Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
80/11.3TBMNC.G2.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: CATARINA SERRA
Descritores: DANOS FUTUROS
DANOS PATRIMONIAIS
DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANO ESTÉTICO
Data do Acordão: 06/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
Doutrina:
- Almeida Costa, Direito das Obrigações, Coimbra, Almedina, 2006, 10.ª edição, p. 597;
- Manuel A. Carneiro da Frada, Nos 40 anos do Código Civil Português – Tutela da Personalidade e Dano Existencial, Forjar o Direito, Coimbra, Almedina, 2015, p. 289 e ss. 292 e 298 ; A equidade ou a 'justiça com coração – A propósito da decisão arbitral segundo a equidade, Forjar o Direito, Coimbra, Almedina, 2015, p. 656 e 675-676;
- Maria da Graça Trigo, Adopção do conceito de 'dano biológico' pelo Direito português, Revista da Ordem dos Advogados, 2012, Volume I, p. 147 e ss., in https://portal.oa.pt/upl/%7B5b5e9c22-e6ac-4484-a018-4b6d10200921%7D.pdf ; Responsabilidade civil – Temas especiais, Lisboa, Universidade Católica Portuguesa Editora, 2015, p. 69 e ss. e 78 e ss.;
- Maria Manuel Veloso, Danos não patrimoniais, Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da reforma de 1977, Volume III – Direito das Obrigações, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 506, 512 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 483.º, 494.º, 496.º, N.º 1, 562.º, 564.º, N.ºS 1 E 2 E 566.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 07-07-2009, PROCESSO N.º 704/09.9TBNF.S1;
- DE 2.11.2010, PROCESSO N.º 436/11.1TBRGR.L1.S1;
- DE 07-01-2013, PROCESSO N.º 2395/06.3TJVNF.P1.S1;
- DE 07-01-2013, PROCESSO N.º 2395/06.3TJVNF.P1.S1;
- DE 07-02-2013, PROCESSO N.º 3557/07.1TVLSB.L1.S1;
- DE 07-05-2014, PROCESSO N.º 1070/11.TBVCT.G1.S1;
- DE 07-05-2014, PROCESSO N.º 436/11.1TBRGR.L1.S1;
- DE 19-10-2016, PROCESSO N.º 1893/14.0TBVNG.P1.S1;
- DE 25-05-2017, PROCESSO N.º 806/12.8TBVCT.G1.S1;
- DE 09-01-2018, PROCESSO N.º 275/13.5TBTVR.E1.S1;
- DE 23-10-2018, PROCESSO N.º 902/14.7TBVCT.G1.S1,
- DE 21-03-2019, PROCESSO N.º 1069/09.8TVLSB,L2.S2, TODOS IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- ACÓRDÃO N.º 221/2015, DE 09-04-2019, IN WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT.
Sumário :
I – No cálculo da indemnização pelos danos patrimoniais futuros os rendimentos a que deve atender-se são os rendimentos líquidos, sejam tais rendimentos comprovados fiscalmente ou por outra forma.

II – A indemnização pelo dano estético é parte integrante da indemnização pelos danos não patrimoniais, não se justificando a sua autonomização excepto quando aquele dano se repercute na actividade profissional do lesado.

III – Observados os ditames de ordem legal e jurisprudencial aplicáveis, considera-se adequado fixar em € 195.000,00 a indemnização pelo dano do défice funcional permanente, estando provado que, (i) à data do acidente, o lesado tinha 45 anos, (ii) era trolha, (iii) no ano de 2009, auferiu o rendimento ilíquido fiscalmente comprovado de € 4.748,40, (iv) aos fins de semana, exercia a actividade agrícola, e (v) auferia por esta uma quantia mensal não concretamente apurada, e que, em resultado do acidente, (vi) é portador de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 65 pontos e (vii) padece de sequelas que, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, são impeditivas de qualquer actividade profissional.

IV – Observados os ditames de ordem legal e jurisprudencial aplicáveis, considera-se adequado fixar em € 15.000,00 a indemnização pelo dano estético enquanto parte integrante dos danos não patrimoniais, estando provado que o lesado sofreu um dano estético permanente fixável no grau 4/7.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I. RELATÓRIO

AA veio instaurar a presente acção comum contra BB[1], pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia global de € 417.976,56 (quatrocentos e dezassete mil, novecentos e setenta e seis euros e cinquenta e seis cêntimos), a que acrescem os juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento; que a ré seja condenada a mandar efectuar a reparação do ciclomotor de matrícula BB, à sua conta e risco; e que a ré seja condenada a pagar ao autor quantia diária não inferior a € 5,00 (cinco euros), a título de imobilização do BB, com início na data em que ocorreu o acidente: 3 de Outubro de 2009, até à data em que o veículo seja restituído ao autor totalmente reparado. Requer ainda o autor que a ré seja condenada na quantia que se vier a fixar em execução de sentença, relativa às despesas inerentes às cirurgias que o autor terá de fazer, bem como às dores e perdas de tempo que inerentemente terá, aos medicamentos que terá de comprar, aos pagamentos de deslocações de táxi e transportes públicos que terá de fazer, aos internamentos e tratamentos que terá de realizar, pagamentos de deslocações a médicos de especialidade, nomeadamente de psiquiatria, de estomatologia e oftalmologia, bem como no pagamento das despesas com terceira pessoa que toma e tomará conta do autor, nas despesas de adaptação da sua residência e de compra de veículo adaptado.

Alegou, em resumo, que no dia 3 de Outubro de 2009, cerca das 18:15 horas, na E.M. 1106 – Abedim, do concelho de Monção, ocorreu um acidente de viação. No mesmo foram intervenientes o ciclomotor de serviço particular, matrícula BB, propriedade do autor e conduzido por ele, e o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de serviço particular, matrícula ........... propriedade de CC e conduzido por ordem, interesse, com conhecimento e autorização deste, por DD.

O autor tripulava o ciclomotor matrícula BB pela Estrada Municipal 1106, no sentido Estrada Nacional 101 a Abedim, quando vê súbita e inesperadamente invadida a faixa de rodagem por onde seguia, pelo veículo ........... que circulava em sentido contrário, vindo a embater-lhe.

EE, cônjuge do autor, veio também demandar a BB, pedindo a sua condenação na quantia global de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida de juros, por danos não patrimoniais.

Contestou a ré, alegando, em síntese, que aceita que haja responsabilidade da condutora do veículo ligeiro na produção do acidente, mas não aceita ser responsável por todos os prejuízos sofridos pelo autor.

Alega, ainda, que, antes do acidente a que se reportam os presentes autos, o autor havia sofrido um outro acidente, simultaneamente de viação e de trabalho, ocorrido em 1 de Abril de 2008, e tinha sofrido uma IPP de, pelo menos, 25 pontos.

Realizou-se o julgamento e proferiu-se sentença, da qual foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, onde foi proferido acórdão a determinar a anulação da sentença.

Realizado novo julgamento, foi proferida sentença que decidiu nestes termos:

 “Pelo exposto, decide-se:

- Julgar parcialmente procedente por provado o pedido formulado na presente acção pelo autor, condenando a R. no pagamento àquele da quantia de 290.281,56 € (duzentos e noventa mil, duzentos e oitenta e um euros e cinquenta e seis cêntimos) (sendo que as quantias já pagas pela R. no âmbito do procedimento de arbitramento de reparação provisória são a imputar na liquidação definitiva do dano), assim discriminada:

- a quantia de 30.000 € (trinta mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, às sucessivas taxas legais, contados desde a prolação da presente decisão e até efectivo e integral pagamento;

- a quantia de 15.000 € (quinze mil euros), a título de dano estético, acrescida de juros de mora, às sucessivas taxas legais, contados desde a prolação da presente decisão e até efectivo e integral pagamento;

- a quantia de 245.000€ (duzentos e quarenta e cinco mil euros), pelo défice funcional permanente, acrescida de juros de mora, às sucessivas taxas legais, a contar da citação até efectivo e integral pagamento;

- a quantia de 101,56 € (cento e um euros e cinquenta e seis cêntimos), a título de despesas, acrescida de juros de mora, às sucessivas taxas legais, a contar da citação até efectivo e integral pagamento; - a quantia de 180,00 € (cento e oitenta euros), a título de perda do veículo, acrescida de juros de mora, às sucessivas taxas legais, a contar da citação até efectivo e integral pagamento.

- Condena-se ainda a Ré no pagamento ao A. da quantia que vier a ser fixada em sede de execução de sentença relativa às ajudas técnicas permanentes - ajuda medicamentosa e de terceira pessoa de que este último irá necessitar.

- Julgar parcialmente procedente por provado o pedido formulado na presente acção pela autora, condenando a R. no pagamento àquela da quantia de 15.000 € (quinze mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, às sucessivas taxas legais, contados desde a prolação da presente decisão e até efectivo e integral pagamento”.

Inconformada com esta decisão, dela apelou a ré GG, S.A., a título principal.

Dela também apelaram os autores, AA e EE, a título subordinado.

Em 7.03.2019 foi proferido o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, contendo a seguinte decisão:

Pelo exposto, decide-se:

Julgar improcedente a apelação dos Autores.

Julgar parcialmente procedente a apelação da R. GG, S.A..

Revogar parcialmente a sentença recorrida e, em consequência, decide-se condenar a Ré GG, SA. a pagar ao Autor AA:

- a quantia de 30.000 € (trinta mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, às sucessivas taxas legais, contados desde a prolação da sentença, até efectivo e integral pagamento;

- a quantia de 8.000 € (oito mil euros), a título de dano estético, acrescida de juros de mora, às sucessivas taxas legais, contados desde a prolação da sentença e até efectivo e integral pagamento;

- a quantia de 95.000€ (noventa e cinco mil euros), pelo défice funcional permanente, acrescida de juros de mora, às sucessivas taxas legais, a contar da citação até efectivo e integral pagamento;

- a quantia de 101,56 € (cento e um euros e cinquenta e seis cêntimos), a título de despesas, acrescida de juros de mora, às sucessivas taxas legais, a contar da citação até efectivo e integral pagamento;

- a quantia de 180,00 € (cento e oitenta euros), a título de perda do veículo, acrescida de juros de mora, às sucessivas taxas legais, a contar da citação até efectivo e integral pagamento.

- Condena-se ainda a Ré no pagamento ao A. da quantia que vier a ser fixada em sede de execução de sentença relativa às ajudas técnicas permanentes - ajuda medicamentosa e de terceira pessoa de que este último irá necessitar.

- Condena-se ainda a R. a pagar à Autora EE, a quantia de 10.000 € (dez mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, às sucessivas taxas legais, contados desde a prolação da sentença, até efectivo e integral pagamento”.

Não se conformando com este Acórdão vem o autor interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal[2], alegando, fundamentalmente, que os valores arbitrados pelo Tribunal da Relação de Guimarães não são adequados.

As conclusões formuladas são as seguintes:

Vem o presente recurso nos termos da alínea a) e b) do número 1 do artigo 674° de parte do acórdão proferido nos autos que revoga parcialmente a sentença recorrida e em consequência condena a Ré GG, SA a pagar ao Autor AA: a quantia de € 8.000,00 (oito mil euros) a título de dano estético em detrimento dos € 15.000,00 (quinze mil euros) atribuídos em primeira instância, e a quantia de € 95.000,00 (noventa e cinco mil euros), pelo défice funcional permanente, reduzindo o valor de € 245.000,00 atribuídos a esse título em primeira instância.
2. Entende o recorrente que os valores atribuídos não cumprem os critérios de ressarcibilidade de danos futuros nos termos do artigo 564° n° 2 do código civil, não atendendo o valor arbitrado, salvo opinião contrária, aos critérios de equidade exigíveis pelo artigo 566° número 3 do código civil, e bem assim que perante os factos provados o valor indemnizatório atribuído ao lesado não alcança a reparação dos prejuízos causados e benefícios que deixará de obter.
3. Nos termos do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proc. 6/06.6PTLRA.C1, de 01-02-2012, "Na apreciação, em sede de recurso, [...] as indemnizações arbitradas apenas devem ser reduzidas quando afrontem manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida. Ora, as indemnizações atribuídas não deveriam ter sido alteradas uma vez que não afrontavam manifestamente as regras da boa prudência e da justiça.
4. Assim, e salvo o devido e merecido respeito entendemos que perante a matéria de facto determinada há uma errada aplicação do direito.

Com relevo para o presente recurso deu-se por provado que, na altura em que o recorrente sofreu o acidente de viação tinha 45 anos de idade, auferia uma média mensal não inferior a € 1.200,00 (mil e duzentos euros), ficou com um défice funcional de 65 pontos, e que as sequelas em termos de repercussão permanente na atividade profissional são impeditivas de qualquer atividade profissional.
6. O cálculo utilizado no douto acórdão do tribunal da Relação de Guimarães, tendo em conta os factos apurados, salvo o devido e merecido respeito tem duas falácias. A primeira quando atribui ao lesado um rendimento anual de € 6.000,00, quando o recorrente auferia € 1.200,00 mensais, a segunda quando desconsidera por completo que, à incapacidade de 65 pontos, acresce a repercussão permanente na atividade profissional sendo o recorrente impedido de qualquer atividade profissional, violando o princípio constitucional da igualdade consagrado no artigo 13° da CRP por não tratar de modo diferente situação diferente. O recorrente, com 45 anos ficou impedido de trabalhar para a vida.
7. Como se afirmou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.11.2009, «a indemnização a arbitrar como compensação dos danos futuros previsíveis, decorrentes da IPP do lesado, deve corresponder ao capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinga no termo do período provável da sua vida - quantificado, em primeira linha, através das tabelas financeiras a que a jurisprudência recorre, de modo a alcançar um minus indemnizatório, a corrigir e adequar às circunstâncias do caso através de juízos de equidade, que permitam a ponderação de variáveis não contidas nas referidas tabelas "
8. A idade do lesado, à data do sinistro, era de 45 anos, e tendo em conta o tempo previsível de vida activa que tinha pela frente (20 anos desde aquela data) até atingir a idade de reforma, a sua esperança de vida (82,3 anos) o seu rendimento anual no momento do acidente (com referência a € 1.200,00 mensais) o défice de que ficou afectado - 65 pontos, a inexistência de culpa ainda que concorrencial da sua parte na produção do acidente e o factor da tabela financeira adequado ao tempo de vida activa do demandante teria necessariamente que ser atribuída indemnização em montante superior a € 245.000,00 (duzentos e quarenta e cinco mil euros).
9. Nestes termos, e em respeito pelo artigo 562°, 564° n° 2 e 566° número 3 do código civil deverá ser atribuída indemnização a título da incapacidade que o recorrente ficou a padecer, e bem assim do défice funcional permanente no montante atribuído de € 245.000,00 (duzentos e quarenta e cinco mil euros).
10. Quanto ao dano estético, resultou provado que no tórax o A. apresenta cicatriz vertical na face anterior com cerca de 5cm; no membro inferior direito apresenta 3 cicatrizes na face lateral da coxa com 5 cm, 2cm e 2 cm respectivamente de proximal para distai e mantém material de osteossíntese; no membro inferior esquerdo o A. apresenta cicatriz na face anterior da rótula com cerca de 6 cm, e cicatrizes na face lateral da coxa com 5cm, 2 cm e 2 cm respectivamente de proximal para distai e mantém material de osteossíntese, tendo sido o dano estético permanente do recorrente fixável no grau 4/7.
11. Seguindo a jurisprudência dos tribunais superiores, nomeadamente deste tribunal em acórdão de 24-04-2013 as indemnizações por danos não patrimoniais não devem ser simbólicas, miserabilistas ou arbitrárias.
12. Não há qualquer justificação para a redução do valor atribuído em primeira instância, do mesmo modo que se entende que € 8.000,00 (oito mil euros) não acautela e não tem em atenção as lesões do A. e bem assim o dano estético violando neste modo o número 1 e 4 do artigo 496° do código Civil.

13. Devendo ser atribuído a título de dano estético ao recorrente o montante de € 15.000,00 (quinze mil euros).

Termos pelos quais, atenta à matéria de facto já sedimentada nos autos, deverão os montantes indemnizatórios ser alterados e ajustados indo de encontro aos critérios legalmente impostos e à jurisprudência, atribuindo-se ao autor € 245.000,00 (duzentos e quarenta e cinco mil euros) pelo défice funcional permanente, montante acrescido de juros de mora às sucessivas taxas legais, a contar da citação até efectivo e integral pagamento, e € 15.000,00 (quinze mil euros) a título de dano estético, montante esse acrescido de juros de mora às sucessivas taxas legais”.

Por seu turno, a ré apresentou contra-alegações, pugnando pela confirmação do Acórdão recorrido, concluindo assim:

1. Face à matéria de facto assente decorrente da decisão constante do douto acórdão recorrido e com base nos diversos critérios utilizados para fixação do valor indemnizatório em causa constantes da mesma decisão, incluindo juízos de equidade, é perfeitamente ajustada e conforme ao princípio geral da obrigação de indemnizar, em especial ao que preceituam os art.ºs 562º e 566º, ambos do CCivil, a quantia nela fixada a título de indemnização pela incapacidade de que o recorrente ficou a padecer.

2. É perfeitamente ajustada a quantia fixada a título de compensação pelo dano estético de que o recorrente ficou a padecer.

3. O douto acórdão recorrido não enferma de qualquer erro, de facto ou de direito”.



Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), a questão a decidir, in casu, é a de saber se, no cálculo do quantum indemnizatório a título de dano estético e pelo défice funcional permanente do autor / recorrente, o Tribunal a quo observou as regras jurídicas aplicáveis.

                                                           *

II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido:

1) No dia 3 de Outubro de 2009, cerca das 18:15 horas, na E.M. 1106 – Abedim, do concelho de Monção, ocorreu um embate entre o ciclomotor de serviço particular, com a matrícula BB, conduzido pelo Autor e o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de serviço particular, matrícula ........... conduzido por DD.

2) O Autor tripulava o FF pela Estrada Municipal 1106, no sentido Estrada Nacional 101 a Abedim, dentro da sua mão de trânsito, pela metade direita da faixa de rodagem, considerando o seu sentido de marcha.

3) E o BQ circulava em sentido contrário ao seguido pelo Autor, ou seja, no sentido Abedim/Estrada Nacional 101, quando se depara com um obstáculo na via direita atento o seu sentido de marcha.

4) Por causa do referido em 3), deu-se o embate entre a frente do BQ e a frente do FF, o qual ocorreu na hemifaixa direita, considerando o sentido de marcha do FF.

5) No local a via tem 4,60 metros de largura, configurando uma recta com boa visibilidade; o piso é betuminoso e, à data, estava molhado, porque o tempo estava chuvoso.

6) Como consequência directa e necessária do sinistro em causa nos autos resultaram para o Autor grave T.C.E., fractura do maxilar com instabilidade da mandíbula, da parede lateral da órbita esquerda, traumatismo torácico, contusão pulmonar bilateral, fractura de ambos os fémures e ossos da perna esquerda (exposta grau I/II esquerda), fractura da rótula ipsilateral, e lesões dispersas em todo o corpo.

7) Por causa de tais lesões, o Autor teve de ser assistido pela VMER, e conduzido para o CHAM de ..., tendo, após, sido transferido de Helicóptero para o Hospital de ... do Porto, onde permaneceu internado até 22 de Novembro de 2009, data em que foi transferido para a Unidade de Cuidados Continuados de ..., mantendo-se aí até ao dia 15 de Fevereiro de 2010, período em que se deslocou em cadeira de rodas.

8) AA nasceu a 30 de Maio de 1964.

9) Como consequência directa e necessária do sinistro, o ciclomotor conduzido pelo Autor ficou totalmente destruído na chaparia, mecânica e pintura.

10) EE transferiu para a “BB, S.A.”, mediante contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice n.º 0000000, a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros emergentes da circulação rodoviária do automóvel de marca Ford, modelo Fiesta, com a matrícula ........... contrato esse válido e eficaz à data do sinistro em causa nos presentes autos.

11) O BQ era conduzido pela DD, com conhecimento e autorização de CC[3].

12) A condutora do BQ, sem se certificar que na via que pretendia ocupar, isto é, a hemifaixa esquerda, considerando o seu sentido de marcha, não circulava qualquer veículo, passou a circular pela hemifaixa de rodagem por onde circulava o FF.

13) Não provado[4].

14) O embate dá-se a cerca de 2 metros da berma direita, atento o sentido de marcha seguido pelo FF[5].

15) No local onde ocorreu o embate ficaram vidros partidos e marcas na estrada.

16) Após o embate e devido a este, o ciclomotor e o Autor foram projectados do local onde o mesmo ocorreu.

17) Ficando o FF atravessado na via.

18) E o BQ atravessado na via de forma oblíqua, estando a roda direita traseira do mesmo a cerca de 2,65 metros do muro situado na berma e a roda direita da frente a cerca de 2,95 metros do dito muro, atento o sentido de marcha por este seguido.

19) Eliminado[6].

20) A condutora do BQ imprimia ao veículo uma velocidade não concretamente apurada.

21) No local, a velocidade máxima permitida é de 50 kms/hora.

22) Circulavam o FF e o BQ dentro de uma localidade, com vários comércios e moradias a deitarem directamente para a via.

23) Em 15 de Fevereiro de 2010, o Autor regressou ao seu domicílio, mantendo tratamento de fisioterapia na Clínica de Reabilitação de ... até Julho de 2010.

24) O Autor efectuou vigilância nas consultas de Oftalmologia e Urologia do Hospital de ... e Ortopedia de ..., estando a aguardar tratamentos de Estomatologia aquando da apresentação da p.i.

25) No Hospital de ... do Porto, o Autor apresentava e efectuou:

a) TCE moderado com trauma da face, no local estava inconsciente, foi entubado e ventilado.

b) Contusão pulmonar bilateral, derrame de pequeno volume à esquerda, sem pneumotorax.

c) TAC cerebral: imagens de contusão difusa.

d) TAC da face: fractura da mandíbula e malar esquerdos.

e) Fractura femural bilateral (exposta I/II esquerda + ferida / fractura rotula ipsilateral), fractura supra condiliana do fémur direito, colo do fémur esquerdo, alinhada, diafise do fémur esquerdo, diafise das tíbia e perónio esquerdos.

f) Realizou encavilhamento do fémur bilateral e osteotaxia dos ossos da perna esquerda.

g) Ferida profunda da região mentoneana / face anterior do pescoço que foi suturada.

h) Fractura Lefort II; TAC: fractura das paredes laterais das órbitas, com sinais de afundamento à esquerda e seios maxilares com hemossinus, lâminas pterigoides à esquerda, fractura ossos próprios do nariz e arcada zigomática.

i) Realizou redução e imobilização das fracturas da face com placas e parafusos.

j) Redução e imobilização de fractura do complexo zigomático-malar esquerdo com osteossíntese tripla (rebordo lateral da órbita, rebordo inferior da órbita e pilar zigomático-maxilar).

k) Cirurgia plástica com redução aberta da fractura do maxilar, do molar e arcada zigomática, extracção cirúrgica de dente, enxerto ósseo no osso frontal.

26) Como consequência do sinistro, o Autor apresenta um déficit de visão compatível com 2/10 à direita e 6/10 à esquerda.

27) Devido ao sinistro, o Autor perdeu os dentes 21, 41, 31, 32 e 34.

28) Na Unidade de Cuidados Continuados de ..., o Autor apresentava:

a) À entrada alguns períodos de desorientação.

b) Tinha aparelho de fixação externa na perna esquerda.

c) Fractura da bacia consolidada.

d) Fractura do fémur esquerdo e direito consolidadas.

e) Fracturas da face consolidadas já sem material de osteossíntese.

f) Ainda com aparelho de fixação externa na perna esquerda.

g) Nistagmo horizontal.

h) Em cadeiras de rodas, com autonomia.

29) O Autor, no leito do hospital, esteve totalmente imobilizado, sendo que era aí que tomava as refeições e fazia a sua higiene pessoal, sempre com a ajuda de terceira pessoa.

30) Sofria fortes dores.

31) O Autor necessitava sempre de terceira pessoa para o acompanhar.

32) O Autor, presentemente, vive triste e amargurado e só consegue andar acompanhado de terceira pessoa.

33) Tem perdas de orientação, tem tonturas, vive angustiado e refere que, “para ficar como ficou, mais valia ter morrido”.

34) O Autor apresenta:

a) Sintomas compatíveis com diagnóstico de reacção depressiva prolongada com perturbação de adaptação.

b) Diminuição da acuidade visual.

c) Dificuldades na mastigação.

35) O Autor é portador de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 65 pontos.

36) As sequelas do Autor são, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, impeditivas de qualquer actividade profissional.

37) Na face, apresenta as seguintes sequelas: perda de cinco peças dentárias, cicatriz no lábio superior com cerca de 3 cm, cicatriz estrelada de 4x4 cm na região mentoniana lateral esquerda e dismorfia do lábio inferior, nistagmo, déficit de visão e mantém material de osteossíntese definitivo.

38) O A. tem dores na bacia.

39) No tórax o A. apresenta cicatriz vertical na face anterior com cerca de 5cm.

40) No membro inferior direito apresenta 3 cicatrizes na face lateral da coxa com 5 cm, 2cm e 2 cm respectivamente de proximal para distal e mantém material de osteossíntese.

41) No membro inferior esquerdo o A. apresenta cicatriz na face anterior da rótula com cerca de 6 cm, e cicatrizes na face lateral da coxa com 5cm, 2 cm e 2 cm respectivamente de proximal para distal e mantém material de osteossíntese.

42) O Autor tem necessidade de ajuda medicamentosa futura.

43) Antes do sinistro, o Autor era uma pessoa dinâmica, bem disposta, trabalhadora e unida à família.

44) Na altura em que sofreu o acidente de viação o A. tinha 45 anos, era trolha e no decurso do ano de 2009 auferiu o rendimento ilíquido fiscalmente comprovado de € 4.748,40[7].

45) Aos fins-de-semana, o Autor desempenhava a actividade agrícola, quer em campos que possuía, quer para terceiros, auferindo uma quantia mensal, não concretamente apurada.

46) Agricultava e colhia legumes, milho, feijão, batatas, vinha, produtos que destinava ao seu consumo e ao da sua família.

47) Igualmente criava coelhos, ovelhas e galinhas, animais que destinava ao seu consumo e ao da sua família.

48) O Autor era a única fonte de rendimentos da sua família, constituída pela sua mulher e por uma filha, estudante.

49) Com a perda do rendimento do Autor, a família está a atravessar sérias dificuldades económicas, deixando de poder agricultar os campos e cuidar dos animais, pois o Autor necessita da presença constante de terceira pessoa, o que leva a que a família o esteja a acompanhar.

50) Ainda em consequência do sinistro, o Autor teve de fazer as seguintes despesas:

a) Despesas de transporte - € 58,00

b) Despesas com alimentação - € 40,75

c) Despesas com a obtenção de fotocópias de registos clínicos / exames, junto do Hospital de ..., do Porto - € 2,81.

51) O FF, após o sinistro, foi deslocado para a oficina “FF, Lda.”, sita em ... .

52) O valor da reparação do mesmo na dita oficina ascendia a € 2 335,30 (dois mil, trezentos e trinta e cinco euros e trinta cêntimos).

53) O Autor, por causa das lesões sofridas no sinistro em causa nos autos, vai necessitar de ajuda técnica permanente: medicamentosa – analgésicos, antiespasmódicos ou antiepilépticos, sem a qual não conseguirá ultrapassar as suas dificuldades em termos funcionais e de terceira pessoa.

54) A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 30/11/2011.

55) O período de repercussão temporária na actividade profissional total é fixável em 789 dias.

56) O quantum doloris é fixável no grau 5/7.

57) O Autor sofreu um dano estético permanente fixável no grau 4/7.

58) Em 1 de Abril de 2008, o Autor sofreu, no percurso para o local de trabalho, um acidente de viação que lhe determinou, além do mais, uma IPP de 25 pontos, decorrente de lesões localizadas no membro superior esquerdo.

59) Por causa do sinistro em causa nos autos, o Autor recebeu subsídio de doença no período de 04/10/2009 a 09/07/2011, no valor total de 7.075,42 €.

60) À data do sinistro, o valor venal do FF, veículo da marca Famel, modelo ...., era de cerca de € 300,00.

61) A sua reparação foi orçada pela Ré em € 1 372,80.

62) Os salvados do FF ficaram a valer € 120,00.

63) A Autora sente-se triste e desamparada e chora constantemente por ver que o seu marido está um homem triste e desanimado.

64) A Autora tem de acompanhar permanentemente o seu marido.

65) Em virtude do facto anterior, a Autora fica privada de desenvolver as suas actividades laborais.

66) A sequela para o A. do acidente de 2008 é apenas uma cicatriz de tenorrafia no antebraço esquerdo.

67) Em 23/01/2009 foi atribuída ao A. uma IPP de 15% por sequelas de lesão tendinosa dos dedos do membro superior esquerdo, com limitação na extensão dos quatro dedos da mão.

E foram dados como não provados os factos seguintes:

I. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em B), o FF circulava a velocidade não superior a 30 km/h.

II. O Autor tem dificuldades na marcha e em permanecer em pé.

III. O Autor abandonou as actividades de lazer e lúdicas em que participava.

IV. O Autor tem ainda necessidade de tratamentos e internamento para extracção de material de osteossíntese.

V. O A. tem necessidade de acompanhamento regular médico pela especialidade de psiquiatria.

VI. O A. tem necessidade de acompanhamento regular médico pelas especialidades de estomatologia e oftalmologia.

VII. O Autor tem dificuldade em praticar o acto sexual.

VIII. O Autor despende a quantia de € 500,00 mensais com 3ª pessoa de que necessita para o acompanhar.

IX. O Autor necessita de adaptar a sua moradia às suas dificuldades.

X. E ainda de adaptar o veículo para o poder conduzir.

XI. Em consequência do sinistro, o Autor perdeu os seguintes objectos, que ficaram destruídos/inutilizados: uma mochila com o material da obra no montante de € 100,00 (cem euros), um capacete no montante de € 500,00 (quinhentos euros), um casaco de couro no montante de € 150,00 (cento e cinquenta euros), um par de calças de ganga no montante de € 50,00 (cinquenta euros), uma camisola no montante de € 25,00 (vinte e cinco euros), um par de botas no montante de € 100,00 (cem euros), um relógio no montante de € 50,00 (cinquenta euros), e um telemóvel no montante de € 100,00 (cem euros).

XII. O valor do ciclomotor, à data do sinistro, não era inferior a € 2 500,00 (dois mil e quinhentos euros).

XIII. A imobilização do ciclomotor causa ao Autor e à sua família prejuízos diários no valor de € 5,00.

XIV. Nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em 1), o Autor tripulava o FF sem levar devidamente colocado o capacete de protecção.

XV. O embate dos veículos um no outro teve como consequência, para além do mais, que o Autor fosse projectado contra o lado esquerdo do pára-brisas do BQ, onde embateu com a cabeça e face.

XVI. As lesões e sequelas que o Autor apresenta ao nível da cabeça e face, tais como as decorrentes de TCE, fractura do maxilar e da parte lateral da órbita esquerda resultaram do embate contra o pára-brisas do BQ e do facto de o Autor não trazer colocado o capacete de protecção.

XVII. O A. não consegue praticar o acto sexual.


XVIII. Em virtude do facto anterior, a Autora não tem com o marido vida sexual activa, o que acontecia antes do sinistro.

O DIREITO

Através do presente recurso vem o autor manifestar o seu inconformismo com os montantes arbitrados pelo Tribunal da Relação de Guimarães pelo dano do défice funcional permanente e pelo dano estético (€ 95.000,00 e € 8.000,00, respectivamente). Pugna, como se viu, pela reposição dos valores arbitrados pelo Tribunal de 1.ª instância (€ 245.000,00 e € 15.000,00, respectivamente).

A diferença entre os valores fixados por uma e outra instância não é, de facto, insignificante, cabendo, pois saber se, no cálculo do quantum indemnizatório respeitantes aos danos referidos, o Tribunal a quo observou o direito aplicável.

Ora, deve, desde logo, reconhecer-se um acidente de viação, implicando a violação de direitos de personalidade, provoca diversos tipos de danos ao lesado, cabendo ao lesante indemnizar o lesado por forma a reconstituir, tanto quanto possível, a situação que existiria se o facto não se tivesse verificado (cfr. artigos 483.º e 562.º do CC).

Resulta da lei portuguesa que a medida da indemnização deverá ter em conta, em primeiro lugar, atendendo ao disposto no artigo 564.º, n.ºs 1 e 2, do CC, os danos presentes bem como os danos futuros[8]. A única exigência legal a de que estes sejam previsíveis, determinando a norma do artigo 566.º, n.º 3, do CC que “[s]e não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”[9].

Na fixação da indemnização deverá atender-se, em segundo lugar, aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, nos termos do artigo 496.º, n.º 1, do CC. O montante da indemnização – dispõe-se no n.º 4 da mesma norma – é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º do CC.

Apesar da aparente simplicidade destas classificações legais, a verdade é que é difícil, se não mesmo impossível, identificar todos os danos susceptíveis de resultar da ofensa de direitos de personalidade e distinguir entre os vários tipos, tendo em conta a unidade da pessoa nos seus aspectos biológicos e não biológicos. Tornou-se por isso, habitual reconduzi-los a um conceito tentativamente englobalizador ou (re)unificador. Alguns autores denominam-no “dano biológico”, “dano da saúde”[10] ou “dano corporal”[11], outros usam o conceito, assumidamente mais abrangente, de “dano existencial”[12], importando, em qualquer caso, manifestar a percepção crescente dos “multifacetados níveis de protecção que a personalidade humana reclama”[13].

Pondo imediatamente em causa a rigidez da distinção entre danos patrimoniais e não patrimoniais[14], ela conduziu à ampliação do número e do tipo de consequências que o julgador deve ter em consideração no momento de calcular o montante da indemnização e propiciou as condições para o cálculo de uma indemnização mais justa., uma vez que permitiu àquele compreender, mais claramente, que o facto lesivo origina um conjunto de consequências que não são absolutamente autónomas ou dissociáveis e em que se incluem as consequências conhecidas como de natureza não patrimonial bem como de natureza patrimonial futura, não se esgotando, contudo, nestas.

Para fixar a indemnização dos danos resultantes de um acidente de viação, o julgador terá, portanto, de ponderar, consoante o caso concreto, circunstâncias variadas, que podem ir das restrições que o sujeito tem de suportar na qualidade da sua vida em virtude das lesões biológicas, à criação ou indução de dependências que afectam o exercício da sua liberdade pessoal, aos prejuízos nas suas aptidões familiares ou afectivas ou às necessidades especiais das pessoas débeis, como os idosos ou as crianças.

Esta nova visão das coisas teve origem no Direito italiano[15], mas foi bem recebida pela doutrina e pela jurisprudência portuguesas, sendo aplicada por esta, em particular, no âmbito da fixação da indemnização por acidentes de viação, como no caso em apreciação. Regresse-se a ele.

As instâncias atribuíram os valores indemnizatórias discriminando, fundamentalmente, entre os danos não patrimoniais, dano estético, défice funcional permanente, despesas, perda do veículo e ajudas técnica permanentes. Dado que os restantes não estão em causa, concentre-se a atenção na avaliação, primeiro, do défice funcional permanente e, depois, do dano estético.

A) Dano do défice funcional permanente

Diga-se, antes de mais, o dano do défice funcional permanente se integra, em princípio, naquilo que se chamou “danos patrimoniais futuros” (perda da capacidade de ganho ou remuneratória).

Para justificar a sua avaliação do défice funcional permanente afirmou o Tribunal recorrido:

Conforme se provou 'O Autor é portador de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 65 pontos' sendo as sequelas do Autor em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, impeditivas de qualquer actividade profissional.

O artº 562º do C prevê que 'Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, e o nº 1 do art. 564º do C estipula que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como ainda “os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão'.

O nº 2 deste preceito acrescenta, entre o mais, que o tribunal pode atender aos danos futuros desde que sejam previsíveis.

Integrado no dano futuro, contar-se-á, evidentemente, a frustração de ganhos que previsivelmente o lesado iria receber, em virtude do exercício de uma actividade profissional, mas para o qual se tornou total ou parcialmente incapaz.

(…) o chamado dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como compensado a título de dano moral.

A situação terá de ser apreciada casuisticamente, verificando se a lesão originou, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade.

E não parece oferecer grandes dúvidas que a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia, mais traduz um sofrimento psico-somático do que, propriamente, um dano patrimonial.”

Volvendo ao caso dos autos, temos que o Autor reclama uma indemnização no montante de € 300.000,00 pelos prejuízos emergentes da incapacidade permanente para o trabalho.

O ressarcimento do dano biológico, no caso vertente, deve ser feito em sede de dano patrimonial, por se traduzir numa perda patrimonial futura ou na frustração de um lucro.

Estamos aqui, sem sombra de dúvida, face a uma questão de ressarcibilidade dos danos futuros, determinando a lei - artigo 564º, n.º 2 do Código Civil - que, 'na fixação da indemnização, pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior', através de liquidação em execução de sentença.

O dano futuro previsível mais típico prende-se com os casos de perda ou diminuição da capacidade de trabalho e da perda ou diminuição da capacidade de ganho, perda esta caracterizada como efeito danoso, de natureza temporária ou definitiva, que resulta para o ofendido do facto de ter sofrido uma dada lesão, impeditiva da sua obtenção normal de determinados proventos certos, como paga do seu trabalho.

A incapacidade funcional constitui, desde modo, um dano patrimonial futuro, que os artigos 562º e 564º impõem se indemnize, independentemente da prova de um prejuízo pecuniário concreto dela resultante, não tendo o lesado, pois, sequer de alegar ou provar qualquer perda de rendimentos.

Basta a alegação dessa incapacidade para, uma vez demonstrada, servir de fundamento ao pedido de indemnização pelo dano patrimonial futuro, cujo valor, por ser indeterminado, deve ser fixado equitativamente, nos termos do preceituado no artigo 566º, n.º 3 CC.

Pretendendo-se, como se pretende, uma indemnização em dinheiro, o critério da sua atribuição, tendo em conta o princípio que dimana do artº 562º CC deverá ser o que desde há muito foi jurisprudencialmente consagrado e que se exprime do seguinte modo:

A indemnização a pagar ao lesado deve, no que concerne aos danos futuros, «representar um capital que se extinga no fim da sua vida activa e seja susceptível de garantir durante esta, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho». Um tal critério cumpre, mas só parcialmente, o princípio geral válido em matéria de indemnizar: reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (artigo 562º do Código Civil). Por isso, os seus resultados não podem ser aceites de forma abstracta e mecânica, devendo, antes, ser temperados por juízos de equidade (artigo 566º, n.º 3 CC). Isso implica que se entre em linha de conta com a idade da vítima ao tempo do acidente, o prazo de vida activa previsível, o tempo de vida expectável, actividade profissional por esta desenvolvida, suas condições de saúde ao tempo do evento, rendimentos auferidos ao longo desta, os encargos, grau de incapacidade, entre outros elementos.

No caso dos autos, para fixar aquela indemnização, deve considerar-se a idade do Autor à data da alta (30/11/2011), a previsível idade da respectiva reforma (os 65 anos, atendendo à recente evolução dos parâmetros da Segurança Social), a esperança média de vida dos homens que se situa nos 78 anos, o rendimento anual de 6.000,00€, a taxa de juro de 3%, a taxa de inflação de 2% (necessária ao cumprimento do Pacto de Estabilidade Europeu) e a referida incapacidade de 65%.

Mas, tendo em conta que a quantia a atribuir ao lesado o há-de ressarcir, durante a sua vida laboralmente activa, da perda sofrida e mostrar-se esgotada no fim do período considerado, pode alcançar-se esse objectivo através da utilização da seguinte fórmula preconizada nos Acs. do STJ, de 4/2/93 e 5/5/94 (CJ – ASTJ. Ano I, tomo 1, 128; e Ano II, tomo II, 86), que servirá apenas como instrumento de trabalho, como bússola norteadora, no sentido de nos aproximar do cálculo do valor da indemnização a arbitrar, pois, como vimos, a lei apenas manda atender à equidade (e não à arbitrariedade):


C=

C – capital a depositar logo no 1º ano


P - prestação a pagar anualmente

i - taxa de juro.


Assim, considerando os 78 anos como um tempo de vida expectável, o que representa uma esperança de vida de 31 anos, contados desde a data da alta, tendo presente a taxa de 3% (as taxas de juro têm vindo a baixar, manifestando-se tendência para que essa baixa se acentue, no entanto, cremos não se justificar para já o uso de uma taxa inferior a esta, porque temos de trabalhar com verbas ilíquidas, abstraindo dos impostos que o lesado teria de pagar), a Incapacidade de 65% de que o Autor ficou afectada e que à data do acidente o A. auferia a o rendimento anual de 6.000,00 €, valor este aceite pela Ré Seguradora, como decorre do alegado na conclusão 45. da alegação de recurso, (o que, considerada a Incapacidade de 65% nos dá o rendimento anual de 3.900,00€ ), temos que o capital de € 78.001,67 seria o capital que durante 31 anos permitiria realizar a pensão anual de 3.900,00€.
Assim:
C= ( 1,500080345 )/( 0,07500241) x 3.900
C= 78.001,67
Sendo, como dissemos, que é à luz da equidade que deve ser fixado o montante da indemnização a atribuir ao autor pelos danos futuros, afigura-se-nos ajustada a quantia de 95.000,00 euros”.

Analisando:

Globalmente considerado, o procedimento definido pelo Tribunal a quo para o cálculo da indemnização deste tipo de danos, ponderando a idade do autor à data da alta, a previsível idade da respectiva reforma, a esperança média de vida (ligeiramente inferior nos indivíduos de sexo masculino), o rendimento anual do autor, a taxa de juro, a taxa de inflação e o grau de incapacidade do autor, está em conformidade com aquilo que é defendido na jurisprudência portuguesa[16].

Um dos factos relevantes para decidir o valor da indemnização pelo défice funcional permanente é, sem dúvida, o rendimento que auferia habitualmente o lesado à data do acidente.

O Tribunal recorrido fez corresponder ao rendimento anual do autor o valor de € 6.000, afirmando “à data do acidente o A. auferia a o rendimento anual de 6.000,00 €, valor este aceite pela Ré Seguradora, como decorre do alegado na conclusão 45. da alegação de recurso”.

Terá chegado a este valor partindo do facto enunciado sob o número 44, do qual resulta que “[n]a altura em que sofreu o acidente de viação o A. tinha 45 anos, era trolha e no decurso do ano de 2009 auferiu o rendimento ilíquido fiscalmente comprovado de € 4.748,40”. Depois, aproveitando a “sugestão” da ré feita nas conclusões de apelação, terá “corrigido” este valor para € 6.000, presumivelmente com o intuito de atender a que o acidente ocorreu em 2009 e havia afectado o rendimento que o autor auferiu nos últimos meses do ano.

A verdade é que o Tribunal recorrido não podia ter-se apoiado exclusivamente no facto enunciado sob o número 44 para determinar o rendimento que auferia o lesado à data do acidente. Constam, desde logo, da factualidade provada outros factos com relevo para decidir a questão.

Alega o autor / recorrente que “[o] cálculo utilizado no douto acórdão do tribunal da Relação de Guimarães, tendo em conta os factos apurados, salvo o devido e merecido respeito tem duas falácias. A primeira quando atribui ao lesado um rendimento anual de € 6.000,00, quando o recorrente auferia € 1.200,00 mensais, a segunda quando desconsidera por completo que, à incapacidade de 65 pontos, acresce a repercussão permanente na atividade profissional sendo o recorrente impedido de qualquer atividade profissional, violando o princípio constitucional da igualdade consagrado no artigo 13° da CRP por não tratar de modo diferente situação diferente. O recorrente, com 45 anos ficou impedido de trabalhar para a vida” (conclusão 6).

Quanto à primeira pretensão, não assiste razão ao autor / recorrente, não estando provado que o autor auferisse uma média mensal não inferior a € 1.200,00. O facto chegou inicialmente a ser dado como provado, sob o (mesmo) número 44, pelo Tribunal de 1.ª instância[17], mas o Tribunal recorrido, julgando os depoimentos sobre o montante do vencimento pouco subsistentes, deu-lhe ao ponto um teor diferente – o seu teor actual[18].

Mas procederá a segunda, ou seja, terá o Tribunal recorrido desconsiderado factos provados relevantes para decidir a questão?

Os factos relevantes para decidir o valor da indemnização pelo défice funcional permanente são, pelo menos, os seguintes:

1) No dia 3 de Outubro de 2009, cerca das 18:15 horas, na E.M. 1106 – Abedim, do concelho de Monção, ocorreu um embate entre o ciclomotor de serviço particular, com a matrícula BB, conduzido pelo Autor e o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de serviço particular, matrícula ........... conduzido por DD.

8) AA nasceu a 30 de Maio de 1964.

35) O Autor é portador de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 65 pontos.

36) As sequelas do Autor são, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, impeditivas de qualquer actividade profissional.

44) Na altura em que sofreu o acidente de viação o A. tinha 45 anos, era trolha e no decurso do ano de 2009 auferiu o rendimento ilíquido fiscalmente comprovado de € 4.748,40[19].

45) Aos fins-de-semana, o Autor desempenhava a actividade ..., quer em campos que possuía, quer para terceiros, auferindo uma quantia mensal, não concretamente apurada.

Repare-se que o único facto que compreende (alguma) quantificação de rendimentos é o que consta sob o número 44. Mas este, referindo-se ao rendimento ilíquido e ao rendimento fiscalmente comprovado merece algumas observações.

Em primeiro lugar, o rendimento a considerar pelo julgador não deve ser, em rigor, o rendimento ilíquido, tendo em atenção o disposto nos artigos 562.º e s. do CC (é o rendimento líquido, não o ilíquido. o rendimento que o lesado efectivamente deixará de receber por força da lesão).

Esta posição é consensual, designadamente, no Supremo Tribunal de Justiça. Diz-se, por exemplo, no sumário do Acórdão de 7.01.2013, que “[n]o cálculo da indemnização por danos patrimoniais decorrentes da perda da capacidade de ganho deve ser considerado, entre outros factores, o salário líquido (e não o bruto) recebido pelo lesado”, ou no sumário do Acórdão de 25.05.2017 que “[n]o que respeita ao cálculo da indemnização tendo em vista o ressarcimento do montante correspondente ao não pagamento de salários, o montante que o autor deixou de receber não foi o montante ilíquido, mas o montante líquido e, por isso, o ressarcimento não poderia nunca considerar o valor de retribuição ilíquido [20].

Em segundo lugar, o rendimento a que deve atender-se não coincide – não coincide necessariamente – com o rendimento fiscalmente comprovado, podendo e devendo abranger os rendimentos susceptíveis de ser de alguma forma comprovados. Apoiava-se a tese contrária em certa interpretação da norma do artigo 64.º, n.º 7, do DL n.º 291/2007, de 21.08 (regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel)[21], mas esta interpretação foi declarada inconstitucional em 9.04.2019.

Com efeito, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 221/2015 decidiu-se “declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República em matéria de direitos, liberdades e garantias prevista no artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição, da norma constante no n.º 7 do artigo 64.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 153/2008, de 6 de agosto, segundo a qual, nas ações destinadas à efetivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado, no âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais a atribuir ao mesmo, o tribunal apenas pode valorar os rendimentos líquidos auferidos à data do acidente, que se encontrem fiscalmente comprovados, após cumprimento das obrigações declarativas legalmente fixadas para tal período [22].

Sobre esta declaração de inconstitucionalidade esclareceu-se no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.03.2019 que “[a] inconstitucionalidade do art. 64.º, n.º 7, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, na redacção do Decreto-Lei n.º 153/2008, de 6 de Agosto, na parte em que determina que, '[p]ara efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado no âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais a atribuir ao lesado, o tribunal deve basear-se nos rendimentos… que se encontrem fiscalmente comprovados, uma vez cumpridas as obrigações declarativas relativas àquele período, constantes de legislação fiscal', não obsta a que deva atender-se nos rendimentos líquidos auferidos à data do acidente[23]. Equivale isto a dizer que o julgador deve ter em conta quaisquer rendimentos, ainda que não fiscalmente comprovados, mas rendimentos que sejam líquidos.

Atente-se agora no facto sob o número 45). Ele é particularmente importante, demonstrando que o rendimento mensal do autor era composto de rendimentos acessórios ou esporádicos, susceptíveis de exorbitar do valor do rendimento fiscalmente comprovado correspondente ao ano de 2009. Teria sido importante apurar este valor. Não tendo sido possível, é, de qualquer forma, essencial que o facto seja considerado. Como já se viu, é a própria lei que o admite, dispondo que [s]e não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados” (artigo 566.º, n.º 3, do CC).

Começa já a perceber-se que o valor que o Tribunal da Relação de Guimarães fez corresponder ao rendimento do autor não atendeu a todos elementos que deviam ser atendidos. Fazendo apelo àquele artigo 566.º, n.º 3, do CC, o rendimento mensal do autor deverá ser fixado em valor superior àquele que foi considerado.

Veja-se agora o que tem decidido a jurisprudência portuguesa, com destaque para este Supremo Tribunal e para as decisões mais recentes / actualizadas, quanto aos valores de indemnização pelo dano do défice funcional permanente / por danos patrimoniais futuros.

Por exemplo, no Acórdão de 23.10.2018 entendeu-se que “[o] valor de € 350 000 [se] mostra adequado a indemnizar o lesado pelos danos patrimoniais futuros, na consideração do seguinte quadro: (i) à data do acidente, o lesado tinha 54 anos; (ii) exercia a actividade de serralheiro naval, mecânico e civil; (iii) por força do acidente, ficou a padecer de um défice funcional permanente de 72 pontos incompatíveis com a actividade profissional habitual; (iv) o grau de incapacidade e as graves limitações funcionais associadas dificultarão ou impossibilitarão o exercício de outra actividade profissional na respectiva área, traduzindo, na prática, uma situação de incapacidade total permanente[24]. Para outro exemplo, no Acórdão de 9.01.2018 considerou-se “adequada a indemnização de €250.000,00 por danos patrimoniais futuros (supressão da capacidade de ganho) ao sinistrado, pessoa de 41 anos de idade e com um rendimento mensal de €750,00, que, em decorrência de acidente de viação, e entre outros danos:- sofreu amputação de parte de uma perna;- ficou afetado de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 30 pontos em 100;- as sequelas são impeditivas do exercício da atividade profissional habitual[25]”.

Nem todos os dados dos dois arestos referidos coincidem – dificilmente se encontrariam alguns em que eles coincidissem – com os do caso dos autos. É possível, não obstante, retirar deles uma medida por aproximação, ou chegar, através deles, a valores proporcionais.

Assim, feitas as adaptações que devem ser feitas, tendo atenção a idade do autor à data do acidente, o grau do défice funcional permanente, o impedimento de qualquer actividade profissional e o rendimento anual à data do acidente (cujo valor, pelo exposto, deverá ser elevado), considera-se adequado o valor de 195.000,00.


B) Dano estético

O Tribunal recorrido fundamentou o valor fixado para a indemnização pelo dano estético do seguinte modo:

 “A obrigação de indemnizar por responsabilidade civil emergente de acidente de viação, a que aludem os arts. 483.º, n.º 1, e 503.º, n.º 1, do Código Civil, abrange quer os danos de natureza patrimonial quer os danos de natureza não patrimonial sofridos pelo lesado em consequência do acidente (arts. 562.º, 563.º e 496.º do Código Civil).

Ao lado dos danos patrimoniais ou materiais, que se caracterizam pela ocorrência de um prejuízo susceptível de avaliação pecuniária, há a considerar também os designados danos não patrimoniais ou morais, que são prejuízos '(como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem-estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização' (Antunes Varela; Das Obrigações; 5ª ed., Vol. I: pág. 561 ).

No âmbito dos danos não patrimoniais são compensáveis os danos sofridos pela própria vítima, os danos sofridos pelos familiares referidos no artº 496º/2 e o dano resultante da perda do direito à vida.

O artigo 496º do Código Civil, referindo-se à tutela dos danos não patrimoniais diz no seu nº 3 que 'o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º'.

E este artigo diz que 'quando a responsabilidade se fundar em mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.

Quer isto dizer, desde logo, que, para os danos não patrimoniais merecedores de tutela, como a morte ou outros, a indemnização é fixada segundo um juízo de equidade.

Não funciona aqui a regra da diferença ou da reconstituição in natura, estabelecida para os danos patrimoniais nos artigos 562º e 566º do Código Civil.

Deve, portanto, o juiz, neste domínio, procurar um justo grau de compensação.

Na sua fixação, deve tomar-se em conta 'todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida' - Pires de Lima e Antunes Varela, C. Civil Anotado, 4ª ed. Vol. I, pág.501.

Neste aspecto, de acordo com a factualidade provada, provou-se que o Autor sofreu um dano estético permanente fixável no grau 4/7 (cfr. ponto 57 dos factos provados).

No caso vertente, consideramos proporcionado e equitativo o montante indemnizatório de 8.000,00€ pelo falado dano estético”.


Analisando:

A questão do dano estático suscita, desde logo, uma observação prévia.
Numa palavra: não se justifica que o dano estético seja tratado em parcela indemnizatória autónoma. Excepto quando ele se repercute na actividade profissional do lesado, o dano estético é um dano não patrimonial ou moral[26] e, como tal, deve integrar-se nos danos não patrimoniais.
Neste sentido, veja-se o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.05.2014[27] , “[o]s danos estéticos – não se provando que deles resulte qualquer prejuízo material, nomeadamente do foro laboral – devem ser considerados parte integrante dos danos não patrimoniais, não justificando parcela indemnizatória autónoma”.
O autor / recorrente discorda da decisão do Tribunal recorrido, dizendo que “o valor atribuído e reduzido de € 8.000,00 (oito mil euros), tendo em conta a jurisprudência dos tribunais superiores, não acautela e não tem em atenção as lesões do A. e bem assim o dano estético violando neste modo o número 1 e 4 do artigo 496° do código Civil”.
Veja-se se lhe assiste razão.
O facto mais relevante no que toca ao dano estético sofrido pelo autor é, com efeito, referido pelo Tribunal a quo:
57) O Autor sofreu um dano estético permanente fixável no grau 4/7.
Mas relevam ainda outros factos:
37) Na face, apresenta as seguintes sequelas: perda de cinco peças dentárias, cicatriz no lábio superior com cerca de 3 cm, cicatriz estrelada de 4x4 cm na região mentoniana lateral esquerda e dismorfia do lábio inferior, nistagmo, déficit de visão e mantém material de osteossíntese definitivo.
39) No tórax o A. apresenta cicatriz vertical na face anterior com cerca de 5cm.
40) No membro inferior direito apresenta 3 cicatrizes na face lateral da coxa com 5 cm, 2cm e 2 cm respectivamente de proximal para distal e mantém material de osteossíntese.
41) No membro inferior esquerdo o A. apresenta cicatriz na face anterior da rótula com cerca de 6 cm, e cicatrizes na face lateral da coxa com 5cm, 2 cm e 2 cm respectivamente de proximal para distal e mantém material de osteossíntese.
Sem pretender desvalorizar estes factos sempre se diga, contudo, que eles são têm uma função de mera concretização ou ilustração do dano estético, cujo factor mais importante para estes efeitos é sempre o respectivo grau.
Além disso, da falta de referência expressa a estes factos na fundamentação do Acórdão recorrido não pode retirar-se, sem mais, que os Tribunal os tenha ignorado.

Nesta sede, o julgador tem margem para valorar segundo a equidade[28]. Esta é, aliás, o único recurso do julgador, dizendo-se no artigo 496.º, n.º 4, do CC que “[o] montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso ainda que não descurando as circunstâncias referidas no artigo 494.º”, isto é, o grau de culpabilidade do agente[29] e as demais circunstâncias do caso (por exemplo, a natureza e a intensidade e da lesão infligida). Dentro destes limites, o julgador tem liberdade para atender a critérios subjectivos (na perspectiva do lesado), isto é, “à luz de factores atinentes à especial sensibilidade do lesado [como] [a] doença, a idade, a maior vulnerabilidade ou fragilidade emocionais[30].

Visto isto, a única coisa que cumpre a este Supremo Tribunal de Justiça fazer é averiguar se, na fixação daquele montante, o Douto Tribunal a quo respeitou os ditames de ordem legal e jurisprudencial relevantes para o caso concreto e arbitrou, portanto, uma indemnização adequada ao caso em apreço.
Numa visão “simplificadora”, é possível dizer que este processo se compõe de dois grandes momentos: um primeiro, em que o julgador pondera os factos provados relevantes e se esforça por encontrar um valor que, de acordo com a sua boa prudência e o seu bom senso, lhe pareça adequado à reparação / atenuação do dano e um segundo, em que pondera os casos análogos e, “corrige”, sempre que seja necessário, o valor inicialmente fixado, com o intuito de salvaguardar, na medida do possível, o princípio da igualdade e a uniformidade na aplicação do Direito (artigo 8.º, n.º 3, do CC).

Concentrando-se, em especial, nos artigos 496.º, n.º 4[31], e 494.º do CC, Tribunal da Relação de Guimarães reconheceu que lhe cabia “neste domínio [] procurar um justo grau de compensação” e concluiu que era “proporcionado e equitativo o montante indemnizatório de 8.000,00€”.

Em rigor, terá faltado ao Tribunal aquela segunda ponderação.

Olhando para os valores atribuídos em casos análogos ou próximos que foram decididos, retira-se uma orientação no sentido de elevar o valor atribuído pelo Tribunal recorrido. Olhando, por exemplo, para o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.05.2014[32] e mantendo presente que é preciso actualizar constantemente os valores indicativos da jurisprudência, é de concordar com / secundar o Tribunal de 1.ª instância, que fixou o valor desta indemnização em 15.000,00.

Em conclusão, ponderados todos os factos provados (o facto do qual resulta que o grau do dano estético permanente do autor é de 4 bem como os demais factos provados relacionados) e considerado o dano estético no contexto dos danos não patrimoniais, julga-se adequado fixar o valor desta indemnização em 15.000,00.


*


III. DECISÃO

Pelo exposto, decide-se revogar parcialmente o Acórdão recorrido e, em consequência, condenar a ré / recorrida GG, S.A., a pagar ao autor / recorrente AA:

1 – a quantia de € 195.000 (cento e noventa e cinco mil euros), pelo défice funcional permanente, acrescida de juros de mora, às sucessivas taxas legais, a contar da citação até efectivo e integral pagamento; e

2 – a quantia de € 15.000 (quinze mil euros), a título de dano estético (única parte dos danos não patrimoniais posta em causa pelo recorrente), acrescida de juros de mora, às sucessivas taxas legais, contados desde a prolação da sentença e até efectivo e integral pagamento.

                                                           *

 

Custas pelo recorrente e pela recorrida na proporção do vencimento e do decaimento de cada uma.

Lisboa, 19 de Junho de 2019

                                                            

Catarina Serra (Relatora)

Bernardo Domingos

João Bernardo

________________


[1] Que, em 2016, alterou a sua denominação social para “GG, S.A.”.
[2] Em rigor, o presente recurso é interposto também em nome da autora. Não se verificando, contudo, em relação a esta, o requisito da sucumbência (artigo 629.º, n.º 1, do CPC), deve considerar-se que o recurso é exclusivamente interposto pelo autor. Diga-se, de qualquer forma, que não foi formulada qualquer alegação conclusiva respeitante ao pedido da autora.
[3] O teor deste ponto foi reformulado pelo Tribunal recorrido.
[4] Este ponto refere-se a facto considerado não provado pelo Tribunal recorrido.
[5] O teor deste ponto foi reformulado pelo Tribunal recorrido.
[6] Decidiu o Tribunal recorrido que este ponto não poderia manter-se por respeitar a matéria conclusiva.
[7] O teor deste ponto foi reformulado pelo Tribunal recorrido.
[8] Como é óbvio, a distinção entre danos presentes e danos futuros assenta, fundamentalmente, no momento da verificação dos danos por referência à data da fixação da indemnização: são danos presentes os que já se verificaram nesta altura; são danos futuros os restantes, dividindo-se estes, por seu turno, em certos e eventuais. Cfr., neste sentido, Almeida Costa, Direito das Obrigações, Coimbra, Almedina, 2006 (10.ª edição), p. 597.
[9] Sublinhados nossos.
[10] Cfr. Maria da Graça Trigo, “Adopção do conceito de 'dano biológico' pelo Direito português”, in: Revista da Ordem dos Advogados, 2012, vol. I, pp. 147 e s. (disponível em https://portal.oa.pt/upl/%7B5b5e9c22-e6ac-4484-a018-4b6d10200921%7D.pdf), e Responsabilidade civil – Temas especiais, Lisboa, Universidade Católica Portuguesa Editora, 2015, pp. 69 e s.

[11] Cfr. Maria Manuel Veloso, “Danos não patrimoniais”, in: Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da reforma de 1977, volume III – Direito das Obrigações, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, pp. 512 e s.
[12] Cfr. Manuel A. Carneiro da Frada, “Nos 40 anos do Código Civil Português – Tutela da Personalidade e Dano Existencial”, in: Forjar o Direito, Coimbra, Almedina, 2015, pp. 289 e s. Segundo o autor (p. 298), o conceito de “dano existencial” permite compreender “o impacto da lesão que a pessoa sofreu na sua integridade física na sua realidade mais global”, transcendendo-se, pois, o “nível meramente biológico, o nível daquilo que é passível de uma averiguação ou testificação médica, para nos situarmos no plano dinâmico da vida da pessoa e das suas condições concretas (atingida que foi por uma lesão da saúde)” (sublinhado do autor).
[13] Cfr. Manuel A. Carneiro da Frada, “Nos 40 anos do Código Civil Português – Tutela da Personalidade e Dano Existencial”, cit., p. 292.
[14] A distinção entre danos patrimoniais e danos não patrimoniais assenta na susceptibilidade da sua avaliação pecuniária. Os segundos são definidos pela negativa, podendo apenas ser objecto de compensação e não, como os primeiros, de uma indemnização por equivalente.
[15] Cfr., entre outros, Maria da Graça Trigo, Responsabilidade civil – Temas especiais, cit., pp. 78 e s. Adverte a autora que a jurisprudência italiana retomou, no entanto, a partir de 2003, a dicotomia “dano patrimonial / dano não patrimonial”, entendendo que o primeiro era suficientemente amplo para compreender os danos não patrimoniais, como o dano biológico e o dano existencial.
[16] Cfr., por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 773/07.0TBALR.E1.S1 (disponível em http://www.dgsi.pt).
[17] O teor inicial do facto sob o número 44 era o seguinte: “[n]a altura em que sofreu o acidente de viação o A. tinha 45 anos, era trolha e auferia uma média mensal não inferior a € 1.200,00 (mil e duzentos euros)”.
[18] Regista-se que, tanto nas alegações de recurso como nas conclusões, o autor / recorrido ignora que ocorreu esta alteração da matéria de facto.
[19] O teor deste ponto foi reformulado pelo Tribunal recorrido.
[20] Cfr., respectivamente, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25.05.2017, Proc. 806/12.8TBVCT.G1.S1 e de 7.01.2013, Proc. 2395/06.3TJVNF.P1.S1 (disponíveis em http://www.dgsi.pt) (sublinhados nossos). Reproduzem-se apenas os sumários destes Acórdãos mas a lista é extensa. Veja-se mais dois: Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19.10.2016, Proc. 1893/14.0TBVNG.P1.S1, e de 7.02.2013, Proc. 3557/07.1TVLSB.L1.S1 (todos disponíveis em http://www.dgsi.pt).
[21] Diz-se nesta norma: “[para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado no âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais a atribuir ao lesado, o tribunal deve basear-se nos rendimentos líquidos auferidos à data do acidente que se encontrem fiscalmente comprovados, uma vez cumpridas as obrigações declarativas relativas àquele período, constantes de legislação fiscal”.
[22] Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 221/2015, de 9.04.2019 (disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt).
[23] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.03.2019, Proc. 1069/09.8TVLSB,L2.S2 (disponível em http://www.dgsi.pt).
[24] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.10.2018, Proc. 902/14.7TBVCT.G1.S1 (disponível em http://www.dgsi.pt).
[25] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.01.2018, Proc. 275/13.5TBTVR.E1.S1 (disponível em http://www.dgsi.pt).
[26] Veja-se, por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.07.2009, Proc. 704/09.9TBNF.S1 (disponível em http://www.dgsi.pt).[27] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.05.2014, Proc. 1070/11.TBVCT.G1.S1 (disponível em http://www.dgsi.pt). Explica-se neste Aresto: “[n]ão se ignora que noutros países, como a França e a Espanha, o dano estético é encarado autonomamente, demandando parcela indemnizatória própria. Mas tal não se justifica, a nosso ver. Essa construção só daria aso a complicações e inseguranças que abririam caminho a disparidades injustas sob o ponto de vista indemnizatório. A discussão começaria pela definição do que seria dano estético (casos há que são nítidos, mas outros não), na possibilidade de duplicação indemnizatória, porque este tipo de danos se pode repercutir noutros campos (até laborais), etc. Cremos, então, que não se repercutindo laboralmente, devem ser integrados no montante compensatório relativo aos danos não patrimoniais (Assim, expressamente, veja-se, no referido sítio, o Ac. deste Tribunal de 2.11.2010, processo n.º 7366/03.9TBSTB.E1.S1)”. Cfr., ainda, confirmando este entendimento, o Acórdão proferido pelo mesmo Tribunal na mesma data, Proc. 436/11.1TBRGR.L1.S1 (também disponível em http://www.dgsi.pt).
[28] Sobre o que é a equidade “não há resposta fácil nem unívoca”, mas parece poder dizer-se que a decisão segundo a equidade (…) pode conferir peso a quaisquer argumentos sem se preocupar com a sua autoridade e relevância face às aludidas fontes (do sistema). É campo ilimitado do 'material', do 'razoável', do 'justo', do 'natural'”. Cfr. Manuel A. Carneiro da Frada, “A equidade ou a 'justiça com coração' – A propósito da decisão arbitral segundo a equidade”, in: Forjar o Direito, Coimbra, Almedina, 2015, p. 656 e pp. 675-676.
[29] Este é uma manifestação da função sancionatória ou punitiva da responsabilidade civil e, em particular, da compensação de danos não patrimoniais.
[30] Cfr. Maria Manuel Veloso, “Danos não patrimoniais”, in: Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da reforma de 1977, volume III – Direito das Obrigações, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 506.
[31] Embora se refira, em rigor, o n.º 3, é o teor do n.º 4 que é reproduzido.
[32] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.05.2014, Proc. 436/11.1TBRGR.L1.S1 (disponível em http://www.dgsi.pt). Fez-se aí corresponder o valor de € 5.000,00 à indemnização pelo dano estético fixado em grau 3 numa escala de 7.


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