se alicerça na 2. parte do preceito em análise ("ainda que destinados ao uso do último pavimento"), cujo alcance nos parece decisivo em prol da posição aqui propugnada. vez que se tem como assente que o terraço em apreço se não configura necessariamente como bem comum - afastada que foi a sua caracterização como "terraço de cobertura" - resta averiguar se, todavia, se deve presumir essa mesma qualificação, agora ao abrigo da alínea e) do n. 2 do mesmo artigo.
Vejamos:
O terraço em referência, como decorre com toda a segurança tem estado, desde sempre, afectado ao uso exclusivo dos Réus, até porque só estes podem ter acesso a ele.
Ora, segundo aquele preceito (alínea e) do n. 2 do artigo 1421), presumem-se comuns, "em geral, as coisas que não sejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos".
Como sublinham os Professores Pires de Lima e Antunes
Varela (ob. cit. página 423), a afectação a que alude aquele normativo é uma afectação material - uma destinação objectiva - existente à data da constituição do domínio. Se, por exemplo - explicam, ainda, aqueles
ínsignes Mestre de Coimbra - determinado logradouro só tem acesso através de uma das fracções autónomas - como sucede, neste caso, com o terraço em apreço (que, como se demonstrou, não é abrangido pela alínea b) do n. 1 do mesmo preceito) a que só se tem acesso através do andar dos Réus - "deve entender-se que pertence a essa fracção", mesmo que tal afectação não conste do título constitutivo.
Também enfileira nesta orientação, o Professor Henrique
Mesquita (A Propriedade Horizontal no Código Civil
Português, in Rev. Dit. Est. Socis, ano XXIII, ns. 1 a
4, página 109, nota 76) ao responder que bastará para se infirmar a presunção estabelecida no n. 2 do artigo
1421 só ter acesso a um dos locais ou partes nele referidos, o condómino cuja fracção possibilita tal acesso, o qual ficará, assim a ser propriedade exclusiva sobre o mesmo.
Na mesma linha interpretativa se insere o Acórdão deste
Supremo de 17 de Junho de 1993 (Col. - Acórdão do
S.T.J. - ano I, 1993, T II, páginas 159 e seguintes) onde se desenvolve uma poderosa argumentação em prol da solução adoptada, de que destacaremos os seguintes passos:
"No referenciado n. 2 do artigo 1421, "a lei quis englobar toda uma série de partes que podem ou não ser comuns, "mas em relação às quais se possa ficar numa situação de dúvida, susceptível de ser desfeita por prova adequada".
"Se confirmarmos a afectação ao teor do título" - como muitos defendem - "estaremos a limitar o preceito aos casos em que não há quaisquer dúvidas, pelo que não fazia sentido em falar-se em presunção que, por definição, é algo que pode ser afastada, ao contrário do que sucede com o teor do título de constituição
(salvo, evidentemente, casos excepcionais".
"Por outro lado, se a intenção do legislador fosse a de considerar comuns todas as partes não afectadas no título "ao uso exclusivo de um dos condóminos", nem sequer teria sentido o próprio n. 2, como está redigido, pois que, nessa hipótese, nem haveria que falar em dúvida, nem em presunção para as eliminar".
O Acórdão enfocado chama ainda a atenção - e com a maior pertinência - para a inutilidade do benefício - que, assim, se afiguraria puramente teórico - que adviria para os demais condóminos de se considerar como comum uma parte - como o terraço, no caso sub judice - a que não teriam qualquer acesso e que, por isso, só poderia ser utilizada pelo condómino a ela contíguo, com exclusivo acesso a ela.
Em tal circunstancialismo, o n. 2 do artigo 1421 do
Código Civil, só poderá querer significar - para não se perder de vista a realidade e cair em soluções puramente teóricas - que não se mantém, nesse caso, relativamente à parte aí visada, a presunção de parte comum.
Não aceitamos, portanto, face às razões expostas, a posição das instâncias de considerar o terraço em causa, como parte comum.
Antes, perante as premissas assentes, teremos forçosamente de concluir que esse terraço não constitui uma "parte comum", configurando-se assim como propriedade exclusiva dos Réus, como deflui do n. 2 alínea b) do artigo 1421, do Código Civil, "a contrário".
E esta solução em nada briga com o disposto no artigo
1316 do mesmo Código, pois a enumeração de títulos de aquisição feita neste preceito é meramente exemplificativa, como resulta da sua parte final (cfr.
Professores Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., página 120; Professor Oliveira Ascensão, Sc. Jur. 21, página 371.
Ainda no âmbito do tema versado pode suscitar-se outra questão, como decorrência da entrada em vigor, em 1 de
Janeiro de 1995, da nova redacção dada à alínea b) do n. 1 do artigo 1421, que, ampliando o âmbito da primitiva redacção do mesmo preceito, passou a considerar como bens comuns os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção.
Segundo os recorridos, esta disposição, na medida em que dispõe directamente sobre o conteúdo da relação jurídica nele visada, abstraindo dos factos que lhe deram origem, é de aplicação imediata às próprias relações já constituídas (artigo 12 n. 2 do Código
Civil).
Para eles, através desta nova Lei, estaria consagrado o entendimento da natureza comum de todos os terraços de cobertura e não apenas das destinadas ao uso do último pavimento.
Pelas razões aduzidas, esta Lei aplicar-se-ia, ainda, ao caso sub judice.
Não se poderia, assim, pôr em dúvida a qualificação do terraço em apreço como bem comum.
Não sufragamos, porém, esta hermenêutica, desde logo por não considerarmos de "cobertura" aquele terraço, como atrás demonstramos.
Ao ampliar-se a previsão do preceito enfocado pretendeu-se tão só, submeter-se à restrição imposta anteriormente apenas ao condómino do último pavimento, os demais condóminos que eventualmente beneficiassem do uso exclusivo do terraço de cobertura entendido do modo por que atrás o definimos.
Portanto, a Lei Nova não abrange, de acordo com a versão interpretativa adoptada, os terraços a que chamamos, por comodidade terminológica, terraços intermédios, embora podendo servir de cobertura a outros.
Mas mesmo que se entendesse que o normativo em apreço, tem o alcance temporal preconizado pelos recorridos/autores, ainda assim estaria fora de causa a sua aplicação ao caso sub judice.
Efectivamente, o n. 2 do artigo 12 do Código Civil, determina a aplicação imediata da Lei Nova a situação jurídica preexistentes, quando aquela Lei regule o conteúdo (direitos, deveres e efeitos repercutidos) dessa situação, abstraindo dos factos que lhes deram origem.
Tal não sucede, porém, quanto àquelas situações jurídicas constitutivas por força da verificação de certos factos, cujo conteúdo ou cujos efeitos ficam legalmente determinados em definitivo, com a produção desse facto "e à medida dos mesmos factos" (cfr.
Professor Baptista Machado, Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código Civil, páginas 98 e seguintes).
Ora, é isto precisamente que ocorre no caso sub judice.
Com a afectação da parte em apreço ao uso exclusivo de determinado condómino ficaram definitivamente fixados o conteúdo e os efeitos do direito de propriedade daquele condómino sobre essa mesma parte.
Daí que não se possa aplicar a tal situação a Lei Nova.
Doutro modo, de resto, a Lei Nova (no caso, a alínea b) do n. 1 do artigo 1421, na sua nova versão) não estaria a dispor sobre o conteúdo do direito de propriedade dos
Réus, sobre o terraço em causa, mas, pura e simplesmente, a prescrever, retroactivamente, a sua eliminação.
Mas se o terraço em referência não pode ser caracterizado, in casu, como parte comum, então não é possível estruturar-se a pretensão dos Autores, como se fez no Acórdão recorrido, no disposto no artigo 1421 n.
1 do Código Civil - que faz depender a realização da obra que constitua inovação da aprovação da maioria dos condóminos - já que este preceito se refere unicamente
às inovações a introduzir em partes comuns, como claramente resulta, aliás, do preceituado no artigo
1426 do mesmo Diploma (cfr. Professor Henrique
Mesquita, ob. cit., página 139, nota 139; Professores
Pires de Lima e Antunes Varela, Anotado, cit. página
433; Acórdão da Relação de Lisboa, Col. 1989, T1, página 127).
A verificação da pertinência ou legalidade da obra efectuada pelos Réus deverá ser solucionada à luz do artigo 1422 do Código Civil, que é o mandamento que regula as inovações introduzidas nas partes sujeitas à propriedade exclusiva de cada condómino.
Prosseguindo nesta perspectiva, logo se alcança que tudo se resume em saber, tendo em vista o disposto na alínea a) do n. 2 daquele artigo (1422) se a "obra nova" executada pelos Réus prejudica a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício.
Não se suscitam, aqui, dúvidas quanto à qualificação da obra realizada como "obra nova", uma vez que, como deflui claramente da matéria apurada, a este respeito, ela representa uma alteração notável da forma da coisa, ou seja, na parte exterior do prédio.
Problemático é saber, como já dissemos, se essa obra prejudica a linha arquitectónica ou o arranjo estético do prédio.
Para se resolver convenientemente esta questão - que, em geral, levanta sempre grandes dificuldades - haveria que estruturá-la cabalmente a nível factual, alinhando-se, neste campo, não só elementos definidores daqueles pressupostos da proibição imposta, aos condóminos, mas também as razões, de ordem técnica e artística, facticamente fundadas, por que se consideram transgredidos, com a obra realizada, os ordenamentos arquitectónicos e estéticos, considerados.
Não é isto que sucede no caso sub judice, onde se dispõe, apenas, de algumas fotocópias, pouco esclarecedoras, e da mera descrição, pouco perfeita, da obra efectuada.
Neste contexto, sem elementos suficientes para a definição de um critério, o mais preciso possível, susceptível de solucionar a problemática posta, ter-se-á sempre que recorrer a elementos falíveis, porque baseados na nova observação - diária: empírica - e ponderação de dados bastante incompletos e precários.
Assim limitados, não estamos aptos a subscrever a posição das instâncias, quanto a este tema, parecendo-nos, assim, arriscado afirmar, sem bases convincentes, que a obra enfocada, prejudicou a linha arquitectónica e o arranjo estético do prédio.
Para mais, essa obra foi efectuada nas traseiras do prédio onde aqueles elementos já se encontram, pelo menos, muito esbatidos, mormente com a transformação de alguns dos diversos terraços em "marquises" fechadas...
Por outro lado, das fotocópias juntas aos autos não se consegue sequer ajuizar qual o efeito da obra em apreço, numa perspectiva de globalidade do prédio, quanto aos pontos considerados.
Nestes termos, concede-se a revista, revogando-se a decisão recorrida e julgando-se improcedente a acção, com absolvição dos Réus do pedido.
Custas pelos recorridos.
Lisboa, 8 de Abril de 1997.
Machado Soares,
Fernandes de Magalhães,
Tomé de Carvalho.