Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
9836/09.6TBMAI.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO BENTO
Descritores: ADMINISTRADOR
REMUNERAÇÃO
OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO
SOCIEDADES EM RELAÇÃO DE GRUPO
NACIONALIZAÇÃO
BANCO
DEVER DE CUIDADO
DEVER DE LEALDADE
SOCIEDADE ANÓNIMA
VINCULAÇÃO
DELIBERAÇÃO
CONDIÇÃO RESOLUTIVA
CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
ASSEMBLEIA GERAL
NULIDADE
BOA -FÉ
VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM
PRESUNÇÃO DE CULPA
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 03/27/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CONSTITUCIONAL: NACIONALIZAÇÃO DE BANCO
DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS: RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES; REMUNERAÇÃO DOS ADMINISTRADORES; GRUPOS SOCIEDADES
DIREITO CIVIL: RESPONSABILIDADE CIVIL
Doutrina:
- Coutinho de Abreu, Governação das Sociedades Comerciais, Almedina, págs. 25 e 84.
- Pedro Jorge Magalhães, Direcção Unitária em Prejuízo dos Interesses da Sociedade Dominada, dissertação de Mestrado, Porto, 2012, pág. 15.
- A. Pereira de Almeida, Sociedades Comerciais, 4.ª ed., pág. 569.
- M. Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, p. 374.
- Karl Larenz, Derecho Justo – Fundamentos de Etica Jurídica, 1985, pág. 91.
- Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, vol. II, 1984, pág. 742, 745.
- Carneiro da Frada, Sobre a Obrigação de Restituir dos Administradores, Direito das Sociedades em Revista, pág. 353.
Legislação Nacional:
- ARTS. 64.º, 72.º, 397.º; 399.º; 405.º; 411.º; 488.º; 481.º; 491.º; 501.º A 504.º, 508.º-F, DO CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS
- ART. 2.º, N.º 1 DA LEI N.º 62-A/2008 DE 11-11;
- ARTS. 270.º, 275.º, N.º 2, E 334.º, DO CÓDIGO CIVIL
- ART. 664.º DO CPC.
Jurisprudência Nacional:
AC. STJ DE 17-04-1997 (PROC. Nº 96B828), WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I – A remuneração dos administradores das sociedades anónimas é matéria da competência reservada da Assembleia de Accionistas ou de uma Comissão por ela designada.

II – Logo, fixada essa remuneração, é vedado à Administração ou aos administradores interferir ou alterar o montante dessa remuneração, sob pena de nulidade da deliberação do Conselho de Administração ou da decisão do administrador.

III – Tal nulidade não é afectada se os aumentos de remuneração forem ordenados pelo Presidente do Conselho de Administração da Sociedade detentora da totalidade do capital social aos administradores desta e estes a cumprirem, determinando o processamento das respectivas remunerações.

IV – Muito embora a qualidade de accionista único de uma sociedade legitime a sociedade accionista e dominante a dar instruções vinculantes à sociedade dominada, essas instruções devem entender-se, sob pena de nulidade, restritas à matéria da competência da administração e não à da competência das assembleias de accionistas.

V – Alegando-se que, em matéria de remunerações, a prática anterior assentava na fixação do respectivo montante pelo Presidente do Conselho de Administração da sociedade dominante que depois a transmitia aos destinatários para estes ordenarem o respectivo processamento e que tal fixação era depois tacitamente aprovado na assembleia de accionistas com a aprovação do Relatório de Gestão e das Contas apresentadas, configura-se a invocação de uma condição resolutiva negativa na medida em que a cessação de eficácia daquela decisão ficava dependente da não aprovação do referido Relatório e das Contas.

VI – Como tal se a Assembleia não vier a aprovar tal aumento, a condição resolutiva negativa só se tem por não verificada se, essa não aprovação contrariar as regras da boa fé.

VII – A boa fé está intimamente ligada ao princípio da confiança mas para configurar um abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium, as duas actuações contraditórias que esta pressupõe devem ser actuações lícitas.

VIII – Logo, não há violação da boa fé, nem abuso do direito, se, com a actuação alegadamente contraditória, se pretende reagir contra práticas ilícitas anteriores.

IX – O dever de cuidado que os administradores das sociedades devem observar pressupõe o controle organizativo-funcional da sociedade e este, por sua vez, o conhecimento da organização da sociedade e da repartição interna de competências entre os respectivos órgãos bem como dos respectivos limites legais de actuação e o dever de actuação procedimentalmente correcto implica a obrigação de preparar adequadamente as decisões, nomeadamente recolhendo e tratando a informação disponível sobre o assunto.

X – O dever de lealdade a que os administradores também estão sujeitos implica, por sua vez, a obrigação de contemplação exclusiva dos interesses da sociedade e exclusão de interesse pessoal.

XI – Um administrador que determina unilateralmente o aumento da sua própria remuneração viola o dever de cuidado e de lealdade para com a sociedade.


XII - Viola o dever de cuidado porque revela, por um lado, desconhecimento da distribuição interna de competências entre os órgãos da sociedade e desprezo pelos procedimentos correctos – v.g. convocação de assembleia geral – para deliberar sobre essa matéria e viola o dever de lealdade, porque tal decisão não pode deixar de satisfazer interesses pessoais seus quando deveria actuar exclusivamente no interesse da sociedade.

XIII – A violação dos deveres de cuidado e de lealdade dos administradores e os danos causados à sociedade com os actos e omissões que consubstanciem tal violação acarreta uma presunção de culpa dos administradores.

XIV – Tal responsabilidade é afastada se os administradores provarem que actuaram em termos informados e livres de qualquer interesse pessoal, segundo critérios de racionalidade empresarial.

XV – A alegação de cumprimento de ordens do Presidente do Conselho de Administração da Sociedade dominante é insuficiente para afastar a culpa do administrador que determina o aumento da sua própria remuneração, uma vez que, mesmo cumprindo tais ordens, não está demonstrada a ausência de interesse pessoal do administrador.

XVI – Nada impede que, perante pagamentos indevidos da sociedade aos seus administradores, determinados por actos praticados em violação dos deveres de cuidado e de lealdade destes relativamente àquela, seja deliberada a instauração de acção de responsabilidade civil contra eles com vista à restituição das importâncias indevidamente pagas.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

AA foi, desde 2000 e até 23.01.2009, administrador de BB – Seguros SA, cujo capital social era detido na totalidade das respectivas acções representativas pelo Banco DD, S.A.

Até Fevereiro de 2008 a sua remuneração fixa mensal bruta era de € 2.190,00, mas em 12.02.2008, em conjunto com outro administrador, determinou aos serviços de Recursos Humanos da referida Sociedade que ele passaria a auferir mensalmente uma remuneração mensal ilíquida adicional de € 3.500,00, com efeitos desde Novembro de 2007, ordenado o respectivo processamento.

O valor de remuneração bruta mensal necessária para gerar tal remuneração era de € 5.832,00 e o valor total da remuneração adicional relativo ao período entre 1.11.2007 23-01-2009 e 23.01.2009 ascendeu a € 113.406,04.

Inexistindo Comissão de Vencimentos, a Assembleia-geral de BB – Seguros SA não deliberou nem aprovou nem ratificou tal aumento.

Na reunião da assembleia-geral de 10.11.2009, considerando que as remunerações do Conselho de Administração não foram atribuídas pela Assembleia Geral nem pela Comissão de Remunerações, o que causou danos à autora, foi deliberado a instauração contra o referido administrador de acção de responsabilidade nos termos do art. 72.º do Cód. Soc. Comerciais.

E foi na sequência de tal deliberação que a BB SEGUROS, S.A. intentou acção de responsabilidade civil contra AA, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 113.406,04, acrescida de juros à taxa legal para os créditos das empresas comerciais desde a data da citação.

O Réu defendeu-se por impugnação, alegando, em síntese, que os ajustamentos remuneratórios e os prémios de gestão eram definidos pelo Presidente do Conselho de Administração do Grupo S.L.N., Sociedade CC de Negócios, que simultaneamente era Presidente da A e da Comissão de Remunerações e que as remunerações “adicionais” que lhe foram pagas foram determinadas pelo Presidente do Grupo S.L.N. e sempre entendeu essas determinações como legítimas e nunca as questionou.

Concluiu pela improcedência da acção.

Prosseguindo a tramitação na 1ª instância, veio a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu o Réu do pedido.

A Autora apelou e a Relação do Porto por acórdão de 12-04-2012 revogou tal sentença, condenando o Réu a pagar à A. a quantia de 113 406, 04 (cento e treze mil, quatrocentos e seis euros e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal para os créditos de empresas comercias, nos termos do 102 § 3 do Código Comercial, desde a citação.

Novo recurso, desta feita de revista interposto pelo Réu, pugnando pela revogação do acórdão recorrido.

A Autora contra-alegou em defesa da manutenção do decidido.

Remetido o processo a este STJ, o Réu juntou douto parecer do Prof. Gravato Morais.

Proferido o despacho preliminar, foram corridos os vistos.

Nada continua a obstar ao conhecimento do recurso.


FUNDAMENTOS DE FACTO


As instâncias mostram-nos como provados os seguintes factos:

1. A A. é uma sociedade anónima cujo objecto é o exercício da actividade de seguro directo e de resseguro dos ramos vida, com a amplitude permitida por lei, nos termos da descrição comercial acessível pelo código 2283-8812-5384, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido - (A).

2. O Banco DD, S.A. (doravante, DD) é titular da totalidade das acções representativas do capital social da A e já o era em 11 de Novembro de 2008 - (B).

3. As acções representativas do capital social do DD foram nacionalizadas, por força e nos termos do art. 2.º da Lei 62-A/2008, de 11 de Novembro - (C).

4. Por deliberação do Conselho de Administração da A, que à data girava sob a firma “EE SEGUROS DE VIDA, S.A.”, tomada no dia 10.10.2000, o R. foi cooptado para o cargo de administrador da mesma - (D).

5. Por deliberação da assembleia geral da A., que à data girava sob a firma “EE SEGUROS DE VIDA, S.A.”, tomada em 28.2.01, foi ratificada a referida cooptação do réu - (E).

6. Por deliberação da assembleia geral da A., que à data girava sob a firma “EE SEGUROS DE VIDA, S.A.”, tomada em 19.3.01, o R. foi eleito administrador para o triénio de 2001/2003 - (F).

7. Por deliberação da assembleia geral tomada em 26.2.04, o R. foi eleito presidente do conselho da administração da autora para o triénio de 2004/2006 - (G).

8. Por deliberação da assembleia geral tomada em 16.2.07, o R. foi eleito presidente do conselho de administração da autora para o triénio de 2007/2009 - (H).

9. Em reunião da assembleia geral da autora tida a 4.9.08, o R. renunciou à qualidade de presidente do conselho de administração da A, tendo, porém, mantido a qualidade de administrador - (I).

10. Com data de 23.01.2009 foi elaborada a acta nº 30 relativa á sociedade A, tendo nesta sido declarado que na assembleia realizada nessa data, foram eleitos novos membros para o Conselho de Administração da A.- (J)

11. O R. desempenhou o cargo de administrador da autora desde 10.10.2000 e 31.12.2008 - (1º).

12. Até Fevereiro de 2008, a remuneração fixa mensal bruta do R. era no valor de € 2.190,00 - (2º).

13. Em 12.2.08, o R., em conjunto com o Dr. FF, à data também administrador da A., determinou aos serviços de recursos humanos da A que ele, R., passava a auferir mensalmente uma remuneração mensal líquida adicional de € 3.500,00, com efeitos desde Novembro de 2007 - (3º).

14. O valor de remuneração bruta mensal necessário para gerar tal remuneração mensal líquida adicional de € 3.500,00 era de € 5.832,00 - (4º).

15. O valor total da remuneração adicional paga ao réu relativa ao período entre 1.11.2007 e 31.12.2008 ascendeu a € 113.406,04, correspondente à soma das seguintes parcelas:

- € 11.664,00 relativos a 2 meses de 2007.

- € 5.832,00 relativos ao subsídio de Natal vencido em 2007.

- € 5.832,00 relativos ao subsídio de férias vencido em 2007.

- € 2.566,08 relativos a 11 dias de férias vencidas em 2007, não gozadas.

- € 69.984,00 relativos a 12 meses de 2008.

- € 5.847,98 relativos a um mês de férias vencido em 2008.

- € 5.847,98 relativos ao subsídio de férias vencido em 2008.

- € 5.832,00 relativos ao subsídio de Natal vencido em 2008 – (5º).

16. Em 28 de Fevereiro de 2001 foi eleita a comissão de remunerações para o triénio de 2001/2003, composta por Dr. GG, Presidente do Conselho de Administração do Grupo SLN – Sociedade CC de Negócios, HH e II (6º a 9º).

17. O referido aumento de remuneração não foi confirmado pela assembleia geral da autora realizada no dia 10 de Novembro de 2009 (7º).

18. Os ajustamentos de remunerações e os prémios de gestão eram definidos pelo Presidente do Conselho de Administração do Grupo SLN – Sociedade CC de Negócios (8º).

19. Depois de definidos tais montantes, a informação era transmitida ao réu e ao administrador financeiro (10º).

20. As remunerações referidas em 15. foram determinadas pelo Presidente do Grupo SLN (13º).

21. “ O aumento de remuneração do R referido na resposta ao art. 5º nunca foi confirmado pela assembleia-geral da A.

22. Na assembleia-geral da A. realizada em 16 de Fevereiro de 2007, que para além do mais procedeu à eleição dos membros dos órgãos sociais para o triénio de 2007 a 2009, não foi eleita qualquer comissão de remunerações para esse período.


FUNDAMENTOS DE DIREITO


Antes de mais, importa delimitar o objecto do recurso, recordando as conclusões propostas pelo recorrente:

- Objecto do Recurso:

A. O objecto do presente recurso circunscreve-se à terceira questão, colocada perante o Tribunal da Relação, isto é, saber se o réu/recorrente deve ou não restituir as remunerações recebidas, quantificadas na resposta ao quesito 5° e que ascendem a 113.406.04, acrescidas de juros.

B. Nesta sequência, o objecto do presente recurso circunscreve-se à questão de saber se o recorrente deve - ou não deve, como defendemos - restituir o montante correspondente às remunerações que recebeu da Autora.

- Análise da 1ª parte do acórdão recorrido

C. Em primeiro lugar, no caso concreto, não se verificou nenhuma deliberação do conselho de administração que determinou o aumento do salário do recorrente.

D. Logo, não se aplica, ao caso vertente, o art. 411º nº 1 al. C) do C.S.C., porque não existe nenhuma deliberação para declarar nula ou anular (consoante se perfilhe a tese da nulidade ou anulabilidade).

E. Houve, sim, uma determinação (informação) do C.A. para o departamento de recursos humanos, para que o processamento do salário do réu fosse alterado.

F. Essa "determinação" (informação) não foi elaborada pelo recorrente, de forma autónoma (auto-aumentando o seu salário), mas baseada numa "ordem" proveniente de GG (presidente do DD, único accionista da autora).

G. O recorrente limitou-se a dar seguimento à determinação (ordem) proferida pelo Dr. GG.

H. O aumento salarial não foi da iniciativa do recorrente, à semelhança de todos os ajustamentos salariais e remunerações que eram determinados pelo Dr. GG, sendo que foi este que determinou as remunerações em causa.

I No caso dos autos, dever-se-á proceder a uma interpretação restritiva do art. 399º nº 1 do C.S.C., porque estamos numa situação de relações de grupo ínter-sociedades.

J. E não se diga - como se afirma no acórdão recorrido - que "desconhecem-se que tipo de relações existiam entre as sociedade que formavam o grupo S.L.N." (Cf. 7° § da pág. 9 do ac.), para não conceder relevância a "ordem" promanada de GG.

K. Ficou suficiente provado que o DD era "titular da totalidade das acções representativas do capital da A.

L. Este facto é quanto basta para atribuir relevância jurídica à "ordem" emanada de GG.

M. Pois, até podemos admitir que, no caso, verificou-se uma violação formal do art. 399º do C.S.C., mas não houve uma violação substantiva e material. Os interesses que a norma visa tutelar não foram colocados em causa.

N. Aliás, o próprio acórdão recorrido, na sua fundamentação, defende a natureza imperativa do art. 399º do C.S.C., por ser "o meio adequado à defesa da sociedade e dos accionistas, que são os donos da sociedade".

O. Simplesmente, o acórdão recorrido não observou que único "dono" da autora/recorrida era o DD, presidido por GG!...

P. Portanto, os interesses dos donos e dos accionistas estão acautelados, quando a "ordem" (não uma deliberação formal da A.G.) partiu do Presidente do DD único dono e único accionista da sociedade autora/recorrida.

Q. Aliás, a eventual falta de deliberação da assembleia geral, no que respeita às remunerações em crise nestes autos, está suprida pela intervenção do accionista único.

R. Saliente-se que, se por absurdo o recorrente tivesse recusado dar cumprimento ao que foi determinado pelo presidente do DD, o accionista único reunia em assembleia geral e determinava aquilo que já estava determinado: a ordem de aumento do salário do recorrente.

S. Era, pois, prática corrente na "vida" da autora (e, aliás, em outras sociedade do Grupo S.L.N.) que, em matéria de remunerações, o Dr. GG tudo decidia.

T. Dado que o accionista único (o dono) era o DD, o Presidente deste Banco definia as remunerações, por "ordem" directa, para que os vários administradores dos diversos pelouros da Autora (propriedade exclusiva do DD) "não soubessem o que os outros ganhavam."

U. Não existia, portanto, deliberação formal da Assembleia Geral, relativamente às remunerações, de modo a preservar a confidencialidade dos vencimentos.

V. Todos os anos, por altura da aprovação do relatório de gestão e contas, a assembleia geral da autora, reunia (de forma introspectiva, na medida em que havia apenas um único accionista - o DD - que deliberava) e aprovava as contas, suprindo assim a omissão de deliberação, relativa a remunerações, nos termos do art. 399º C.S.C.

W. Desta forma, a Assembleia Geral acabava por ratificar e confirmar as decisões do presidente do DD - único accionista da Autora.

X. Sempre assim sucedeu até ao ano de 2008, relativamente á aprovação de contas referentes ao ano de 2007.

Y. Simplesmente, devido às alterações factuais publicamente conhecidas (facto notório - art. 514 C.P.C.) o DD foi nacionalizado e o Dr. GG já não participou na assembleia geral, de aprovação de contas no ano de 2009, relativamente ao ano de 2008.

Z. Eis, portanto, a razão pela qual o aumento de remuneração do recorrente não foi aprovado na assembleia geral de Novembro de 2009.

AA. Caso tal facto superveniente não tivesse ocorrido, as remunerações do réu/recorrente, seriam aprovadas em assembleia geral da autora, através de suprimento ou ratificação do decisão ("ordem") do presidente do DD, único dono e accionista da recorrida.

BB. No caso presente, não houve uma deliberação nula, por parte da autora.

CC. Houve, sim, uma não deliberação (deliberação inexistente) materializada numa "ordem" do único dono da autora.

DD. E, por causas supervenientes - não imputáveis ao recorrente - essa deliberação inexistente, não foi objecto de ratificação pela assembleia geral (formal) de aprovação de contas, que ocorria anualmente.

EE. Não é o enquadramento formal nem são as previsões normativas invocadas pelo acórdão recorrido que resolvem o caso dos autos.

FF. O caso dos autos resolve-se, através da lei, interpretada segundo os cânones dos princípios gerais de direito que são os únicos capazes de propiciar a materialização da justiça no caso concreto.

GG. Defendeu - e mal como se analisou - o acórdão recorrido que dada a nulidade da deliberação (que deliberação?!...) dever-se-ia aplicar os efeitos retroactivos de restituição.

HH. Isto é, no entender do acórdão recorrido, o recorrente devia devolver as remunerações que recebeu, ficando a autora ilibada de devolver o trabalho prestado por aquele, dada a natureza das obrigações prestadas.

II. Com efeito, se assim fosse, a autora enriquecia injustamente à custa do recorrente.

JJ. Na verdade, é preciso dominar o direito positivo mas também os princípios gerais do direito, para resolver o caso concreto.

KK. Pois, mesmo que se tratasse de uma deliberação nula - e não inexistente, como no caso dos autos - tal nulidade nunca poderia ter efeitos retroactivos só para uma das partes: o recorrente!...

LL. Os efeitos retroactivos do art. 289º do C.C., implica a restituição de "tudo o que tiver sido prestado ou; se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente".

MM. Ou seja, os efeitos restitutivos não podem valer apenas para o recorrente. Também a recorrida deveria restituir o montante equivalente ao trabalho prestado pelo recorrido.

NN. A restituição do art. 289º do C.C. teria de ser recíproca e dado que a autora não podia restituir o trabalho prestado, teria de repetir o valor correspondente, sob pena de enriquecimento sem causa.

00. Ao caso dos autos, não se aplica a lei (art. 399º C.S.C. e art. 411º nº 1 al, C) do C.S.C.) nem as doutrina e jurisprudência citadas no acórdão recorrido.

PP. Acresce a tudo quanto supra afirmamos a jurisprudência do S.T.J., preconizada no acórdão de 31/03/1981, publicado no B.M.J., 305, pág. 323-327, segundo o qual "a deliberação informal, de fixação de remuneração da gerência, é nula; não obstante, é abuso do direito vir pedir essa declaração de nulidade. "

QQ. Assim, no caso dos autos, a invocação da nulidade da deliberação, configura um abuso de direito, porque "é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes, ou pelo fim social ou económico desse direito."

RR. E, no caso presente, muito embora pensemos que não se aplica o art. 399º nº 1 e 411º nº 1 al. C) do C.S.C., os quais estatuem a nulidade da deliberação; o certo é que a invocação de tal nulidade excede os limites da boa-fé, os bons costumes e o fim económico da razão de ser da estatuição, nulidade da deliberação.

SS. A razão de ser de ferir de nulidade tais deliberações fica a dever-se à defesa dos interesses dos donos da sociedade e os interesses dos accionistas.

TT. No caso em apreço, foi o dono da autora (o DD) que decidiu as remunerações em causa.

UU. Não foi o recorrente que auto-determinou o seu vencimento.

VV. A decisão recorrida tem de ser revogada, porque deu acolhimento ao exercício de um direito, em termos reprovados pela lei (o art. 334.º do CC), na medida em que poderá respeitar a estrutura formal do direito, mas viola a sua afectação substancial, funcional, ou teleológica.

- Análise da 2a parte do acórdão recorrido

WW. Já vimos supra que o recorrente não violou o referido art. 399º do C.S.C.

XX. A ter existido violação do art. 399º do C.S.C., tal violação não foi praticada pelo recorrente, mas pelo único dono da sociedade autora (o DD).

YY. Por outro lado, a eventual violação do art. 399º do C.S.C. a verificar-se - foi uma mera preterição formal, a qual não constitui uma violação substantiva e material do referido artigo.

ZZ. O facto de o Réu/recorrente ter dado instruções ao departamento de recursos humanos da sociedade autora, para processar o seu salário com aumento, na sequencia da ordem do único dono da recorrida, não violou a dimensão teleológica da norma, porque os interesses tutelados não foram colocados em crise. Os interesses dos accionistas não foram postergados.

AAA. Foi o accionista único que determinou o aumento do salário. Não foi o recorrente que auto-aumentou-se, violando os interesses dos accionistas que têm protecção através da aludida norma.

BBB. Não vislumbramos, portanto, qualquer comportamento ilícito, por parte do recorrente, ao transmitir uma "ordem" proferido por quem (GG) tinha legitimidade bastante para o fazer.

CCC. Mais uma vez recordamos que GG era o Presidente do DD, que por sua vez era o único accionista a autora: o "dono", aquele quem a norma do art. 399° visa proteger.

DDD. Mas, mesmo que por hipótese académica se possa - muito remotamente - admitir que o recorrente actuou com ilicitude, atenta à presunção legal; o certo é que, face à factualidade apurada e provada, teremos de concluir que o recorrente actuou sem a consciência de estar actuar ilicitamente, o que tem por consequência, no âmbito da responsabilidade civil a exclusão da culpa do agente.

EEE. Na verdade, face às circunstâncias apuradas, é perfeitamente desculpável a conduta do recorrente.

FFF. Pois, efectivamente, o recorrente limitou-se a dar cumprimento à determinação (ordem) de quem controlava a 100% a sociedade autora.

GGG. E, de resto, aquele comportamento de GG era prática corrente de muitos anos e costume aceite na sociedade autora e no grupo S.L.N., em geral.

HHH. A doutrina preconizada pelo acórdão recorrido pretendia que, o recorrente, de forma peregrina, recusasse comunicar ao departamento de recursos humanos a determinação emanada de quem controlava, totalmente, a recorrida.

III. Aliás, se o recorrente recusasse o cumprimento de tal "ordem", tal facto consubstanciaria uma quebra de confiança e uma infidelidade para com o presidente do grupo de empresas e para com o accionista único.

JJJ. Assim sendo, ao actuar como actuou, o recorrente não violou os deveres de cuidado e de lealdade, consignados no art. 64° do C.S.C.

KKK. Acresce que o recorrente actuou dentro dos critérios do homem médio, face á situação concreta que estamos a apreciar.

LLL. Pois, outro comportamento não era exigível ao recorrente, tendo por critério aferidor a noção de gestor criterioso e ordenado, como bitola mais exigente do que a comum, no âmbito da determinação da culpa.

MMM. O comportamento do recorrente não é censurável, na medida em que cumpriu uma determinação daquele, cuja teleologia do art. 399.º do C.S.C., visava proteger.

NNN. Censurabilidade existiria - mas não existiu - se o recorrente, dentro do seu conselho de administração deliberasse o seu aumento salarial, à revelia da assembleia geral.

000. O acórdão recorrido insinua que assim foi, para depois subsumir essa factualidade ficcionada à previsão normativa e censurar o recorrente.

PPP. Mas, como vimos supra, não houve qualquer deliberação do C.A. da recorrida, houve apenas a transmissão (comunicação) da decisão tomada pelo accionista único da autora.

QQQ. Seria censurável se o recorrido tivesse decidido a sua remuneração.

RRR. Porém, ficou largamente demonstrado que o recorrido não decidiu em causa própria e em conflito de interesses com a recorrente.

SSS. E, bem assim, demonstrou-se que a prática na fixação das remunerações era aquela que supra referimos, "de modo a que uns não soubessem o que os outros recebiam".

TTT. Por outro lado, o acórdão recorrido afirma, sem justificar ou fundamentar, que "não suscita qualquer dúvida, que a Autora sofreu um prejuízo equivalente às remunerações adicionais recebidas pelo recorrente, não aprovadas nem confirmadas pela assembleia geral de accionistas da autora" - (Cf. Pág. 13 do acórdão, § 6°)

UUU. O primeiro reparo é que a assembleia geral da autora não era de accionistas, mas, ao invés, de accionista único.

VVV. Por outro lado, as remunerações aqui em crise foram contrapartida do trabalho prestado pelo recorrente.

WWW. E, além do mais, não há factualidade provada nos autos que demonstre ter havido um qualquer dano provocado á autora/recorrida.

XXX. Não ficou provado, nem foi alegado que os montantes em, causa não foram para pagar o trabalho prestado e que são exorbitantes face ao trabalho despendido.

YYY. Aliás, é facto notório que as remunerações em causa são baixas, para um administrador de uma seguradora.

ZZZ. Afinal a questão do pressuposto "dano", responsabilidade civil, até tem alguma complexidade e, contudo, o acórdão recorrido resolveu - mal - esta questão numa frase afirmativa, conclusiva e não fundamentada!...

AAAA. Também por aqui se vê que a 'justiça" apressada se transforma numa injustiça substantiva, que carece de um reparo superior do S.T.J.

BBBB. Daquilo que acabamos de expender, no âmbito do regime da responsabilidade civil, concluímos que: - não existe facto ilícito, por parte do recorrente;

- e, se porventura, se verificar uma ilicitude formal, sempre esta teria sido praticada pelo recorrente em manifesta falta de consciência de ilicitude;

- havendo falta de consciência de ilicitude, esta funciona como causa de exclusão da culpa do recorrente;

- de qualquer modo o comportamento do recorrente não é culposo, porque não censurável.

- a não censurabilidade, advém do facto do recorrente ter cumprido os deveres de cuidado e de lealdade para com a sociedade autora;

- além do mais, no caso "sub iudice" inexiste dano ou prejuízo para a autora;

- pois, as remunerações foram contrapartida do trabalho prestado;

- mas, de resto, a autora não alegou nem provou quaisquer danos ou prejuízos por si sofridos.

CCCC. O acórdão recorrido violou, entre outros, os seguintes normativos: art. 399° e 4110 do C.S.C.; art. 286°, 289° e 334° do C.C.; e art. 62° e 74° do C.S.C.

Conclui, pedindo a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que absolva, integralmente, o recorrente do pedido formulado pela autora.

Apreciando:

Começa o recorrente por sustentar a ausência de deliberação do Conselho de Administração sobre o aumento da sua retribuição, já que – diz – teria apenas existido uma determinação (informação) do Conselho de Administração para o Departamento de Recursos Humanos da Autora, baseado numa “ordem” do Dr. GG, Presidente do DD, único accionista da Autora; a actuação do Recorrente consistiu apenas em dar seguimento a essa ordem.

Ora, a questão da ausência de deliberação do Conselho de Administração é irrelevante, porquanto a causa de pedir da acção não assenta na (in)existência e na (in)validade de tal deliberação, mas sim na responsabilidade civil do Réu, como administrador da Autora, ao ordenar (ou, como ele defende, a transmitir a ordem do Dr. GG, Presidente da SLN – Sociedade CC de Negócios SA e, como é do conhecimento geral, também do DD, SA, único accionista da Autora) ao Departamento de Recursos Humanos da Autora, o processamento do aumento da respectiva remuneração.

Tal acto tinha, obviamente, uma eficácia intra societatis, restringindo-se às relações internas entre a Autora e ele, como Administrador, sem qualquer relevância externa, sendo certo que, para lograr, para si, os benefícios do cumprimento de tal “ordem” pelos serviços da Autora, lhe foi essencial a posição de Administrador que era a sua (independentemente de, ao praticá-lo, estar ou não a “cumprir ordens” do Dr. GG).

Será que tal actuação de “auto-aumento” da sua própria remuneração lhe era permitida pelo ordenamento jurídico?

Seguramente que não.

Sobre isto, rege o art. 399º do CSC que no seu nº1 prescreve que “compete à assembleia geral dos accionistas ou a uma comissão por aquela nomeada fixar a remuneração de cada um dos administradores, tendo em conta as funções desempenhadas e a situação económica da sociedade”.

A lei é clara: compete à Assembleia-geral, não ao Conselho de Administração ou ao Administrador.

Logo, como Administrador, o Autor e recorrente carecia de competência funcional para, uma vez fixada a sua remuneração, interferir depois unilateralmente na elevação do respectivo montante, já que tal nunca poderia ser considerado um acto de administração ou de gestão da sociedade, sujeita como está às deliberações dos accionistas (art. 405º nº1 CSC), antes se tratando de matéria reservada, pela lei societária, a um outro órgão social, a saber, a assembleia geral ou a uma comissão por ela designada.

E a administração – recorde-se - abrange o conjunto de actuações materiais e jurídicas imputáveis à sociedade que não estejam, por lei, reservadas a outros órgãos.

No caso, portanto, é a própria lei societária que lhe nega competência para tal.

Não estando em causa, sequer, uma deliberação do Conselho de Administração, mas apenas uma decisão de um administrador, aplicam-se, por maioria de razão, à aferição da validade desta, os critérios definidos pelo art. 411º do CSC; assim, tal decisão enferma de nulidade porque se a fixação da remuneração está subtraída à competência funcional da Administração, por maioria de razão, o deve estar também à competência de um dos elementos do respectivo Conselho e porque, em matéria de retribuição de administradores, o art. 399º CSC tem manifesta natureza imperativa (art. 411º nº1-b) e c) CSC).

Esta é a opinião de Coutinho de Abreu (Governação das Sociedades Comerciais, Almedina, p. 84) e de Inês Ermida de Sousa Guedes (A Remuneração dos Administradores, Perspectiva a partir da crise de 2008, Almedina, 2011, p. 27) e foi nesse sentido que este STJ já deliberou em acórdão de 17-04-1997 (Proc. nº 96B828, acessível através de http//:www.dgsi.pt).

Justifica-se, contudo, o Autor e recorrente, com a alegação de que o aumento da remuneração que se discute não foi de sua iniciativa, antes se limitou a cumprir e a dar seguimento a ordens ou instruções nesse sentido do Presidente do DD, SA, que detinha a 100% o capital social da Autora.

Nesta sede, apurou-se que:

- O Banco DD, S.A. (…) é titular da totalidade das acções representativas do capital social da A e já o era em 11 de Novembro de 2008 - (cf. al. B);

- Os ajustamentos de remunerações e os prémios de gestão eram definidos pelo Presidente do Conselho de Administração do Grupo SNL – Sociedade CC de Negócios (8º);

- As remunerações referidas em 15 foram determinadas pelo Presidente do Grupo SNL (13º).

A Relação – que, como se sabe é a última instância em sede de matéria de facto – considerou ser facto notório que o ... – Banco DD – nacionalizado pelo art. 2º da Lei nº 62-A/2008 de 11 de Novembro, integrava o Grupo SLN – Sociedade CC de Negócios.

O domínio total de uma sociedade por outra, titular da totalidade do respectivo capital, configura uma relação de grupo (art. 488º nº1 CSC).

Por força da remissão decretada pelo art. 491º CSC, aos grupos constituídos por domínio total, são aplicáveis as disposições dos art.s 501º a 504º do CSC.

E segundo o art. 503º nº1, a sociedade directora, isto é, a sociedade dominante tem o direito de dar à administração da sociedade dominada, instruções vinculantes.

Mercê deste direito de dar à sociedade dominada instruções vinculantes para esta, a sociedade dominante tem um verdadeiro poder de direcção sobre esta.

Mas tal poder não elimina a personalidade, capacidade e a autonomia orgânica e funcional da sociedade dominada que continua a manter os seus órgãos próprios (assembleia geral, conselho de administração, conselho fiscal, etc.).

Nem é ilimitado; as instruções sofrem limitações, entre as quais, se incluem os decorrentes da própria lei; é o que prescreve o art. 503º nº2 in fine, aplicável ex vi do art. 491º citado quando determina que “em caso algum serão lícitas instruções para a prática de actos que em si mesmos sejam proibidos por disposições legais não respeitantes ao funcionamento de sociedades”.

Os limites legais constituídos pelos preceitos legais e contratuais informadores da actividade do órgão de administração da sociedade subordinada ou dependente são aplicáveis às instruções dadas pela sociedade superior. Esta não pode ordenar actos violadores de normas do CSC, de qualquer outra lei, ou mesmo dos estatutos da sociedade subordinada (art. 503º, nº 2 do CSC)” (cf. Pedro Jorge Magalhães, Direcção unitária em prejuízo dos interesses da sociedade dominada, dissertação de Mestrado, Porto, 2012, pág. 15, em http://sigarra.up.pt/fdup/pt/publs_pesquisa.FormView?P_ID=4990, acedido em 23-01-2014).

E. como se disse, o art. 399º CSC – que reserva à assembleia geral ou a uma comissão por ela designada, a competência para a fixação da remuneração dos administradores – tem natureza imperativa.

Nesta mesma linha de pensamento, se encontra A. Pereira de Almeida que, a propósito, escreve:

Sublinhe-se, …, que o poder de dar instruções vinculativas respeita exclusivamente à administração da sociedade subordinada e não à assembleia-geral” (cf. Sociedades Comerciais, 4ª ed., pág. 569).

Por conseguinte, a sociedade dominante, em caso de domínio total, tem o poder de dar instruções vinculantes à administração da sociedade dominada sobre matérias de gestão e administração desta, mas não sobre matérias que são reservadas a outros órgãos das sociedades (v.g., assembleia geral); e só naquela hipótese é que as instruções vinculantes serão lícitas.

Significa isto, por um lado, que destinatário das instruções vinculantes é sempre a administração das sociedades dominadas e, por outro, que essas instruções devem versar sobre matérias de gestão e não sobre matérias da competência deliberativa exclusiva das assembleias-gerais; logo, se as instruções incidirem sobre estas matérias reservadas à assembleia, a respectiva implementação não pode prescindir da intervenção formal de tal assembleia geral cuja convocação pode ser, para isso ou também para isso, desencadeada pela administração da sociedade dominada ou pela sociedade dominante.
Ora, sendo as sociedades em relação de grupo jurídico-formalmente independentes entre si, não obstante a sua integração no perímetro de acção e estratégia de uma unidade económico-empresarial mais vasta, conservam em pleno a sua personalidade jurídica individual, mantendo assim a sua autonomia jurídico-patrimonial e jurídico-organizativa.

O conjunto das sociedades agrupadas em relação de grupo reclama a unidade da respectiva direcção económica; mas cada uma das sociedades agrupadas é uma entidade autónoma, dotada de património, de órgãos de decisão e de interesses empresariais próprios; não obstante essa autonomia, cada uma dessas sociedades agrupadas está dependente, em maior ou menor grau, da estratégia geral do grupo, razão e fundamento último do poder de instruções vinculantes às sociedades subordinadas.

A unidade de direcção assenta, pois, num poder de direcção que não elimina a autonomia orgânica da sociedades subordinada que mantém os seus órgãos de representação próprios mas alarga os poderes de administração da sociedade directora com os poderes de dar instruções vinculativas ao órgão de administração da sociedade subordinada e com os poderes de representação da sociedade directora na assembleia geral da sociedade subordinada onde pode determinar o sentido das deliberações sociais conforme à política do grupo bem como eleger administradores, aprovar as respectivas remunerações ou deferir tal aprovação a uma comissão especial, aprovar contas, etc.

Não nos parece que, por tal via das instruções vinculantes, lhe seja lícito determinar aumentos da remuneração de alguns administradores da sociedade dominada dirigidos, não ao Conselho de Administração desta, mas directamente aos administradores beneficiários de tal aumento em termos cuja implementação implica que sejam esses administradores a ordenar aos serviços o processamento do seu próprio aumento, em óbvio conflito de interesses com a própria sociedade (cujo órgão de representação integram).

A priori e abstractamente, a situação em que tais administradores se colocam com tal actuação, é o risco de privilegiarem o seu interesse pessoal em desfavor do interesse da sociedade que eles devem prosseguir com a sua actividade, razão da tutela preventiva que impede os negócios entre eles e a sociedade (art. 397º nº2 CSC).

Estaríamos perante um negócio consigo mesmo, na medida em que, independentemente da qualificação jurídica da relação entre os administradores e a sociedade (contrato de administração, contrato de mandato, contrato de prestação de serviços, contrato de trabalho, etc.), na sua pessoa, se confundiriam, a posição do administrador como parte desse contrato, por um lado, e, por outro, a de um dos elementos pessoais que formaria a vontade da outra parte (a sociedade); e a mesma pessoa não pode, em princípio, ocupar as duas pontas da negociação…

A imperatividade das normas societárias tendentes à prevenção de conflitos de interesses constitui um limite legal ao poder, da sociedade dominante, de dirigir instruções vinculantes à sociedade dominada: não pode, por isso, aquela dar instruções aos administradores desta para actos que, por isso, a lei societária lhes proíbe e, se os fizer, devem estes recusar o seu cumprimento ou então, se tais actos forem da competência de outros órgãos sociais, desencadear os procedimentos tendentes à válida deliberação por tais órgãos.

Isto nas relações entre o DD e a Autora.

Mas, como se ponderou no acórdão recorrido e resulta da matéria de facto, quem ordenou o aumento da remuneração foi o Presidente da SLN que – consabidamente – era também Presidente do DD.

Depois de se afirmar a notoriedade do facto de o DD integrar o Grupo SLN, escreveu-se, a propósito, no referido acórdão:

“…é óbvio que não é do conhecimento geral que tipo de relações existiam entre as empresas de integravam esse grupo.

A matéria relativa aos grupos de sociedades ou sociedades coligadas está regulada no Titulo VI do Código das Sociedades Comerciais, repartido por quatro capítulos e constante dos artigos 481º a 508º-F.

Ora, o Apelado apesar de invocar a “ordem” do presidente da SNL, não concretiza que tipo de contrato está na génese da constituição do referido grupo, sendo que o capítulo III se divide em 3 secções: a I – Grupos constituídos por domínio total – artigos 488º a 491º; II - Contrato de grupo paritário - artigo 492º; e secção III - Contrato de Subordinação artigos 493º a 508º.

Assim, desconhecem-se que tipo de relações existiam entre as sociedades que formavam o grupo SNL, o que está provado é que era o DD o titular da totalidade das acções representativas do capital social da A e não a SNL.

Por isso, apenas podemos concluir existir uma relação de domínio total e consequentemente de subordinação da A relativamente ao DD, nos termos dos art.s 488º n.º1 e 503ºe 504º, estes, ex vi do art. 491.º, todos do CSC.

No entanto, não foram alegados factos, nem constam dos autos documentos, donde resulte que tipo de relação existe entre a SLN e o DD e não se afigura, em princípio, dado exercer este a actividade bancária, subordinado à supervisão do Banco de Portugal, que existisse uma relação de domínio total da SLN sobre o DD.

Por conseguinte, não se vislumbra, nem o R/Apelado, adianta, que construção jurídica possa justificar que fosse o presidente da SNL a determinar legalmente as remunerações dos administradores das empresas que integravam o grupo.

É, pois, de concluir que a ordem do presidente do grupo da SLN não confere legalidade ao aumento da remuneração do R, enquanto administrador da A”.

Nem a ordem do presidente do grupo SLN, nem – acrescentamos nós – a ordem do Presidente do DD, cargos que, como é do conhecimento geral, eram desempenhados pela mesma pessoa, o Dr. GG.

Contra o acórdão recorrido, sustenta também o recorrente que o aumento de remunerações, decidido unilateralmente pelo Presidente do Conselho de Administração da SLN (e também do DD…) era posteriormente ratificado pelo accionista único em assembleia geral com a aprovação das contas e assim, confirmando e ratificando as decisões deste, o que teria sucedido sempre até ao ano de 2008, com a aprovação das contas de 2007 e deixou de acontecer na sequência da nacionalização do DD.

O argumento não procede.

Na perspectiva do recorrente, apesar da sua eficácia imediata, os aumentos estariam sujeitos a uma condição resolutiva (de não serem ratificados em assembleia geral através da aprovação das contas).

Muito embora, o recorrente não haja suscitado expressamente a questão da condição, os termos em que apresentou a dependência dos aumentos da posterior ratificação tácita reconduzem a situação para a qualificação jurídica – em que, como se sabe, o tribunal é livre (art. 664º CPC) – da condição.

As partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a resolução dos efeitos do negócio jurídico (art. 270º CC).

Esse acontecimento futuro e incerto - a chamada condição – pode ser um facto negativo, ou seja, “o acontecimento condicionante consiste em permanecer inalterada uma situação preexistente” (cf. M. Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, p. 374).

Neste caso a condição é negativa.

No caso sub judicio, a resolução só operaria se o relatório da gestão e as contas da recorrida não fossem aprovadas (e se, por via disso, o aumento remuneratório não for ratificado ou se as contas forem aprovadas sem ratificação dos aumentos), o mesmo é dizer se a situação de facto e de direito criada com o “auto-aumento do administrador” for mais tarde objecto de alteração, não sendo coberta com o manto da aprovação expressa ou tácita; o facto negativo do qual ficara dependente a cessação da eficácia do referido “auto-aumento” seria, pois, essa não aprovação ou ratificação.

A proposta de qualificação é sugestiva: o Réu e recorrente teria adquirido um direito sob condição resolutiva negativa de as contas não serem aprovadas e teria sido a Autora, ora recorrida (a quem aproveitava a verificação dessa condição negativa na medida em que se desobrigava dos pagamentos), quem, na sequência da nacionalização e contra o que alegadamente vinha sendo usual e era prática corrente na Autora, alterou a situação criada com esse aumento, não o aprovando e com isso, provocando a verificação dessa condição resolutiva negativa.

Ora, se a verificação da condição for provocada contra as regras da boa-fé, por aquele a quem aproveita, considera-se a condição como não verificada (art. 275º nº2 CC).

A verificação da condição – não aprovação das contas – foi provocada pela Autora que com essa não aprovação beneficiaria (na medida da não ratificação dos aumentos); logo, deveria considerar-se não verificada, tudo se passando como se a aprovação houvesse tido lugar.

Mas, esta tese da condicionalidade dos aumentos esbarra com um obstáculo fundamental que é a da nulidade da decisão que os determinou, fundada na violação de normas societárias imperativas e que compromete decisivamente a solidez da qualificação jurídica proposta.

Com efeito, como se disse, são nulas as deliberações do conselho de administração - e, por maioria de razão, as decisões dos administradores - que violem preceitos legais imperativos (art. 411º nº1-c) CSC).

E, como se disse, o art. 399º CSC, restringindo à assembleia de sócios a competência para a fixação da retribuição dos administradores - directamente, por si, ou indirectamente, através de comissão por ela nomeada - tem natureza imperativa.

Pelo que os negócios celebrados contra ela são nulos (art. 294º CC).

E a nulidade do negócio prejudica a apreciação da validade da respectiva cláusula acidental ou acessória, como é a condição.

Independentemente disto, também não se verifica má-fé da Autora, seja ao não aprovar os aumentos, seja ao reclamar a devolução das importâncias com que o recorrente se aumentou.

A nacionalização do DD SA foi justificada, nos termos do art. 2º nº1 da Lei nº 62-A/2008 de 11 de Novembro pelo “volume de perdas acumuladas pelo Banco DD, S. A., doravante designado por DD, a ausência de liquidez adequada e a iminência de uma situação de ruptura de pagamentos que ameaçam os interesses dos depositantes e a estabilidade do sistema financeiro” e depois de “apurada a inviabilidade ou inadequação de meio menos restritivo apto a salvaguardar o interesse público”.

Logo se antevê que, após a nacionalização, se verificaria uma alteração da governação do DD SA e das sociedades por ele participadas, tendentes a inverter a situação que deu causa à nacionalização com reflexos nas relações internas das sociedades participadas, total ou parcialmente, pelo DD SA., designadamente no modo e estilo de comando director que superintendia nas sociedades participadas.

Excluída deste pano de fundo a má-fé subjectiva da Autora contra o Réu – ou seja, o estado psicológico de consciência e propósito dela de lesar direitos ou interesses deste (animus) – pois que os factos provados não permitem a formulação de tal juízo, também não se pode afirmar que a actuação da Autora mereça a censura implícita na má fé objectiva.

Com efeito, a má fé perspectivada objectivamente pressupõe uma actuação que, nas relações sociais, viola padrões mínimos de conduta, de lealdade, de correcção e de lisura socialmente determinados e aos quais correspondem expectativas legítima de outrem.

Por via da boa fé objectiva e das legítimas expectativas criadas, entra na reflexão jurídica um outro princípio, corolário e concretização daquele – o da confiança.

O ordenamento jurídico protege a confiança suscitada pelo comportamento de outro e não pode deixar de a proteger, porque confiar e poder confiar são condições fundamentais para uma vida colectiva pacífica e para a cooperação entre os homens. Quem defrauda a confiança produzida por alguém em outra pessoa, especialmente à outra parte num negócio jurídico, viola uma exigência ética do Direito, porque o desaparecimento da confiança, pensada como um modo geral de comportamento, impede a paz jurídica e priva de segurança o tráfico interindividual (cf. Karl Larenz, Derecho Justo – Fundamentos de Etica Juridica, 1985, p. 91).

A confiança, como princípio ético, significa que cada um deve manter fidelidade à palavra dada e não frustrar a confiança de outro ou dela abusar, ressaltando assim a importância do valor objectivo contido nas palavras fidelidade e confiança, na elaboração do juízo valorativo do qual resultará a aplicação da boa-fé.

O princípio da protecção da confiança guarda, portanto, estreita relação com o princípio da boa-fé (no sentido de que a protecção da confiança constitui um dos elementos materiais da boa-fé) e tem por corolário – nomeadamente no âmbito das relações negociais – o dever da parte de não defraudar as legítimas expectativas criadas pelos próprios actos, o que evidencia a conexão directa da boa-fé com a protecção da confiança no sentido de uma certa auto-vinculação dos actos e, portanto, de uma inequívoca relação com a noção de proibição de retrocesso.

Quer dizer: o tráfico jurídico e toda a vinculação jurídica individual assentam na confiança intersubjectiva e na boa fé.

E a relação entre estes dois princípios normativos – o da confiança e o da boa fé – concretiza-se em institutos, um dos quais é o da proibição de actuações contraditórias como é o chamado venire contra factum proprium.

A proibição do venire contra factum proprium é uma regra de conduta advinda da confiança, que conduz à obrigação de comportar-se em conformidade com a boa-fé objectiva; como refere Menezes Cordeiro,

“....a locução venire contra factum proprium traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente (cf. Da boa fé no Direito Civil, vol. II, 1984, p. 742),

E mais adiante;

Venire contra factum proprium postula dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo. O primeiro – o factum propriume, porém, contrariado pelo segundo.” (cf. ob. cit., p. 745).

O recorrente defende que a actuação da Autora, ao não aprovar os aumentos e ao propor esta acção configura um abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, na medida em que contraria toda a sua actuação anterior (art. 334º CC).

Mas, mais uma vez, lhe falece a razão: a validade da invocação do venire contra factum proprium pressupõe dois comportamentos contraditórios, diferidos no tempo, mas ambos lícitos.

E já vimos que o factum proprium – anteriores comportamentos da Autora na atribuição de remunerações (que esta agora, depois da nacionalização do DD contraria) – eram ilícitos, porque violavam normas societárias imperativas.

Entende o recorrente que, sendo nula a decisão de aumento da sua remuneração, os efeitos da restituição retroactiva implicada pela nulidade devem valer contra ele e contra a Autora; a restituição deve ser recíproca e se ele deve restituir o que recebeu, a Autora deve restituir-lhe o valor do trabalho por ele prestado, sob pena de enriquecimento sem causa.

O argumento cai pela base, desde logo porque o Réu não formulou qualquer pedido reconvencional.

Para além disto, não esta em causa o valor do “trabalho” desenvolvido pelo Réu como administrador da Autora, ajustado ou estipulado até ao “auto-aumento”; discute-se, sim, o direito do Réu ao excedente que se auto-atribuiu e se ele representa contrapartida válida e legitimamente estipulada por quem, legalmente, tinha poder para tal.

E já vimos que não: logo, nem a Autora tem que restituir o valor de todo o trabalho desenvolvido pelo Réu nem este tem que restituir tudo o que recebeu da Autora, mas apenas e tão só o valor com que unilateralmente se auto-aumentou...

Por outro lado, toda a fundamentação do acórdão recorrido na parte em que aprecia o mérito da pretensão indemnizatória (e não meramente restitutória…) da Autora gira em torno da interpretação dos art.s 64º e 72º do CSC, preceitos que versam sobre a responsabilidade civil dos administradores perante a sociedade.

É certo que não falta quem, perante a questão de saber se, independentemente da responsabilidade civil a que possa haver lugar por violação dos especiais deveres dos administradores, é possível também demandá-los para os obrigar a restituir à sociedade tudo aquilo que possam ter obtido à custa da infracção de tais deveres, responda que deve admitir-se, ao lado ou para além da responsabilidade civil sofrida pela sociedade com o não cumprimento dos deveres do administrador que esse administrador possa ter de restituir, em determinadas circunstâncias, os proventos que obteve da sua conduta ilícita (cf. Carneiro da Frada, Sobre a obrigação de restituir dos administradores, in Direito das Sociedades em revista, p. 353).

Não sendo o enriquecimento sem causa e, como tal, gerador da obrigação de restituir, estranho a esta problemática, o certo é que, no caso em apreço, a demanda do Réu estribou-se na obrigação de indemnizar - em que se constituiu perante a Autora, de quem foi administrador – os danos por esta sofridos com a perda dos valores correspondentes aos aumentos de remuneração que se “auto-atribuiu”, através de acto violador dos deveres de cuidado e de lealdade que o oneravam como administrador.

E a questão de saber se, nestes casos, o fundamento da acção deve ser a responsabilidade civil ou o enriquecimento sem causa já foi objecto da atenção da doutrina (cf. Carneiro da Frada, Sobre a Obrigação de restituir dos administradores, I Congresso Direito das Sociedades em Revista. - Coimbra, 2011. p. 353-358).

Com efeito, “um administrador pode ter obtido com a infracção um proveito superior ao dano que infligiu à sociedade. Por vezes, ocorrerá mesmo que esta não sofreu nenhum prejuízo e, ainda assim, o proveito do administrador surgiu”.

Mas entendamo-nos: um aumento de remuneração unilateralmente determinado por um administrador causa sempre um dano à sociedade cuja medida é definida pela do próprio aumento (que, não fora aquele aumento unilateral, não seria devido…).

Pelo menos, em sede de presunção natural.

Neste caso, impende sobre o demandado o ónus de alegação e de prova de factos dos quais se infira a inexistência de tal dano.

O que, no caso em apreço, não aconteceu.

Tal como o dano, ocorrem também os outros pressupostos da responsabilidade civil, a saber a ilicitude e a culpa.

E se a ilicitude é evidente, pois decorre da violação de deveres legais, a culpa presume-se.

Com efeito, os administradores devem observar:

a) deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da actividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado; e

b) deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores (art. 64º nº1 CSC).

Segundo o Prof. Coutinho de Abreu, o dever de cuidado dos administradores compreende (a) o dever de controle ou vigilância organizativo-funcional e (b)o dever de actuação procedimentalmente correcto para a tomada de decisões (substancialmente) razoáveis (cf. Responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedades, p. 21).

Se o controle organizativo-funcional supõe o conhecimento da organização da sociedade e da repartição interna de competências entre os respectivos órgãos bem como dos respectivos limites legais – administrar é gerir a sociedade em tudo o que não seja da competência de outros órgãos – já o dever de actuação procedimentalmente correcto se analisa no dever de preparar adequadamente as decisões, nomeadamente recolhendo e tratando a informação disponível sobre a matéria,

Para além destes, e face ao art. 72.º n.º 2 CSC, os administradores têm ainda o dever de tomar decisões substancialmente razoáveis.

Um administrador que determina unilateralmente o aumento da sua própria remuneração viola o dever de cuidado, revelando, por um lado, desconhecimento da distribuição interna de competências entre os órgãos da sociedade e desprezo pelos procedimentos correctos – v.g. convocação de assembleia geral – para deliberar sobre essa matéria, sendo, além disso, destituída de razoabilidade a decisão de, ele próprio, se aumentar necessariamente à custa da sociedade e à revelia do órgão social para tal competente, em óbvio conflito entre os seus interesses pessoais e os da sociedade (cujo órgão de representação ele integrava), ainda que o faça “cumprindo ordens” informais de quem representava a totalidade do capital social, sem curar de “legalizar” esse procedimento através de assembleia geral.

O que, por sua vez, também configura uma violação do dever de lealdade, ou seja, o dever de os administradores “exclusivamente terem em vista os interesses da sociedades e procurarem satisfazê-los, abstendo-se, portanto, de promover o seu próprio benefício ou interesses alheios” (cf. Coutinho de Abreu, ob. cit., p. 25).

E concretizando, poderá dizer-se que este dever de lealdade se analisa no dever de, nas relações internas entre a sociedade e o administrador, este se comportar com correcção, não aproveitando, em benefício próprio, da especial posição que decorre do facto de integrar o órgão de administração.

O art. 72º nº1 CSC prescreve uma presunção de culpa ao estabelecer que a responsabilidade dos gerentes ou administradores para com a sociedade pelos danos a esta causados por actos ou omissões praticados com preterição dos deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa.

No caso em apreço, o Réu e recorrente pretendeu eximir-se a esta responsabilidade com a alegação (e prova…) de que cumpria ordens do accionista único e de que tal representava uma prática que vinha sendo seguida até aí, sendo certo que os aumentos acabavam sempre por ser aprovados com a aprovação do relatório e contas, o que só não aconteceu agora por força da nacionalização do DD SA.

O argumento é forte, reconhecemos.

Mas da matéria de facto que as instâncias nos disponibilizam não há qualquer vestígio desta invocada prática anterior.

Fica-nos, por isso, a relevância da ordem do Dr. GG.

Ora, o nº2 do art. 72º CSC exclui a responsabilidade se os gerentes ou administradores provarem que actuaram em termos informados, livre de qualquer interesse pessoal e segundo critérios de racionalidade empresarial.

Ora, no caso sub judicio, é óbvio que ao praticar o acto questionado, o Réu e recorrente tinha em vista também a satisfação do seu interesse pessoal.

E daí que a presunção de culpa que sobre ele recai não se tenha por afastada.

O acórdão recorrido não merece, pois, reparo.


ACÒRDÃO

Face ao exposto, acorda-se neste STJ em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.


Lisboa e STJ, 27-03-2014

Os Conselheiros,


Fernando Bento

João Trindade

Tavares de Paiva