Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8937/09.5T2SNT.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DO VALE
Descritores: DANO CAUSADO POR COISAS OU ACTIVIDADES
ACTIVIDADES PERIGOSAS
DESPORTO
MENOR
DEVER DE VIGILÂNCIA
CULPA IN VIGILANDO
PRESUNÇÃO DE CULPA
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
SEGURADORA
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
PRIVAÇÃO DE ÓRGÃO
DANOS FUTUROS
DANOS PATRIMONIAIS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 09/11/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES - RESPONSABILIDADE CIVIL - DIREITO DA FAMÍLIA/ FILIAÇÃO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - SENTENÇA - RECURSOS
Doutrina: - Almeida Costa, in “Obrigações”, 4ª Ed., págs. 385; In “Direito das Obrigações”, 9ª Ed., pág. 538.
- Antunes Varela, in “Das Obrigações”, 6ª Ed. – 1º, pág. 571; in “Das Obrigações”, 7ª Ed., pág. 591; In “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 10ª Ed., pág. 595 e nota 1, 599, 906; In “R. L. J., Ano 121º, pág. 52.
- I. Galvão Telles, in “Direito das Obrigações”, 4ª Ed./375 e segs..
- Menezes Leitão, In “Direito das Obrigações”, Vol. I, 6ª Ed. pág. 327.
- Mota Pinto, in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, 3ª Ed., págs. 115.
- Pires de Lima e Antunes Varela, in “CC Anotado”, I – 4ª Ed./, págs. 492/ 493, 495, 500.
- Vaz Serra, in R. L. J., Ano 111º, pág. 26; in “R.L.J.”, Ano 113º/96, 194 e 105.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 4º, AL. A), 122.º, 483.º, 487.º, Nº1, 488.º, N.º2, 491.º, 493.º, N.º 2, 494.º, 496.º, Nº3, 497.º, N.º1, 562.º, 564.º, N.º2, 566.º, N.ºS 2 E 3, 800.º, N.º1, 1877.º, 1878.º, N.º 1, 1881.º, N.º 1, E 1885.º, N.º 1.
CÓDIGO COMERCIAL: - ARTIGOS 426.º A 428.º
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 661.º, N.º1, 683.º, N.ºS1, 2, 684.º, N.º3.
DL Nº 144/93, DE 26-04: - ARTIGOS 7.º, 8.º.
DL N.º 72/08, DE 16-04: - ARTIGOS 2.º, N.º 1, DO PREÂMBULO, E 1.º.
LEI Nº 1/90, DE 13.01 (LEI DE BASES DO SISTEMA DESPORTIVO): - ARTIGOS 20.º, 21.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 26.06.91, BMJ 408º/538.
-DE 18.03.97, COL/STJ;
-DE 11.11.97, COL/STJ – 3º/132;
-DE 10.02.98; COL/STJ – 1º/65;
-DE 20.06.02, JSTJ00000401/ITIJ/NET;
-DE 23.01.07, COL/STJ – 1º/30;
-DE 06.05.08, PROC. 08A1042.DGSI.NET;
-DE 13.10.09, COL/STJ – 3º/94;
-DE 13.03.07, 20.01.10, 30.11.10 E 07.04.11, IN COL/STJ, RESPECTIVAMENTE, 1º/122, 1º/28, 3º/200 E 2º/41.
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:
-DE 09.06.92, COL.- 3º/116.
Sumário :
I - Provado que, no decurso de um treino de hóquei em patins realizado a 07-04-1998 nas instalações do clube 2.º réu, no qual participavam, entre outros, o autor, de 9 anos de idade, e o 1.º réu, de 8 anos, inscrito por este clube como atleta federado, o 1.º réu levantou o seu stick acima da sua cintura e da do autor e embateu com o mesmo no lado esquerdo da cara do autor, no olho esquerdo e respectiva arcada do globo ocular, causando-lhe ferida córneo escleral, com expulsão do conteúdo intra-ocular, não permite tal factualidade a qualificação como culposa da conduta do 1.º réu, pelo que não poderá este ser responsabilizado pelos danos sofridos pelo autor, embora seja passível de imputabilidade para efeitos de responsabilização civil, uma vez que tinha mais de 7 anos de idade (art. 488.º, n.º 2, do CC).

II - Os pais do 1.º réu, atenta a sua qualidade de pais de um menor, estavam obrigados ao dever da respectiva vigilância, decorrente da sua incapacidade natural para certos actos e não necessariamente da sua menoridade (arts. 122.º, 1877.º, 1878.º, n.º 1, 1881.º, n.º 1, e 1885.º, n.º 1, do CC).

III - A culpa in vigilando prevista no art. 491.º do CC consiste em responsabilidade por facto próprio, decorrente da presunção legal de omissão da vigilância adequada por parte de quem a ela está obrigado, e não de responsabilidade por facto de outrem.

IV - Tal responsabilidade só pode ser excluída por uma de duas formas: ou ilidindo a presunção legal de culpa, ou provando que os danos teriam, igualmente, ocorrido ainda que tivesse sido cumprido o dever de vigilância por quem a tal estava obrigado por lei ou negócio jurídico.

V - O dever de vigilância deve ser entendido em relação com as circunstâncias de cada caso e tendo em conta as concepções dominantes e os costumes, não se podendo ser demasiado severo a tal respeito, tanto mais que as pessoas com dever de vigilância têm, em regra, outras ocupações; assim, não poderá considerar-se culpado a tal título quem, de acordo com tais concepções ou costumes, deixe certa liberdade às pessoas cuja vigilância lhe cabe.

VI - Tidas em conta aquelas concepções e costumes e fazendo uso dum recomendável juízo de valor pouco severo, tem de considerar-se que os pais do 1.º réu, não só não incorreram em violação do questionado dever, como também assumiram uma conduta idónea à não verificação dos ocorridos danos, já que haviam como que delegado no clube 2.º réu a incumbência da vigilância do menor enquanto sob a sua dependência, para além de, simultaneamente e em segurança, investirem, correcta e adequadamente, na futura valorização do menor, encontrando-se ilidida a presunção de culpa in vigilando sobre si, à partida, impendente e, como tal, excluída a respectiva responsabilização cível relativamente ao acto ilícito praticado pelo menor.

VII - A actividade de prática de patinagem, no circunstancialismo emergente dos autos – tendo em consideração o tamanho desproporcionado dos sticks face à idade infantil dos praticantes, bola pesadíssima e com previsível e eventual impacto mortal, ausência de protecção adequada dos sticks e de uso obrigatório de máscara e/ou capacete protector dos jogadores de campo, tudo em conjugação com a fogosidade, imprudência e emulação típicas daquela idade –, constitui actividade perigosa, nos termos previstos no art. 493.º, n.º 2, do CC.

VIII - Tem o clube 2.º réu de ser considerado responsável, a título subjectivo-culposo ou de responsabilidade delitual/aquiliana, pelo ressarcimento dos danos sofridos pelo autor em consequência do evento em causa (arts. 483.º e segs. do CC), uma vez que não provou ter empregue as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir tais danos.

IX - Tendo o clube 2.º réu tal responsabilidade, terá também de responder – dentro dos limites das condições constantes da respectiva apólice de seguro – a ré seguradora, atento o preceituado nos revogados arts. 426.º a 428.º do CCom. e nos arts. 2.º, n.º 1, e 1.º, respectivamente, do Preâmbulo e do DL n.º 72/08, de 16-04, responsabilidade que é solidária, dentro dos sobreditos limites, atento o disposto no art. 497.º, n.º 1, do CC.

X - Resultando da matéria de facto provada que o autor, nascido a 13-05-1988, tem 24 anos de idade, encontrando-se apto para ingressar no mercado de trabalho, onde, em termos de previsível normalidade e não obstante as correspondentes dificuldades actuais – mas que se espera sejam, no curto ou médio prazo, removidas –, poderia vir a auferir um salário médio não inferior a € 800 mensais, considerando um período de vida activa de mais 40 anos, tendo em conta o mencionado salário, duração previsível de vida activa e o grau de IPP de 35% de que ficou a padecer em consequência do acto em causa, entende-se, em prudente juízo de equidade formulado nos termos do disposto no art. 566.º, n.º 3, do CC, quantificar os danos patrimoniais futuros em € 150 000.
Decisão Texto Integral:

                       Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça

1AA e mulher, BB em representação do seu filho (então) menor, CC, instauraram, em 29.03.01, na comarca de Sintra, acção declarativa de condenação, com processo comum, sob a forma ordinária, contra:

                                   

  IDD e mulher, EE, por si e em representação de seu filho (então) menor, FF;

II – “GG”, com sede na Estrada .........., Pavilhão Gimnodesportivo, em Sintra;

IIIHH, com sede na Rua ............., nº ..., .....Esq.do, em Lisboa; e

IV – “II, S. A.”, com sede na Av................, n.., em Lisboa, pedindo a condenação solidária dos RR. a pagar-lhes a quantia de Esc. 29 028 959$00, acrescida dos respectivos juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento e, ainda, do montante – a liquidar em execução de sentença – das despesas referentes a assistência médica, medicamentosa, intervenções cirúrgicas e custos associados, para tratamento e recuperação da visão do olho esquerdo do CC.

       Fundamentando a respectiva pretensão, alegaram, muito em resumo e essência, que, nas circunstâncias abaixo indicadas, ocorreu acidente que vincula os RR. ao dever de indemnização para com o CC, vítima daquele acidente.

       Nas respectivas contestações, a R. “HH” deduziu a excepção dilatória da sua ilegitimidade, tendo todos os RR. impugnado a relevante factualidade alegada pelo A. em apoio da respectiva pretensão, pugnando todos eles – aquela R., no caso de não ser absolvida da instância – pela improcedência da acção.

       Na subsequente réplica, rejeitou o A. toda a matéria exceptiva aduzida pelos RR., reiterando, por outro lado, o, inicialmente, alegado e peticionado.

       Foi proferido despacho saneador em que, além do mais tabelar, foi julgada improcedente a sobredita excepção dilatória, com subsequente e irreclamada enunciação da matéria de facto tida por assente e organização da pertinente base instrutória.

       Prosseguindo os autos a sua tramitação, veio, a final, a ser proferida (em 10.02.10) sentença que, julgando improcedente a acção, absolveu os RR. do pedido.

       Inconformado, apelou o A., vindo a Relação de Lisboa, por acórdão de 15.12.11 e na parcial procedência da apelação, a revogar a sentença recorrida, acrescida do seguinte dispositivo: “Julgam a acção provada e procedente apenas no que toca à R.-seguradora e condenam a mesma R. a pagar ao A. as quantias que se vierem a liquidar em execução de sentença referentes às verbas constantes no epílogo da douta petição, desde que estejam abrangidas nos limites das condições particulares e gerais e observadas que sejam as regras próprias de avaliação clínica por parte dos serviços da R. (…) Julgam a acção improcedente quanto a todos os restantes RR.”.

       Daí a presente revista interposta pelo A., visando a revogação do acórdão impugnado, conforme alegações culminadas com a formulação das seguintes conclusões:

                                            

1ª – O douto acórdão recorrido condenou e bem a seguradora no pagamento do capital seguro mas, ao absolver os restantes recorridos, manteve o erro de interpretação e aplicação da lei, em que a sentença de 1ª instância já incorrera e, ainda, violou o disposto nos arts° 425, 426º, 441º, do Cód. Comercial, já que o seguro só responde no caso de também assim acontecer com os segurados;

2ª – O recorrente ainda tem direito aos juros legais sobre os valores atribuídos desde a citação até integral pagamento, sobre o que a douta decisão recorrida não se pronunciou, cometendo, salvo melhor opinião, a nulidade do art° 668º, nº1, d) do CPC;

3ª – O recorrido “Hóquei” não podia deixar de ter presente que lhe estava cometida uma obrigação de resultado: assegurar que os exercícios executados sob a sua vigilância, não poriam em causa a saúde dos alunos;

4ª – Mas, competindo aos RR. “Hóquei de Sintra”, através do contrato em que se incumbiu de treinar e fazer jogar o recorrente, e “Federação de Hóquei em Patins”, através da sua admissão como atleta federado, facultar-lhe a prática desportiva, era seu dever não permitir que um aluno impreparado, agressivo ou mal treinado para executar o treino e os lances, os executasse, atingindo o recorrente no olho esquerdo e respectiva arcada do globo ocular, cegando-o;

5ª – No decurso do referido treino ocorrido em 7 de Abril de 1998, o R. FF levantou o seu stick acima da sua cintura e da do A., (e mesmo do ombro, como decorre dos autos e embateu com tal stick de madeira no lado esquerdo da cara do A., no olho esquerdo e respectiva arcada do globo ocular do mesmo;

6ª – Os RR., “GG” e “HH” não forneceram ao A., nem ao R. FF capacete protector com viseira;

7ª – O FF actuou com culpa “stricto sensu”, pois levantou o stick para parar o A., atingindo-o em plena face arcada esquerda, esvaziando-lhe o olho esquerdo de que ficou cego;

8ª – Foram, também, violados, pelo mesmo R. atleta lesante, os arts° 48°, n° 1 e 2, 53° n° 1 c) e 55° n° 2 das regras, violados na interpretação pela sentença de 1ª instância e que o douto acórdão recorrido manteve, por ter jogado de forma dura e incorrecta e por ter tido uma conduta perigosa, atitudes totalmente proibidas;

9ª – O art. 63° n° 1. 1 também foi violado pelo FF, que teve um comportamento incorrecto e antidesportivo, pois não pode haver lançamento do "stick" na direcção do adversário;

10ª – No caso concreto, o jogo de hóquei em patins envolvia um risco especialmente agravado, a demandar redobrada prudência e vigilância dos recorridos, sob as ordens de quem era executado. Assim,

11ª – Por virtude da deficiente vigilância da acção de formação, foi o recorrente agredido com um stick na arcada supraciliar, em consequência do que ficou cego da vista esquerda, pelo que existe responsabilidade civil extracontratual e solidária dos RR., pois, no caso concreto, o exercício físico desportivo envolvia um risco especialmente agravado, a demandar redobrada prudência e vigilância daquele sob as ordens de quem era executado;

12ª – De harmonia com o “Regulamento das Regras do Jogo de Hóquei em Patins”, em vigor desde 01.01.98, o HÓQUEI É PRATICADO COM STICKS DE MADEIRA DE 90 CMS A 115 CMS E UMA BOLA ÚNICA DE FERRO COM PESO DE 155 GRS e CIRCUNFERÊNCIA DE 23 CMS., como consta do anexo 3 ao doc. 3 junto com a p. i.;

13ª – Ora, tendo uma criança de 9 a 10 anos cerca de 1,40 m de altura, o stick, mesmo de 90 cm, atinge a face com facilidade, para além da sua natural inexperiência e que justificavam o uso de capacete e ou viseira pelos menores e muito maior e cuidada vigilância para evitar lesões, o que não aconteceu “in casu”, pois o treinador estava distante e não envolvido no centro do treino que permitiu este jogo agressivo e perigoso;

14ª – Tais factos, nomeadamente a prática do desporto de hóquei em patins por crianças de 9 a 10 anos, com cerca de 1,40 m de altura e sticks de madeira de 90 cm e bola de ferro, sem capacete e/ou viseiras, fazem integrar este jogo de hóquei em patins como ACTIVIDADE PERIGOSA, nos termos do art. 493°, n° 2 do CC, violado na douta decisão recorrida;

15ª – Os recorridos não provaram ter empregado todas as cautelas exigidas pelas circunstâncias, com o fim de prevenir os danos ocorridos;

16ª – Esta especial perigosidade, juntamente com a menoridade acentuada dos praticantes, exige maior e mais acutilante vigilância de todas as provas desportivas dessa natureza, quer sejam desafios organizados, quer os treinos também organizados pelo Clube Hóquei de Sintra e superiormente supervisionados pela Federação;

17ª – No caso presente, não foi exercida vigilância adequada, já que o treinador não se encontrava sequer próximo, permitindo dureza extrema no jogo, nem os RR. “Federação” e “Hóquei de Sintra” observaram cuidados primários (Viseiras, capacetes, etc.) para evitar tão graves danos, como o da cegueira do A., cuidados a observar, mesmo que não fossem expressamente impostos;

18ª – O douto acórdão recorrido violou, assim, o disposto no art. 486° do Código Civil, pois não valorou as omissões referidas também enquanto ligadas ao "DEVER GENÉRICO DE PREVENÇÃO DE PERIGO";

19ª – Não se trata de risco permitido, por inadmissível, que de um desporto que devia ter sido devidamente controlado e vigiado, quer pelo treinador, quer por delegado do R. Club, possa resultar a cegueira de um jogador, violando a douta decisão recorrida os arts°. 483° e 562° do CC;

20ª – Neste tipo de competição, TREINO ENTRE CRIANÇAS DE 9/10 ANOS, age com culpa o jogador que atinge o outro com um STICK DE MADEIRA na arcada supraciliar e lhe provoca a cegueira;

21ª – Também no caso aqui relatado se verificou, sem dúvida, a violação de um direito absoluto (a integridade física, tutelada nos arts. 25° CRP e 70° CC, violados na decisão recorrida);

22ª – O A., CC, então representado por seus pais, quando se inscreveu na R. “Federação”, para praticar hóquei em patins, aceitou apenas os riscos normais derivados da prática do jogo de hóquei em patins, com observância das regras definidas para essa modalidade e nunca o de vir a ficar cego ou mutilado, o que nem com muita imaginação argumentativa podia imaginar sequer;

23ª – Ocorreu um incidente de lesão do adversário desportivo, causado por negligência, com violação grosseira das regras e do espírito de qualquer jogo;

24ª – De resto, acrescenta, ainda, que "o consentimento (...) na lesão corporal em causa, pela sua gravidade, contrariaria os BONS COSTUMES", revelando inadequação social;

25ª – Por causa da pancada referida, o FF sofreu ferida córneo escleral com expulsão do conteúdo intra-ocular, sendo transportado para o Posto de Saúde de Sintra e daí para o Hospital Egas Moniz, onde sofreu intervenção cirúrgica de urgência e ficou internado até 20 de Abril de 1998;

26ª – Os recorridos-pais do FF respondem, em nome próprio e solidariamente com os outros RR., pelas lesões causadas pelo seu filho, então menor, pois, enquanto obrigados à sua vigilância, omitiram esse dever, permitindo ou não evitando que o FF se comportasse de forma violenta e antidesportiva, dever que se mantém mesmo estando sob a vigilância e autoridade de terceiros – arts. 491°, 562° e 497°, todos do CC;

27ª - A R. “HH” deve promover acções de formação dos agentes desportivos, cfr. alínea L) do art° 20° do Dec-Lei 144/93 de 26 de Abril, dirigir e regulamentar a prática da modalidade desportiva de patinagem, conforme dispõe o art. 21° da Lei n° 1/90, de 13 de Janeiro;

28ª – A R. “F.P.P.” beneficia do trabalho do atleta federado, que, assim, perde a sua individualidade, prosseguindo a finalidade daquela;

29ª – Foi no decurso e em consequência da acção de formação desportiva do A. CC que este sofreu as lesões físicas descritas;

30ª – A R. “HH” vinculou-se com o A. CC, através da sua admissão como atleta federado, a facultar-lhe a prática desportiva, conforme art. 153° n° 1 do “Regulamento Geral da HH” e art° 20° L) do Dec-Lei 144/93, de 26 de Abril (“Regime Jurídico das Federações Desportivas”);

31ª – Os recorridos-RR., “GG” e “HH”, são responsáveis pelos danos sofridos pelo A. CC, solidariamente, por actos ou omissões dos seus auxiliares, relativamente à 2ª R., por actos do atleta FF e do treinador JJ, ambos ao seu serviço, e quanto à 3ª R por actos do atleta federado FF, no âmbito da responsabilidade contratual do art.  800°, n° 1 do CC, conjugado com o art. 798°, e Cfr. os arts. 519° e 562° do CC, todos violados na decisão recorrida;

32ª – Para além disso, os RR. “F.P.P.” e “H.C.S.” violaram, através das condutas do atleta federado FF e do treinador, JJ, o dever geral de boa fé e os deveres especiais de protecção da integridade física dos atletas, cuidado, zelo e diligência, adstritos aos contratos em causa, previstos no art° 762°, n° 2 do CC;

33ª – O A. goza da PRESUNÇÃO DE CULPA do art. 799°, n° 1 do CC, incumbindo às RR., “F.P.P.” e “H.C.S.” a prova de que o atleta DD e o treinador e árbitro, JJ, agiram com ausência de culpa, o que não fizeram;

34ª – O A. reclama, a título de indemnização, Esc. 28 945 403S00 (vinte e oito milhões, novecentos e quarenta e cinco mil, quatrocentos e três escudos), sendo Esc. 8 945 403S00 a título de danos patrimoniais futuros, já que se provaram os ganhos de Esc. 100 000S00 mensais até aos 65 anos de idade, e a IPP de 35%, Esc. 10 000 000$00 por graves danos não patrimoniais com dores de grau considerável, Esc. 7 000 000SOO pelo elevado dano estético sofrido pelo A. CC e Esc. 3 000 000S00 pela perda da função da visão, tudo acrescido de juros desde a citação até efectivo e integral pagamento e, ainda, as despesas que se liquidarem em execução de sentença e respeitem à assistência médica, medicamentosa, intervenções cirúrgicas e custos associados, bem como deslocações, estadias dentro ou fora do País, para tratamento e recuperação, com o fim de recuperar a visão do olho esquerdo;

35ª – O douto acórdão recorrido entendeu, “in fine”, que, face à extensão e gravidade dos danos apurados, as quantias pedidas parecem equilibradas e criteriosas;

36ª – Existem os pressupostos da obrigação de indemnizar por parte dos RR., que não pode ser afastada por ter ocorrido em treino desportivo devidamente organizado, ou por se tratar de crianças, aliás, o que exigia muito mais cuidados a observar pelos RR.;

37ª – A solução preconizada no douto acórdão recorrido, apesar de conter um principio de indemnização, ao condenar a seguradora, (desde que estejam abrangidas nos limites das condições particulares e observadas que sejam as regras próprias de avaliação clínica por parte dos serviços da R.), ainda conduz a resultado injusto, ganho injustificado das restantes RR. que, assim, não respondem, deixando cego o A., sem adequada compensação, em violação dos mais básicos princípios gerais de justiça de protecção à integridade física, bem como à especial protecção na educação física e no desporto, previstos nos arts° 20º, 5, 25º, 1 e 70º, 1, d) da Constituição da Republica, e da boa fé no art. 227° do CC, entre outros;

       Nestes termos e nos doutamente supridos por V. Exas., Venerandos Senhores Juízes Conselheiros, deve ser concedido provimento ao presente recurso de revista, revogando-se o douto acórdão, na parte absolutória, condenando-se os recorridos, solidariamente, a pagar ao A. e, ora, recorrente as quantias equivalentes em euros à quantia de Esc. 29 028 959$00 (vinte e nove milhões, vinte e oito mil, novecentos e cinquenta e nove escudos), levando-se em conta a responsabilidade da R.-seguradora, nos termos do contrato de seguro, sendo Esc. 10 000 000$00 (dez milhões de escudos) a título de danos não patrimoniais, Esc. 7 000 000$00 (sete milhões de escudos) a título de indemnização por dano estético e Esc. 3 000 000$00 (três milhões de escudos) pela perda de parte da função e sentido da visão para toda a vida, Esc. 8 945 403$00 (oito milhões, novecentos e quarenta e cinco mil, quatrocentos e três escudos) a título de danos patrimoniais, e Esc. 83 556$00 (oitenta e três mil, quinhentos e cinquenta e seis escudos) por despesas efectuadas, todos os valores acrescidos de juros legais desde a citação até efectivo pagamento, e ainda as despesas que se liquidarem em execução de sentença e respeitem à assistência médica, medicamentosa, intervenções cirúrgicas e custos associados, bem como deslocações, estadias dentro ou fora do país, para tratamento e recuperação, com o fim de recuperar a visão do olho esquerdo, em tudo o que exceder o capital seguro, nos termos e limites do contrato de seguro e no mais de Lei, para se fazer JUSTIÇA!!

       Nos autos, constam contra-alegações apenas da recorrida “HH”, a qual defende a manutenção do julgado.

       Corridos os vistos e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.

2 – A Relação teve por provados os seguintes factos:

                                                   /
1 – CC nasceu, no dia 13 de Maio de 1988, e é filho de AA e de BB;
2 – FF nasceu, no dia 14 de Setembro de 1989, e é filho de DD e de EE;
3 – Na época desportiva de 1997/1998, o CC dedicava-se à modalidade de hóquei em patins, praticando regularmente esta actividade no “GG”, encontrando-se inscrito por este clube, como atleta federado, na “HH”, com a categoria de Infantil B (dos 9 aos 10 anos);
4 – O CC fez aprendizagem de hóquei, com cinco anos de idade, no clube já referido;
5 – A “HH” é, nos termos dos estatutos em vigor, uma associação de direito privado, sem fins lucrativos, constituída para a organização e desenvolvimento dos desportos de patinagem;
6 – À data dos factos, o “GG” tinha celebrado com a R. “II, S. A.”, contrato de seguro, titulado pela apólice nº0000000000, cujo âmbito era a prática de desportos, nos termos do documento de fls. 285;
7 – Na sequência do facto referido em 3), o FF treinava, em regra, duas vezes por semana, e participava em jogos oficiais de infantis B, em regra uma vez por semana, em instalações indicadas pelo R. “GG”, sendo que este superintendia os treinos através de um treinador, de nome JJ, remunerado por aquele R., existindo, aquando dos treinos, em regra, membros da direcção do mesmo R., nas suas instalações (1º, 2º, 3º e 63º);
8 – O A. envergava, em jogos oficiais, camisola, calção e meias fornecidas pelo R. “GG”, sendo que a aquisição e manutenção do demais equipamento era da responsabilidade dos atletas e respectivos encarregados de educação (5º, 6º, 65°e 66º);
9 – O R. “GG” fornecia aos jogadores bolas, quer para jogos oficiais, quer para treinos (7º);
10 – No dia 7 de Abril de 1998, o FF foi treinar para o ringue de patinagem do “GG”, na sequência de convocação do “GG” (8° e 9º);
11 – No decurso do referido treino ocorrido em 7 de Abril de 1998, o R. FF levantou o seu stick acima da sua cintura e da do A. e embateu com tal stick no lado esquerdo da cara do autor, no olho esquerdo e respectiva arcada do globo ocular do mesmo (10º, 11º, 12°, 16º, 17°, 69º, 70º, 71º e 72°);
12 – Os RR. “GG” e “HH” não forneceram ao A. nem ao R. FF capacete protector com viseira (15º);
13 – Após 7 de Abril de 1998, o R.FF continuou a jogar, no R. “GG” (19°);
14 – Por causa da pancada referida, o FF sofreu ferida córneo escleral, com expulsão do conteúdo intra-ocular (20°);
15 – Tendo sido, de imediato, transportado para o Posto de Saúde de Sintra e daí para o Hospital Egas Moniz, onde ficou internado até 20 de Abril de 1998 (21º e 22°);
16 – O A. sofreu intervenção cirúrgica de urgência à vista esquerda, para limpeza e encerramento da ferida, no Hospital Egas Moniz (23°);
17 – Por causa da aludida pancada, o FF deixou completamente de ver do olho esquerdo, não passando, sequer, luz (24° e 25°);
18 – Para tentar salvar a visão do olho esquerdo, o FF foi levado ao Centro de Oftalmologia Barraquer, em Barcelona, onde foi examinado pelo Dr. KK, o qual lhe diagnosticou "0.1. Leucoma total adherente vascularizado desde toda la periferia", constatando, ainda, que "não há percepção luminosa (26°, 27° e 28°);
19 – O A. poderá, ainda, voltar a ser submetido a intervenção cirúrgica, com vista a remover o olho atingido (29°);
20 – No actual estado da medicina, não é possível que o A. recupere a sua visão do olho esquerdo (30°);
21 – O FF deverá ser acompanhado, regularmente, por oftalmologista, especialmente para vigiar o olho direito, sujeito a sobrecarga adicional, que lhe poderá causar cansaço ou diminuição da visão nesse olho (32° e 33°);
22 – O A. poderá vir a sofrer de inflamação, no olho direito, causada pelo olho lesionado (34°);
23 – Os pais do A. suportaram despesas médicas deste, assim como despesas de deslocação do A. a Coimbra e a Barcelona (36º);
24 – O R. “GG” recusou-se a pagar do seu património despesas do A. decorrentes do sucedido em 7 de Abril de 1998 (37°);
25 – Na sequência das lesões sofridas com a pancada, o FF despendeu as seguintes quantias:
- Esc.: 28 316$00 com a consulta médica em Barcelona;
- Esc.: 13 506$00, com portagens e pela deslocação a Barcelona;
- Esc.: 18 555$00, em gasóleo com a deslocação a Barcelona;
- Esc.: 17 040$00 em alojamento; - Esc.: 4 910$00 em alimentação;
- Esc.: 1 229$00 em parqueamento (38º, 39º, 40º, 41º, 42º e 43º);
26 – A referida intervenção cirúrgica, no Hospital Egas Moniz, e os tratamentos que teve de suportar causaram ao A. dores consideráveis, tidas de grau 5 numa escala até ao grau 7, em que o grau 1 corresponde a dores muito ligeiras, o grau 2 a dores ligeiras, o grau 3 a dores moderadas, o grau 4 a dores médias, o grau 6 a dores importantes e o grau 7 a dores muito importantes (44º);
26-A – O FF relacionava-se bem com colegas e amigos (46º);
27 – Após 7 de Abril de 1998 e nos cinco anos subsequentes, por causa do sucedido naquele dia, já referido, o A. sentiu-se diminuído e afastado por colegas da escola que dele troçavam (47º);
28 – O A. nunca mais praticou hóquei em patins, modalidade que mais desejava e onde era considerado um atleta com futuro (48º e 49º);
29 – O FF perdeu a grande alegria que tinha na prática do desporto (50º);
30 – Tendo passado a viver triste e deprimido, solitário, ausente e desinteressado do desenho (51º e 52º);
31 – O FF deixou de se relacionar, conviver e fazer amizades (53º);
32 – O FF teve desgosto por ver a sua imagem defeituosa (54º);
33 – Antes da pancada, o FF era aluno com classificações médias de "Bom" (55º);
34 – Após a pancada e na sequência desta, passou a ter notas negativas na escola, sendo que falta às aulas por causa do aspecto do seu olho (56º e 57º);
35 – O FF sente-se marginalizado pelos colegas por causa do olho (58º);
36 – Na sequência da pancada, o FF passou a ser medroso e receoso por perder a outra vista (59º);
37 – Por causa do sucedido em 7 de Abril de 1998, já aludido, o A. ficou com a vista esquerda atrofiada e imóvel e com assimetria ocular e discreta ptose da pálpebra esquerda (60º);
38 – Caso continuasse como atleta da modalidade, o FF auferiria, como sénior, pelo menos, Esc. 100 000$00 por mês (61º);
39 – Por causa do referido embate do stick na face do A., este ficou com uma incapacidade parcial permanente de 35% (62º);
40 – Não consta que, até 7 de Abril de 1998, o FF tenha alguma vez sido repreendido por agressões a colegas nos treinos, ou que tenha sido alvo de censura por comportamentos antidesportivos (73º e 74°);
41 – Os pais do FF assinaram uma declaração permitindo que o FF praticasse a modalidade de hóquei em patins (78º);
42 – A “HH” não marcou nem orientou, por qualquer forma, o treino havido em 7 de Abril de 1998 no “GG” (82º);
43 – Em 7 de Abril de 1998, as regras do jogo de hóquei em patins, bem como a responsabilidade dos RR. “GG” e “HH”, quanto à prática daquela modalidade desportiva, constavam nomeadamente dos “Estatutos” da R. “HH”, do “Regulamento Geral Estatutário” da R. HH e das “Regras do Jogo de Hóquei em Patins”, apensos por linha aos autos (13º, 18º, 64º, 67º, 68º, 75º, 76º, 77º e 83º).

3 – No ponto 38 de 2 supra, consta como provado, em resposta ao art. 61º da base instrutória, que “Caso continuasse como atleta da modalidade, o FF auferiria, como sénior, pelo menos, Esc. 100 000$00 por mês”.
       Ora, uma tal afirmação não tem natureza fáctica, antes constituindo verdadeira e autêntica conclusão, assente em simples e arbitrária conjectura e não em factos que a legitimem e lhe sirvam de suporte.
       Assim e porque de questão de direito se trata, para cuja apreciação e julgamento este Supremo se encontra vocacionado, tem-se por não escrita a correspondente resposta, eliminando-se, pois, da factualidade havida por provada, na Relação, o sobredito ponto 38 (Cfr. art. 646º, nº4, do CPC).

                                                   
4 – Perante o teor das conclusões formuladas pelo recorrente – as quais (exceptuando questões de oficioso conhecimento não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso (arts. 660º, nº2, 661º, 672º, 684º, nº3, 690º, nº1 e 726º, todos do CPC[3] na pregressa e, aqui, aplicável redacção, uma vez que, não obstante a actual numeração dos autos, a acção foi instaurada, em 29.03.01) –, constata-se que a questão por si suscitada e que, no âmbito da revista, demanda apreciação e decisão por parte deste Tribunal de recurso consiste em saber se os RR.-recorridos são, perante si, civilmente responsáveis e, na afirmativa, se o são na medida por si impetrada.
       Apreciando:

                                                  
5 – Como decorre do antecedente relatório, verifica-se que o A. imputa responsabilidade civil extracontratual (rectius, extraobrigacional) – delitual, aquiliana ou a título subjectivo-culposo aos dois primeiros grupos de RR., qualificando de origem ou fonte contratual a responsabilidade dos demais RR.
       E, abordando cada uma das referidas situações, sustenta o A. que:
                                                   /
--- A conduta do R. FF consubstancia violação do preceituado nos arts. 8º, nº2. 2, 48º, nº/s 1 e 2, 53º, nº1, al. c), 55º, nº2, 58º, nº1 e 63º, todos das “Regras do Jogo de Hóquei em Patins”, onde se dispõe que:
----- O stick deve ser feito de madeira ou plástico, ou outro material aprovado, sendo que a sua parte inferior terá de ser plana – art. 8º, nº2, 2;
----- Um jogador, enquanto na posse da bola, ou durante qualquer fase do jogo em que tome parte, não poderá levantar nenhuma parte do stick acima do nível do seu próprio ombro, não se aplicando, no entanto, tal restrição, quando um jogador “remata ao golo” desde que o levantamento do stick não ponha em perigo a integridade física de quaisquer dos jogadores em pista, sejam adversários, sejam colegas de equipa – art. 48º, nº/s 1 e 2;
----- É proibido, no hóquei em patins, o jogo duro e incorrecto, designadamente, “esgrimir ou golpear com o stick os jogadores adversários ou agarrá-los  por uma parte do corpo” – art. 53º, nº1, al. c), in fine;
----- A bola só pode ser movimentada com as partes planas do stick (art. 55º, nº1) e, durante o jogo, a mesma não poderá ser levantada a mais de 1,5 metros de altura, excepção feita ao guarda-redes, quando na sua área de grande penalidade (art. 58º); e
----- Considera-se jogo duro, incorrecto ou antidesportivo toda a prática ou acção que seja contrária ao comportamento de um verdadeiro desportista e em que o espírito do jogo possa vir a ser desacreditado, tal como o lançamento do stick na direcção da bola ou do adversário (art. 63º).
                                                 /
--- Por seu turno, os RR., DD e EE, pais do FF, seriam portadores da sobredita responsabilidade ao abrigo do disposto no art. 491º do CC, atenta aquela sua qualidade e por não haverem ilidido a presunção de culpa, aí, consagrada, nem terem demonstrado que os danos sofridos pelo A., igualmente se teriam produzido, ainda que os mesmos não tivessem incorrido na imputada culpa in vigilando do seu filho FF.
                                               /
--- O R. “GG” teria incorrido na mencionada responsabilidade, uma vez que não forneceu aos atletas o capacete protector com viseira, tendo ainda permitido que o FF usasse um stick lascado que raspou na cara e no olho do CC, o que consubstancia actuação com negligência uma vez que não assegurou o respeito das regras do jogo (quer pelo R. FF, quer pelo seu treinador, JJ) e não forneceu os equipamentos adequados, nem as condições de segurança para o seu desenrolar, permitindo a utilização de material deteriorado.

                                             

--- Já a R.-seguradora e a “HH” são demandadas com base na respectiva responsabilidade contratual, na decorrência, respectivamente, do contrato de seguro válido e em vigor celebrado com o R. “GG” e da deficiente vigilância da acção de formação levada a cabo, no dia 7 de Abril de 1998, bem como dos actos praticados pelo R.BB que, no momento, se encontrava a jogar em representação daquela Federação, enquanto atleta federado.

                                            

6 – Sendo, embora, passível de imputabilidade para efeitos de responsabilização cível, uma vez que, à data da ocorrência em apreço nos autos, tinha mais de sete anos de idade (art. 488º, nº2, do CC), a verdade é que a factualidade provada não consente que o menor FF possa ser responsabilizado pelos danos sofridos pelo A.

       Com efeito, nos termos preceituados pelo art. 483º , nº1, do CC, “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. Sendo que, nos termos do art. 487º, nº1, do mesmo Cod., “É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa” E esta “é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso” (nº2 do mesmo art.).

       Mas, por outro lado, prescreve o nº 2 do citado art. 483º que “Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei”.

       Ora, no caso em análise, não ocorre esta última hipótese, sendo, por outro lado, certo que também se não verifica qualquer situação donde possa emergir a sobredita presunção de culpa associada à conduta do mesmo menor.

       Assim, o pressuposto da culpa cumulativamente exigido para a integração da falada responsabilidade civil teria de marcar a sua presença a título de dolo ou de culpa stricto sensu, esta numa das duas modalidades em que pode bifurcar-se, ou seja, de negligência consciente ou inconsciente, nos termos, adequadamente, abordados na sentença da 1ª instância.

       Só que a factualidade provada que, aqui e a propósito, pode e deve ser convocada não consente que a questionada conduta do menor possa ser qualificada como culposa, nos termos latos que ficaram enunciados: tão só se provou, na perspectiva que, ora, releva que “No decurso do referido treino ocorrido em 7 de Abril de 1998, o R. FF levantou o seu stick acima da sua cintura e da do A. e embateu com tal stick no lado esquerdo da cara do autor, no olho esquerdo e respectiva arcada do globo ocular do mesmo” (ponto 11 de 2 supra) e, bem assim, que “Não consta que, até 7 de Abril de 1998, o FF tenha alguma vez sido repreendido por agressões a colegas nos treinos, ou que tenha sido alvo de censura por comportamentos antidesportivos” (ponto 40 de 2 supra).

       Ora, como se pondera na sobredita sentença, “…se o acto de levantar o stick acima da… cintura se pode considerar, obviamente, voluntário, já o facto de o R. FF ter embatido com o mesmo na face e olho do autor CC assim não pode considerar-se…”

       Nada, com efeito, na factualidade provada, nos pode encaminhar para a admissão de dolo (em qualquer das suas modalidades: directo, necessário e/ou eventual) que tenha presidido à mencionada actuação do menor, o qual, não fora a idade deste, constituiria um dos elementos integrantes do correspondente tipo legal de crime. Bem ao contrário, no circunstancialismo ocorrente e considerando a “verdura” da idade do mesmo menor – ainda não tinha completado 9 anos de idade –, tudo conduz a que se considere que aquele não representou mentalmente, nem, tão pouco, quis – ou admitiu como necessário ou eventual resultado da sua acção – atingir o CC na respectiva integridade física, antes visando, tão somente, no vigor e irreflexão propiciados por aquela idade, impedi-lo, adentro das regras do jogo, de prosseguir a respectiva jogada. Não tendo, pois, chegado a prever o maléfico resultado dessa sua conduta, nem sendo, em tal circunstancialismo e com recurso ao mencionado critério da diligência que seria usada por um «bonus pater familias», de exigir-lhe que o tivesse previsto. Ou seja, tal conduta do menor FF está desacompanhada do “condimento” da culpa “lato sensu”, quer na modalidade de dolo, quer na de culpa stricto sensu, nas suas variantes de negligência consciente e de negligência inconsciente, não podendo, pois, ser fonte da questionada responsabilidade civil.

       Aliás, no caso, nem sequer se pode ter como assente a antijuricidade, em termos objectivos, da mencionada conduta do menor FF, certo como é que a correspondente regra do jogo – art. 48º, nº/s 1 e 2 das “Regras do Jogo de Hóquei em Patins” – o que prescreve é que “um jogador, enquanto na posse da bola, ou durante qualquer fase do jogo em que tome parte, não poderá levantar nenhuma parte do stick acima do nível do seu próprio ombro”, o que, no caso dos autos, não resultou provado, antes e tão só que o referido menor levantou o respectivo stick acima da sua cintura.

       Não podendo, pois, o menor FF ser responsabilizado civilmente, como pretendido se mostra pelo A., improcedem as correspondentes conclusões por este formuladas.

                                              

7 – Como já referido, o A. filiou a demanda dos RR. DD e EE na responsabilidade civil em que estes, na qualidade de pais do menor FF, se constituíram perante si, por lhes dever ser assacada “culpa in vigilando” do mesmo menor, nos termos previstos no art. 491º do CC.

       Entendemos, porém e com respeito pela opinião contrária, que tal pretensão do A. carece de apoio legal.

       Certo que, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 122º, 1877º, 1878º, nº1, 1881º, nº1 e 1885º, nº1, todos do CC na redacção dada pelo DL nº 496/77, de 25.11, os sobreditos RR. estavam, na indicada qualidade de pais do menor FF, obrigados ao dever da respectiva vigilância decorrente da sua incapacidade natural para certos actos e não necessariamente da sua menoridade[4].

       E o citado art. 491º estatui que “As pessoas que, por lei ou negócio jurídico, forem obrigadas a vigiar outras, por virtude da incapacidade natural destas, são responsáveis pelos danos que elas causem a terceiro, salvo se mostrarem que cumpriram o seu dever de vigilância ou que os danos se teriam produzido ainda que o tivessem cumprido”.

       Trata-se de responsabilidade por facto próprio decorrente da presunção legal de omissão da vigilância adequada por parte de quem a ela está obrigado e não de responsabilidade por facto de outrem (“in casu”, do menor FF).

       E, nos termos legais, tal responsabilidade só pode ser excluída por uma de duas formas: ou ilidindo a presunção legal de culpa, ou provando que os danos teriam, igualmente, ocorrido ainda que tivesse sido cumprido o dever de vigilância por quem a tal estava obrigado por lei ou negócio jurídico.

       No entanto, quer a doutrina, quer a jurisprudência chamam a atenção para que o dever de vigilância deve ser entendido em relação com as circunstâncias de cada caso e tendo em conta as concepções dominantes e os costumes, não se podendo ser demasiado severo a tal respeito, tanto mais que as pessoas que têm o dever de vigilância têm, em regra, outras ocupações. Assim, não poderá considerar-se culpado a tal título quem, de acordo com tais concepções ou costumes, deixe certa liberdade às pessoas cuja vigilância lhe cabe[5].

       Em consonância, decidiu-se, no Ac. deste Supremo, de 23.01.07 – COL/STJ – 1º/30 – que “Não é exigível a nenhum obrigado à vigilância que acompanhe o vigilando para todo o lado, num policiamento impossível e castrante”. E, no Ac. deste Supremo, de 06.05.08 – Proc. 08A1042.dgsi.Net –, que “O dever de vigilância, cuja violação implica responsabilidade presumida, culpa in vigilando, não deve ser entendido como uma obrigação quase policial dos obrigados (sejam pais ou tutores), em relação aos vigilandos porque, doutro modo, o não deixar, sobretudo no que ao poder paternal respeita, alguma margem de liberdade e crescimento do menor, seria contraproducente para a aquisição de regras de comportamento e vivências compatíveis com uma sã formação do carácter e contenderia com a desejável inserção social”.

       Transpondo os transcritos ensinamentos doutrinais e veredictos jurisprudenciais para o caso dos autos, óbvio se nos antolha que os pais do FF não podem ser considerados como tendo incorrido em correspondente culpa in vigilando relativamente ao acto ilícito praticado pelo menor.

       Na realidade, no quadro fáctico emergente dos autos, tem de assentar-se em que, ponderadas as sobreditas concepções e costumes dominantes, com focagem no caso em apreço, tais RR. ilidiram a presunção de culpa in vigilando sobre si, e à partida, impendente. É que, no caso em apreço e tidas em conta aquelas concepções e costumes, fazendo uso dum recomendável juízo de valor pouco severo, tem de considerar-se que os pais do FF não só não incorreram em violação do questionado dever, como também assumiram uma conduta idónea à não verificação dos ocorridos danos, já que haviam como que delegado no “GG” a incumbência da vigilância do menor enquanto sob a sua dependência, para além de, simultaneamente e em segurança, investirem, correcta e adequadamente, na futura valorização do menor.

       Excluída, pois, a pretensa responsabilização cível dos pais do menor FF, improcedem as correspondentes conclusões formuladas pelo recorrente.

8 – O A.-recorrente filia a responsabilidade civil do R. “GG” no facto de, contra o regulamentado, não haver fornecido aos atletas o capacete protector com viseira, tendo ainda permitido que o FF usasse um stick lascado que raspou na cara e no olho do A., o que consubstancia actuação com negligência, uma vez que não assegurou o respeito das regras do jogo (quer pelo R. FF, quer pelo seu treinador, JJ) e não forneceu os equipamentos adequados, nem as condições de segurança para o seu desenrolar, permitindo a utilização de material deteriorado.

       Ora, é certo que “Os RR. “GG” e “HH” não forneceram ao A. nem ao R. FF capacete protector com viseira” (ponto 12 de 2 supra, reproduzindo a resposta ao art. 15º da base instrutória).

       No entanto, como, correcta e adequadamente, ponderado na sentença, “No que concerne ao fornecimento do equipamento necessário, preceitua o art. 12º das «Regras do Jogo do Hóquei em Patins», sob a epígrafe «Instrumentos de Protecção dos Jogadores» (regras estas que são aplicáveis, em nosso entender…também aos treinos e não apenas aos jogos) que as protecções metálicas estão proibidas para todos os jogadores, ressalvando-se a situação dos guarda-redes, que poderão usar capacete e máscara, desde que as partes metálicas sejam revestidas de outro material, tal como plástico, couro, borracha ou tela; e ainda a situação dos demais jogadores, os quais, querendo, poderão usar, se o desejarem, um capacete ligeiro de protecção, em couro ou plástico (…) Daqui resulta, pois, a não obrigatoriedade do uso de capacete de protecção e, logo, a não obrigatoriedade do seu fornecimento pelo clube e, bem assim, a circunstância de, querendo usar essa mesma protecção, terem de ser os jogadores, maxime os seus progenitores, no caso de menores, a providenciar pela sua compra (sendo certo que até relativamente ao demais equipamento, da matéria de facto dada como provada resulta que a sua aquisição e manutenção era igualmente da responsabilidade dos atletas e respectivos encarregados de educação – vide a resposta aos quesitos 5º, 6º, 65º e 66º –, fornecendo o R. «GG» as bolas – vide a resposta ao quesito 7º) (…) No que diz respeito ao uso do stick lascado, de referir não ter resultado provado que o R. tivesse permitido tal uso (e ainda, acrescentamos nós, que o próprio stick estivesse lascado, porquanto tal não resulta igualmente da mesma matéria de facto) (…) Por fim, também no que se refere à violação das regras do jogo pelo treinador JJ, o qual superintendia nos treinos, temos de concluir que a mesma, face ao anteriormente exposto, não resultou demonstrada, atenta a factualidade provada em sede de audiência de julgamento, para além de que, contrariamente ao alegado, ficou apenas provado não constar que, até 7 de Abril de 1998, o FF tenha alguma vez sido repreendido por agressões a colegas nos treinos, ou que tenha sido alvo de censura por comportamentos antidesportivos (resposta aos quesitos 73º e 74º), afigurando-se ainda absolutamente irrelevante que o R. FF tenha continuado a jogar no «GG» após a referida data”.     

       Assim, perfilhando-se, integralmente o ponderado na sentença e que foi objecto de parcial transcrição, temos de concluir, com a mesma, que indemonstrada ficou a responsabilidade contratual imputada ao R. “GG”, mesmo que, com o A., se admitisse – o que não subscrevemos, como, adiante, se verá – como aplicável ao caso o preceituado no art. 800º, nº1, do CC.

       Daí que, não podendo, também, configurar-se responsabilidade civil aquiliana ou delitual do mesmo R., improcedam as correspondentes conclusões formuladas pelo recorrente.                                         

9 – O recorrente insiste na responsabilidade civil, de natureza contratual, da R. “HH”, dada a deficiente vigilância por si exercida da acção de formação levada a cabo, no dia 7 de Abril de 1998, e, bem assim, por via dos actos praticados pelo menor FF que, no momento, se encontrava a jogar em representação da mesma Federação, enquanto atleta federado.

       No entanto, tal pretensão do recorrente está desprovida de qualquer consistência jurídica, atendendo ao seguinte conjunto de razões:

----- A sobredita R. é, nos termos dos estatutos em vigor, uma associação de direito privado sem fins lucrativos, constituída para a organização e desenvolvimento dos desportos da patinagem (art. 2º);

----- Enquanto a prática directa de actividades desportivas incumbe aos clubes desportivos, às federações desportivas – englobando praticantes, clubes e agrupamentos de clubes – cumpre, por seu turno, promover, regulamentar e dirigir, a nível nacional, a prática de uma modalidade desportiva, representando perante a Administração Pública os interesses dos seus associados, representando, ainda, a respectiva modalidade desportiva perante organizações paralelas estrangeiras e internacionais – arts. 20º e 21º da Lei nº 1/90, de 13.01 – “Lei de Bases do Sistema Desportivo”;

----- Tendo-lhe sido concedido o estatuto de utilidade pública desportiva, exerce a mesma, nos termos do disposto nos arts. 7º e 8º do DL nº 144/93, de 26.04, poderes no âmbito da regulamentação e disciplina das competições desportivas que se desenvolvam no quadro das várias disciplinas de patinagem;

----- Não pode, pois, ser confundido o plano da organização e desenvolvimento da prática directa da modalidade, levada a cabo através da actividade própria dos clubes existentes, com o plano da actividade regulamentar ou organizativa das competições de âmbito nacional, estas directamente dependentes da própria federação;

----- A estrutura territorial da R. é de âmbito nacional, organizando-se através das associações de patinagem nela filiadas, constituindo agrupamentos de clubes com a categoria de sócios colectivos da Federação e sendo dotadas de poderes administrativos e financeiros, bem como de organização, regulamentação e disciplina nas provas de seu âmbito territorial;

----- A “HH” é, pois, estranha a qualquer treino promovido por clubes seus associados, incluindo o mencionado nos autos, não lhe cabendo organizar nem dirigir quaisquer treinos próprios da actividade regular da prática desportiva levada a efeito pelos diversos clubes, o que, além do mais, seria inexequível;

----- Tal actividade é da directa esfera e âmbito de competência do clube em causa, porquanto se apresentam os treinos como manifestação da própria prática desportiva, sendo indispensáveis à preparação e qualificação dos próprios praticantes desportivos;

----- Por outro lado, não cumpre à Federação fornecer equipamento para a prática desportiva desenvolvida pelos clubes, sendo certo que, não sendo aquela a entidade organizadora do treino em questão e não havendo o mesmo decorrido sob a sua responsabilidade ou direcção, nenhuma intervenção teve – nem poderia ter – no desenvolvimento do mesmo;

----- No treino mencionado nos autos, nem o CC nem o FF actuavam em nome ou representação da Federação, já que não de tratava de participação em selecção nacional nem de qualquer competição por si organizada;

----- Ainda porque o desenvolvimento e organização interna dos treinos ou da aprendizagem da modalidade obedecem aos critérios técnicos do formador/treinador.

       A tudo acrescendo que, como ficou insinuado, entendemos, na senda do decidido nos Acs. deste Supremo, de 20.06.02 – JSTJ00000401/ITIJ/Net – e da Relação de Coimbra, de 09.06.92 – Col.- 3º/116 – que o preceituado no art. 800º, nº1 do CC não é convocável no caso dos autos, uma vez que a responsabilidade aí prevista refere-se tão só a actos praticados pelo auxiliar do devedor no cumprimento da obrigação, excluindo os que lhe sejam estranhos, embora praticados por ocasião do cumprimento.

       Não podendo, pois, ser responsabilizada a R. “HH”, improcedem as correspondentes conclusões extraídas pelo recorrente.

10 – Prescreve, no entanto, o art. 493º, nº2, do CC que “Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”.   

       Como ensinam os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela[6], “Não se diz, no nº2” – do art. 493º do CC – “o que deve entender-se por uma actividade perigosa” – e bem, diz-se no Ac. deste Supremo, de 13.10.09 (COL/STJ – 3º/94), uma vez que essa é tarefa da doutrina e da jurisprudência. “Apenas se admite, genericamente, que a perigosidade derive da própria natureza da actividade…ou da natureza dos meios utilizados (tratamentos médicos com raios x, ondas curtas, etc). É matéria, pois, a apreciar, em cada caso, segundo as circunstâncias”.

       Na lição do Prof. Almeida Costa[7], deve tratar-se de actividade que, pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, “tenha ínsita ou envolva uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes actividades em geral”.

       Ainda o Prof. Antunes Varela[8] sustenta, igualmente – desta vez, a solo – que “o carácter perigoso da actividade (causadora dos danos) pode resultar…ou da própria natureza da actividade (fabrico de explosivos, confecção de peças pirotécnicas, navegação aérea, etc) ou da natureza dos meios utilizados (tratamento médico com ondas curtas ou com raios x, corte de papel com guilhotina mecânica, tratamento dentário com broca, etc.)” ou até da natureza inflamável dos materiais guardados e que exigem certos cuidados.

       O mesmo ilustre e saudoso civilista ensina[9] que um dos indícios do critério legal da qualificação de alguma actividade como perigosa, no âmbito do citado art. 493º, 2, consiste em ter estado no pensamento do legislador a ideia de que o agente de actividades perigosas, para ilidir a presunção de culpa sobre si impendente terá de provar a adopção de providências especiais a tal destinadas, à distância e não em termos de observância contínua.

       Por seu turno, o Prof. Menezes Leitão[10], a propósito do sobredito comando legal, refere que “Esta responsabilização parece ser estabelecida a um nível mais objectivo do que o que resulta das disposições anteriores, uma vez que, além de não se prever a ilisão da responsabilidade com a demonstração da relevância negativa da causa virtual, parece-se exigir ainda a demonstração de um grau de diligência superior à das disposições anteriores, uma vez que, em lugar da simples prova da ausência de culpa (apreciada nos termos do art. 487º, nº2), o legislador exige a demonstração de que o agente «empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir» os danos, o que parece apontar para um critério mais rigoroso de apreciação da culpa, ou seja, para o critério da culpa levíssima.[11]

       Ora, tendo em conta o que ficou expendido, entendemos que a actividade de prática de patinagem, no circunstancialismo emergente dos autos, como aconselha a doutrina e a jurisprudência – tendo em consideração o tamanho desproporcionado dos sticks face à idade infantil dos praticantes, bola pesadíssima e com previsível e eventual impacto mortal, ausência de protecção adequada dos sticks e de uso obrigatório de máscara e/ou capacete protector dos jogadores de campo, tudo em conjugação com a fogosidade, imprudência e emulação típicas daquela idade – constitui actividade perigosa, nos termos previstos no citado art. 493º, nº2 do CC.

       Tendo, pois, o R. “GG” de ser considerado responsável, a título subjectivo-culposo ou de responsabilidade delitual/aquiliana, pelo ressarcimento dos danos sofridos pelo A.-recorrente em consequência do evento a que se reportam os autos (arts. 483º e segs. do CC), uma vez que não provou, minimamente, ter empregue as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir tais danos.

                                         

11 – E tendo este R. tal responsabilidade, terá também de responder – dentro dos limites das condições constantes da respectiva apólice de seguro – a R.-seguradora, atento o preceituado nos revogados arts. 426º a 428º do CCom. e nos arts. 2º, nº1 e 1º, respectivamente, do Preâmbulo e do DL nº 72/08, de 16.04. Responsabilidade que é solidária, dentro dos sobreditos limites, atento o disposto no art. 497º, nº1, do CC.

                                            

12 – Em consequência do sinistro versado nos autos, sofreu o A.-recorrente danos de natureza patrimonial e não patrimonial de que, nos termos sobreditos, deve ser ressarcido.

                                                /

I – A obrigação de indemnizar, a cargo do causador do dano, deve reconstituir a situação que existiria “se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” (art. 562º, do CC – como os demais que, sem menção da respectiva origem, vierem a ser citados). Sendo que “dano” é a perda, “in natura”, que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar” (Prof. Antunes Varela, in “Das Obrigações”, 7ª Ed. – 591).

       Na definição do citado civilista, “o dano patrimonial é o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado”, abrangendo não só o dano emergente ou perda patrimonial, como o lucro cessante ou lucro frustrado.

       E a indemnização pecuniária deve manifestamente medir-se por uma “diferença - «id quod interest», como diziam os glosadores – entre a situação (real) em que o facto deixou o lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria sem o dano sofrido” (Prof. Antunes Varela, in “Ob. citada”, pags. 906). A lei consagra, assim, a teoria da diferença, tomando como referencial “a data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que nessa data teria se não existissem danos” (art. 566º, nº2, do CC). Não podendo, assim, ser menosprezado o facto de um dos pressupostos da obrigação de indemnizar consistir, precisamente, na existência de um nexo de causalidade entre o facto gerador da responsabilidade civil extracontratual e o dano verificado (art. 483º, nº1).

       Manda, ainda, a lei – art. 564º, nº2, do CC – atender aos danos futuros, desde que previsíveis, fórmula que contempla a possibilidade de aplicação aos danos emergentes plausíveis. Sendo que, “Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados” (art. 566º, nº3, do CC).

       E, nesta sede, o recurso a fórmulas é meramente indiciário, não podendo o julgador desvincular-se dos critérios constantes do citado art. 566º, mormente do remissivo para a formulação de juízos de equidade (nº2 do mesmo art. e art. 4º, al. a), do CC). Com efeito, as fórmulas usadas para calcular as indemnizações, sejam elas a do método do cálculo financeiro, da capitalização dos rendimentos, ou as usadas na legislação infortunística, não são imperativas, valendo como métodos indiciários. Como, lapidarmente, se decidiu no Ac. do STJ, de 18.03.97 – COL/STJ – 2º/24 – “os danos patrimoniais futuros não determináveis serão fixados com a segurança possível e temperança própria da equidade, sem aderir a critérios ou tabelas puramente matemáticas”.

                                                  /

II – Resulta da factualidade provada que o A. nasceu, em 13.05.88, tendo, pois, actualmente, 24 anos de idade. E, conquanto não se mostre acolhido na factualidade provada, consta a fls. 508, no auto de perícia psicológica efectuada ao A., no INML, que os pais exercem as profissões de engenheiro civil e vendedora de doces, respectivamente.

       Tais dados pessoais legitimam que, em termos de normalidade, o A. estará, actualmente, apto para ingressar no mercado de trabalho, onde, também em termos de previsível normalidade e não obstante as correspondentes dificuldades actuais – mas que se espera sejam, no curto ou médio prazo, removidas –, poderia vir a auferir um salário médio não inferior a € 800,00 mensais, considerando um período de vida activa de mais 40 anos.

       Assim, tendo em conta o mencionado salário, duração previsível de vida activa, grau de incapacidade parcial permanente de 35% e os demais critérios enunciados em I antecedente, entende-se, em prudente juízo de equidade formulado nos termos do disposto no art. 566º, nº3, do CC, quantificar tais danos em € 150 000,00 (cento e cinquenta mil euros), a que deverão acrescer € 83 556,00 (oitenta e três mil quinhentos e cinquenta e seis euros), de provados danos patrimoniais emergentes sofridos pelo A. (Cfr. ponto 25 de 2 supra).

                                         

13I - Danos não patrimoniais são os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização” (Prof. Antunes Varela, in “Das Obrigações”, 6ª Ed. – 1º/571).

     Conforme arts. 496º, nº3 e 494º, ambos do CC, em sede de danos não patrimoniais e apesar de se tratar de simples compensação – Cfr., neste sentido, designadamente, Prof. Mota Pinto, in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, 3ª Ed., pags. 115 e Acs. do STJ, de 11.11.97 – COL/STJ – 3º/132 – e de 10.02.98 – COL/STJ – 1º/65 – a indemnização não deve ser apenas simbólica e, na sua valorização, é também decisivo o recurso à equidade, sendo de atender ao grau de culpa (dolo ou mera culpa) do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso concreto, designadamente, flutuações do valor da moeda e gravidade do dano. Sendo que o recurso à equidade, por seu turno, não significa o puro arbítrio, mas apelo a “todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida” (Prof. Antunes Varela, in “Ob. citada” – I/599), ou seja, a justiça do caso concreto.

     Simultaneamente, não poderá deixar de ter-se, igualmente, presente a natureza mistareparação do dano e punição (no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado) da conduta do agente lesante – que caracteriza a indemnização por danos não patrimoniais (Neste sentido, Prof. I. Galvão Telles, in “Direito das Obrigações”, 4ª Ed./375 e segs.; Prof. Antunes Varela, in “Ob. citada”, pags. 601; Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in “CC Anotado”, I – 4ª Ed./500; Prof. Vaz Serra, in “R.L.J.”, Ano 113º/96, 194 e 105; e Acs. do STJ, de 10.02.98 (supra citado) e de 26.06.91 (Bol. 408º/538).

                                                

II – O A. sofreu diversos e intensíssimos danos de natureza não patrimonial, os quais, atenta a sua enorme gravidade, merecem, sem qualquer dúvida, a tutela do direito. Para evitar fastidiosa repetição, aqui se remete para toda a factualidade provada e com interferência nesta temática, dando-se, pois, por reproduzidos, para o efeito, todos os factos constantes de 14 a 18, 20 a 22 e 26 a 37 de 2 supra.

       A tudo atendendo e aplicando os critérios e ditames enunciados em I antecedente, quantifica-se, em prudente juízo de equidade, em € 75 000,00 (setenta e cinco mil euros) – valor este reportado à data da citação – a indemnização devida ao A., a título de ressarcimento dos danos de natureza não patrimonial por si sofridos, abrangendo tal quantitativo a importância peticionada e emergente do invocado dano estético e acrescendo a todas as fixadas quantias os peticionados juros de mora.

       Procedendo, pois, da forma exposta, as correspondentes conclusões formuladas pelo recorrente.

                                       

14 – Nos termos do disposto no art. 684º, nº3, “Os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso…”

       Assim, não ocorrendo qualquer das hipóteses previstas no art. 683º, nº/s 1 e 2 e não tendo a R.-seguradora interposto recurso do acórdão da Relação, a presente revista não poderá acarretar-lhe vantagens processuais, designadamente quanto ao omitido – naquele acórdão – desconto da acordada franquia.

                                          

15 – Na decorrência do exposto, acorda-se em conceder, parcialmente, a revista, em consequência do que, revogando-se o acórdão recorrido e na parcial procedência da acção:

                       
a) – Se condena o R. “GG”, atento o preceituado no art. 661º, nº1, a pagar ao A.-recorrente a quantia global de € 144 538,00 (cento e quarenta e quatro mil quinhentos e trinta e oito euros), acrescida dos respectivos juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento e, bem assim, do montante – a liquidar em execução de sentença – das despesas referentes a assistência médica, medicamentosa, intervenções cirúrgicas e custos associados, para tratamento e recuperação da visão do olho esquerdo do A.;
b) – Se condena a R. “Companhia de Seguros Europeia, S. A.” a pagar ao A., solidariamente com aquele R., a quantia referida na antecedente al. a) e demais acréscimos condenatórios que – aquela e estes – se mostrem abrangidos nos limites e condições constantes da respectiva apólice;
c) – Se mantém, no mais, o acórdão recorrido.
                                            /

       Custas, aqui e nas instâncias, por A., por um lado, e, por outro e solidariamente, pelo R. “LL” e R.-seguradora, na proporção dos respectivos decaimentos e sem prejuízo de eventual apoio judiciário atribuído.
                                             

Lisboa, 11 de Setembro de 2012

Fernandes do Vale (Relator
Marques Pereira
Azevedo Ramos
_______________________________

[1]  Processo distribuído, neste Tribunal, em 29.05.12.
[2]  Relator: Fernandes do Vale (25/12)
   Ex. mos Adjuntos
   Cons. Marques Pereira
   Cons. Azevedo Ramos
[3]  Como os demais que, sem menção da respectiva origem, vierem a ser citados.
[4]  Prof. Vaz Serra, in R. L. J., Ano 111º, pags. 26.
[5]  Assim, designadamente, Prof. Vaz Serra, in Ob. e local citados; Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in “CC Anotado”, Vol. I, 4ª Ed., pags. 492/493; e Prof. Almeida Costa, in “Obrigações”, 4ª Ed., pags. 385.
[6]  In “Ob. citada”, pags.495.
[7]  In “Direito das Obrigações”, 9ª Ed. , pags. 538).
[8]  In “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 10ª Ed., pags. 595 e nota 1.
[9]  In “R. L. J., Ano 121º, pags. 52”.
[10] In “Direito das Obrigações”, Vol. I, 6ª Ed. pags. 327, onde, igualmente, faz uma recensão (nota 683) dos diversos arestos relativos ao assunto.
[11]  Ainda sobre esta temática e com idoneidade para ajudar a “desbravar” o conceito de actividade perigosa no assinalado contexto, podem ver-se, designadamente, os Acs. deste Supremo, de 13.03.07, 20.01.10, 30.11.10 e 07.04.11, in COL/STJ, respectivamente, 1º/122, 1º/28, 3º/200 e 2º/41.