Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | MÁRIO CRUZ | ||
| Descritores: | OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO NATUREZA JURÍDICA ESCRITURA PÚBLICA | ||
| Nº do Documento: | SJ20071009027621 | ||
| Data do Acordão: | 10/09/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA | ||
| Sumário : | I. O contrato de mútuo tem natureza real “quoad constitutionem”, pelo que a sua aceitação implica o reconhecimento da obrigação de restituir. II. A escritura pública de mútuo em que está previsto o prazo de restituição e as condições do empréstimo, e na qual os mutuários tenham declarado no final que “aceitam o contrato na forma exarada” implica o reconhecimento da obrigação de restituir, pelo que pode ser utilizada como título executivo. III. Incumbe ao Executado/oponente o ónus da prova de que a quantia aí mencionada como tendo sido mutuada não lhe chegou a ser entregue. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório AA e esposa, BB instauraram execução contra CC e esposa, DD, com vista à cobrança de diversos créditos mutuados. Posteriormente vieram dar à execução um novo título (que não foi junto inicialmente por não se encontrar ainda vencido), e que se consubstanciava na escritura pública de 1998.02.13 – cfr. certidão fls. 182 -, onde se referia que os Exequentes concederam aos Executados um empréstimo com hipoteca do montante de 7.000.000$00 nessa data, a que correspondiam agora € 34.915,85, vencendo juros anuais à taxa de 10%, que na mora seria agravada em mais 4%. – fls. 166 e ss. As execuções vieram mais tarde a ser cumuladas. Os Executados haviam deduzido oposição à execução primitiva. Depois vieram deduzir também oposição à nova execução cumulada. Ao que parece, atendendo a que as fases processuais estavam em situações diferenciadas, seguiu cada um dos processos de oposição separadamente, No que toca à escritura aqui apresentada como título executivo, alegaram os executados oponentes que a escritura não contém nenhuma obrigação pecuniária e que os exequentes não lhes entregaram o montante nela referido. Pedem, por isso a procedência da oposição e a extinção da execução. Os Exequentes contestaram a oposição, impugnando tudo quanto foi alegado em discordância ou conflito com o que emerge e decorre do título dado à execução, pedindo, simultaneamente, a condenação daqueles, como litigantes de má fé, em multa e indemnização de valor não inferior a € 2.500,00. Foi proferido despacho saneador tabelar, dispensando-se, ao abrigo do disposto no art. 787º, nº/s 1 e 2, do CPC – como os demais que, sem menção da respectiva origem, vierem a ser citados – a selecção da matéria de facto. Prosseguiram os autos a sua tramitação, vindo a final, a ser proferida (em 2006.02.27) sentença que, julgando improcedente a oposição, absolveu os Exequentes do pedido. Esta Sentença reportou-se apenas à parte da execução cujo título executivo é a escritura de 1998.02.13. Inconformados, apelaram os oponentes, visando a revogação da Sentença. O Acórdão da Relação julgou no entanto improcedente a apelação. Novamente inconformados, recorreram os Executados, sendo o recurso admitido como de revista e com efeito devolutivo. Foram apresentadas alegações. Os Exequentes responderam, contra-alegando. Remetidos os autos a este Tribunal foi o recurso aceite com a adjectivação atribuída. Correram os vistos legais. II. Âmbito do recurso Comecemos pela leitura das conclusões apresentadas pelos recorrentes nas suas alegações de recurso, sede própria para serem explicitadas as questões que os recorrentes visam ver tratadas- arts. 684.º-3 e 690.º-1 do CPC.: “Conclusões: Primeira: A matéria assente, com relevo para a decisão da causa, circunscrever-se-á, como a seguir: a)- No dia 13 de Maio de 1994, no âmbito do acordo celebrado entre exequentes e aqui apelantes (escritura pública da mesma data), estes receberam daqueles a quantia de 3.000.000$00, a título de empréstimo- al. k)- dos factos assentes. b)- No âmbito dos acordos celebrados em 13 de Fevereiro de 1998, 8 de Junho de 1999 e 2 de Fevereiro de 2001, celebrados entre apelados e aqui apelantes(escrituras públicas das mesmas datas), estes receberam daqueles a quantia de 7.000.000$00, a título de empréstimo - al. L)- dos factos assentes. Segunda: O que vale por dizer que no âmbito das questionadas quatro escrituras, os ora apelantes receberam dos aqui apelados a quantia global de 10.000.000$00, (Proc.n.o 2265/04.0TBPRD-A, que correu termos no 2° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Paredes, os presentes autos e Proc. n.º 2265/04.0TBPRD-C, que correu termos no 2° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Paredes - sob recurso). Terceira: A causa de pedir e o pedido da oposição fundamentam-se, em súmula, na defesa da tese de que os apelantes não receberam dos apelados, em virtude das quatro identificadas escrituras a quantia global em capital de 19.500.000$00, como vem declarado nas escrituras e peticionado na respectiva execução, (Proc.n.º 2265/04.0TBPRD-A, que correu termos no 2° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Paredes, os presentes autos e Proc. n.o 2265/04.0TBPRD-C, que correu termos no 2° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Paredes - sob recurso). Quarta: Provado ficou, apenas, que os ora apelantes receberam dos aqui apelados a quantia global de 10.000.000$00 (quatro escrituras, três dos presentes autos -e uma do proc. n.o 2265/04.0TBPRD-C, que correu termos no 2° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Paredes - sob recurso). Quinta: Por isso que, salvo melhor entendimento, a Oposição deveria ter procedido, e deverá proceder. Sexta: Sem prejuízo, é facto que o empréstimo de 7.000.000$00, a que se refere a escritura de 13 de Fevereiro de 1998, consta apenas, que os apelados concederam aos apelantes um empréstimo de sete milhões de escudos. Mas não consta, como era mister, "de que se confessam e constituem devedores". Sétima: O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto violou o disposto na al. d)- do n.º 1 do art.º 668° do CPC, bem como o estipulado no art.º 659°, n.º 3 do mesmo Código.” Como pode ver-se, os recorrentes pretendem que nos pronunciemos sobre as questões seguintes: a) análise conjunta das duas oposições em curso b) apreciação do pedido exequendo face ao título ........................... III. Fundamentação III-A) Os factos Foram definitivamente fixados no Acórdão recorrido os factos seguintes 1- Por escritura pública intitulada “Mútuo com Hipoteca”, outorgada no Cartório Notarial de Paredes, no dia 13 de Fevereiro de 1998, constante do livro número 327-C, de fls. 8-9v – conforme documento junto aos presentes autos, a fls. 16 a 19, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido –, DD e CC, declararam: “Que por escritura de treze de Maio de mil novecentos e noventa e quatro, exarada a partir de fls. 98, verso do Livro de Notas 215-C deste Cartório Notarial, os segundos outorgantes [leia-se: AA e BB] concederam-lhes um empréstimo da importância de três milhões de escudos pelo prazo de um ano, sucessivamente renovável por iguais períodos enquanto não fosse denunciado por qualquer das partes. Que pela presente escritura os segundos outorgantes [leia-se: AA e BB] reforçam o empréstimo acima indicado mediante a concessão de um novo empréstimo no montante de sete milhões de escudos, que hoje lhes é concedido pelos segundos outorgantes [leia-se: AA e BB] pelo prazo de um ano renovável por iguais períodos se não for denunciado por qualquer das partes com a antecedência mínima de sessenta dias em relação ao termo do prazo. Que este empréstimo vence juros à taxa anual de dez por cento, que na mora será agravada em mais quatro por cento. Ficam por conta dos mutuários todas as despesas inerentes ao presente contrato, nomeadamente registo de hipoteca a seguir efectuada e respectivo distrate. Para garantia do pontual cumprimento do presente contrato, respectivos juros e despesas que para efeitos de registo se fixam em duzentos e oitenta mil escudos, os primeiros outorgantes constituem hipoteca sobre os seguintes imóveis, todos sitos na freguesia de Cristelo, deste concelho, descritos na Conservatória do Registo Predial de Paredes: A- Prédio urbano, composto por casa de rés-do-chão e andar, com quintal, com a área coberta de cem metros quadrados e descoberta de mil metros quadrados, no lugar de Paços, descrito sob o número duzentos e cinquenta e três de Cristelo e inscrito na matriz urbana sob o artigo 46 a que atribuem o valor de seis milhões de escudos; B- Prédio rústico denominado Campo da Agra, com a área de mil e cem metros quadrados, no lugar de Portela, descrito sob o número duzentos e cinquenta e quatro de Cristelo, inscrito na matriz sob o artigo 85 e a que atribuem o valor de dois milhões de escudos; C- Prédio urbano, composto por casa de rés-do-chão e andar, com a área de sessenta e oito metros quadrados, quinteiro com quarenta metros quadrados e quintal com cem metros quadrados, no lugar de Portela, descrito sob o número duzentos e cinquenta e cinco de Cristelo e inscrito na matriz sob o artigo 123, a que atribuem o valor de dois milhões de escudos”[…] (art.3º da oposição e docº constante de fls.107-110 dos autos). 2- Tendo AA e BB, na qualidade de segundos outorgantes, declarado: “que aceitam o presente contrato na forma exarada” (art.3º da oposição e docº constante de fls.107-110 dos autos principais). 3- Em Fevereiro de 2004, AA e BB escreveram, subscreveram e enviaram a DD e uma carta, que foi por estes recebida em 11 de Fevereiro de 2004, com o seguinte teor: “Reg. c/ A. R. Cristelo, 10 de Fevereiro de 2004 Ass: Denúncia de contratos Os nossos cumprimentos (…) 2- Por escritura de mútuo com hipoteca entre nós celebrada no Cartório Notarial de Paredes, no dia 13 de Fevereiro de 1998 e aí exarada de fls. 8 a 9 v. do livro 327-C, emprestamos-lhes a quantia de 7.000.000$00 (sete milhões de escudos), como reforço do anterior empréstimo, pelo prazo de um ano, renovável por iguais períodos de tempo enquanto não fosse denunciado por qualquer das partes com a antecedência mínima de 60 dias em relação ao termo do prazo; (…) Assim, vimos comunicar-lhes que no prazo de 60 dias deverão efectuar o pagamento na nossa residência dos juros vencidos sobre os montantes emprestados, (…) juros esses que serão contados desde 02 de Fevereiro de 2001. Mais lhes comunicamos que denunciamos os supra referidos contratos para os termos dos respectivos períodos em curso, ou seja, (…) o segundo supra referido para o dia 12/02/2005, (…) devendo nessa data ser-nos pago na nossa residência o capital emprestado e ainda os juros que até então ainda se vencerem e ainda não pagos” (docº constante de fls.36-40 dos autos principais). 4- A execução à qual está apensa a presente oposição funda-se na escritura de 1998.02.13 (docº de fls.107-110 dos autos principais/cfr. fls. 182 e ss da oposição). .................................... III-B) Análise do recurso III-B)-a) Da análise conjunta das duas oposições em curso Não se nos afigura pertinente conhecer das duas oposições em curso – apenso A e apenso C ao processo executivo pela simples razão de que respeitam a títulos executivos diferentes (ainda que cumulados formalmente na pendência de anterior execução), que foram objecto de apreciação em decisões distintas (cada uma das oposições no respectivo apenso) e com recursos também distintos: Aqui está apenas em discussão a obrigação ou não de os Executados terem de pagar aos Exequentes o montante indicado como correspondente a empréstimo com hipoteca a que se reporta a escritura notarial de 1998.02.13, pelo que nenhuma confusão pode surgir relativamente à obrigação contida neste título com as eventualmente assumidas noutros títulos. O que terá que apreciar-se aqui é se a dívida titulada na escritura de 1998.02.13 existe e é exigível; no outro apenso, o que terá de dirimir-se é se lá são devidas as importâncias respeitantes aos outros títulos executivos. Coisas portanto inteiramente diferentes. III-B)-b) Da inexistência ou inexigibilidade da quantia exequenda Como está muito bem referido no Ac. da Relação, objecto de recurso, citando Pessoa Jorge, in Lições de Direito das Obrigações, 1966, pg. 169, o contrato de mútuo tem natureza real “quoad constitucionem”, ou seja, é um contrato para cuja constituição a lei exige a entrega da coisa que constitui o seu objecto, e cuja celebração implica a simultânea ou contemporânea entrega da quantia mutuada por parte do mutuante ao mutuário, com a simultânea constituição da obrigação do mutuário restituir a quantia entregue ao mutuante, nos termos convencionados. – arts. 405.º, 406.º, 1142.º, 1144.º e 1148-1 e 2 todos do CC. Na escritura em causa estão bem explícitas as claúsulas do novo empréstimo (7.000.000$00) com hipoteca, e a declaração de que os mutuários aceitavam o contrato na forma exarada. Cumprir o contrato na forma exarada, corresponde à obrigação de devolução da quantia mutuada, no fim do prazo previsto, com os juros acordados. Tendo em conta a natureza jurídica do mútuo – já atrás enunciada – e a declaração dos mutuários perante Notário de que aceitavam o empréstimo nos termos exarados na escritura, declaração a que se seguiu a aposição da sua assinatura, nenhuma dúvida pode restar nem outra leitura se pode fazer senão a de que efectivamente reconheceram perante o Notário que lhes foi entregue a quantia mutuada e se obrigaram à restituição nos termos aí definidos. Ora, os documentos exarados ou autenticados por Notário que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação podem servir de base à execução - art. 46.º-1-b) do CPC. São títulos executivos. Os Executados/ recorrentes, por sua vez, não provaram – como lhes competia (art. 342.º-2 do CC) – que a obrigação titulada nessa escritura não existia nem que a mesma fosse inexigível. Daí que nenhuma censura possa dirigir-se ao Acórdão recorrido. .................................. IV. Deliberação Nega-se consequentemente a revista, condenando-se os recorrentes nas respectivas custas. Lisboa, 09 de Outubro de 2007 Mário Cruz (relator) Faria Antunes Moreira Alves |