Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4739/03.0TVLSB.L2.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: PAULO SÁ
Descritores: RESPONSABILIDADE
SEGURADORA
MEDIADOR
REPRESENTAÇÃO
TERCEIRO
BOA FÉ
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 04/01/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS/ NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES.
DIREITO COMERCIAL - CONTRATO DE AGÊNCIA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO - ACTOS PROCESSUAIS / NULIDADES - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS.
DIREITO DOS SEGUROS - CONTRATO DE SEGURO / MEDIAÇÃO.
Doutrina:
- ALBERTO DOS REIS, “Código de Processo Civil”, Anotado, vol. V, 1952, pp. 141, 473/474.
- ANTUNES VARELA, Manual de Processo Civil, 1.ª Edição, p. 167.
- FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, 6.º ed. Almedina, Coimbra, p. 16.
- JOSÉ VASQUES, Novo Regime Jurídico da Mediação de Seguros, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, nota 263, pp.78 e 79.
- MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo IV, Almedina, Coimbra, 2005, pp. 103, 106, 409 e ss..
- MOTA PINTO, Teoria Geral de Direito Civil, 4.º ed. Revista por PINTO MONTEIRO e PAULO MOTA PINTO, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 551.
- PINTO MONTEIRO, Contrato de Agência. Anotação ao Decreto-Lei n.º 178/86, 5.ª ed. Almedina, Coimbra, 2004, pp.108. e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 262.º, 371.º, N.º1, 762.º N.º 1, 769.º E 770.º "A CONTRARIO".
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 201.º, 490.º, N.º 2, 655.º, 659.º, N.º 3, 660.º, N.º2, 664.º, 668.º, N.º1, ALS. C), D), 690.º-A, 712.º, 722.º, N.º3, 729.º, N.ºS1 E 2.
DECRETO-LEI N.º 142/2000: - ARTIGOS 2.º, 6.º, 7.º, 8.º, N.OS 1 E 3.
DECRETO-LEI N.º 178/86, DE 3 DE JULHO. – ARTIGO 23.º.
DECRETO-LEI N.º 388/91, DE 10 DE OUTUBRO: - ARTIGO 4.º.
NORMA REGULAMENTAR DO ISP N.º 17/94-R, DE 6 DE DEZEMBRO, NA REDACÇÃO DADA PELA NORMA N.º 10/2000-R, DE 29 DE SETEMBRO: - ARTIGO 5.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 30 DE SETEMBRO DE 2004, PROC. N.º 04B2894, IN WWW.DGSI.PT
-DE 3 DE JULHO DE 2003, REVISTA N.º 4730/02-2ª SECÇÃO, IN SUMÁRIOS DOS ACÓRDÃOS DE JULHO/SETEMBRO DE 2003, GABINETE DOS JUÍZES ASSESSORES, P. 28
-DE 27 DE SETEMBRO DE 2005, REVISTA N.º 1891/05-1.ª, IN SUMÁRIOS, N.º 93, P. 70.
-DE 16 DE DEZEMBRO DE 1999, PROCESSO N.º 1022/99, DA 1.ª SECÇÃO, DE 19 DE MARÇO DE 2002, PROCESSO N.º 299/02, DA 7.ª SECÇÃO, DE 16 DE OUTUBRO DE 2003, PROCESSO N.º 03B2813, DE 13 DE NOVEMBRO DE 2003, PROCESSO N.º 03B2343 E DE 19 DE NOVEMBRO DE 2003, PROCESSO N.º 04B1528.
-DE 3.2.2005, PROC. 4500/04-2ª, DE 25.3.04, PROC. 370/04-2ª, DE 9.5.2002, PROC. 1342/02-2ª E DE 20.06.2000, PROC. 447/00-1ª, TODOS IN WWW.DGSI.PT .

(AC. STJ DE 18.12.07, PROC. 07A4305 E AC. REL. LISBOA DE 22.5.2007, PROC. 297/2007-7, AMBOS IN WWW.DGSI.PT).

ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:
-DE 23.03.2004 E DE 31.05.2005 IN RESPECTIVAMENTE CJ, ANO XXIX, TOMO II, P. 22 E ANO XXX, TOMO III, P. 5;
-DE 14 DE DEZEMBRO DE 2006, CJ, ANO XXXI, TOMO V, P.113.
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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
-DE 19.12.75, INSERTO IN BMJ N.º 254, P. 237;
-DE 22.5.2007, PROCESSO N.º 297/2007-7, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 9.02.2012, PROCESSO N.º 960/07.0YXLSB.L1-2, EM WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - As nulidades referidas na al. c) do n.º 1 do art. 668.º do CPC – excesso e omissão de pronúncia – estão relacionadas com o comando fixado no n.º 2 do art. 660.º do mesmo código: o juiz deve conhecer apenas de questões suscitadas pelas partes e ainda de outras que sejam de conhecimento oficioso.

II - Não deve confundir-se questões a decidir com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes: a estes não tem o tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que directamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido.

III - O STJ só pode conhecer do juízo de prova sobre a matéria de facto, formado pela Relação, quando esta deu como provado um facto sem a produção da prova considerada indispensável, por força da lei, para demonstrar a sua existência, ou quando ocorrer desrespeito das normas reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos no nosso ordenamento jurídico.

IV - Tem particular relevo no domínio do direito comercial, justificada na tutela do dano de confiança do terceiro de boa fé (tomador do seguro), a relação designada por “representação aparente”, em que um sujeito (segurador) desconhece, mas com o devido cuidado teria podido conhecer, que outrem (mediador) pratique actos como seu representante.

V - Nesse caso, ainda que se entenda que o acto não produz efeitos na esfera jurídica do representado (segurador), este será, sempre, responsável, perante o terceiro lesado (tomador do seguro), pelo dano de confiança causado pelo acto do representante aparente (mediador).

VI - Se o tomador do seguro, dada a relação continuada com o mediador, confiou legitimamente na celebração e manutenção em vigor dos contratos de seguro, e se a seguradora agiu negligentemente, por, além do mais, ter indagado junto do mediador da falta de pagamento dos prémios apenas decorrido mais de um ano depois do respectivo vencimento, impõe-se considerar vigentes, ao momento do “sinistro”, os contratos de seguro celebrados, sendo a seguradora responsável pela indemnização peticionada.
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 4739/03.0TVLSB.L2.S1[1]

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. 1. "AA (Sociedade Unipessoal), L.da”, intentou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra BB, S.A. (actualmente denominada “CC, SA.” e DD – ..., L.da, pedindo a condenação da 1.ª Ré a pagar-lhe a quantia de € 1.705.888,80, acrescida de juros de mora vencidos, à taxa de 12%, que computou em € 32.528,73, e ainda dos vincendos até integral pagamento, bem como todos os custos com a sociedade "EE" e os demais custos suportados pela Autora derivados dos factos em causa, incluindo os honorários de advogados, tudo a liquidar ulteriormente.

Subsidiariamente, pediu a condenação da 2.ª Ré no pagamento das mesmas quantias.

Para tanto alegou, em síntese:

Adquiriu, em Julho de 2001, três embarcações.

Celebrou com a 1.ª Ré, através da 2.ª Ré, três contratos de seguro, titulados pelas apólices n.os …, … e …; em 11 de Março de 2003 para cobertura dos riscos e responsabilidade relativa à respectiva utilização.

A A. apresentou participação do sinistro a dar conhecimento do furto das embarcações, ocorrido no dia 4.03.2003, em França, a qual foi endereçada à 1.ª Ré ao cuidado da 2.ª.

A Autora fez despesas com a contratação de uma sociedade com vista à recuperação das ditas embarcações, e, em 19.03.2003, veio a ser informada que não havia contratos de seguro em vigor.

Citadas, as rés contestaram.

A 1.ª Ré pugnou pela improcedência da acção, invocando que não existe qualquer relação de domínio ou de grupo entre as rés, nem a 2.ª Ré a representa e ainda que a Autora não pagara os prémios devidos, cujo valor jamais recebeu, tendo os contratos, por isso, ficado automaticamente resolvidos a partir de 13.09.2001, 27.10.2001 e 10.11.2001, respectivamente.

A 2.ª Ré, por seu turno, invocou que o contrato de seguro já fora anulado a pedido da autora e, quando esta lhe pediu a sua prorrogação, tal pedido foi por si remetido à 1.ª Ré, mas avisou a Autora de que se trataria da celebração dum novo contrato.

Terminou pedindo, igualmente, a improcedência da acção.

A Autora replicou, rebatendo os argumentos das Rés, e reiterando o pedido.

Pediu ainda a condenação da 2.ª Ré como litigante de má-fé, face à "excepção" que invocou na contestação.

Proferido o despacho saneador, seleccionada a matéria de facto assente e elaborada a base instrutória, na sequência de reclamações, parcialmente deferidas, o processo correu os seus normais termos, acabando a acção por vir a ser julgada improcedente e as rés absolvidas do pedido, basicamente com fundamento na falta de prova do sinistro – o furto das embarcações.

Interposto recurso pela autora, este Tribunal, por acórdão proferido no dia 24.11.2009, anulou a sentença e determinou a ampliação da base instrutória com o aditamento de um quesito, a que foi atribuído o n.º 84 (fls. 944 a 983).

Aditado o referido quesito e realizada nova audiência de discussão e julgamento, foi proferida decisão, julgando não provado o quesito aditado (fls.1030-1033).

E foi proferida nova sentença, com data de 24.08.2011, a julgar a acção improcedente e a absolver as rés do pedido (fls. 1037 e seguintes).

Terminado o período de férias, logo no dia 2 de Setembro de 2011, a autora, sem invocar qualquer justificação, requereu a junção aos autos de uma fotocópia meramente particular de uma pretensa sentença, aliás incompleta, do Tribunal de Draguignan – Juízos Correccionais – da República Francesa, proferida no dia 24.11.2009, acompanhada da respectiva tradução, relativa à condenação de dois cidadãos, nascidos na Lituânia, um pela autoria de dois crimes de furto de duas embarcações, sendo uma delas a Azimut 68 (TT ...) da sociedade Lucchesi, e o outro de dois crimes de receptação das mesmas embarcações.

A ré seguradora, para além de impugnar o documento, incluindo a letra, assinatura e autoria, pronunciou-se no sentido da sua não admissibilidade, por ter sido extemporaneamente apresentado e ser irrelevante.

Posteriormente, dizendo-se uma vez mais inconformada, apelou a autora, recurso que foi admitido como apelação, tendo a 1.ª Instância deixado para este Tribunal a oportuna ponderação da admissibilidade ou não do documento antes apresentado.

A Relação, decidiu preliminarmente ser extemporânea a junção aos autos do documento que foi pretendido juntar pela A. e, a final, na parcial procedência do recurso veio a decidir conceder-lhe provimento, com excepção do segmento da condenação da 2.ª ré como litigante de má-fé, revogar a sentença recorrida, julgar a acção procedente no que toca ao pedido principal e, consequentemente, condenar a 1.ª ré, agora denominada CC, SA, a indemnizar a autora pelo danos derivados directamente do “sinistro”, bem como pelos custos com a sociedade "EE", tudo a liquidar ulteriormente e, obviamente, até ao limite contratado.

Desta decisão recorre a 1.ª R. de revista, para este STJ.

A Ré Seguradora conclui, deste modo, as suas alegações:

1. Ao alterar a resposta ao quesito 84 da Base Instrutória, considerando ter ficado provada a ocorrência do furto das embarcações “sub judice” o douto acórdão recorrido, com a fundamentação supra-exposta, é nulo, com todas as consequências legais, nos termos do disposto nas al.s c) e d) do art.º 668 do Código de Processo Civil (artº 615.º do Novo Código de Processo Civil);

2. Foi a A. quem, por sua alta recriação, e sem que tal lhe tenha sido dito ou sugerido pela Ré seguradora, escolheu e credenciou a 2.ª ré DD para intermediar os contratos de seguro que nos autos se discutem;

3. A Ré ora recorrente enviou à A directamente, em Julho de 2001, quer as condições dos contratos de seguro, quer as facturas/recibo para pagamento dos prémios correspondentes ao primeiro período para a vigência dos ditos contratos (docs 7-A, 7-B e 7-C juntos com a p.i.);

4. Nessas facturas/recibo não era feita qualquer referência à Segunda Ré DD, e muito menos a de que a A. poderia pagar os prémios de seguro “através” desta;

5. Sem embargo, a A. decidiu por si, entregar os meios de pagamento de tais prémios à DD, por cheque emitido à ordem desta e não à ordem da ré Seguradora (cfr. doc. 9 junto com a p.i.);

6. A ré seguradora nunca recebeu tais prémios, pelo que os contratos de seguro se resolveram automaticamente nos termos do disposto nos artºs 2º e 6º do Decreto-Lei nº 142/2000

7. Nunca a A. solicitou à Ré ora Recorrente, fosse por si, fosse por intermédio da DD, a emissão de recibos para cobertura de uma segunda anuidade, com início no término da 1ª e com termo em momento que pudesse abranger a data em que é dito ter ocorrido o pretenso furto das embarcações;

8. A A. não pagou até 12 de Dezembro de 2002, data limite para tal efeito, sob pena de resolução do contrato de seguro, o recibo … que, a 7 de Novembro de 2002, a Ré lhe enviou e por ela foi recebido nos seus escritórios no Funchal (al. U) dos Factos Assentes).

9. Tal recibo só foi pago a 27.1.2003, por consequência já depois de novamente resolvido o contrato que a ré havia aceite repristinar e suspender tal como lhe tinha sido solicitado pela DD (al. X dos Factos Assentes).

10. Aliás tal recibo foi considerado normal pela A. que o pagou, tardiamente embora, mas sem que nada do seu conteúdo lhe tivesse oferecido qualquer dúvida que sempre poderia ter esclarecido se tivesse contactado a Ré seguradora, o que nunca aconteceu (v. al. V) dos Factos assentes).

11. À data de participação do pretenso sinistro não existia em vigor qualquer contrato de seguro que vinculasse a Ré ora recorrente, relativo a riscos inerentes à existência e navegabilidade das embarcações "sub-judice", sendo também certo que a partir de 12 de Dezembro de 2002 (data da resolução do contrato por não atempado pagamento do recibo … que a 7 de Novembro de 2002) entre a Ré Seguradora ora recorrente e a A. não foi celebrado qualquer outro contrato de seguro relativo às embarcações alegadamente furtadas (cfr. al. Z) dos Factos Assentes e resposta ao quesito 74 da Base Instrutória);

12. O comportamento da A. em todas as vicissitudes contratuais, quer as relacionadas com a emissão das apólices relativas às mencionadas embarcações, quer as relativas ao pagamento da facturas/recibo dos prémios, nunca foi de molde a contribuir para fundar a confiança da A. na 2ª Ré em termos de aquela poder razoavelmente convencer-se que os actos que celebrava "através" dessa 2ª Ré se firmavam como se os realizasse directamente com a Ré ora Recorrente, pois que tal comportamento consistiu sempre e a respeito de tais vicissitudes contratuais, num contacto directo da Ré Seguradora com a A., e não por intermédio ou "através" da mediadora DD;

13. O comportamento negocial da Ré ora Recorrente pautou-se ao longo de todas as vicissitudes por que a vida (e morte) dos contratos de seguro passaram, por total transparência e apego à boa-fé;

14. Ao assim não ter entendido, e, em consequência, ao ter considerado os contratos de seguro em vigor à data da comunicação do pretenso sinistro, e inválida a resolução dos mesmos, por falta de pagamento dos vários recibos de prémio que a Ré Seguradora emitiu e directamente enviou à A. a douta decisão recorrida, para além de não dispor de suporte fáctico para tal conclusão, violou o disposto nos art°s 2 e 6 do Decreto-Lei nº 142/2000 e os artºs 762 nº 1, 769 e 770 "a contrario" do Código Civil;

15. A douta decisão recorrida deve ser substituída por outra que, julgando demonstrada e válida a resolução dos contratos de seguro e a sua não vigência à data do pretenso furto das embarcações, e, por consequência, procedente a presente revista, faça a costumada JUSTIÇA!

Houve contralegações, sustentando a bondade do decidido.

A Relação pronunciou-se sobre as nulidades, entendendo não se verificarem.

II. Fundamentação

De Facto

II.A. São os seguintes os factos dados como provados na 1.ª instância, que a Relação manteve, à excepção da resposta ao facto 84:

 1) Em Julho de 2001 a Autora adquiriu para o exercício da respectiva actividade comercial de aluguer/frete de embarcações de recreio, as seguintes embarcações:

a) "TT …", marca … 68 PLUS, construído pelos estaleiros da … em 2001, com o número …, com dois motores marca … diesel, tipo …, de 1150HP cada um, número de série … (EB) e … (EB), registado no Registo Internacional de Navios da Zona Franca da Madeira, sob o número …, …;

b) "...", Tender, modelo Project …, construído em 2001, com o número de casco …, registado junto da Delegação Marítima de Quarteira, Portugal, sob o número …; e

e) "S... 1", Jet Ski Sea Doo, modelo Bombardier …, construído em 2000, com o número de casco …., registado junto da Delegação Marítima de Quarteira, Portugal, sob o número …. (A)

2) Para cobertura dos riscos e responsabilidades relativamente à utilização das embarcações de recreio acima identificadas, a Autora contratou, também em Julho de 2001, e pelo período de um ano e seguintes, com início, em 17/07/2001 quanto à embarcação referida no ponto 1/a) e em 10/08/2001 para as outras duas embarcações, as seguintes apólices de seguro "FF", respectivamente:

– Apólice n.° …;

– Apólice n.° …;

– Apólice n.° … (B).

3) Os contratos de seguros foram efectuados através da "DD …", na pessoa do Senhor GG, gerente da 2ª Ré (C).

4) No que respeita à contratação das apólices de seguro relativas às embarcações referidas no ponto 1, nas alíneas b) e c) foram remetidos pelos advogados da Autora à "DD", através de fax de 09/08/01, documentos provisórios de registo das embarcações (D).

5) Foi solicitado, no referido fax de 09/08/01, que o início de vigência daquelas apólices estivesse assegurado a partir das 12H00m de 10/08/01 (E)

6) A 1ª Ré emitiu, em 10/08/2001, as declarações provisórias de seguro relativamente às embarcações identificadas no ponto 1. e remeteu-as à Autora (F).

7) As apólices n.°s … e …, respeitantes às embarcações identificadas no ponto 1, alíneas b) e c), foram emitidas em 06/09/01, com início retroagido a 10/08/01 (alínea G).

8) As apólices identificadas no ponto 2 deram origem, respectivamente, à emissão das seguintes facturas/recibos para pagamento de prémios no valor global de 13.784,31 €:

– factura/recibo n.° …, emitida em 14/08/01, no montante de 13.163,26 €;

– factura/recibo n.° …, emitida em 23/08/01, no montante de 261,08 €;

– factura/recibo n.° …, emitida em 06/09/01, no montante de 359,97 € (H).

9) A Ré "BB" remeteu à Ré "DD", em 10/09/01, um fax contendo indicação dos recibos identificados no ponto 8., pedindo o respectivo pagamento (quesito 1º).

9-A) Na noite de 3 para 4 de Março de 2003, na marina antiga de Saint Tropez, França, as embarcações "TT …", "..." e "S... 1", que aí se encontravam, foram furtadas por desconhecidos (quesito 84.º).

10) Em 11/03/03 a Autora apresentou participação de sinistro – conforme fotocópia junta a fls. 66 a 79, cujo teor aqui se dá por reproduzido – na qual se dá conhecimento da ocorrência, em 04/03/03, do furto das embarcações de recreio, objecto das apólices referidas no ponto 2., em Saint Tropez, França, participação essa que foi endereçada à 1ª Ré, "BB", ao cuidado da 2ª Ré, “DD" (J).

11) A "DD – ..., Lda." é uma sociedade por quotas que, atento o seu objecto social, se dedica à actividade de mediação de seguros (L).

12) Emitidas as atinentes apólices, a 1ª Ré remeteu directamente à Autora os documentos escritos que as corporizavam (N).

13) Com o envio das apólices que emitiu, a Ré também emitiu as facturas mencionadas no ponto 8, relativas à cobrança dos prémios atinentes à primeira anuidade do contrato, isto é, a iniciada a 17/07/2001 para o "TT …" e a 10/08/2001 para as duas embarcações acessórias e enviou-as directamente à Autora, para a Avenida … nº …, …º …, em Lisboa, onde foram recebidas (O).

14) Delas consta que "a falta de pagamento no prazo legal implica a constituição em mora e a resolução do contrato (a 13/09/2001, 27/10/2001 e 10/11/2001, respectivamente, de acordo com o Dec-Lei n.° 142/2000 de 15 de Julho), sem necessidade de qualquer outro aviso adicional" (P).

15) A 1ª Ré considerou resolvidos por falta de pagamento de prémio os contratos de seguro em causa, a partir de 13/09/01, 27/10/01 e 10/11/01, sem possibilidade de os vir a repor em vigor (Q).

16) Em 27/01/03 a Autora procedeu ao pagamento do Aviso de Cobrança (Factura/Recibo n.º …), emitido em 01/11/02, no montante de 4.283,48 €, relativo à apólice n.º … (S).

17) A Autora escolheu e credenciou a Ré DD para colocar os seus seguros (T).

18) A BB Seguros emitiu nova factura – a factura recibo … (referente à vigência da apólice …, relativa ao TT ...", por um período de 22 dias, compreendido entre 17/07/01 e 08/08/01) que enviou directamente à Autora, a 07/11/2002, e esta recebeu antes de 26/11/2002 no Ed. ……, …, n.° …, …º Funchal (H).

19) Recebida pela Autora a dita factura/recibo ... nada no conteúdo ofereceu dúvida à Autora (V).

20) E pagou-a por transferência bancária, em 27/01/03 (X).

21) Nos termos da dita factura/recibo, recebida pela Autora, e cuja cópia foi junta aos autos a fls. 61, a falta de pagamento até 12/12/02 implicava a resolução do contrato (bem como dos contratos acessórios), sem possibilidade de o mesmo poder ser reposto em vigor (Z).

21-A) E constava ainda, para além do mais, que a tomadora do seguro poderia regularizar o pagamento “recorrendo a uma das seguintes modalidades:

– Através da rede de caixas automáticas de Multibanco;

– Em qualquer estação dos CTT (…);

– Por envio de cheque à ordem da BB (…);

– Através do Agente DD …  LDA, Rua …  …, … LISBOA” (doc. fls. 61).

22) Para pagamento do montante referido nos pontos 8. e 9. foi remetido pela Autora à 2ª Ré cheque n.° ..., sacado sobre a HH (II), em 14/09/01, no valor de 2.763.505$00/13.784,31 € (AA).

23) O cheque referido no ponto 22 foi devidamente pago (BB).

24) A 2ª Ré informou a Autora que os contratos eram anuais e não renováveis automaticamente (quesito 3º).

25) A 2ª Ré informou a Autora que a renovação anual decorria do facto de se tratar de seguros especiais e da necessidade de actualizar os valores comerciais das embarcações seguras (quesito 4º).

26) Tendo a Autora ficado convicta deste facto (quesito 5º).

27) Em 17/07/2002, a pedido da 2ª Ré, a Autora remeteu a esta um fax em que se solicita a renovação dos contratos de seguro para as 3 embarcações, remetendo cópias dos respectivos documentos de registo e indicando os valores actualizados das mesmas (quesito 6º).

28) Na mesma data a 2ª Ré emitiu uma declaração confirmando que se encontravam em fase de emissão pela 1ª Ré os "continuados" das embarcações em causa (quesito 7º).

29) Esta declaração veio, assim, fundar a convicção da Autora de que os contratos estavam válidos e vigentes (quesito 8º).

30) Em finais de 2002, a Autora, no âmbito da sua actividade comercial, decidiu proceder à alienação das embarcações referidas no ponto 1. (quesito 10º).

31) E negociou a aquisição de um novo barco de recreio cuja construção encomendou ao estaleiro italiano C... (quesito 11º).

32) Tendo em vista as negociações para a venda das embarcações de recreio em causa, a Autora deu instruções telefónicas à 2ª Ré no sentido de que as apólices referidas no ponto 2º deviam cessar a sua vigência na data prevista para a entrega das mesmas, ou seja, 31/01/03 (quesito 12º).

33) Tal instrução foi aceite e confirmada pelo referido gerente da 2ª Ré (quesito 13º.

34) Tendo ocorrido um atraso no processo negocial relativo à venda das embarcações a 2ª Ré foi instruída no sentido de assegurar a vigência das apólices por período não inferior a 30 dias (quesito 14º).

35) Tal instrução foi aceite e confirmada pelo gerente da 2ª Ré (quesito 15º).

36) Em 27/02/03 a Autora deu instruções à 2ª Ré para prorrogar, até ao final de Março de 2003, a vigência das apólices uma vez que naquela data ainda não se encontrava concluído o processo negocial e havia a necessidade de as embarcações navegarem de Saint Tropez, França, para Roma, Itália (local da entrega respectiva) (quesito 16º).

37) Tal instrução foi aceite e confirmada pelo gerente da 2ª Ré que, no entanto, solicitou confirmação escrita das referidas instruções (quesito 17º).

38) Em 03/03/03 a Autora, através do Sr. Dr. JJ, confirmou, por fax, a instrução dada para a prorrogação das apólices até ao final de Março de 2003 (quesito 18º).

39) Em 06/03/03, a 2ª Ré remeteu à Autora um fax, datado de 04/03/03, confirmando a recepção das instruções que lhe haviam sido transmitidas, respectivamente, em 27/02/03 e 03/03/03 e informando que foi dado o "devido andamento ao processo, junto da Companhia de Seguros BB" (quesito 19º).

40) Entre a data da ocorrência referida no ponto 10. e a data da participação do sinistro, a Autora contratou os serviços de uma empresa especializada de grande prestígio – EE – a fim de iniciar procedimentos imediatos de busca e obtenção de informações tendentes à recuperação das embarcações (quesito 20º).

41) Isto porque, a polícia francesa havia informado que as possibilidades de recuperação das embarcações eram grandes se fossem tomadas medidas de carácter urgente (quesito 21º).

42) E porque a intervenção das Companhias de Seguros nem sempre se pauta, nestes casos, pela celeridade necessária às investigações para recuperação dos objectos de furtos (quesito 22º).

43) A Autora tem suportado, desde a contratação da referida sociedade EE até à presente data, todos os honorários profissionais e despesas daquela entidade (quesito 23º.

44) Em 17/03/03 foi remetido à 2ª Ré um fax actualizando as informações disponíveis sobre o sinistro e juntando documentos comprovativos de que a embarcação foi avistada em Malta por um revendedor autorizado da respectiva marca (A…) (quesito 24º).

45) No mesmo fax chamou-se à atenção para a necessidade de uma intervenção urgente da 1ª Ré no processo, designadamente para o estabelecimento de cooperação com as autoridades policiais e a referida empresa especializada (EE) (quesito 25º).

46) A Autora efectuou inúmeros contactos telefónicos com o gerente da 2ª Ré no sentido de apurar as diligências empreendidas pela 1ª Ré na sequência da participação do sinistro (quesito 26º).

47) O gerente da 2ª Ré informou, sucessivamente, que o processo se encontrava pendente de análise da Direcção da 1ª Ré (quesito 27º).

48) Inconformada com a ausência de informações concretas sobre o processo e dadas as diligências em curso com vista à recuperação das embarcações a Autora entendeu ser necessário um contacto urgente e directo com a 1ª Ré, "BB" (quesito 28º).

49) A Autora veio, então, a ser confrontada pela 1ª Ré com a alegação de não existirem contratos de seguro em vigor relativamente às embarcações propriedade da Autora (quesito 29º).

50) A Autora foi, ainda, confrontada com a existência de um fax, com data de 08/08/01, alegadamente remetido pela 1ª Ré à 2ª Ré, em 22/07/02, o qual teria ordenado a suspensão dos referidos contratos – cfr. cópia de fls. 85 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (quesito 30º).

51) E ao abrigo do qual a Autora alegou ter procedido ao cancelamento da apólice n.º …, respeitante ao barco "TT ..." (quesito 31º).

52) O fax referido no ponto 50. não foi elaborado, assinado, nem remetido pelo escritório de advogados da Autora, tendo sido grosseiramente falsificado noutro local que não aquele escritório (quesito 32º).

53) A falsificação do documento em causa deu origem a uma queixa-crime apresentada junto do DIAP, em 21/04/03, e que actualmente se encontra em fase de inquérito (quesito 33º).

54) O mesmo fax não identifica:

a) A tomadora do seguro, ou seja, a Autora;

b) O número das apólices de seguro a suspender;

c) Os nomes, registos, marcas e modelos ou quaisquer outros elementos das embarcações objecto dos contratos de seguro (quesito 34º).

55) A Autora foi informada que a participação mencionada no ponto 10 não dera, até àquela data, entrada nos serviços da 1ª Ré (quesito 35º).

56) A Autora veio a tomar conhecimento, posteriormente, que a participação em causa e o fax datado de 17/03/03 não só têm o carimbo de entrada na BB de 19/03/03, como a entrega dos referidos documentos ocorreu através dum técnico comercial da 1ª Ré, de nome KK (quesito 36º.

57) A Autora foi igualmente informada pela 1ª Ré que esta não se considerava responsável pelo sinistro porque havia falta de pagamento de prémios (quesito 37º).

58) A Autora disponibilizou à 1ª Ré todos os elementos de análise necessários à boa decisão do assunto (quesito 38º).

59) Posteriormente a 1ª Ré acabou por manifestar todo o interesse nas buscas das embarcações, tendo designadamente solicitado à EE/P… informações acerca do desenvolvimento das investigações e dos respectivos preços (quesito 39º).

60) A Autora entregou à 2ª Ré as quantias constantes das facturas referentes às apólices em causa que lhe foram apresentadas (quesito 40º).

61) Nos termos das apólices referidas no ponto 2, a cobertura/indemnização face ao roubo das embarcações é nos seguintes valores:

– 338.110.400$00/1.686.487,56 €, no caso da apólice n.º …;

– 379.520$00/11.868,99 €, no caso da apólice n.º …;

– 1.510.080$00/7.532,25 €, no caso da apólice n.º … (quesito 42°).

62) A 2ª Ré estava apenas autorizada pela 1ª a divulgar aos seus clientes, candidatos a tomadores de seguros, os produtos que a Ré Seguradora, também e meramente como uma das suas clientes, disponibiliza no mercado (quesito 46º).

63) A 2ª Ré não tem qualquer competência ou poder para aceitar a cobertura que o candidato a tomador de seguro propõe (quesito 47º).

64) Limita-se a receber a proposta que o candidato a tomador subscreve e a encaminhá-la para a seguradora (quesito 48º).

65) A qual decidirá se a aceita ou não (quesito 49º).

66) A 2ª Ré, durante a vigência do contrato, não procede à gestão de sinistros, limitando-se a receber a correspondência que o tomador lhe quiser enviar e encaminhá-la para a seguradora (quesito 50º).

67) À 1ª Ré não foram entregues e pagos, nem até ao termo dos prazos referidos no ponto 15., nem sequer até à presente data, seja pela Autora seja pela 2ª Ré, os montantes dos prémios (quesito 51º).

68) A. Autora, quando pagou os ditos prémios à 2ª Ré, não informou a 1ª Ré de tal pagamento (quesito 52º).

69) Também a 2ª Ré, se recebeu os montantes destinados ao pagamento dos mencionados prémios, nada disse à 1ª Ré nem a esta nunca, até à presente data, deles prestou contas (quesito 53º).

70) A partir de tais datas e pelo menos até 17/07/2002 nunca mais à 1ª Ré foi feita qualquer comunicação relativamente a tais contratos, seja por parte da Autora, seja por parte da 2ª Ré (quesito 54º).

71) Em consequência do facto de haver os contratos de seguro por resolvidos, a 1ª Ré nada fez quando, a 17/07/2002, terminou o prazo do que seria a primeira anuidade do contrato (se o mesmo estivesse em vigor) (quesito 55º).

72) Não emitiu, nos 30 dias anteriores ao termo de tal prazo o aviso para pagamento do prémio devido para a anuidade que então começaria a 18/07/02 (quesito 56º).

73) Foi então que a 1ª Ré, que tinha custeado o resseguro da primeira anuidade do contrato, apesar de não ter recebido qualquer prémio, se preparou para cobrar pelo menos a parte deste a que tinha direito atento o facto de as apólices terem vigorado desde a data do respectivo início, pelo menos até à das resoluções (quesito 57º).

74) Para o efeito, a 1ª Ré contactou a 2ª Ré "DD" em meados/fins de Julho de 2002 (quesito 58º).

75) Tendo o gerente da 2ª Ré então dito à 1ª Ré que a tomadora do seguro tinha pedido em Agosto ou Setembro de 2001 a suspensão do contrato de seguro relativo ao "TT ..." (quesito 59°).

76) Alegadamente porque a mencionada embarcação tinha sido devolvida pela Autora à procedência, por aparentar defeitos de construção (quesito 60°).

77) Mais referiu a 2.ª Ré à 1.ª Ré (e não A. como, por lapso se refere) que tal pedido de suspensão da apólice tinha sido efectuado por fax enviado directamente pela Autora à 2ª Ré (quesito 61º).

78) Questionada então a gerência da "DD" por que motivo não havia sido enviado o pedido de suspensão do contrato de seguro constante do dito fax à 1ª Ré, logo que o recebeu, foi então referido que assim iria proceder de imediato (quesito 62º).

79) Algum tempo depois, a 2ª Ré enviou à 1ª Ré o fax que disse ter recebido da Autora (quesito 63º).

80) No fax expedido pelo Exmo. Mandatário da Autora, em tudo semelhante a outras correspondências desta recebidas, constava expressamente que "conforme conversa havida informamos que o barco regressou ao estaleiro por deficiência técnica pelo que solicitamos a suspensão do contrato, até o mesmo se encontrar nas devidas condições de navegabilidade. Tão logo que esta situação se encontre regularizada, comunicaremos o reinício do contrato" (quesito 64º).

81) Face ao teor deste fax, datado de 08/08/01, pareceu natural à 1ª Ré que a Autora, tendo devolvido a embarcação ao anterior proprietário e tendo pedido a suspensão do seguro, não tivesse pago qualquer prémio (quesito 65º).

82) Por isso a Ré reconsiderou a resolução do contrato de seguro, pois tardiamente veio a saber que a pretensão da Autora era a de suspender a garantia de seguro e não a de não pagar os atinentes prémios relativos à primeira anuidade (quesito 66º).

83) Em conformidade com tal entendimento, e visto que afinal o contrato de seguro haveria de ser havido como suspenso a partir de 08/08/2001, a 1ª Ré deu sem efeito na sua contabilidade as facturas n.°s …, … e …, referentes aos prémios da 1ª, anuidade, as quais foram consideradas "a não cobrar" (quesito 67º).

84) Simultaneamente, a 1ª Ré enviou cópia da dita factura à 2ª Ré (quesito 69º).

85) Tendo o gerente da "DD" referido aos colaboradores da 1ª Ré, a 26/11/2002, que a Autora iria pagar o respectivo prémio indicado nessa factura (quesito 70º).

86) A partir de tal data, entre a 1ª Ré e a Autora não foi celebrado qualquer outro contrato de seguro relativo às embarcações alegadamente furtadas (quesito 74º).

87) A Autora deu instruções rigorosas às entidades por si contratadas para averiguação do sinistro, circunstâncias em que o mesmo terá ocorrido e localização das embarcações, para não facultarem qualquer informação a terceiros, nomeadamente à 1ª Ré (quesito 75º).

88) A qual assim ficou impossibilitada de saber se as embarcações foram efectivamente furtadas (quesito 76º).

89) Ou se, tendo-o sido, foram posteriormente localizadas e recuperadas pela Autora (quesito 77°).

90) A Ré aceitou as propostas de seguro relativas às três embarcações, as quais ficaram por isso garantidas ao abrigo das apólices LL nos termos e com as limitações referidas nos respectivos textos contratuais e cfr. Condições gerais juntas a fls. 144 a 167 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (quesito 82º.

II.B. De Direito

II.B.1. – Nos termos dos artigos 684.º e 690.º do Código de Processo Civil a delimitação objectiva do recurso é feita pelas conclusões da alegação do recorrente, sendo certo que o recurso não se destina a obter, do tribunal “ad quem”, decisões sobre “questões novas”, salvo as de conhecimento oficioso e que não tenham sido já decididas.

São suscitadas as seguintes questões:

a) Nulidades do acórdão (artigo 668.º, n.º 1, als. c e d) do CPC);

b) Poderes do STJ relativamente à reapreciação da matéria de facto;

c) Violação dos comandos dos artigos 2.º e 6.º do DL 142/2000 e 762.º, n.º 1, 769.º e 770.º, a contrario, todos do Código Civil.

II.B.2 – Nulidades do acórdão

Não se nos afigura merecedora de grande elaboração a resposta a esta arguição.

Só ocorre a nulidade do artigo 668.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, quando os fundamentos invocados devessem logicamente conduzir a uma decisão diferente da que a sentença ou acórdão expressa (ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, vol. 5.º p. 141 e ANTUNES VARELA, Manual de Processo Civil, 1.ª Edição, p. 167).

Ou seja, os fundamentos de facto e de direito do acórdão devem ser logicamente harmónicos com a pertinente conclusão ou decisão, como corolário do princípio de que o acórdão deve ser fundamentado de facto e de direito, e que tal harmonia não ocorre quando houver contradição entre esses fundamentos e a decisão que neles assenta.

Porém, uma coisa é a contradição lógica entre fundamentos e decisão e outra, essencialmente diversa, é o erro de interpretação dos factos ou do direito ou na aplicação deste, embora, por vezes, se confundam (v., por todos, o ac. do STJ de 30 de Setembro de 2004, proc. 04B2894, in www.dgsi.pt/jstj).

Quanto às nulidades referidas na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC estão relacionadas com o comando fixado no n.º 2 do artigo 660.º do mesmo código (o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras).

Refere-se o excesso de pronúncia ao conhecimento de questões não suscitadas pelas partes e que não sejam de conhecimento oficioso e a omissão, ao não conhecimento das questões suscitadas ou de conhecimento oficioso.

Podem suscitar-se dificuldades em fixar o exacto conteúdo das questões a resolver que devem ser apreciadas pelo juiz na decisão. Existe, porém, acentuado consenso no entendimento de que "não devem confundir-se questões a decidir com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes: a estes não tem o tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que directamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido".

Saliente-se, antes de mais, que questão a resolver, para os efeitos do artigo 660.º do C.Proc.Civil, é coisa diferente de questão jurídica (v.g., determinação de qual a norma legal aplicável e qual a sua correcta interpretação que, como fundamento ou argumento de direito, pudesse – ou até devesse – ser analisada no âmbito da apreciação da questão a resolver).

A melhor resolução da questão a resolver deveria, porventura, levar à apreciação de várias questões jurídicas, utilizadas como argumentos e fundamento da decisão sobre a questão decidenda. Se o juiz, porém, não apreciar todas essas questões jurídicas e não invocar todos os argumentos de direito, que cabiam na melhor, mais completa ou exaustiva fundamentação, mas vier a proferir decisão, favorável ou desfavorável à parte, sobre a questão a resolver, haverá deficiência ou incompletude de fundamentação, mas não omissão de pronúncia.

Seguindo os ensinamentos do Prof. ALBERTO DOS REIS, a propósito do critério de reconhecimento do que se deve entender por questão a resolver, as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado. Para tanto, o Juiz deve conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer. Por isso, a circunstância de não considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado não constituirá nulidade.

Cabe dizer que, do que se deixa dito e até da norma invocada, resulta patente que não se pode aplicar este preceito à decisão da matéria de facto e respectiva fundamentação.

Como afirma FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA in Manual dos Recursos em Processo Civil, 6.º ed, Almedina, Coimbra, p. 16: “Nos arts. 658.º e segs., a palavra sentença é empregue em sentido restrito, abrangendo somente a peça escrita que, em seguida ao julgamento da matéria de facto pelo tribunal colectivo e da discussão do aspecto jurídico da causa, o presidente daquele tribunal tem de proferir no processo ordinário para resolver a causa.”

Isto mesmo tem vindo a ser decidido na jurisprudência, como a título de exemplo no acórdão da Relação de Lisboa de 19.12.75, inserto in BMJ n.º 254, p. 237,em cujo sumário se afirma: “O art. 668.º do Cód. Proc. Civil não se aplica ao julgamento da matéria de facto; reporta-se exclusivamente às causas de nulidade da sentença, uma das quais consiste na falta de fundamentação, de facto e de direito, que justificam a decisão.”

Na decisão da matéria de facto podem ser cometidas outras nulidades, designadamente a do artigo 201.º do CPC ou serem cometidos erros na apreciação da prova.

Porém, como é sabido, são exíguos os poderes do STJ neste domínio.

A alteração pela Relação da decisão da 1.ª instância sobre matéria de facto é uma faculdade prevista no artigo 712.º, n.º 1, do CPC.

A Relação fez uso, no presente processo, da referida faculdade.

As decisões da Relação previstas no artigo 712.º do CPC não admitem recurso, ex vi do disposto no n.º 6 do citado artigo, aditado pelo Decreto-Lei n.º 375-A/99, de 20 de Setembro.

Antes, porém, desta alteração legislativa já a jurisprudência se formara no mesmo sentido, pelo que o n.º 6 do artigo 712.º mais não representa que a consagração, em letra de lei, da doutrina já maioritariamente seguida nos tribunais (cf. Acórdão deste STJ de 3 de Julho de 2003, Revista n.º 4730/02-2ª Secção, in Sumários dos Acórdãos de Julho/Setembro de 2003, Gabinete dos Juízes Assessores, p. 28).

Compreende-se que assim seja.

Na verdade, é às instâncias que compete a fixação da matéria de facto, cabendo ao Supremo aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido (cf. artigo 729.º, n.º 1, do CPC).

É certo que este entendimento já não seria o correcto, se tivesse sido desrespeitado, de forma clara, o comando dos artigos 690.º-A e 712.º do CPC, tendo, desse modo, a Relação alterado a matéria de facto, com violação da lei.

Ou seja, o Supremo Tribunal não pode censurar o não uso pela Relação dos poderes de alterar a matéria de facto, mas pode censurar o uso que a Relação deles faça.

Assim, por exemplo, se a Relação, por presunção judicial, dá como provado um facto que não foi alegado nem quesitado, facto esse em oposição com um facto dado como provado por acordo das partes, em violação do disposto nos artigos 664.º, 490.º, n.º 2, 659.º, n.º 3 e 712.º (cf. acórdão de 27 de Setembro de 2005, Revista n.º 1891/05-1.ª, in Sumários, n.º 93, p. 70).

De igual modo, o Supremo pode sindicar qualquer desrespeito dos estritos pressupostos, em que a alteração, pela Relação, da matéria de facto é possível, ao abrigo do artigo 712.º, do CPC.

Neste sentido, é abundante a jurisprudência deste Tribunal, podendo citar-se a título exemplificativo, os acórdãos de 16 de Dezembro de 1999, processo n.º 1022/99, da 1.ª Secção, de 19 de Março de 2002, Processo n.º 299/02, da 7.ª Secção, de 16 de Outubro de 2003, processo n.º 03B2813, de 13 de Novembro de 2003, processo n.º 03B2343 e de 19 de Novembro de 2003, processo n.º 04B1528.

Justifica-se que se transcreva, do acima citado acórdão de 13 de Novembro de 2003, o seguinte trecho:

“Constitui jurisprudência pacífica a de que o Supremo pode exercer censura sobre o uso que a Relação tenha feito dos poderes conferidos pelo art. 712.º do CPC.

Mas isso significa, apenas, que ao Supremo compete verificar – e não também que possa sindicar a apreciação das provas a que a Relação tenha procedido, uma vez que esta actividade respeita ao apuramento da matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias. Actualmente, esta afirmação tem por si a força da lei: do n.º 6 do art. 712.º decorre que a decisão da Relação que exercite os seus poderes de alteração da matéria de facto é insusceptível de recurso. Esta norma, introduzida pelo Dec-Lei 375-A/99, de 20 de Setembro, não é, porém, aplicável aos processos pendentes à data da entrada em vigor daquele diploma.

A este respeito é exemplar, pela sua clareza, a explicação do Prof. Alberto dos Reis, que mantém plena actualidade:

«Com fundamento no n.º 1, a Relação diz: os elementos de prova constantes do processo justificam decisão diversa da que o tribunal colectivo proferiu. O Supremo não pode exercer censura para o efeito de declarar: não é exacto; os elementos do processo não justificam a alteração. Mas pode perfeitamente intervir para observar: a Relação aplicou indevidamente o n.º 1, porque não constam do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão do tribunal colectivo.

A Relação serve-se do n.º 2 para alterar a decisão do tribunal colectivo; o Supremo não pode exercer esta censura: os elementos fornecidos pelo processo não impõem decisão diversa da que o tribunal colectivo emitiu. Mas pode sair ao caminho para considerar: a Relação atribuiu a tal ou tal documento força probatória diversa da que a lei lhe dá.

A Relação altera a decisão do tribunal colectivo com base no n.º 3 do art. 712.º; o Supremo pode apreciar se realmente se verifica o caso do n.º 3 do art. 771.º, isto é, se o documento apresentado é novo e superveniente e se tem a força probatória que a Relação lhe atribui.

Em resumo: uma coisa é a apreciação das provas por parte do tribunal colectivo e da Relação, outra a questão de saber se esta fez uso legal dos n.os 1, 2 e 3 do art. 712.º; a primeira é questão de facto, com a qual nada tem o Supremo; a segunda é questão de direito, em relação à qual é legítima a censura por parte do tribunal de revista» (Código de Processo Civil Anotado, vol. V, 1952, pp. 473/474).

No caso vertente, a Relação entendeu, dando razão ao apelante, que os elementos de prova constantes dos autos podiam e deviam ser reapreciados e dar outra resposta, concretamente ao quesito 84.º

Constata-se que a Ré recorrente não formula qualquer crítica à forma como foi interpretada a referida norma do artigo 712.º.

E também não vislumbramos que a Relação tenha exorbitado dos seus poderes de alteração da matéria de facto, impugnada no recurso de apelação.

Diz-se, por outro lado, no n.º 3 do artigo 722.º do CPC, na redacção aplicável que”[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.”

Importa ainda citar o n.º 2 do artigo 729.º, do mesmo Código, que dispõe:

“A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 2 do artigo 722.º”

Assim, o Supremo Tribunal de Justiça só pode conhecer do juízo de prova sobre a matéria de facto, formado pela Relação, quando esta deu como provado um facto sem a produção da prova considerada indispensável, por força da lei, para demonstrar a sua existência, ou quando ocorrer desrespeito das normas reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos no nosso ordenamento jurídico de origem interna ou de origem externa.

Por isso, excede o âmbito do recurso de revista o erro na apreciação das provas e a consequente fixação dos factos materiais da causa, isto é, a decisão da matéria de facto baseada nos meios de prova produzidos que sejam livremente apreciáveis pelo julgador.

Ora, relativamente ao virtual erro da Relação na apreciação das provas e na consequente fixação dos factos materiais da causa contido nas conclusões de recurso, ele inexiste.

De facto, não se controverte o valor de documentos autênticos.

Mesmo a força probatória material destes restringe-se, nos termos do artigo 371.º, n.º 1, do Código Civil, aos factos praticados ou percepcionados pela autoridade ou oficial público que emanam dos documentos, já não abarcando, porém, a sinceridade, a veracidade e a validade das declarações emitidas pelas partes perante essa mesma autoridade ou oficial público (Embora corresponda a jurisprudência uniforme, referem-se, a título meramente exemplificativo, os Acórdãos do STJ de 3.2.05, proc. 4500/04-2ª, de 25.3.04, proc. 370/04-2ª, de 9.5.02, proc. 1342/02-2ª e de 20.06.00, proc. 447/00-1ª, todos in www.dgsi.pt).

De qualquer modo, nada há nos autos a impor uma prova vinculativa, pelo que o decidido, apreciado segundo a livre apreciação do julgador (artigo 655.º do CPC), não merece reparo.

Se é patente que não se está perante uma situação de “ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto”, também é evidente que não se violaram ou infringiram as disposições que fixam a força probatória dos documentos autênticos.

Por isso, não ocorreu qualquer erro na apreciação das provas ou na fixação dos factos materiais da causa.

II.B.3 – A acção de indemnização funda-se na existência de três contratos de seguro, denominados, segundo a respectiva apólice, “MM”, em que figura como seguradora a aqui 1.ª ré BB Seguros, como tomador do seguro a A. AA L.da, como “Agente/corretor” a 2.ª ré, DD – … L.da, tendo por objecto cada uma das embarcações em causa, destinados a cobrir, até aos limites constantes da apólice, para além do mais aí enunciado, os “Danos na Embarcação” e o “Roubo da Embarcação”.

Furtadas na noite de 3/4 de Março de 2003 e não tendo obtido a correspondente indemnização, a autora intentou esta acção, com vista a ser ressarcida, contra a Seguradora e, subsidiariamente, contra a Mediadora.

As rés vieram, ambas, invocar a inexistência de seguro válido, embora fundadas em razões diferentes.

Deu-se como adquirido no acórdão que, no momento do furto, os contratos inicialmente celebrados e titulados pelas apólices em causa já não vigoravam, por terem sido, logo em 2001, resolvidos pela seguradora, por falta de pagamento pontual dos respectivos prémios.

Essa resolução decorria do art. 2.º, n.º 1, do DL. n.º 142/2000, diploma que regulava, na altura, o regime jurídico do pagamento dos prémios de seguro, que estabelecia que estes deviam “ser pagos, pontualmente, pelo tomador do seguro directamente à empresa de seguros ou a outra entidade por esta expressamente designada para o efeito”.

Dispunha-se ainda no referido diploma:

– que a cobertura dos riscos apenas se verificava a partir do momento do pagamento do prémio ou da fracção inicial, salvo se, por acordo das partes for estabelecida outra data…(art.º 6.º, n.º 1);

– que a empresa de seguros estava obrigada a avisar, por escrito, com uma antecedência de pelo menos 30 dias, o tomador dos seguros para o pagamento dos mesmos (data, valor e forma) e a advertir sobre “as consequências da falta de pagamento do prémio ou fracção, nomeadamente a data a partir da qual o contrato é automaticamente resolvido, nos termos do artigo seguinte” (art.º 7.º) e que

– na falta de pagamento do prémio ou fracção na data indicada no aviso referido no artigo anterior, o tomador de seguro constitui-se em mora e, decorridos que sejam 30 dias após aquela data, o contrato é automaticamente resolvido, sem possibilidade de ser reposto em vigor, sendo que, quando a cobrança for efectuada através de mediadores, estes ficam obrigados a devolver às empresas de seguro os recibos não cobrados dentro do prazo de oito dias subsequentes ao prazo estabelecido no n.º 1, sob pena de incorrerem nas sanções legalmente estabelecidas”.(art.º 8.º, n.os 1 e 3.)

Ou seja, como se afirma no acórdão recorrido, tendo a 1.ª ré enviado à recorrente as apólices dos seguros, as facturas para pagamento dos respectivos prémios, com a advertência da resolução automática dos contratos se aqueles não fossem “pontualmente” pagos, não tendo a mesma recebido o pagamento devido, “formalmente” ficaram os mesmos resolvidos.

Porém, entendeu a Relação que existem outros dados de facto que implicam uma decisão menos formal.

Assim, ficou provado ter a A. efectuado o pagamento das facturas/recibos iniciais, à 2.ª ré, em conjunto, dentro do prazo fixado no que respeita aos contratos de seguro das embarcações secundárias e no 1.º dia depois do respectivo termo no que respeita à embarcação principal, recebendo-os esta, sem qualquer objecção.

Também resulta da matéria provada que a 1.ª ré, para além da advertência feita no acto que apresentou as facturas, nunca comunicou à autora qualquer alteração dos contratos ou a sua resolução, aceitando da 2.ª ré, sem reservas, um posterior pretenso pedido de suspensão do contrato relativo ao barco “TT ...”, anulando as três facturas iniciais e emitindo nova factura relativo ao período em que teria vigorado o contrato principal, inferindo a Relação que não só “a 1ª ré aceitou, de certa forma, a manutenção dos contratos, como fez crer à autora, fundadamente, que os actos jurídicos praticados por ela com a 2.ª ré tinham a sua inteira autorização e validade, já que inclusivamente, o aviso de cobrança com data de 7.11.2002, que se encontra junto a fls. 61 dos autos, embora ao que tudo leva a crer enganada também pela 2.ª ré, referenciava expressamente que a autora poderia utilizar como modo de pagamento dos prémios pedidos, para além de outros – v.g. Multibanco e CTT – “Através do Agente DD Lda, (…) 1170-107 Lisboa”.

Mais resulta que, nesta relação tripartida, sempre a A. esteve convencida da perfeito relacionamento entre a ré e a mediadora e sobre a plena vigência dos contratos de seguro, toda a sua actuação revelando isso mesmo, designadamente ao utilizar os serviços da mediadora, mas recebendo, por vezes, respostas por parte da seguradora, directamente, pagando num caso à mediadora e noutro à seguradora e tratando com toda a normalidade da renovação do seguro, do seu cancelamento a partir de determinada data, da prorrogação do prazo para o referido cancelamento, da comunicação do furto e das diligências para localizar as embarcações furtadas.

Importa ainda salientar que nenhuma inferência seria legítimo extrair do facto de a factura de 7.11.02 ter sido paga fora de prazo, uma vez que a A. estava convencida da plena vigência dos contratos iniciais e se encontrava à espera de receber as facturas/recibos relativas às renovações dos contratos.

Neste contexto imporá averiguar se se justifica responsabilizar a 1.ª Ré pela indemnização peticionada, apesar de tal responsabilidade não resultar das normas dos arts 2.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 142/2000 e 762.º n.º 1, 769.º e 770.º "a contrario" do Código Civil.

Dos factos provados não resulta que o segurador, explicitamente, tenha conferido poderes de representação ao mediador, mediante a outorga de uma procuração (art. 262.º do CC).

Porém, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a entender que essa representação deve ser considerada, mesmo no caso de inexistência de uma procuração.

Seguiremos, doravante, de perto, e por vezes integralmente, o parecer constante dos autos, da autoria do Professor PEDRO ROMANO, por nas suas linhas mestras se nos afigurar a correcta doutrina.

Em primeiro lugar, na situação de ausência de procuração, pode entender-se ocorrer uma representação implícita, resultante da relação existente entre os dois sujeitos.

Ou, que é possível configurar um relação que se pode designar por «representação tolerada».

Nesta, um sujeito (segurador) admite, repetidamente, que outrem (mediador) pratique actos como seu representante.

MENEZES CORDEIRO (Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo IV, Almedina, Coimbra, 2005, p. 103) entende que, na representação tolerada, não há procuração nem os poderes de representação resultam, directamente, de um dado contrato (p. ex., contrato de trabalho, art.º 111.º, n.º 3, do Código do Trabalho), pois trata-se «apenas de um esquema de tutela, por força da confiança, imputada ao "representado", suscitada pela conduta do "representante”»; mas MOTA PINTO (Teoria Geral de Direito Civil, 4.º ed. Revista por PINTO MONTEIRO e PAULO MOTA PINTO, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 551) entende que se «o representado tolera a conduta, dele conhecida, do representante, e essa tolerância, segundo a boa-fé e considerando os usos do tráfico, pode ser interpretada pela contraparte no negócio no sentido de que o representante recebeu procuração do representado para agir por ele», então foram conferidos poderes de representação.

No caso concreto, o segurador conhecia a actuação do mediador e tolerava – porque beneficiava da angariação de negócios – esse modo de actuar. Só assim se percebe, designadamente, que, passado um ano, depois de uma conversa telefónica com o mediador, aceite o reenvio de um fax como justificação para considerar suspensos os contratos de seguro, que deveriam ter-se por resolvidos.

Finalmente, pode ainda falar-se em obrigações decorrentes de uma situação de representação aparente.

No caso de representação aparente, segundo MOTA PINTO, (Teoria Geral de Direito Civil, cit, p. 551) «o representado não conhecia a conduta do representante, mas com o devido cuidado teria podido conhecer e impedir», por outro lado, «a contraparte podia de acordo com a boa-fé compreender a conduta do representante no sentido de que ela não poderia ter ficado escondida do representado com a diligência devida, e que este, portanto, a tolera». A este propósito, MENEZES CORDEIRO (Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo IV, cit, pp. 103 e 106) explica que a procuração aparente assenta num dado objectivo (alguém actua como representante) e num dado subjectivo (negligência do "representado"), esclarecendo que tem particular relevo no domínio do Direito comercial, justificada na tutela do dano de confiança do terceiro de boa-fé.

Em caso de representação aparente, ainda que se entenda que o acto não produz efeitos na esfera jurídica do representado (segurador), este seria, sempre, responsável, perante o terceiro lesado (tomador do seguro), pelo acto do representante aparente (mediador).

Neste ponto, há uma diferença entre o Direito civil e o Direito comercial; enquanto no primeiro a representação aparente, por via de regra, não terá o efeito da efectiva representação, só implicando responsabilidade civil, no Direito comercial é normal equipararem-se os efeitos da representação aparente aos da representação efectiva.

Na medida em que o contrato de seguro, assim como a mediação de seguros integram o elenco das relações comerciais, estão sujeitos ao regime de Direito comercial.

A representação aparente tem, pois, particular relevo no Direito comercial, mormente nos negócios de distribuição comercial, como o de mediação de seguros.

O mediador de seguros, ainda que designado agente, não está sujeito ao regime do contrato de agência, sendo distinta a mediação de seguros da agência, como a jurisprudência tem assinalado (ac. STJ de 18.12.07, proc. 07A4305 e ac. Rel. Lisboa de 22.5.2007, proc. 297/2007-7, ambos in www.dgsi.pt).

 

No contrato de agência, estabelece-se que (art.º 23.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho), havendo aparência de representação, o negócio é eficaz perante o representado (principal). Está em causa a necessidade de tutelar a legítima confiança de terceiros, solução a que também se poderia chegar, em sede geral, pelo recurso ao instituto do abuso de direito.

Pelo contrário, no regime jurídico da mediação de seguros (Decreto-Lei n.º 388/91, de 10 de Outubro) não consta regra similar a essa.

Ainda assim, é opinião generalizada que várias regras do regime de agência – entre as quais a norma que prescreve o regime da representação aparente – se aplicam a outros contratos de distribuição comercial. MOTA PINTO (obra e local citado) afirma expressamente: «Tal solução é de alargar, pelo menos, a todos os casos em que a representação se verifica no quadro de contratos de cooperação ou de colaboração, no domínio comercial. De igual modo, PINTO MONTEIRO (Contrato de Agência. Anotação ao Decreto-Lei n.º 178/86, 5.ª ed. Almedina, Coimbra, 2004, pp.108. e ss.) escreve: «a solução consagrada por esta norma será de alargar a todos os contratos de cooperação ou de colaboração (como decidiu o já citado Acórdão da Relação do Porto de 6 de Outubro de 1992, in CJ, ano XVII, tomo IV, p. 250), ou, até, aos contratos de gestão em geral (na linha do também já citado Acórdão da Relação de Lisboa de 7 de Outubro de 1993, in CJ, ano XVIII, tomo IV, p. 135)». Este entendimento veio a ter consagração na nova regulamentação da mediação de seguros (Decreto-Lei 144/2006 de 31 de Julho) onde se prescreve (art. 30.º, n.º 3) um regime de responsabilização do segurador, em caso de representação aparente, similar ao constante do diploma regulamentador do contrato de agência.

Apesar de este diploma se não aplicar ao caso vertente, sendo a mediação de seguros um contrato de distribuição comercial e, tendo ambas as disposições por fundamento a tutela da confiança, justifica-se aplicar-se aqui o regime da representação aparente, previsto no art. 23.º do Decreto-Lei n.º 178/86, ou, o que é o mesmo, os princípios gerais da boa-fé contratual e da tutela da confiança.

A representação aparente assenta na verificação de determinados pressupostos.

 

Adaptando o disposto no art.º 23.º do regime da agência à mediação de seguros, dir-se-á que haverá representação aparente se tiverem existido razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, a justificar a confiança do tomador de boa-fé, na legitimidade do mediador de seguros, desde que o segurador tenha igualmente contribuído para fundar essa confiança do tomador.

Estes pressupostos encontram-se preenchidos no caso em apreço, pois o tomador do seguro confiou legitimamente na actuação daquele mediador, com o qual mantinha uma relação comercial estável e duradoura, e o segurador não podia desconhecer o modo de actuação deste mediador e pactuou com situações pouco correctas, em especial a aceitação, como sendo uma declaração negocial do tomador, do reenvio pelo mediador de um fax (forjado), com mais de um ano e com dados insuficientes.

Concluindo, os actos jurídicos praticados pelo mediador são eficazes perante o segurador, mesmo que não tivessem sido conferidos poderes de representação por se estar perante uma situação óbvia de representação aparente, razão pela qual, nomeadamente o pagamento do prémio feito pelo tomador do seguro ao mediador, vale como tendo sido feito ao segurador.

Acresce ainda que, no caso em análise, não se discute se o mediador tinha poderes de representação para celebrar contratos de seguros, pois estes foram (indiscutivelmente) celebrados e titulados por apólices emitidas pelo segurador.

Discute-se, tão só, se o mediador tinha poderes para a prática de actos de execução dos contratos de seguro já validamente celebrados.

Está, pois, em causa um poder de representação menos exigente; trata-se de poderes de representação unicamente para a prática de actos de execução dos contratos de seguros angariados, propostos e preparados pelo mediador, em particular para a cobrança de prémio.

Há uma especial exigência quanto à outorga de poderes de representação para celebrar contratos de seguro e ainda para ajustar alterações supervenientes aos ditos contratos, nomeadamente quanto ao âmbito da cobertura. É isso que decorre do art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 388/91, que veda a celebração de contratos de seguro por parte de mediadores, salvo no caso especial do n.º 2 do mesmo preceito. Mas a mesma exigência não se justifica para a representação em actos de execução do contrato, corno receber comunicações, maxime a participação de sinistros, prestar informações ou receber o pagamento de prémios.

Quanto ao pagamento dos prémios, ao que foi referido anteriormente, acresce que o regime regulamentar do Instituto de Seguros de Portugal – dando relevo ao princípio da representação aparente – prescreve que «o pagamento pontual do prémio do contrato de seguro, ao mediador expressamente designado pela seguradora para receber o prémio é liberatório para o tomador do seguro» (art.º 5.º, n.º 1, da norma regulamentar do ISP n.º 17/94-R, de 6 de Dezembro, na redacção dada pela norma n.º 10/2000-R, de 29 de Setembro).

Deste regime regulamentar, aplicável à situação em análise, decorre que o pagamento ao mediador vincula o segurador. Ora, do aviso de cobrança da seguradora, enviado ao tomador, consta que o pagamento pode ser efectuado no agente (mediadora).

O quadro factual provado aponta claramente para uma actuação da mediadora reconhecida pela seguradora e sem que a tomadora alguma vez tenha sido alertada por uma situação de mau relacionamento entre aquelas.

Os contratos de seguro em causa foram angariados e preparados pela mediadora, actuando esta em benefício da seguradora. Nesta sequência, a seguradora, por fax de 10/9/2001, envia à mediadora a relação dos prémios que deviam ser pagos.

Com efeito, apesar de, alegadamente, ter considerado os contratos resolvidos entre Setembro e Novembro de 2001, só em Julho de 2002 a seguradora contactou a mediadora (e não o tomador do seguro) para saber o que se passava com os contratos de seguros em causa, cujos prémios não havia recebido.

Nesse contacto, a seguradora acreditou numa «história» contada pela mediadora quanto à vontade do tomador – manifestada em Agosto ou Setembro de 2001 – no sentido de suspender os contratos de seguro, por ter devolvido a embarcação principal, em razão de defeitos de construção.

A seguradora confiou igualmente nessa manifestação de vontade do tomador do seguro, comunicada pelo mediador, através do reenvio de um fax. Este, supostamente enviado pelos mandatários do tomador do seguro, teria sido recebido pelo mediador a 8 de Agosto de 2001, mas só foi reenviado ao segurador em Julho de 2002; além disso, o referido fax não continha indicações respeitantes aos contratos de seguro a suspender e, principalmente, era manifestamente forjado. A seguradora, na sua relação com a mediadora, confiou em tudo isto e tanto bastou para deixar de considerar os contratos resolvidos e os ter passado à situação de suspensos.

Por isso, enviou nova factura para pagamento de prémio relativo à embarcação principal, pelo prazo em que esse seguro teria vigorado, tendo cancelado as facturas iniciais. Tendo a seguradora enviado cópia desta factura ao mediador, não contactou directamente o tomador, nem lhe enviou qualquer comunicação, indicando que aceitava a suspensão do contrato, tendo enviado a este apenas a factura para pagamento.

Ficou provado que a seguradora não tinha conferido poderes à mediadora para aceitar o risco ou a cobertura, cabendo-lhe receber e encaminhar propostas recebidas dos clientes. Mas isto não exclui que decorressem da relação comercial entre segurador e mediador poderes de representação na execução de contratos (menos exigente do que para a celebração ou modificação do contrato), tendo ficado provado que recebia e reencaminhava declarações de vontade, nomeadamente que recebeu, via mediadora, a participação do sinistro, e que procedia à gestão de sinistros.

Quanto ao recebimento dos pagamentos pela mediadora é verdade que não se provou que a esta estivesse autorizada pela seguradora a cobrar o pagamento dos prémios.

Porém, resulta da demais factualidade que a seguradora permitia que os clientes fizessem o pagamento directamente à mediadora, com a obrigação desta de entregar, de imediato, as importâncias recebidas à seguradora.

Há divergência jurisprudencial quanto à responsabilidade do segurador por informações prestadas pelo mediador, divergência que radica em dois tipos de fundamento (v. Acs. da Relação de Coimbra de 23.03.2004 e de 31.05.2005 in respectivamente CJ, Ano XXIX, tomo II, p. 22 e Ano XXX, tomo III, p. 5 e decisões citadas por JOSÉ VASQUES, Novo Regime Jurídico da Mediação de Seguros, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, nota 263, pp.78 e 79.

«Por vezes, entende-se que a responsabilidade do segurador por informações erradas do mediador está associada à outorga de poderes de representação; mas este argumento, sendo válido para concluir pela existência de responsabilidade civil, não parece que, por si, seja suficiente para excluir o dever de indemnizar. De facto, ainda que o mediador não tenha poderes de representação do segurador, este pode ser responsável pelas informações prestadas por aquele, nomeadamente se o segurador utiliza o mediador para o cumprimento das suas obrigações relativamente ao tomador (art.º 800.º, n.º 1, do CC), isto é, se transferiu para o mediador o dever de prestar certas informações contratuais. É conveniente ter em conta que o citado art.º 800.º do CC não circunscreve esta situação de responsabilidade objectiva à representação, admitindo-a também em meros casos de auxílio no cumprimento de obrigações, sem poderes de representação.

Por outro lado, como a responsabilidade do segurador por informações prestadas pelo mediador assenta na tutela do terceiro (tomador do seguro), que confiou no sujeito com quem contactou, está em causa uma especial tutela da confiança, que nem sempre se justifica em todos os casos de actuação de mediadores.

Na questão em apreço é este o aspecto de particular relevo. Independentemente de o segurador ter conferido ao mediador poderes de representação, tendo em conta a relação existente entre segurador e mediador, por um lado, e o relacionamento entre tomador do seguro e mediador, por outro, a tutela da confiança do terceiro lesado (tomador) determina a responsabilização do segurador pelas informações incorrectas prestadas pelo mediador».

Não é legítimo inferir daqui que os seguradores são sempre responsáveis pelas informações incorrectas prestadas pelos mediadores.

Tal responsabilidade só se justificará se decorrer da necessidade da especial tutela de confiança do tomador do seguro, relacionada com a situação concreta e de um comportamento negligente do segurador.

No caso em apreço, o tomador, dada a relação continuada com o mediador, confiou na subsistência dos contratos de seguro e o segurador não actuou diligentemente ao só indagar junto do mediador da falta de pagamento dos prémios mais de um ano depois do respectivo vencimento e de ter confiado no teor de um fax, de aparência pouco fidedigna, reenviado pelo mediador, com dados incompletos, em que era solicitada a suspensão de um dos contratos, nada indagando quanto aos outros dois.

A responsabilidade do segurador por actos do mediador, independentemente de haver ou não outorga de poderes de representação, baseada no dano de confiança encontra-se sustentada em recentes decisões jurisprudenciais e na doutrina.

No Acórdão da Relação de Coimbra de 14 de Dezembro de 2006 (CJ, ano XXXI, Tomo V, p.113), considerou-se o segurador responsável pelo dano de confiança por o seu colaborador (mediador de seguros não exclusivo) não ter entregado a proposta de seguro recebida de um cliente. Neste caso, apesar de o segurador não ter conferido poderes de representação ao mediador de seguros e de este, por isso, não poder contratar em nome daquele, tendo em conta os princípios da boa-fé e da tutela de terceiros, considerou-se o segurador responsável, porquanto o mediador se apresentava como seu representante (embora não o sendo), tendo nisso o tomador do seguro confiado.

Também no acórdão da Relação de Lisboa, de 9.02.2012, proferido no processo n.º 960/07.0YXLSB.L1-2, inserto em www.dgsi.pt, depois de se entender que “por forma não exactamente expressa, a seguradora adoptou uma postura que se terá de interpretar como a assunção entre ela e a agente de seguros de uma relação de representação, em que esta actuava em nome e por conta dela” se defendeu:

‘“Como escreveu Baptista Machado, o princípio da confiança é um princípio ético-jurídico fundamentalíssimo e a ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem. Por isso, «toda a conduta, todo o agir ou interagir comunicativo, além de carrear uma pretensão de verdade ou de autenticidade (de fidelidade à própria identidade pessoal) desperta nos outros expectativas quanto à futura conduta do agente» e «todo o agir comunicativo implica uma autovinculação (uma exigência de fidelidade à pretensão que lhe é inerente), na medida em que desperta nos outros determinadas expectativas quanto a uma conduta futura.» – (RLJ, 117/233)

Daqui há pois que retirar a conclusão que tendo existido a autorização para a celebração do seguro e recebimento do respectivo prémio inicial nos termos em que foi feito, poderemos adiantar que tal relacionamento entre seguradora e agente de seguros terá de ser tido como um relacionamento entre comitente e comissário, sendo por isso a seguradora responsável perante o segurado.

Adiante-se ainda que a possibilidade do mediador de seguros poder receber os prémios de seguro era algo que a própria lei previa como possível já no âmbito do Dec.-Lei n.º 388/91, ao referir na alínea c) do art.º 7.º «Constituem direitos do mediador: … c) Descontar, no momento da prestação de contas, as comissões relativas aos prémios cuja cobrança tiver efectuado;»”’

Na doutrina, esta posição encontra detalhado apoio em MENEZES CORDEIRO (obra citada, pp. 409 e ss). Como o autor refere, a confiança das pessoas é protegida desde o Direito romano e, no Direito português, além de disposições legais específicas (p. ex., arts. 266.º e 291.º do CC), há tutela da confiança em institutos gerais. Nomeadamente, a protecção da confiança encontra tutela na boa-fé. Basta que haja uma situação de confiança – justificada e em que alguém investiu – e a imputação a outrem dessa situação de confiança. Havendo tutela da confiança responsabiliza-se aquele a quem se imputa essa situação.

Na situação dos autos, como já referido, verificam-se os pressupostos referidos.

O tomador, por via da actuação do mediador, confiou legitimamente na celebração e manutenção em vigor dos três contratos de seguro e desenvolveu todo um conjunto de actuações no pressuposto de ter essa cobertura. Ao segurador, tendo em conta a relação com o mediador e o facto de ter emitido as apólices de seguro e as facturas relativas aos prémios, imputa-se a mencionada situação de confiança, sendo, por isso, responsável.

Com este fundamento se entende, tal como no acórdão recorrido, que, «não obstante a atribulada “vida contratual” dos mesmos, os contratos de seguro celebrados entre a autora e a 1ª ré têm de se considerar vigentes no momento do “sinistro”.»

E pelos fundamentos indicados no mesmo acórdão é de manter a fixação do montante dos concretos danos em liquidação posterior.

III. Pelo exposto, acordam em negar a revista da R, condenando-a nas respectivas custas.

Lisboa, 1 de Março de 2014



Paulo Sá (Relator)

Garcia Calejo

Helder Roque

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[1] N.º 641
   Relator :   Paulo Sá
   Adjuntos: Garcia Calejo e
       Hélder Roque