Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
29004/10.3T2SNT.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
CRIME DE HOMICÍDIO POR NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA
Data do Acordão: 04/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL ( POR FACTOS ILÍCITOS ).
DIREITO PENAL - CRIMES EM ESPECIAL - CRIMES CONTRA AS PESSSOAS / CRIMES CONTRA A VIDA - EXTINÇÃO DA RESPONSABILIDADE CRIMINAL / PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL.
Doutrina:
- DIAS, Jorge de Figueiredo (2001), Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra, Coimbra Ed., 381.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 498.º, N.º3.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 118.º, N.º1, AL. B), 137.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 17/10/2012, PROCESSO N.º 87/11.0PJAMD.S1.
Sumário :
1. O conceito penal de negligência grosseira implica uma especial intensificação da negligência não só ao nível da culpa, mas também do ilícito: a nível do tipo de ilícito torna-se indispensável que se esteja perante um comportamento particularmente perigoso e um resultado de verificação altamente provável à luz da conduta adoptada - sendo que também o tipo de culpa resulta, nestes casos, inevitavelmente aumentado, tendo de alcançar-se a prova autónoma de que o agente revelou no facto uma atitude particularmente censurável de leviandade ou descuido perante o comando jurídico-penal, plasmando nele qualidades particularmente censuráveis de irresponsabilidade e insensatez.

2. Perante o concreto circunstancialismo em que ocorreu determinado acidente laboral – que o ponto 30 da matéria de facto qualifica como tendo ocorrido de forma imprevisível – e a natureza das omissões imputadas à R. enquanto dona da obra em curso – essencialmente, não ter nomeado coordenador de segurança para a obra e não se ter certificado do estado de conservação do equipamento pertencente e utilizado por subempreiteiro, exigindo deste o mapa de manutenção e detectando o desgaste de material da bomba lança betão que originou o acidente – não estão preenchidos os requisitos de que depende o preenchimento do tipo penal homicídio qualificado por negligência grosseira – não podendo, consequentemente, importar-se o prazo prescricional de 10 anos para o exercício do direito de indemnização por danos não patrimoniais pelo familiar da vítima.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. AA intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum ordinário, contra “BB, Lda.”; “CC - transportes de Mercadorias, Lda.”; e “Companhia de Seguros DD, S.A.”, pedindo a condenação solidária destas entidades no pagamento da quantia de €125 000,00, a título de compensação dos danos não patrimoniais decorrentes do óbito de seu filho EE, vitimado em acidente laboral.

Alega, para tanto, e em síntese, que: em 12 de Abril de 2005, EE sofreu acidente mortal enquanto prestava trabalho de servente numa obra, por ter sido atingido pelo braço de uma “bomba lança betão” que era antiga e não se encontrava em bom estado de conservação, sendo a 1ª Ré dona da obra, na qual a 2ª Ré prestava serviços como subempreiteira. Sucede que aquela 1ª Ré não tinha plano de segurança, higiene e saúde no trabalho, não nomeara coordenador de segurança para a obra e não cuidou de aferir do estado da máquina quando esta entrou em funcionamento, não estando, ninguém a garantir a segurança dos trabalhos, o que, também, competia à 1ª Ré; a 2ª Ré, que não fazia a manutenção da máquina em causa, transferiu para a 3ª Ré a sua responsabilidade civil por danos patrimoniais e não patrimoniais advenientes do exercício da sua actividade profissional; a ora Autora viu reconhecido o seu direito a pensão anual e vitalícia em sede laboral, reclamando agora indemnização por danos não patrimoniais.

A R. “BB” veio contestar, alegando que: como dono da obra, não lhe competia fiscalizar os equipamentos que os empreiteiros que contratou aí colocavam; a máquina em causa havia sido inspeccionada oito dias antes da data do acidente; o acidente não teve como causa adequada a falta de plano de segurança e saúde para a execução da obra, não estando estabelecido um nexo de causalidade entre tal falta e o acidente; além do que excepciona a prescrição do direito invocado pela A. por decurso do respectivo prazo (art.º 498º do C. Civil).

Por sua vez, a R. “CC” veio também contestar, alegando, em síntese, que o direito da A. se mostra prescrito por decurso do respectivo prazo; o operador da máquina em causa tinha formação e larga experiência nessa área, nada fazendo prever que a lança se partisse, tendo sido adoptado o procedimento normal na operação em curso; que a máquina vinha sendo alvo de inspecção técnica periódica por mecânico com mais de 20 anos de experiência; e que os pequenos toques de ferrugem que a máquina apresentava não interferiam na solidez estrutural do equipamento; e, assim, essa ferrugem não foi causa da quebra do braço da máquina; sendo certo que o ciclo de vida útil destas máquinas é de vinte anos e a máquina datava de 1997; deste modo. a R. tomou todos os cuidados a que estava obrigada e de que era capaz; não podendo prever o fraccionamento que veio a ocorrer - defendendo que não violou quaisquer normas do Dec. Lei nº 50/2005, tendo, aliás, sido absolvida no respectivo processo contra-ordenacional.

Também, a R. “FF” (na sequência de fusão, por incorporação, da “Companhia de Seguros, DD, S.A.”) veio contestar alegando, em síntese: ser condição essencial da transferência da responsabilidade da R. CC para esta R. seguradora, conforme as condições particulares do respectivo contrato de seguro, que o tomador do seguro não tenha violado direitos de terceiro com dolo ou manifesta negligência, causando danos relacionados com essa violação - defendendo ainda que a cedência da soldadura e consequente desprendimento do braço da lança se deveu a desgaste do equipamento, não detectado, por falta de inspecção e manutenção; terminando com a invocação da prescrição do direito invocado pela A., por decurso do respectivo prazo.

A A. replicou, pugnando pela existência de nexo de causalidade entre a falta de inspecção da máquina em causa e a queda do respectivo braço sobre o seu filho, causando-lhe a morte, e opondo-se à procedência da excepção de prescrição, invocando que a A., de avançada idade, modesta e iletrada, não teve conhecimento do seu direito logo na altura do falecimento do seu filho, mas só em Fevereiro de 2008, na altura da contratação dos serviços da mandatária.

Foi declarada a extinção da instância relativamente à R. “CC”, por inutilidade superveniente da lide, na sequência da sua insolvência.

Foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente a acção e, em consequência, absolveu as RR. “BB, Lda.” e “FF Companhia de Seguros, S.A.” dos pedidos deduzidos pela A..

2. Inconformada, a A. apelou, tendo a Relação alterado a decisão recorrida e, em consequência, na parcial procedência da acção, condenado a R. “BB” a pagar à A. AA a quantia de € 100.000, acrescida de juros a contar da citação, à taxa de 4%, mantendo, no mais, a decisão recorrida.

A Relação começou por definir o quadro factual subjacente ao litígio, nos seguintes termos:

1. A ora autora é mãe de EE.

2. No dia 12 de Abril de 2005, cerca das 17 h 40, quando se encontrava a trabalhar, EE foi vítima de um acidente.
2 -A A vítima, aquando do acidente, tinha cerca de 34 anos (fls. 23 e 49)[1].

3. EE sofreu o sobredito acidente mortal enquanto prestava trabalho de servente na obra sita no lote ... da Urbanização …, Arneiro do Cuco, em A-de-Beja, freguesia de S. Brás, concelho de Amadora.

4. EE desempenhava funções de servente.

5. A 2.ª ré transferiu para a Seguradora DD Seguros, S.A., ora 3.ª ré, a sua responsabilidade civil por danos patrimoniais e não patrimoniais advenientes do exercício da sua actividade profissional, através da apólice de seguro n.º …/012578, que se compõe das condições gerais e particulares com o teor das cópias que se mostram juntas aos autos a fls. 152 a 155 e 200 a 204.
5-A Do contrato de seguro celebrado entre a R. CC e a Companhia de Seguros DD, consta como estando fora do âmbito da cobertura do contrato, por se situarem no âmbito das exclusões de responsabilidade por perdas e danos, as ocorrências: “g) Em consequência de manifesta negligência ou procedimento violador das normas técnicas usualmente seguidas em trabalhos da mesma natureza” (cláusula 3.ª, constante do contrato documentado a fls. 154 e 155)[2].

6. Com fundamento no acidente objecto dos autos, a ora autora intentou acção emergente de acidente de trabalho com processo especial que correu termos no 1.º Juízo do Tribunal de Trabalho de Vila Franca de Xira sob o número 349/05.6TTSNT.

7. A entidade empregadora de EE tinha a sua responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho transferida para a Companhia de Seguros GG, S.A.

8. Naquele processo nº 349/05.6TTSNT, a ré seguradora foi condenada, por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no pagamento, à autora, de pensão anual e vitalícia no valor de €1.362,22 desde Abril de 2005
8-A Na acção com fundamento em acidente de trabalho que a A. moveu contra as RR. e ainda contra HH, a mesma pede a condenação dos mesmos no “pagamento de pensão anual e vitalícia, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos em virtude de acidente de trabalho, que vitimou mortalmente EE” (facto n.º 8-A, fls. 320)[3].

9. A ora 2.ª ré é proprietária da auto bomba objecto dos autos.

10. À data do falecimento de EE, mãe e filho viviam juntos na casa que fora pertença de outro filho da demandante de nome II.

11. A autora vivia com o contributo financeiro que EE lhe prestou até à morte deste.

12. EE trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização de HH, seu patrão.

13. EE residia à data do sinistro mortal, na Praça …, n.º …, 2.º Esquerdo, no Forte da Casa, concelho de Vila Franca de Xira.

14. HH dedicava-se à indústria de construção civil (carpintaria de tosco).

15. EE procedia à limpeza de uma laje, quando foi mortalmente atingido pelo braço da auto-bomba de lançamento de betão.

16. A 1.ª ré, “BB”, encontrava-se a construir, para si, o edifício destinado a comércio e habitação e assegurava a fiscalização da obra.

17. A 2.ª ré, “CC” transportara para a obra e aí descarregava betão, por meio da auto-bomba de lançamento de betão objecto dos autos, satisfazendo solicitação da ora Ré “BB”, nesse sentido.

18. No momento do acidente as operações que eram executadas na obra consistiam na execução de trabalhos de betonagem na laje do piso (-1).

19. O EE encontrava-se na laje do piso (-1).

20. As tarefas que o EE executava quando foi atingido mortalmente pelo braço da lança da bomba lança betão objecto dos autos, da marca CIFA,K2 B5 R 32, instalada no veículo Mercedes Benz de matrícula …-…-IE consistiam em limpeza da laje do piso (-1), concretamente, a de retirar os restos de betão do pavimento.

21. A referida bomba lança betão encontrava-se distanciada das lajes e estava a realizar a bombagem de betão, quando o braço da lança se soltou da torre (local da giratória) caindo sobre a laje (-1) de uma altura aproximadamente de 2 metros, sobre o corpo de EE.

22. Por força da sua queda, o braço da sobredita bomba de betonagem atingiu EE causando-lhe lesões que levaram à sua morte.

23. O braço da lança de descarga de betão soltou-se e caiu por causa de uma fractura da soldadura.

24. O referido braço encontrava-se soldado à torre giratória.

25. A auto-bomba lança betão da marca CIFA,K2 B5 R 32, fora instalada no chassis marca Mercedes-Benz, modelo k/38 (6X4) (659104), com a matrícula …-…-IE, este último, com o ano de fabrico de 1997.

26. Sobre a laje (-1) encontravam-se EE, o trabalhador JJ e o patrão de ambos, HH, o condutor manobrador da auto-bomba (uma vez que a bomba lança betão é comandada à distancia) e KK, que trabalhava sob ordens da ora Ré “BB”.

27. A auto-bomba apresentava ferrugem na zona em que se deu a fractura.

28. A 1.ª ré, “BB”, não nomeou coordenador de segurança para a supra referida obra; nem havia quem, à data do acidente, estivesse a coordenar e assegurar a segurança dos trabalhos na obra.

29. A existência de ferrugem na zona da auto-bomba em que ocorreu o fraccionamento do braço que caiu em cima do corpo de EE, contribuiu para fragilizar aquela zona.

30. A queda do braço da bomba lança-betão com o seu desprendimento da torre, ocorreu de forma imprevisível.

31. O veículo de matrícula …-…-IE foi sujeito à "inspecção técnica periódica" datada de 2005/04/08.

32. A 1.ª ré, ao solicitar à 2.ª ré o transporte para a obra do betão, por meio da auto bomba de lançamento de betão objecto dos autos, não solicitou mapa de manutenção da auto-bomba e não verificou o concreto equipamento que seria colocado em obra e o seu estado.

33. Em virtude da morte do filho EE, a autora padece de uma dor irremediável.

34. A autora tem momentos de enorme tristeza e angustia pela morte do filho.

35. EE era um filho dedicado à mãe e muito querido pela autora.

36. Até ao acidente viveu sempre com a mãe.

37. EE trabalhava regularmente.

38. Era pessoa amiga dos seus familiares.

39. A autora muito sofreu e sofre com a morte do seu filho, que muito amava vendo-se privada do seu amor, afecto, carinho e companhia.

40. A autora vive triste e desgostosa com a morte de EE.

41. A auto-bomba lança betão propriedade da Ré “CC” era operada pelo seu trabalhador LL.

42. O trabalhador em causa trabalhou como operador de bomba lança betão entre 1993 e 2000, na sociedade comercial “MM, SA”, onde recebeu formação atinente a essa função.

43. Desde 1993 até à data do acidente sempre executou as tarefas de operador de bomba.

44. A bomba lança betão, acoplada ao veículo de marca Mercedes-Benz, Modelo 2631 K/38 (6X4) (659104), de matrícula …-…-IE, é de marca CIFA.

45. Desde o momento da aquisição da bomba lança betão até ao momento do acidente, não sofreu, a aludida bomba, qualquer intervenção de soldadura em qualquer dos seus pontos.

46. A bombagem não era feita em plano substancialmente desnivelado.

47. Chegado ao local, o trabalhador da Ré “CC”, LL, estabilizou o equipamento, abrindo as sapatas extensíveis.

48. Seguidamente, vistoriou o equipamento, com vista a apurar se os componentes do equipamento apresentam falhas mecânicas, ou algum indício de desconformidade do equipamento.

49. E constatou, no local, que teria de abrir a lança da bomba em toda a sua extensão, sobre a laje e por entre os pilares já erguidos.

50. Estando o veículo ao nível do solo era imperioso elevar a lança e estende-la sobre a laje.

51. Do nível do solo era impossível ver a lança e operá-la sobre a laje.

52. Desse modo, através da botoneira (comando sem fios); e colocado sobre a ponta oposta da Laje, (única forma possível de efectuar a operação atenta a necessidade de visionar os pilares já erguidos, de forma a que os mesmos não fossem tocados pela lança) aprestava-se a reiniciar os trabalhos.

53. Nesse momento cuidou de verificar se nenhum outro trabalhador se encontrava debaixo do braço da bomba lança betão.

54. Dessa aferição constatou que ninguém se encontrava nesse local.

55. Nesse momento, a lança partiu, junto à união da torre, caindo sobre a laje e atingindo EE, que entretanto tinha ido à zona de operações recolher uma colher de pedreiro por ordem da pessoa que estava encarregue da obra, KK.


56. O veículo de matrícula …-…-IE, marca Mercedes, objecto dos autos, foi alvo de manutenção nas oficinas da R., “CC”, por meio de mecânicos desta, o que ocorreu, concretamente, entre 5.11.2004 e 09.11.2004, em 10-2-2005 e entre 28.03.2005 e 04.04.2005” [4].

57. O ciclo de vida de uma auto bomba como a dos autos pode ser de 15 a 20 anos, desde que periodicamente inspeccionada e com as manutenções, no representante, em dia.

58. O acidente objecto dos autos teve a sua origem na cedência de toda a estrutura soldada da bomba lança betão.

59. A cedência da soldadura e consequente desprendimento do braço da bomba lança betão, por fissuração da soldadura, ficou a dever-se a desgaste do equipamento.

3. Passando a abordar a questão da invocada prescrição do direito de indemnização, considerou o acórdão recorrido – após notar que tal prazo se deve ter por iniciado na data da ocorrência do facto gerador do dano, por ser aí que se situa a cognoscibilidade do direito de indemnização, e que não se vislumbra qualquer causa interruptiva, nomeadamente pela circunstância de ter corrido termos acção laboral pelo acidente de trabalho, lembrando ainda que já se mostra definitivamente decretada a absolvição da instância quanto à R. CC:

Quanto à questão de saber se o acidente mortal que deu origem aos presentes autos deriva de facto ilícito passível de constituir crime.

Os factos relatados pela A. na causa de pedir prendem-se, nuclearmente, com a ocorrência de um acidente mortal provocado por uma bomba lança-betão.

Relativamente a esta máquina, a A. articula factos passíveis de integrarem o crime de homicídio por negligência, por omissão dos cuidados implicados e por violação das regras técnicas, no que toca ao dever de manutenção a cargo da 2.ª R., e ao dever de fiscalização e acompanhamento da obra em matéria de segurança, nomeadamente por omissão do dever de nomeação de coordenador de obra, no que à segurança respeita, por parte da 1.ª R. (artigo 137.º do Código Penal).

Como é sabido, a negligência pressupõe não qualquer intenção de subtrair a vida da outra pessoa, o que aqui obviamente não está em causa, mas sim a omissão de deveres de cuidado da qual derivou o óbito do sinistrado, sendo certo que, se tivessem sido observados os deveres cuja omissão é apontada, teria sido possível evitar o óbito do mesmo.

O homicídio por negligência é um crime punível com a pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa (artigo 137.º/1 do Código Penal).

Ora, face a esta norma, conjugada com o artigo 118.º/1, al. c), o procedimento criminal prescreveu decorridos 5 anos sobre a data da ocorrência do facto.

Neste particular, ocorre mais um facto demonstrativo de que o início do prazo para efeitos de contagem da prescrição tem lugar no “dia em que o facto se tiver consumado” (artigo 119.º, n.º 1, do Código Penal).

Todavia, já importará considerar o prazo de prescrição de 10 anos se porventura considerarmos haver elementos que apontem no sentido de ter havido negligência grosseira. Neste caso, o crime é punido com a pena de prisão até 5 anos (artigo 137.º/2 do C.P.).

Ora, por aplicação do artigo 118.º, n.º 1, al. b), o prazo de prescrição será neste caso de 10 anos.

Vejamos, então, se os autos contêm elementos factológicos que integrem o conceito de negligência grosseira, entendida esta com o significado que habitualmente lhe é dado no âmbito penal.

E, neste domínio, a negligência grosseira prende-se com “uma especial intensificação da negligência, não só ao nível da culpa, mas também do ilícito”, verificando-se “um comportamento particularmente perigoso e um resultado de verificação altamente provável, à luz da conduta adoptada”, que demonstre “uma atitude particularmente censurável de leviandade ou descuido perante o comando jurídico-penal”[5].

Ora, no caso dos autos, a questão que se coloca consiste em saber se os factos em causa revelam uma atitude particularmente censurável de descuido no cumprimento das regras técnicas de segurança, em ordem a evitar acidentes como o dos autos, sendo altamente provável que, perante a omissão do controlo de segurança da máquina, pudesse dar lugar ao mesmo.

Importa ter em conta que o acidente ocorreu no ambiente de uma obra de construção civil, em que a vítima foi atingida mortalmente pelo braço da lança da bomba lança-betão, objecto dos autos (n.º 20 dos factos), sendo certo que a máquina se encontrava a bombar betão quando o braço da lança se soltou da torre, caindo sobre a laje -1 de uma altura aproximada de 2 metros sobre o corpo do falecido EE.

A conclusão de que houve violação grosseira das normas de segurança há-de resultar da análise de um conjunto de factos que temos por pertinentes para aquilatar da situação.

Cumpre, no entanto, e antes de mais, dissociar os factos imputáveis à R. construtora e os imputáveis à R. dona da máquina, que tinha a sua responsabilidade transferida em certos moldes, para a companhia de seguros demandada.

Quanto à responsabilidade da “CC

Já acima constatámos que a mesma foi absolvida da instância por decisão transitada.

Quanto à responsabilidade da R. seguradora

Em primeiro lugar, no que tange à responsabilidade civil com fundamento em ilícito civil, é inequívoco ter já decorrido a todas as luzes o prazo de prescrição, como acima ficou já explanado, quer porque o prazo prescricional se começou a contar a partir da data do acidente, quer porque não se verificou a causa interruptiva esgrimida pela A., como atrás se viu.

Ou seja, à luz do artigo 498.º do Código Civil, prescreveu, quanto a esta R., o direito que contra ela a A. pudesse eventualmente sustentar.

No que tange à responsabilidade com base em facto ilícito passível de constituir crime, no âmbito do contrato de seguro, em cláusula que não nos merece reserva, verifica-se que as partes convencionaram a exclusão da responsabilidade da seguradora nesses casos (fls. 154 e 155, maxime 3.1., al. g)).

Por conseguinte, está fora do âmbito da apólice a cobertura do presente caso, que só não se considera prescrito, sem mais, por se equacionarem aqui factos passíveis de constituir crime.

Ora, estando em causa a violação de regras técnicas e a prática de um homicídio por negligência, naturalmente que excluída está a responsabilidade desta R., pelo que se imporá absolvê-la do pedido.

Quanto à responsabilidade da R. construtora, “BB”

Importa agora verificar se, quanto a esta empresa, os factos são passíveis de apontar para o preenchimento do tipo legal de crime por negligência, na modalidade de negligência grosseira, em relação ao qual, como se viu, a lei prevê, no artigo 498.º, n.º 3, do Código Civil, por referência à lei penal, já atrás referenciada, o prazo de prescrição de 10 anos.

Vejamos, então.

Com pertinência para esta mesma temática, provou-se que:

- a R. não nomeou coordenador de segurança para a supra referida obra, nem havia quem, à data do acidente, estivesse a coordenar e assegurar a segurança dos trabalhos na obra (n.º 28 dos factos);

- havia ferrugem na zona da auto-bomba (facto n.º 27), em que ocorreu o fraccionamento do braço, que caiu em cima do corpo de EE, o que contribuiu para fragilizar aquela zona da máquina (n.º 29 dos factos);

- esta mesma R., ao solicitar à 2.ª R. o transporte para a obra do betão, por meio da auto-bomba de lançamento de betão objecto dos autos, não solicitou mapa de manutenção da auto-bomba e não verificou o concreto equipamento que seria colocado em obra e o seu estado (facto n.º 32);

- a bombagem não era feita em plano substancialmente desnivelado (facto n.º 46);

- o ciclo de vida de uma auto-bomba pode ser de 15 a 20 anos, desde que periodicamente inspeccionada e com as manutenções, no representante, em dia (facto n.º 57)

- a cedência da soldadura[6] (factos n.ºs 45 e 58) e consequente desprendimento do braço da bomba lança-betão, por fissuração da soldadura, ficou a dever-se a desgaste do equipamento.

Ora, tem de se ter em conta ainda que é ao dono da obra que compete nomear um coordenador de segurança, nos termos do artigo 9.º/3, al. b), do artigo 273/2003, de

A este, para além da competência de desempenho, cumprem diversas obrigações de natureza funcional, nomeadamente as de execução das tarefas de coordenação em matéria de segurança e saúde, cumprindo-lhe inclusive verificar o cumprimento do plano de segurança e saúde; divulgar junto dos trabalhadores e outras pessoas sobre os riscos profissionais e o modo de os cumprir (artigo 3.º/1, al. c) e 19.º/2 do D.L. 273/02); coordenação de actividades com vista à prevenção de acidentes; efectivação de inspecções quer às instalações quer ao material em ordem à segurança no trabalho; verificar o cumprimento das disposições legais no âmbito da segurança; e tomar as medidas necessárias com vista à integridade física dos trabalhadores.

Ora, como se vê, das competências que a lei lhe reconhece, o coordenador de segurança tem um papel nuclear de fiscalização, nomeadamente, do equipamento, em ordem a garantir a segurança dos intervenientes na obra.

Portanto, é certo que, numa primeira linha, não parece haver dúvida relevante de que a responsabilidade caberia à “CC”, enquanto dona da máquina.

No entanto, a construtora nem por isso fica dispensada do seu papel na rede de utilização da máquina, tanto mais que o seu estaleiro era o palco onde efectivamente os acidentes podiam ocorrer, como ocorreu no presente caso.

Portanto, cabia-lhe um especial dever de observação das condições da máquina, por estar em contacto directo com ela: pelo facto de a utilizar ao seu serviço.

Mais, era uma máquina que trabalhava em esforço (com um braço lança-betão, que, como é deduzível, tinha uma zona de aderência à torre sobre a qual havia um impacto de cada vez que havia um lançamento de betão); portanto, havia um desgaste que justifica a razão por que era necessário fazer-se a manutenção adequada à verificação do seu bom estado, em ordem a evitar acidentes como o dos autos.

Importa ter em conta, nomeadamente, o artigo 6.º do D.L. 50/2005, de 25 de Fevereiro[7], sob a epígrafe “Verificação dos equipamentos de trabalho”, segundo o qual o empregador não está dispensado de proceder a verificações periódicas e, se necessário, a ensaios periódicos do equipamento de trabalho sujeitos a influências que possam provocar deteriorações susceptíveis de causar riscos.

Mais, o artigo 7.º do mesmo diploma, sob a epígrafe “Resultado da verificação”, impõe que:
1- O resultado das verificações e ensaios previstos no artigo anterior deve constar de relatório, contendo:
a) identificação do equipamento de trabalho e do operador o resultado das verificações
b) Tipo de verificação ou ensaio, local e data da sua realização;
c) (…)
d) Identificação da pessoa competente que realizou a verificação ou o ensaio;
2- O empregador deve conservar os relatórios da última verificação e de outras verificações ou ensaios efectuados nos dois anos anteriores, e colocá-los à disposição das entidades competentes.

Ora, no caso dos autos, como o demonstra a matéria de facto provada, nada consta no sentido de que a R. tenha procedido em conformidade com o que lhe é ordenado nas supra citadas normas, por si ou através da dona da máquina, com exigência dos assinalados relatórios.

Por seu turno, a lei não dispensa a dona da obra, enquanto entidade empregadora, de determinadas obrigações que vão da intervenção efectiva sobre o equipamento (ou garantia de que alguém por ela se encarrega disso), até à prova documental do cumprimento de tais obrigações, que, neste caso, não se mostra comprovado.

O que, como adiante se verá, foi feito, isso sim, foi a prova de terem sido efectuadas as inspecções ao veículo em cujo chassis se encontrava implantada a referida máquina.

E aquela máquina apresentava condições de fragilidade que obrigavam naturalmente a um cuidado especial, visto que o desprendimento da bomba, como resulta dos factos, teve origem na cedência da estrutura soldada, que já se encontrava frágil, apresentando ferrugem.

Como é da experiência comum, a ferrugem só se forma por contacto com o oxigénio, por consistir em oxidação do metal.

Por conseguinte, perante a existência de ferrugem na zona de auto-bomba em que ocorreu fraccionamento do braço que caiu em cima da vítima, a qual contribuiu para fragilizar aquela mesma zona (facto n.º 29), naturalmente que se impunha um especial dever de cuidado, que não só não foi observado como não foram sequer observadas outras regras que eram impostas por lei à entidade patronal.

Ou seja, afigura-se-nos que, neste caso, há da parte da R. construtora uma omissão de comportamentos que redunda num particular perigo por descuido de deveres legais que não pode deixar de ser reconduzida ao conceito de negligência grosseira.

Por conseguinte, afigura-se-nos que, quanto a esta R. e pelas razões indicadas, aquando da propositura da acção, não estava ainda prescrito o direito da A. ser indemnizada em razão do acidente dos autos.

E, em consonância com tal pressuposto, fixou em €100.000 a indemnização devida à A. pelo dano morte e outros danos não patrimoniais.

4. Inconformada, interpôs a 1ª R BB a presente revista, que encerra com as seguintes conclusões:

1ª) - O pedido formulado pela recorrente é um pedido de indemnização por danos não patrimoniais da autora e do seu próprio filho e pele direito à vida deste.

2ª) - A recorrente foi absolvida por se ter entendido que o direito que a autora pretendia exercer estava extinto por prescrição fosse à luz lo prazo geral contido no artigo 498°/l do Código Civil, fosse por aplicação do previsto no n° 3 daquele aludido preceito, com enfoque na prática do crime de homicídio por negligência.

3ª) - Em sede de recurso de apelação, toda a construção do douto tribunal de 1ª instância foi sufragada pelo colendo Tribunal da Relação, no que concerne quer às questões suscitadas quanto à interpretação e aplicação do artigo 598°/3 do Código Civil, quer no que respeita à existência (neste caso inexistência) de causa interruptivas da contagem do prazo prescricional.

4ª) - A recorrente na sua minuta de recurso de apelação não suscitou a questão da qualificação jurídica do crime de homicídio por negligência, na modalidade agravada pela qualidade da negligência grosseira, que implicaria um prazo de prescrição mais de dez anos, não existindo nesse caso prescrição.

5ª) - Esta questão foi analisada na douta sentença de 1ª instância tendo o tribunal concluído pela inexistência de comportamentos da aqui recorrente que fosse subsumível à noção da "negligência" grosseira" que o direito positivo não define.

6ª) - As restantes rés ficaram, a dada altura, formalmente, fora do processo, razão pela qual a aqui recorrente é a única entidade a ser julgada, sendo que apenas o pode ser, aplicando a noção de "negligência grosseira"

7ª) - Seguindo a linha jurisprudencial dominante, por negligencia grosseira entende-se a falta grave e indesculpável num determinado comportamento, ou seja, corresponde à chamada culpa grave, que consiste na omissão dos deveres de cuidado que só uma pessoa especialmente negligente, descuidada e incauta deixaria de observar (in http//:www.dgsi.pt - Proc° 07S3655, 13.12.2007, Relatado pelo Exm° Conselheiro Sousa Peixoto).

8ª) - O único comportamento que se pode imputar à recorrente é o facto de não ter nomeado coordenador de segurança em obra, mas tal facto não determina de forma alguma que se possa qualificar esta omissão como um omissão que possa ser reconduzida a negligência grosseira ou culpa grave.

9ª) - A situação relativa à ruptura e fractura de um elemento da lança da bomba de betão, que vitimou o sinistrado e que resultou do desgaste do equipamento, não era visível por mera observação visual, tendo sido o equipamento observado pelo operador da máquina antes do início da operação e nada ter sido por este notado ou constatado.

10ª) - Outro alguém também nada teria visto, sendo que o sinistro não teve por causa um descuido, mas uma imprevisível causa de má sorte.

 

11ª) - Não sendo aplicável o conceito de negligência grosseira, de novo se terá de julgar verificado a prescrição do direito a indemnização da autora.

12ª) - A recorrida não abusou de direito, nos termos do Artº 334° do C.C., limitando-se a exercer a faculdade constitucional de se defender judicialmente por impugnação e por excepção.

13ª) - De resto o tribunal deu como provado no facto n° 22 que por força da sua queda, o braço da sobredita bomba de betonagem atingiu EE, causando-lhe lesões que levaram à sua morte e a queda do braço da bomba lança betão com o seu desprendimento da torre caiu de forma imprevisível (facto 30).

14ª) - Não se provou, nem se pode concluir que a recorrente tenha praticado um acto ilícito, e em caso afirmativo, se existiu nexo de causalidade entre o comportamento omissivo da recorrente e a morte do sinistrado) quanto à não nomeação de coordenador de segurança em obra.

15ª) - As estas obrigações e deveres previstos no Decreto-Lei N° 50/2005, 25 de Fevereiro, impendem sobre os empregadores que tenham trabalhadores subordinados ao seu serviço e que disponham de equipamentos, que neste caso seria a CC, Lda.

16ª) - A recorrente não tinha esses trabalhadores subordinados nem tinha quaisquer equipamentos, sendo que a bomba lança betão não era de sua propriedade nem estava na sua posse.

17ª) - A recorrida não violou (nem podia objectivamente violar) o preceituado nos Art°s 3º alíneas a) e e), 6º n°s 2 e n° 4 e 7º, do mencionado diploma legal.

18ª) - A recorrida também não violou, nem podia ter violado, obectivamente, o preceituado nos Art°s 3º alíneas a) e e), 6º n°s 2 e n° 4, 7º, 14º, 19º n° 2, 27° alínea b) e 31º alíneas a) e b) do Decreto-Lei N° 50/2005, de 25 de Fevereiro.

19ª) - Mesmo considerando que não tenha ocorrido prescrição sempre o colendo tribunal de 2ª instância devia ter averiguado se estavam preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.

20ª) - Na verdade, mesmo fazendo vencimento a tese de não prescrição, o que só por mera hipótese de exposição se admite, ainda subsiste a necessidade de se verificar se todos os pressupostos se verificam no caso concreto, mas o douto tribunal "a quo" não fez a verificação destes pressupostos.

21ª) - No caso concreto, não se verificou um nexo de causaldade adequada entre a causa da morte e a morte, já que a simples omissão da recorrente não se revela adequada a produzir a morte de alguém em concreto e em abstracto.

22ª) - Por via da verificação dos pressupostos da responsabilidade extracontratual que são a) a prática do acto; b) a imputação; c) a culpa; d) o dano; e e) o nexo de causalidade, não podia a recorrente ser condenada, como foi, por falência dos pressupostos necessários no plano dos factos.

23ª) - No Acórdão posto em crise o Colendo Tribunal da Relação de Lisboa fez errada aplicação do artigo n° 137°/ 1 e 2 do Código Penal, artigo 498°/3 do Código Civil e artigos 6º e 1°º do Decreto-Lei n° 50/205 de 25 de Fevereiro.

24ª) - De quanto se diz deve ser revogando o douto Acórdão recorrido e confirmada na totalidade a douta sentença proferida em 1ª instância.

NESTES TERMOS

e nos melhores de Direito, que V. Exas suprirão, se requer julguem procedentes as CONCLUSÕES da recorrente, revogando o douto Acórdão recorrido e confirmando " totum" a douta sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância

A A. pugna pela confirmação do decidido no acórdão recorrido.

5. A questão a decidir prioritariamente na presente revista centra-se, pois, em determinar – para o efeito de apurar a duração do prazo de prescrição da obrigação de indemnização efectivada pela A. – se os factos definitivamente fixados pelas instâncias são susceptíveis de integrar o tipo penal do homicídio culposo, cometido com negligência grosseira: na verdade, perante a enorme dilação com que foi proposta a presente acção de indemnização, ultrapassando-se claramente o limite temporal de 5 anos após a ocorrência do sinistro e a cognoscibilidade do dano pela lesada, só o preenchimento do tipo penal constante do art. 137º, nº2, do C. Penal  – determinando, em função da medida da pena aplicável, a vigência de um prazo de prescrição do procedimento criminal de 10 anos – poderá salvar da irremediável improcedência  a pretensão indemnizatória deduzida nestes autos.

Sublinha-se, deste modo, que o essencial para apurar da prescrição do direito da A. não se situa em sede de preenchimento pela factualidade apurada dos pressupostos da responsabilidade civil da R. ou mesmo do preenchimento dos elementos do tipo simples do homicídio por negligência: na verdade, tal subsunção determinaria a vigência de um prazo prescricional de 3 anos ou de 5 anos, respectivamente, claramente excedido pela A.; só o preenchimento dos elementos do tipo penal qualificado, de homicídio por negligência grosseira, conduzindo à aplicabilidade de uma medida da pena de até 5 anos de prisão para o autor do facto, poderia tornar tempestivo o exercício do direito de indemnização, por o prazo prescricional, importado para o domínio da acção civil pela via do art. 498º, nº3 do CC, passar então a ser de 10 anos, por via do disposto no art. 118º, nº1, al. b) do C.Penal.

Por outro lado, é manifesto que – para determinar os precisos elementos exigidos para o preenchimento deste tipo penal - teremos de nos basear fundamentalmente no que a doutrina e jurisprudência penais vêm entendendo reiteradamente sobre a matéria:

como se afirma, por exemplo, no Ac. de 17/10/12 , proferido pelo STJ no P. 87/11.0PJAMD.S1 :

A negligência grosseira implica uma especial intensificação da negligência não só ao nível da culpa, mas também do ilícito. A nível do tipo de ilícito torna-se indispensável que se esteja perante um comportamento particularmente perigoso e um resultado de verificação altamente provável à luz da conduta adoptada. Mas daqui não pode concluir-se, sem mais, que também o tipo de culpa resulta, nestes casos, inevitavelmente aumentado, antes tem de alcançar-se a prova autónoma de que o agente revelou no facto uma atitude particularmente censurável de leviandade ou descuido perante o comando jurídico-penal, plasmando nele qualidades particularmente censuráveis de irresponsabilidade e insensatez.

Invocando Roxin, citado por Figueiredo Dias, o conceito em causa- negligência grosseira- implica uma especial intensificação da negligência não só ao nível da culpa, mas também do ilícito. A nível do tipo de ilícito torna-se indispensável que se esteja perante um comportamento particularmente perigoso e um resultado de verificação altamente provável à luz da conduta adoptada. Mas daqui não pode concluir-se, sem mais, que também o tipo de culpa resulta, nestes casos, inevitavelmente aumentado, antes tem de alcançar-se a prova autónoma de que o agente revelou no facto uma atitude particularmente censurável de leviandade ou descuido perante o comando jurídico-penal plasmando nele qualidades particularmente censuráveis de irresponsabilidade e insensatez.

Ora, divergindo, quanto a este ponto, do entendimento seguido pela Relação no acórdão recorrido, parece-nos manifesto que a matéria de facto fixada não é suficiente para que se possam ter por integrados pelo comportamento dos representantes ou comissários da 1ª R., os exigentes elementos objectivos e subjectivos que justificam o preenchimento de tal tipo penal qualificado – afigurando-se procedente a argumentação da recorrente.

Na verdade, perante o concreto circunstancialismo em que ocorreu o sinistro – que o ponto 30 da matéria de facto qualifica como tendo ocorrido de forma imprevisível – e a natureza das omissões imputadas à R. enquanto dona da obra em curso – essencialmente não ter nomeado coordenador de segurança para a obra e não se ter certificado do estado de conservação do equipamento pertencente e utilizado por subempreiteiro, exigindo deste o mapa de manutenção e detectando o desgaste de material da bomba lança betão que originou o acidente – considera-se que não estão preenchidos os exigentes requisitos de que depende o preenchimento do referido tipo penal qualificado.

É que tais omissões, nas concretas circunstâncias do caso, não têm a gravidade objectiva e o grau de censurabilidade subjectiva que justifiquem o preenchimento de um tipo penal que implica o sancionamento do agente com uma pena de prisão de 5 anos : no plano da ilicitude, não traduzem a adopção de um comportamento particularmente perigoso e, muito em particular, a produção de um resultado de verificação altamente provável à luz da conduta adoptada; e, por sua vez, no plano da culpa, não se vê que tais omissões, retratadas na matéria de facto, possam traduzir, só por si, em termos de adequação e proporcionalidade, uma atitude particularmente censurável de leviandade ou descuido perante o comando jurídico-penal, plasmando nele qualidades particularmente censuráveis de irresponsabilidade e insensatez.

Ou seja: as omissões imputáveis à R., perante a matéria de facto apurada, implicando obviamente um provável juízo de negligência ou descuido, - e até, eventualmente, o cometimento de um homicídio por negligência - são manifestamente insuficientes para que se possa ter por preenchido o exigente conceito – importado do direito penal – de negligência grosseira, estando, por isso, inviabilizado o preenchimento do tipo penal do homicídio com negligência grosseira e, consequencialmente, no plano civil, a aplicabilidade de um prazo de prescrição da obrigação de indemnizar de 10 anos.

E, assim sendo, resta julgar procedente a excepção peremptória de prescrição, oportunamente invocada pela recorrida, julgando, com fundamento nela, a acção improcedente.

6. Nestes termos e pelos fundamentos apontados, concede-se provimento à revista, revogando o decidido no acórdão recorrido acerca da duração do prazo prescricional aplicável à obrigação de indemnizar a cargo da recorrente, ficando consequentemente a subsistir o decidido sobre esta questão na sentença apelada, tendo-se a excepção peremptória de prescrição por preenchida, perante a matéria de facto fixada, o que determina a absolvição total do pedido pela R./recorrente.

Custas pela A., sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.

Lisboa, 21 de Abril de 2016

Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor

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[1] Este facto resulta do aditamento agora determinado como consta infra.
[2] Este facto resulta do aditamento agora determinado como consta infra.
[3] Este facto resulta do aditamento agora determinado como consta infra.
[4] Este facto foi objecto de alteração como abaixo se deixam consignados, tendo resultado a sua reformulação nos termos supra consignados. A versão original era do seguinte teor: O conjunto veículo de matrícula …-…-IE, marca Mercedes/ bomba lança betão objecto dos autos era alvo de manutenção regular nas oficinas da Ré, “CC”, por meio de mecânicos desta, o que ocorreu, concretamente, entre 5.11.2004 e 09.11.2004, em 10-2-2005 e entre 28.03.2005 e 04.04.2005:
[5] DIAS, Jorge de Figueiredo (2001), Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra, Coimbra Ed., p. 381; Apud
[6] Ao longo de toda a estrutura soldada mas que não foi objecto de intervenção de soldadura em qualquer dos seus pontos.
[7] Que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2001/45/CE (EUR-LEX), do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Junho, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho.