Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08A1991
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: NUNO CAMEIRA
Descritores: TRANSPORTE MARÍTIMO
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
CONHECIMENTO DE EMBARQUE
TRANSITÁRIO
CONVENÇÃO DE BRUXELAS
Nº do Documento: SJ200809160019916
Apenso:
Data do Acordão: 09/16/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
1) Porque resulta de um manifesto lapso de que padece a tradução oficial portuguesa, a referência a “armador” que consta do artº 1º, a), e do artº 3º, nº 6, da Convenção de Bruxelas de 25.8.24, deve ser lida e entendida como “transportador”.

2) O prazo de um ano para intentar contra o transportador a acção de perdas e danos prevista no artº 6º, 4º parágrafo, da Convenção é um prazo de caducidade.

3) O contrato de expedição é aquele em que um transitário se obriga perante o expedidor a prestar-lhe serviços (que tanto podem ser actos materiais como jurídicos) ligados a um contrato de transporte, e também a celebrar um ou mais contratos de transporte em nome e representação do cliente.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. Resumo dos termos essenciais do litígio e do recurso
AA, LDA, propôs uma acção ordinária contra BB – TRANSPORTES E NAVEGAÇÃO, LDA, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia, a liquidar em execução de sentença, correspondente à que a autora venha a ter de pagar ao seu cliente CC em resultado de acção que este proponha relativamente à perda de determinada mercadoria, e a quantia, também a liquidar em exe­cução de sentença, correspondente ao prejuízo sofrido pela autora em consequência da diminuição da sua actividade decorrente do facto de o seu bom nome e prestígio terem sido afectados, tudo com os juros de mora legais.
Em resumo, alegou que:
a) Em Maio de 1996 foi incumbida pelo seu cliente CC de promover a expe­dição e transporte de várias mercadorias entre Leixões e Sidney, tendo acordado com a ré, por conta e ordem do seu cliente, esse transporte;
c) As mercadorias foram contentorizadas e embarcadas num navio conforme instruções recebidas da ré;
d) Durante a viagem marítima o contentor caiu ao mar, perdendo-se a totalidade da mer­cadoria nele acondicionada;
e) O seu cliente pretende que a autora o reembolse do prejuízo, com recurso, se necessário, aos meios judiciais;
f) A ré não cumpriu a sua obrigação de transportar a mercadoria e fazer a respectiva entrega ao destinatário, tornando-se responsável pelos danos causados à autora;
g) Recusa-se a assumir, contudo, responsabilidade pela indemnização desses prejuízos, assim impossibilitando a autora de ressarcir o seu cliente;
h) A isto acresce que a imagem comercial da autora junto da comunidade emigrante por­tuguesa residente na Austrália ficou e continua seriamente prejudicada pelo sucedido, e, por tal motivo, a autora viu desde então seriamente reduzida a actividade junto dos emi­grantes portugueses residentes naquele país.
Contestando, a ré impugnou que se tivesse obrigado perante a autora a transportar, ou mesmo que tivesse transportado por via marítima as mercadorias alegadamente desapa­recidas, acrescentando que apenas actuou como transitária a solicitação da autora, tendo contratado o transporte marítimo da mercadoria com A. HARTRODT ESPAÑA, SA, na quali­dade de agente da autora; subsidiariamente, alegou ainda que a sua responsabilidade nunca poderá exceder a da transportadora marítima.
Reagindo à contestação, a autora pediu a intervenção principal provocada de A. HARTRODT ESPANA, SA, a título de litisconsórcio passivo subsidiário, ou seja, por dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida.
A chamada contestou a pretensão da autora.
Para além do mais, excepcionou a caducidade do direito de acção, nos termos do artº 3.76 da Convenção de Bruxelas de 25.8.24, alegando para o efeito que a entrega do contentor e das mercadorias no porto de Sidney deveria ter ocorrido até 7.7.96 e que a sua intervenção principal provocada na presente acção apenas foi requerida em 3.11.97.
No despacho saneador foi proferida sentença a julgar caducado o direito de acção da autora relativamente à chamada A. HARTRODT ESPAÑA, SA, absolvendo-se esta dos pedidos contra ela formulados, e extinta a instância por inutilidade superveniente da lide relati­vamente à também chamada (enquanto eventual obrigada de regresso daquela) MEDI­TER­RANEAN SHIPPING COMPANY, SA.
A autora apelou.
A acção, entretanto, prosseguiu na parte relativa à ré.
Realizado o julgamento e estabelecidos os factos foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo a ré do pedido.
Inconformada, a autora apelou de novo.
A Relação, porém, negou provimento a ambos os recursos, confirmando a absolvição do pedido decretada na 1ª instância tanto no que toca à chamada, como à ré.
Daí o presente recurso de revista interposto para este Supremo Tribunal, em que a autora insiste na condenação da ré e da chamada nos termos inicialmente peticionados com base nas seguintes conclusões:
Nos termos do artigo 3º, n°6, da Convenção Internacional para a Unificação de Certas Regras em Matéria de Conhecimento de Carga: “o armador e o navio ficarão libertados de toda a responsabilidade por perdas ou danos, não sendo instaurada a respectiva acção no prazo de um ano a contar da entrega das mercadorias ou da data em que estas deveriam ser entregues”;
Por sua vez, o artigo 1° da mesma Convenção Internacional considera que é armador o proprietário do navio ou o afretador que foi parte num contrato de transporte com um carregador;
A A. Hartdrot España, SA, não é proprietária do navio "MSC Ariane".
E não interveio no contrato de transporte da mercadoria enquanto armadora do navio, mas enquanto agente transitário pelo que não lhe é aplicável o disposto na Convenção Internacional para a Unificação de Certas Regras em Matéria de Conhecimento de Carga.
A Convenção Internacional delimita subjectivamente o seu âmbito de aplicação, sendo certo que não cabe nesse âmbito a actividade desenvolvida pelas empresas transitárias, uma vez que pressupõe a existência de um contrato de transporte celebrado entre um transportador e um carregador.
A actividade desenvolvida pela chamada não se enquadra igualmente no conceito de afretador;
O prazo estabelecido no artigo 3º, n°6, da Convenção Internacional para a Unificação de Certas Regras em Matéria de Conhecimento de Carga, pressupõe, como qualquer prazo de prescrição, a possi­bi­lidade de acção judicial pela parte lesada;
A recorrente, por não ter contratado directamente com a A. Hartdrot España, SA, não tinha legi­timidade para interpor a acção judicial contra esta por mero efeito da perda da mercadoria, uma vez que aquela não era sua comparte em qualquer contrato de transporte;
O direito da recorrente apenas nasceu com a sua condenação no pagamento da indemnização ao seu cliente CC, tendo o trânsito em julgado do douto acórdão do Supremo Tri­bunal de Justiça ocorrido em 1 de Abril de 2004.
10ª O que está em causa quanto ao direito relativamente à interveniente Hartdrot Espana, S.A., não é conhecimento desse direito por parte da recorrente mas a possibilidade do seu exercício, sendo certo que apenas após a condenação no pagamento da indemnização ao seu cliente, a ora recorrente poderia exercer o direito que lhe assiste contra aquela.
11ª A Convenção Internacional para a Unificação de Certas Regras em Matéria de Conhecimento de Carga de 1924, foi pensada para relações bilaterais, ou seja, em que seria o proprietário da mercadoria a contratar directamente com o armador do navio, pelo que havendo perda ou dano na mercadoria trans­portada, naturalmente que àquele assistia o direito de demandar a sua comparte no contrato de transporte.
12ª Fora do quadro das relações bilaterais emergentes do contrato de transporte, o artigo 3°, n°6 da Con­venção Internacional referida não terá aplicação, por não se verificar uma analogia de situações.
13ª Caso a recorrente não tivesse sido condenada na acção contra si proposta pelo seu cliente, nada poderia reclamar à Interveniente Hartdrot España, S.A., pelo que esta condenação não se pode ter por irrelevante para determinação do momento em que o direito da recorrente podia ser exercido e, consequentemente, ter início a contagem do prazo de prescrição.
14ª Pelo exposto, o prazo de prescrição apenas pode ter como termo inicial o dia 01 de Abril de 2004, momento em que o direito da recorrente contra a Interveniente nasceu na sua esfera jurídica.
15ª A BB agiu perante a ora recorrente como agente transitário;
16ª Nos termos do artigo 1° do Decreto-lei n°43/83, de 25 de Janeiro, “São consideradas empresas transitárias as sociedades comerciais que, tendo por objecto a prestação de serviços a terceiros, no âmbito da planificação, controlo, coordenação e direcção das operações necessárias à execução das formalidades e trâ­mites exigidos na expedição, recepção e circulação de bens ou mercadorias, obedeçam aos requisitos esta­belecido no presente diploma e nas suas disposições regulamentares”;
17ª O agente transitário desempenha um papel próprio no quadro da actividade de transporte de merca­dorias, pelo que não pode ser considerado um mero mandatário do expedidor;
18ª Na ausência de norma especial que responsabilize o agente transitário perante o seu cliente, não é legitimo o recurso às normas próprias do contrato de mandato, na medida em que a posição que um e outro ocupam no comércio jurídico são de tal modo diferentes que impedem a aplicação analógica destas normas.
19ª O Decreto-lei 43/83, de 25 de Janeiro, não trata da responsabilização do transitário pelos danos ao seu cliente, pelo que haverá que recorrer às normas gerais sobre incumprimento contratual constantes do Código Civil.
20ª O artigo 800º, n°1 do Código Civil, estabelece a responsabilização do devedor nas situações em que recorre aos serviços de terceiros, salvo convenção em contrário.
21ª O contrato de expedição ou de trânsito implica que o agente transitário proceda a todas as diligências necessárias ao transporte de uma determinada mercadoria indicada pelo expedidor, sendo certo que esta obrigação só se considera cumprida na medida em que a mercadoria chegue ao destinatário final.
22ª A circunstância de a AA Transitários, Lda. constar do "bill of lading" com a A. Hartdrot não permite a conclusão de que a BB - Transportes e Navegação, Lda. agiu como mandatária da primeira, excluindo a sua responsabilidade pelo transporte a efectuar.
23ª O contrato de transporte marítimo com a MSC - Mediterranean Shipping Company, SA, foi cele­brado com a BB - Transportes e Navegação, Ldª, não sendo a recorrente parte nesse mesmo contrato.
24ª Nada impede que as empresas transitárias celebram e executem contratos de transporte, executando-os directamente ou com recurso a terceiros.
25ª A BB, ora recorrida, actuou num primeiro momento "as agents" (agente transitário) da ora recorrente e num segundo momento "as agents" da A. Hartdrot.
26ª O frete marítimo foi facturado pela ora recorrente, bem como, as demais despesas correspondentes ao transporte.
27ª Conforme o Acórdão da Relação do Porto proferido no processo n°964/03-2, a ora Apelante foi condenada em virtude de se considerar que “Resulta do exposto que a matéria de facto assente configura uma vinculação da apelante perante o autor a colocar as referidas mercadorias no destino indicado, enten­dimento que é ainda favorecido pelo facto de o pagamento ter sido feito inteiramente à recorrente. (...) Deste modo, a AA não é nem actuou como transportadora, mas obrigou-se a promover o transporte, devendo responder face ao Autor, pelos prejuízos que este sofreu”;
28ª Decisão, apesar de com outra fundamentação, confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acór­dão do processo n° 77/04-1, ao decidir que "E nem se diga que, sendo esta (a AA) uma empresa transitária, não podia vincular-se a celebrar também um contrato de transporte de mercadorias por mar", tendo a ora Apelante sido responsabilizada pelos danos sofridos pelo seu cliente "por ter com ele celebrado o contrato de transporte em referência, sem embargo de poder eventualmente depois pedir responsabilidades a terceiros, relativamente aos quais o autor nada tem a ver por com eles não ter contratado”.
29ª Pelo que, a ora recorrida, apesar de actuar como agente transitário, deverá ser responsabilizada pelo pagamento da indemnização suportada pela ora recorrente em virtude do transporte por si contratado e facturado.
As recorridas contra alegaram, defendendo a confirmação do julgado.
Tudo visto, cumpre decidir.

II. Fundamentação
a) Matéria de Facto:
1) A autora AA – TRANSITÁRIOS, LDª, é uma sociedade comercial que exerce a acti­vidade transitária.
2) No âmbito da sua actividade, a autora foi incumbida, em Maio de 1996 pelo seu cliente CC de promover a expedição e transporte de diversos móveis e objectos de uso pessoal – melhor identificados a fls. 10 (1)(…)”. – entre os portos de Leixões e de Sidney, na Austrália.
3) A Autora contactou então a ré ....... – TRANSPORTES E NAVEGA­ÇÃO, LDª, a pro­pósito do transporte da referida mercadoria de Leixões para Sidney.
4) A referida mercadoria foi acondicionada no contentor MSCU 2877799.
5) A R. obrigou-se apenas perante a A. a tratar de todas as formalidades necessárias ao embarque e expedição do aludido contentor, bem como, através do seu agente no destino, das formalidades necessárias à recepção e entrega do referido contentor.
6) Para esse efeito a ré, na qualidade de agente de A. HARTRODT ESPAÑA, SA, encarregou a MSC – MEDITERRANEAN SHIPPING COMPANY, SA, de efectuar o transporte marítimo do referido contentor de Leixões para Sidney.
7) Em conformidade com instruções dadas pela ré o contentor MSCU 2877799 foi entregue na doca do terminal de contentores de Leixões, a fim de ser embarcado com destino a Sidney.
8) Em 7.6.96 o contentor foi embarcado no navio MSC ARIANE.
9) Na ocasião referida em 8) o contentor tinha como destino o porto de Felixstown.
10) O navio MSC ARIANE pertence a MSC – MEDITERRANEAN SHIPPING COMPANY, SA.
11) Posteriormente, em Felixstown, foi o referido contentor transbordado para o navio “MSC GIOVANNA”, com destino a Sidney.
12) No decurso da viagem para Sidney o referido contentor caiu ao mar, tendo-se perdido a totalidade da mercadoria nele acondicionada.
13) O MSC efectuou o transporte do referido contentor.
14) A propósito do embarque e transporte do contentor dos autos, foi emitido o combined transport bill of lading or port to port cuja cópia consta de fls. 49 (2).
15) A propósito do embarque e transporte do contentor dos autos, foi posteriormente emitido o bill of lading cuja cópia consta de fls. 50-51 (3).
16) A ré facturou à autora o frete marítimo e demais despesas correspondentes ao transporte em causa.
17) A autora pagou à ré o valor do frete e demais despesas adicionais.
18) Em consequência da queda do contentor ao mar, CC não recebeu os diversos móveis e objectos de uso pessoal que havia confiado à autora para que esta promovesse o seu transporte de Leixões para Sidney.
19) As referidas mercadorias valiam Esc. 19.250.000$00.
20) A autora foi condenada por sentença transitada em julgado no dia 1 de Abril de 2004 – no âmbito do processo n.º 567/1997 que correu seus termos no 5.º Juízo Cível do Tri­bu­nal da Comarca de Matosinhos – a pagar a CC a impor­tância de € 98.199,96 acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento, a título de indemnização pela perda dos móveis e objectos de uso pessoal acondicionados no con­tentor dos autos e pelo pagamento dos serviços contratados à autora.
21) A autora pagou a CC a importância de € 147.334,92 por conta da indemnização fixada na referida sentença condenatória, incluindo os juros de mora vencidos até ao trânsito em julgado da decisão, e o segundo declarou dar por findo o litígio que o opunha à autora.
22) A autora desenvolve a sua actividade na comunidade emigrante portuguesa.
23) A autora viu, desde então, reduzida a actividade junto dos emigrantes portugueses da Austrália.
b) Matéria de Direito
A autora alega - são as duas primeiras questões colocadas no recurso (conclusões 1ª a 8ª) - que não se aplica à chamada Hartdrodt o disposto no artº 3º, nº6, da Convenção de Bruxelas, de 25.8.24, que se tornou direito interno português através do DL 37748, de 1.2.50, porquanto ela, chamada, agiu tão somente como transitária, não sendo proprietária nem afretadora do navio que efectuou o transporte; e como, por outro lado, a recorrente não contratou directamente tal transporte com a Hartdrot, carecia de legitimidade para a demandar por mero efeito da perda da mercadoria.
Não tem razão.
A referida disposição da Convenção de Bruxelas tem plena aplicação ao caso ajuizado por­que o conhecimento de embarque, como resulta dos factos apurados, foi emitido em Portugal. E deles resulta igualmente, sem qualquer dúvida, que a chamada foi parte no contrato de transporte – foi, justamente, a transportadora. Ora, a expressão armador utili­zada no citado artº 3º, nº 6, da Convenção, e também no seu artº 1º, resulta de um mani­festo lapso da tradução oficial portuguesa; deve ler-se transportador, que é o que consta do texto francês, único texto oficial da Convenção (neste sentido, Mário Raposo, Direito Marítimo – Uma Perspectiva, na ROA, 43º, pág. 354, nota 15), até porque, como observa o autor citado, o afretador não é o armador, mas sim o que com este contrata o fretamento, que lhe permite, depois, celebrar o contrato de transporte. Portanto, a responsabilidade por perdas e danos que, segundo a Convenção, “em todos os casos” cessa se não for instaurada a acção “no prazo de um ano a contar da entrega das mercadorias ou da data em que estas deveriam ser entregues”, é a responsabilidade do transportador. Também não sofre dúvida que o prazo em questão é de caducidade, como tem sido uniformemente salientado pela doutrina e juris­prudência, atendendo ao critério estabelecido no artº 298º, nº 2, do CC (cfr, por último, “Da Limitação da Responsabilidade do Transportador na Convenção de Bruxelas de 1924”, pág. 139, de Hugo Ramos Alves). Aliás, a autora não pôs isto em dúvida no pro­cesso, e só agora, com duvidosa boa fé, o vem fazer. Deste modo, provado, segundo a Relação, que a mercadoria deveria ter sido entregue no porto de Sidney em 7.7.96 (facto admitido por acordo) e que a chamada Hartrodt foi accionada em 3.11.97 (data da apre­sentação do incidente de intervenção principal provocada –fls 58/64), é certo que caducou o direito de a accionar por perdas e danos ocasionadas no transporte, como as instâncias julgaram.
Contra isto não vale o argumento - 3ª questão posta (conclusões 9ª a 14ª) - de que só em 1.4.04 a autora pôde accionar a chamada, por isso que apenas nessa data transitou em jul­gado a sentença que ditou a sua condenação a pagar ao cliente (CC) uma indemnização pelos referidos prejuízos. O argumento afigura-se absurdo, encerrando uma verdadeira petição de princípio e uma insanável contradição. Pois se a presente acção, intentada em 30.6.97, se baseia, afirma-o a própria autora, num alegado direito de regresso contra a ré, como há-de ser possível conciliar semelhante realidade com o facto de esse mesmo direito se ter constituído cerca de oito anos após tal data? Não faz qualquer sentido, salvo o devido respeito. De todo o modo, a caducidade de que se trata no caso sub judicio não respeita à relação contratual ou de responsabilidade estabelecida entre a autora e o seu cliente CC, ou entre a autora e a ré, mas sim, como resulta do que se expôs, à constituída entre o transportador e o lesado. E contando-se o respectivo prazo nos termos claramente definidos no artº 3º, nº 6, da Convenção, - como já se disse, um ano a contar da entrega das mercadorias ou da data em que estas deveriam ser entregues - claro está que a aplicação da regra do artº 329º do CC, segundo a qual o prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder ser legalmente exercido, fica desde logo excluída.
Nas restantes conclusões da revista - 15ª a 29ª - e de novo, no entender deste Tribunal, duma forma algo contraditória e difícil de acompanhar, a recorrente sustenta, em suma, que a recorrida BB, Ldª, deve responder em via de regresso pela indemnização que a autora satisfez ao lesado porque, sendo embora um transitário, no caso ajuizado não agiu como seu mandatário (mais exactamente, como mandatário do expedidor da mer­cadoria perdida, que foi a autora).
Mais uma vez, carece de razão.
A matéria de facto coligida revela sem qualquer sombra de dúvida que a autora não cele­brou com a ré um contrato de transporte marítimo de mercadorias por conta e ordem do seu cliente, mas sim de expedição ou trânsito, que, na clara definição fornecida por Francisco Costeira da Rocha na obra O Contrato de Transporte de Mercadorias, pág. 80, é o contrato “pelo qual uma parte (transitário) se obriga perante a outra (expedidor) a prestar-lhe certos serviços - que tanto podem ser actos materiais ou jurídicos – ligados a um contrato de transporte, e também a celebrar um ou mais contratos de transporte em nome e representação do cliente”; um contrato, por­tanto, que em sentido estrito é um mandato representativo, e ao qual se aplicam, conse­quentemente, as regras dos artºs 1157º e sgs do CC e 231º e sgs do Código Comercial. Ora, uma vez que a ré não se vinculou face à autora enquanto transportadora, nada lhe pode ser exigido a esse título, o que, por si só, basta para justificar a decretada impro­ce­dência da acção, visto que a única causa de pedir invocada consistiu, justamente, no incumprimento do contrato de transporte. Por outro lado, a matéria de facto evidencia também que, enquanto mandatária/transitária (rectius, parte no contrato de expedição), a ré não faltou ao cumprimento perante a autora: o contentor caiu ao mar e a mercadoria perdeu-se por razões alheias à sua actividade de transitária. Dos conhecimentos de embarque de fls 49 e 51 constam como partes no contrato de transporte unicamente a autora e a chamada Hartrodt, ambas, como bem se salienta no acórdão recorrido, repre­sentadas por um agente comum, que foi a ré. Assim sendo, os efeitos do contrato de transporte produziram-se na esfera jurídica dos mandantes (a autora e a chamada) con­soante o disposto nos artºs 1178º, nº1, e 258º do CC. Daí que não faça sentido chamar à colação o artº 800º do CC, que comina a responsabilidade do devedor perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como a recorrente pretende. Com efeito, não tendo a ré assumido pessoalmente em face da autora a obrigação, no sentido visado pelo artºs 397º e 405º do CC, de transportar as mercadorias entre os portos de Leixões, em Portugal, e Sidney, na Austrália, torna-se evidente que não pode ser responsabilizada pelos actos da transportadora (a recorrida Hartrodt). É exacto que, segundo o artº 15º, nº 1, do DL 255/99, de 7 de Julho, “as empresas transitárias respondem perante o seu cliente pelo incumprimento das suas obrigações, bem como pelas obrigações contraídas por terceiros com quem hajam contratado, sem prejuízo do direito de regresso”. Simplesmente, face ao preceituado no artº 12º, nº 2, 2ª parte, do Código Civil, este diploma não se aplica à situação ajuizada, ocorrida na vigência do DL 43/83, de 25 de Janeiro (que regulava a actividade das empresas transitárias e não continha uma disposição de conteúdo semelhante). E isto porque à data da entrada em vigor da lei nova a relação jurídica sobre a qual incidiu a apreciação e decisão jurisdicional sob recurso já se extinguira.
III. Decisão
Nos termos expostos, nega-se a revista.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 16 de Setembro de 2008

Nuno Cameira (relator)
Sousa Leite
Salreta Pereira
_________________
(1)- Com o seguinte teor na parte relevante: “LISTA DE CARGA (…) 52 VOLS C/BAGAGEM 3000 KGS – 10 mobílias de quarto (…) 1 mobília de sala (…) 1 estante/bar (…) 1 mesa de centro (…) 1 terno de sofás (…) 2 mesas de sala de jantar em pedra (…) 4 mesinhas de centro em pedra (…) 2 móveis de entrada em pedra (…) 6 máquinas de costura industrial (…) 14 caixas com enxoval (…) 1 frigorífico (…) 1 televisor (…) 1 aparelhagem de música (…) 1 vídeo (…) 1 leitor CD (…) 1 máquina de lavar louça (…) 1 máquina de lavar roupa (…) 1 máquina de café (…) 1 fogão eléctrico (…) 8 cadeirões decorativos (…) 3 colchões (…) 1 caixa com de mobílias (…) 2 arcas de madeira com enxoval (…)”.
(2)- Com o seguinte teor na parte que releva: “(…) B/L N.º 266242 A. HARTRODT (...) Shipper: BB – TRANSPORTES E NAVEGAÇÃO, LDA.” AS AGENTS OF AA TRANSITÁRIOS, S.A. (...) Consignee: A. HARTRODT (AUSTRALIA) PTY LTD. (...) Vessel: MSC ARIANE (...) Port of loading: LEIXÕES (...) Port of discharge: SIDNEY (...) 1x20’ MCSU 287779/9 SAID TO CONTAIN 52 VLMS PERSONNEL EFFECTS (...) Gross Weight: 3.000 Kgs (...) FREIGHT PREPAID (…) Place and date of issue: LEIXÕES 07/06/96 (...)”.
(3)-Com o seguinte teor na parte que releva: “(…) B/L N.º MSCUK 053178-6 MSC MEDITERRANEAN SHIPPING COMPANY S.A. (GENEVA) (...) Shipper: BB – TRANSPORTES E NAVEGAÇÃO, LDA.” AS AGENTS OF A. HARTRODT ESPANA SA (...) Consignee: ORDER OF A. HARTRODT (AUSTRALIA) PTY LTD. (...) Vessel: MSC ARIANE (...) Port of loading: LEIXÕES (...) Port of discharge: SIDNEY (...) MCSU 287779/9 1X20 GP STC 52 VOLMS PERSONAL EFFECTS (...) Gross Weight: 3.000,00 (...) SHIPPERS LOAD STOWAGE AND COUNT (…) FREIGHT PREPAID (…) Place and date of issue: LEIXÕES 96.06.08”.