Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1268/03.6TBSCR.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: REGISTO PREDIAL
BEM IMÓVEL
COISA MÓVEL SUJEITA A REGISTO
AQUISIÇÃO
TERCEIRO
BOA FÉ
FALTA DE REGISTO
ACÇÃO DE ANULAÇÃO
NULIDADE
INCONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 10/26/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Sumário : I - O art. 291.º do CC visa a protecção do terceiro de boa fé, ou seja, do terceiro adquirente que, no momento da aquisição, sem culpa, desconhecia o vício do negócio nulo ou anulável, estabelecendo um desvio ao princípio geral sobre os efeitos da nulidade ou anulabilidade do negócio (art. 289.º do CC) quando estão em causa bens imóveis, ou móveis sujeitos a registo.
II - O terceiro adquirente fica, nos termos daquela disposição legal, protegido pelo registo público, desde que se verifiquem os requisitos aí enunciados. Mas será sempre necessário que o negócio inválido conste do registo. Se o terceiro adquire na pendência desse registo e regista por sua vez, o registo tem efeito atributivo, ele torna-se o titular verdadeiro, substituindo quem o era até então.
III - Porém, de harmonia com o n.º 2 do art. 291.º do CC, os direitos de terceiro sobre a coisa a restituir, cedem se a acção de nulidade ou anulação for interposta e registada dentro dos três anos posteriores ao negócio. Nesta circunstância, os direitos de terceiro não serão considerados, mesmo que o registo da aquisição seja anterior ao registo da acção de declaração de nulidade ou anulação.
IV - Assim, o terceiro só poderá prevalecer-se da protecção concedida pelo dispositivo se tiver registado a sua aquisição e se estiver de boa fé, mas o registo só será relevante se a acção de nulidade ou anulação não for interposta e registada dentro dos três anos posteriores ao negócio.
V - De acordo com o art. 17.º do CRgP, desde que o registo do acto seja anterior ao registo de acção de nulidade, a declaração de invalidade do negócio não estorva os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé. Esta disposição, em confronto com o art. 291.º do CC, estabelece, a propósito das causas de nulidade do registo, as condições de invocação da nulidade (n.º 1) e as circunstâncias em que a declaração de nulidade do registo não prejudica os direitos adquiridos a título onerosos por terceiro de boa fé. Ou seja, o art. 291.º trata da nulidade e anulabilidade do negócio jurídico (nulidade substantiva), ao passo que o art. 17.º trata da nulidade do registo (nulidade registral).
VI - O acórdão uniformizador n.º 3/99 (publicado no DR, I-A, de 10-07-1999) estabeleceu, quanto ao conceito de terceiros para efeitos de registo, um entendimento diferente do anterior acórdão uniformizador n.º 15/97 (publicado no DR, 1.ª Série, de 04-07-1997), cuja posição surpreendeu os tribunais, ao aceitar o conceito de terceiros de forma lata (e, como tal, a tutela irrestrita da prioridade do registo), num meio social onde ainda não se encontra arreigada a necessidade de obter, através do registo predial, a tutela efectiva de direitos, abrindo-se a situações patentemente injustas.
VII - A polémica não tem hoje razão de existir, em virtude do legislador ordinário ter, entretanto, tomado posição sobre o assunto, definindo o que se deve entender por terceiros, no art. 5.º, n.º 4, do CRgP (cf. DL n.º 533/99, de 11-12), aderindo à tese do Prof. Manuel Andrade e do acórdão uniformizador n.º 3/99: “(…) são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si”.
VIII - A solução adoptada no art. 291.º, n.º 2, do CC, corresponde a uma opção do legislador ordinário, visando proteger o beneficiário da declaração de nulidade ou de anulação do negócio, durante um período de tempo. Tal solução não contende, assim, de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva com os mínimos de certeza e segurança que os princípios em causa envolvem, não padecendo de inconstitucionalidade.
Decisão Texto Integral:



Garcia Calejo (Relator)
Helder Roque
Sebastião Póvoas