Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3652/21.4T8VFR-A.P1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO BARATEIRO MARTINS
Descritores: RECONVENÇÃO
PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
ADMISSIBILIDADE
DEFESA POR EXCEÇÃO
DEFESA POR IMPUGNAÇÃO
Data do Acordão: 03/14/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I – Na reconvenção, estamos perante uma verdadeira ação – proposta, num processo em curso, através da contestação, pelo R. contra o A. – em que o R. faz valer um pedido/pretensão que podia formular em ação própria.

II – O que significa – correspondendo a reconvenção à introdução num processo pendente dum novo objeto constituído por uma causa de pedir própria e por uma pretensão autónoma – que nem todas as pretensões formuladas por um R. na contestação revestem natureza reconvencional, pois que, para que tal ocorra, tem a pretensão do R. de gozar de autonomia relativamente à pretensão do A..

III – É relativamente comum vermos contestações em que o R. termina/conclui a pedir a sua absolvição do pedido ou a pedir que sejam julgadas procedentes as exceções alegadas/invocadas, mas tais “pedidos” não constituem “pedidos reconvencionais”, uma vez que só há um verdadeiro “pedido” quando o mesmo corresponde a uma pretensão autónoma.

IV – E um pedido reconvencional é desprovido da indispensável autonomia – e, por isso, não deve ser admitido por força do art. 266.º/1 do CPC – se o efeito desejado pelo R. for a consequência da improcedência da ação: um pedido reconvencional destina-se a obter a declaração positiva de um direito, tem que acrescentar um benefício à simples improcedência da ação.

V – É o que, numa ação de responsabilidade civil, acontece (é desprovido da indispensável autonomia) com o “pretenso” pedido reconvencional que se baseie nas alegações/invocações factuais que se destinam a afastar/reduzir o direito indemnizatório invocado pelo A. (tendo e esgotando a sua repercussão jurídica – uma vez que correspondem tais alegações/invocações a defesa por impugnação – no plano do nexo causal e do dano, ou seja, não gozando de autonomia relativamente à pretensão indemnizatória do A.).

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I – Relatório

AA, com os sinais dos autos, propôs ação sob a forma de processo comum contra BB, advogado, pedindo a sua condenação no pagamento de indemnização no montante de € 374.306,00 e em juros vincendos até efetivo e integral pagamento; quantia decorrente do prejuízo que teve em consequência de omissão de deveres profissionais por parte do R. e que em 28-04-2021 (após o recebimento do valor de € 17.225,67 que lhe foi atribuído em rateio efetuado na insolvência do ex-marido, seu devedor) se fixou em € 365.611,46, a que fez acrescer os juros vencidos até 01.12.2021, no montante de € 8.694,54.

Alegou, em resumo:

mandatou o R. no início de 2004, como seu advogado, para a aconselhar e representar no processo de divórcio contra o seu então cônjuge e na consequente partilha; tendo o R., no exercício desse mandato, em 03/11/2004, preparado escritura de partilha e confissão de dívida, pela qual o ex-marido da A. se confessou devedor de € 688.000,00 a pagar em dez prestações anuais, com início em 20/07/2005, valor esse garantido por hipotecas sobre diversos imóveis, assumindo o R. o encargo de proceder ao registo predial de tais hipotecas;

o que – registo das hipotecas – o R. não fez (em Nov. de 2011, ainda não estavam registadas), tendo entretanto sido registadas hipotecas para garantia de outros e posteriores créditos sobre o então cônjuge da A., sucedendo que, quando estava ainda em dívida o valor de 4 prestações anuais, no valor global de 275.200,00, foram penhorados e vendidos, em execuções fiscais (onde a A. foi reclamar o seu crédito, que nunca viu graduado por força da posterior declaração de insolvência do seu ex-marido e devedor), imóveis sobre que detinha hipoteca; sucedendo que numa execução por si movida foi penhorado e vendido um dos imóveis hipotecados, tendo, contudo, sido graduado em primeiro lugar outro credor que ali fora reclamar o seu crédito; e sucedendo, em face dos bens apreendidos e dos créditos graduados no processo de insolvência do seu ex-marido, que a A. veio a receber, em rateio, “apenas” a já referida quantia de € 17.225,67;

o R. admitiu a seu “erro” e comunicou-a à seguradora com quem celebrara contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, entendendo o R., porém, que a sua responsabilidade teria como limite máximo o valor que a A. teria recebido pela venda dos imóveis sobre que foram, previamente à sua, registadas hipotecas constituídas para garantia de débitos posteriores, do que a A. discorda, sustentando que, não fora a omissão do R., teria recebido a totalidade do seu crédito.

O R. contestou, articulado em que impugnou o montante (€ 275.200,00) que o ex-marido não pagou à A. (e a contabilização dos juros); e em que, inter alia, alegou:

que, além das prestações anuais, a A. recebeu em dinheiro, do seu ex-marido, € 19.000;

que além dos bens hipotecados havia outro património do seu ex-marido e devedor passível de penhora que, por opção da A., não foi penhorado;

que, antes da constituição da hipoteca a favor da A., já quatro dos imóveis sobre que ela incidiu (e que constituíam uma unidade predial denominada de apartamento da praia da ...) tinham sido hipotecados pela A. e pelo seu ex-marido, em 1996;

que uma das hipotecas posteriormente constituída e inscrita sobre um dos imóveis que também foi hipotecado em garantia do crédito da A. visava garantir um mútuo contraído pelo seu ex-marido para pagamento de outra dívida comum do casal.

que sobre um outro dos imóveis hipotecados já existia registo de hipoteca anterior à que fora constituída para garantia do crédito da A..

Razões pelas quais, segundo o R., ainda que não tivesse ocorrido omissão do registo atempado das hipotecas, jamais a A. receberia a totalidade do seu crédito por via dos imóveis hipotecados.

Mais alegou que, quando se apercebeu do “erro do seu escritório”, referiu à A. ser, naquela altura, impossível prever se e quando o seu ex-marido deixaria de pagar as prestações a que se obrigara, não se podendo prever qual seria o dano decorrente da omissão do registo das hipotecas, desde logo por também se desconhecerem quais os valores em dívida aos credores que tinham registo de hipoteca anterior ao da A. (quer por força do atraso desse registo por parte do R., quer por haver hipotecas registadas mesmo antes da confissão de dívida com hipoteca a favor da A.).

Alegou ainda que, na execução movida pela A. contra o seu ex-marido, a filha de ambos veio exercer o direito de remição sobre imóvel ali penhorado/vendido, com vista a encobrir a verdadeira aquisição do mesmo pelo seu pai, ali executado, que nesse imóvel habitava e continuou a habitar; o que a A. soube e com que concordou, tendo recebido a quantia de € 19.000 € do seu ex-marido em troca de não diligenciar por melhor proposta pela compra do bem e de não obstaculizar a remição do mesmo (aceitando que o imóvel fosse adquirido por valor muito inferior ao real).

E ainda alegou que o ex-marido da A. tinha quantia monetária depositada em conta bancária titulada pelos dois filhos do casal, tendo-lhe ele, R., sugerido a sua penhora, o que a A. não quis fazer, deixando assim de obter os € 100 000€ ali depositados.

Alegações estas que levaram o R. a deduzir, afinal, reconvenção em que peticionou:

“a) ser reconhecido e decidido que a declaração constante da carta junta como doc. 1 da petição inicial não constitui uma garantia nem uma assunção da obrigação, pelo R., de pagar toda a dívida do ex-marido da A. que esta não recebesse através da venda dos bens por ela recebidos de hipoteca, mas apenas uma declaração mediante a qual o R. assumiu a obrigação de indemnizar a A. pelas consequências danosas do erro do seu escritório, com o sentido e alcance alegados nos artigos 53º a 56º;

b) ser a A. condenada a reconhecer e conformar-se com o decidido quanto à alínea anterior;

c) ser decidido que, ainda que se verificassem todos os pressupostos da sua responsabilidade civil e da sua obrigação de indemnização, não podia ser levada em conta, para esse efeito, a quantia de 8.855,47 referida na al. a) do art.º 89º, e a A. nisso condenada;

d) ser apreciado, declarado e decidido (i) que a filha da A., CC, não é a legítima proprietária da fração autónoma identificada nos artigos 12º-B e 103º a 105º, sendo mera titular formal da mesma, e (ii) que o real e legítimo proprietário dessa fracção era e é o ex-marido da A. DD;

e) o referido ex-marido da A. e a filha de ambos, CC, cuja intervenção mais adiante se requer, serem condenados a reconhecer e aceitar o decidido quanto ao pedido da alínea antecedente;

f) ser apreciado, declarado e decidido (i) que os filhos da A., EE e CC, não eram os legítimos titulares da conta bancária da conta bancária referida nos artigos 135º a 142º, sendo meros titulares formais da mesma, e (ii) que o real e legítimo proprietário dessa conta e dono verdadeiro do dinheiro através dela movimentado era o ex-marido da A. DD;

g) o referido ex-marido da A. e os filhos de ambos, EE e CC, cuja intervenção mais adiante se requer, serem condenados a reconhecer e aceitar o decidido quanto ao pedido da alínea antecedente;

h) a A. ser condenada a reconhecer (i) que o proprietário legítimo da referida fracção, desde o divórcio de ambos, em 2004, sempre foi e é o seu ex-marido e não a sua filha, bem como do equipamento, mobiliário e artigos de decoração que compunham e compõem o seu recheio e (ii) que o dinheiro movimentado através da referida conta bancária e o valor do respectivo saldo nela existente pertenciam ao seu ex-marido e não aos dois filhos de ambos;

i) a A. condenada a reconhecer que, com vista à cobrança da dívida do seu ex-marido, alegada na petição inicial, podia ter nomeado à penhora e obtido a venda ou a adjudicação, quer a referida fracção autónoma e os artigos de mobiliário e equipamentos que compunham o seu recheio, bem como o valor do saldo da referida conta bancária, como meio de eliminar ou reduzir o valor do dano que ela tenha eventualmente sofrido em consequência do alegado erro do escritório do R., isentando este da correspondente obrigação de indemnização.

Para o que pediu a intervenção principal dos filhos e ex-marido da A., como associados desta, enquanto reconvindos.

A A. replicou, pugnando pela inadmissibilidade da reconvenção e das intervenções principais.

Foram admitidas as intervenções principais dos ex-marido e filhos da Autora.

No seguimento do que replicaram os filhos da A., CC e EE, arguindo a sua ilegitimidade passiva por não serem titulares de qualquer interesse relevante na causa e defendendo a inadmissibilidade da reconvenção por não ter qualquer conexão com a causa de pedir; impugnaram, ainda, os fundamentos do pedido reconvencional.

Entretanto, em 28/03/2023, foi proferido despacho em que se decidiu não admitir a reconvenção, despacho esse completado, em 10/05/2023, com a declaração da absolvição da instância reconvencional dos intervenientes principais associados da Reconvinda.

Inconformado com tal despacho, veio o R./reconvinte dele interpor recurso de apelação, que foi admitido, tendo a Relação do Porto, por Acórdão de 13/11/2023, julgado improcedente tal apelação e confirmado a decisão recorrida.

Ainda inconformado, interpõe agora o R./reconvinte o presente recurso de revista – como “revista excecional”, a qual foi admitida como “revista normal” por a fundamentação do Ac. da Relação ser diferente da fundamentação da 1.ª Instância – visando a revogação do Acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que admita a reconvenção.

Terminou a sua alegação, no que aqui interessa, com as seguintes conclusões:

“ (…)

1ª.- Por força do disposto no nº 3 doart.671ºdo CPC, o recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça é admissível se, não obstante o acórdão da Relação confirmar, sem voto de vencido, a decisão da 1ª instância, aquele acórdão assentar em fundamentação essencialmente diferente da adotada por aquela decisão.

Numa tal hipótese, de fundamentação essencialmente diferente entre a 1ª e a 2ª instância, não ocorrerá a situação jurídica que a jurisprudência e a doutrina denomina de “dupla conforme”, que impede a interposição de recurso para o STJ, sendo, por isso, admissível a revista.

2ª.- A existência de fundamentação essencialmente diversa terá de ser também avaliada, separadamente, para cada uma das pretensões autónomas e cindíveis, ou seja, no caso presente, separadamente para cada parcela e ou grupo de parcelas do pedido reconvencional em que se manifesta a decisão no seu todo.

3ª.- Quer na 1ª quer na 2ª instância, a fundamentação da improcedência foi a mesma quanto aos pedidos formulados sob as alíneas a) a c): tratar-se-ia de pedidos sem autonomia, que não ultrapassam a simples defesa com vista à improcedência do pedido da Autora.

4ª.- Porém, quanto aos restantes pedidos, a fundamentação da sua improcedência foi diferente:

a) na 1ª instância o fundamento foi que “não se verifica a necessária conexão objectiva entre as duas acções.”, demonstrando-se, logo a seguir, essa falta de conexão.

b) na 2ª instância, por seu lado, como atrás se analisou, o fundamento da improcedência continuou a ser, para todos eles, a “falta de autonomia”, o facto de traduzirem uma pretensão meramente defensiva, de que “não ultrapassam o propósito da defesa, não tendo qualquer autonomia em relação à mesma.”

5ª.- Fundamentação parcialmente coincidente, em ambas as instâncias, para a improcedência do grupo dos pedidos das alíneas a), b) e c); mas fundamentação essencialmente diferente para a improcedência do outro grupo, das alíneas d), e), f), g), h), i), g), h) e i).

6ª.- Dessa conclusão se extrai esta outra: dado que a fundamentação adoptada pelas duas instâncias para a improcedência da reconvenção foi, no seu todo, essencialmente diferente quanto aos pedidos das alíneas d), e), f), g), h), i), g), h) e i), então não se verifica a dupla conforme, nos termos e para os efeitos do nº 3 do art. 671º do CPC, tal como é entendido na doutrina e na jurisprudência e como anteriormente se resumiu.

7ª. Não ocorrendo, no caso presente, essa situação de dupla conforme, então é admissível a revista por este Supremo Tribunal de Justiça; sendo que a revista quanto à decisão que recaiu sobre os pedidos reconvencionais das alíneas a) e b), deve, sempre e em qualquer caso, ser admitida no âmbito da revista excepcional, com fundamento no disposto na al. a) do nº 2 do art. 672º do CPC, porquanto a questão da admissibilidade da reconvenção que aqui se discute, conforme resulta do alegado a fls 9 e segs das presentes alegações, é uma questão especiosa e pouco – ou nada – comum, cuja relevância jurídica é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, tendo em conta o entendimento ali defendido, bem como nas conclusões seguintes, sobre a interpretação da al. a) do nº 2 do art. 266º do CPC e da interpretação e aplicação, ao caso presente e a futuros casos, da norma do art. 91º, nº 2, também do CPC.

9ª.- Para efeitos da segunda parte da alínea a) do nº 2 do art. 266º CPC, entende-se não ser suficiente que o réu alegue qualquer facto do qual possa extrair um efeito jurídico através da reconvenção, pois é necessário que o facto alegado produza “o efeito útil defensivo”, que seja capaz de reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor.

10ª.- A segunda parte da alínea a) do n.º 2 do art. 266º do CPC abrange o caso – como o presente - em que o pedido reconvencional se funda nos mesmos factos em que o réu baseia uma excepção peremptória ou com os quais indirectamente impugna os alegados na petição inicial.

11ª.- Os factos alegados na contestação/reconvenção e em que o ora recorrente funda os seus vários pedidos reconvencionais, não só constituem uma excepção peremptória, na medida em que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos alegados pela Autora, como, além disso, produzem o chamado “efeito útil defensivo”, capaz de reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor, pelo que, nessa medida, e nos termos da segunda parte da alínea a) do nº 2 do art. 266º CPC, tornam viáveis e admissíveis aqueles vários pedidos formulados.

12ª.- O art. 266º, nº 2, al. a) autoriza o réu a deduzir pretensões alicerçadas em factos defensivos, ou seja, nos mesmos factos em que ele funda a contestação, ainda que por via de excepção peremptória, devendo a contestação, sempre que isso ocorra, revestir natureza reconvencional, obedecendo à forma fixada no art. 583º do CPC; sendo isso o que acontece no caso presente, como resulta da conclusão anterior, e verificando-se o requisito formal do artº 583º a reconvenção devia ter sido admitida, no seu todo.

13ª.- Também o art. 91º, nº 2 do CPC autoriza qualquer das partes a pedir que as questões prejudiciais de mérito por si suscitadas sejam apreciadas com força de caso julgado, no sentido de que, faltando este pedido, o juiz fica impedido de proferir uma decisão com tal grau de autoridade.

14ª.- O pedido de apreciação incidental das questões prejudiciais de mérito consentido pelo referido art. 91º, nº 2, sendo deduzido pelo réu, tem de seguir o regime da reconvenção; nesse caso, as excepções invocadas transformam-se, por força do pedido do réu, numa reconvenção destinada à tutela do interesse legítimo da certeza jurídica.

15ª.- Insistindo, o réu pode, ao abrigo da norma invocada nas conclusões antecedentes, deduzir pedidos reconvencionais de apreciação sobre as questões controvertidas por ele suscitadas e ou que constituam matéria de excepção peremptória, sobretudo se tais questões forem “questão prejudicial relativa à acção”, devendo esses pedidos ser tratados à luz das normas reguladoras da reconvenção.

16ª.- À luz do entendimento resumido nas conclusões antecedentes, seja com fundamento na al. a) do nº 2 do art. 266º ou no nº 2 do art. 91º, ambos do CPC, o ora recorrente, com base nos factos ou contra-factos por si alegados na sua contestação, que constituem excepções peremptórias e ou outras tantas questões prejudiciais em relação à acção, podia e pode deduzir pedidos reconvencionais, sejam de mera apreciação, condenação ou constitutivos.

17ª.- “Pedido autónomo será apenas o que tenha por escopo alcançar um efeito que jamais derivará daquela improcedência; Pedido não autónomo, é tão só o que visa atingir um efeito que já resulta, afinal de contas, da improcedência do pedido do autor.” – Miguel Mesquita, ob. cit, págs 246/247.

18ª.- Os pedidos das alíneas a) e b) da reconvenção decorrem de uma divergência (uma controvérsia) entre A. e R. quanto ao sentido e alcance da obrigação assumida pela declaração do doc. 1 da petição inicial.

19ª.- Essa divergência consiste em a A., na petição inicial, interpretar essa carta no sentido de que através dela o ora recorrente assumia a obrigação de lhe pagar o valor, todo o valor, qualquer que ele fosse, da dívida que ela não tivesse recebido do seu ex-marido enquanto o ora recorrente, contestando essa interpretação, alegou, nos artigos 31º a 61º da sua contestação, alegou factos a demonstrar o que, no seu modo de ver, devia ser entendido como o correcto sentido e alcance da carta em causa, ou seja, como concluiu no art. 58º da contestação, que não tinha assumido a obrigação de pagar à A., em geral, o valor das prestações que ela não viesse a receber do ex-marido, designadamente através dos bens do art. 6º da p.i., mas apenas e tão só - como explica no art. 55º da mesma contestação -, em caso de incumprimento do ex-marido, e depois da venda de todos os bens daquele art. 6º, do valor que ela não tivesse podido receber pela venda do apartamento da Praia da ..., mas que teria recebido, se não houvesse o registo das duas hipotecas a favor da CGD, referidas no art. 9º da p.i., antes do registo da hipoteca a favor dela, referida no art. 10º desse mesmo articulado.

20ª.- Esse sentido, esse conteúdo e alcance nunca poderá resultar da mera improcedência da acção, tendo sido por isso que o ora recorrente, com base nos factos que alegou nos artigos 31º a 61º da sua contestação/reconvenção, formulou o pedido reconvencional das alíneas a) e b), para que, através dele, o tribunal declarasse/decidisse que era aquele sentido –o sentido por si defendido o sentido e alcance do referido documento por ele subscrito, e não o sentido defendido pela A..

21ª.- Esse pedido, assentando em factos (arts 31º a 61º) defensivos, mas que são também impeditivos, modificativos ou extintivos do pedido de indemnização com o sentido abrangente com que é formulado pela A. é, à luz da definição da conclusão 17ª, um pedido autónomo, uma vez que tem por escopo alcançar um efeito que jamais derivará da improcedência da acção: (i) ver fixada, pelo tribunal, a correcta interpretação do sentido e alcance da declaração constante do documento aí em causa – o doc. 1 da petição inicial -, (ii) ver reduzido o sentido e alcance que a Autora lhe atribui na sua petição inicial e, finalmente, (iii) criar, em relação à controvérsia sobre a interpretação desse documento, uma situação de certeza jurídica, tornando claro e inequívoco até onde vai e onde termina a sua responsabilidade do ora recorrente perante a A..

22ª.- Através daqueles contra-factos (dos arts 31º a 61º da contestação), que são, repete-se, de natureza manifestamente impeditiva, modificativa ou extintiva do efeito jurídico dos factos articulados pela autora, o réu suscitou uma questão incidental sobre o conteúdo, o sentido, fim e alcance do referido documento, o que em si constitui uma questão prejudicial relativa à acção.

23ª.- E, com base, ou tendo como causa, esses mesmos contra-factos, ou seja, essa questão prejudicial relativa à acção deduziu o pedido reconvencional das alíneas a) e b) da reconvenção, o qual constitui um pedido reconvencional de apreciação incidental, que encontra o seu fundamento processual no art. 91º, nº 1 do CPC..

24ª.- Esses dois pedidos, assentes nos referidos contra-factos, constituem pedido reconvencional de mera apreciação cujo fim principal consiste na tutela do interesse material da certeza jurídica.

25ª.- Versando uma questão incidental, suscitada pelo réu, tendo por objecto o conteúdo do referido documento, estes dois pedidos são pedidos (os reconvencionais) de declaração incidental, que encontram também o seu fundamento no art. 91º, nº 2 do CPC, e estão “dependentes dos mesmos limites formais”, ou seja, dos limites formais da reconvenção.

26ª.- Trata-se, voltando a citar o Prof. Teixeira de Sousa, de outros pedidos, formulados pela parte passiva, “sob a forma de reconvenção incidental”, para que determinadas questões ou incidentes sejam apreciados com a força da caso julgado material, no âmbito das acções/reconvenções de apreciação incidental previstas no artigo 91º, nº 1.

27ª.- Sob os artigos 8º-B a 12º-C da contestação, suscitou o ora recorrente uma questão prejudicial relativamente à acção, assente em factos impeditivos, modificativos ou extintivos dos efeitos dos factos alegados pela A., tendo por objecto a importância de 8.855,47 € que, tendo sido paga pelo produto da venda do designado apartamento da Praia da ... à sombra de uma hipoteca anterior à que garantia o posterior crédito (apenas) da Autora, e que foi destinada, pelo seu ex-marido, ao pagamento de uma dívida comum a ambos, constituída desde 1996 (arts 8º-Aa 12º-C da contestação), pedindo a final que aquela importância não seja levada em conta na sua eventual responsabilização e que aquela, a A., seja nisso condenada.

28ª.- Ao longo dos artigos 102º e seguintes da sua contestação, o ora recorrente alegou um extenso rol de factos tendentes a demonstrar que(como se resumiu a fls 19 das anteriores alegações) havia vários tipos de bens e dinheiros através dos quais a Autora podia ter recebido do seu ex-marido recebido o valor do seu crédito, que, por opção sua ,não quis “perseguir” através da execução judicial, que, se os tivesse “perseguido”, o valor do seu suposto dano e do seu alegado crédito sobre o ora recorrente, reclamado e a reconhecer através da presente acção, baixaria em medida e valor igual ao que tivesse logrado receber por aquela via judicial.

29ª.- E foi com base nesses vários grupos de factos que o ora recorrente fundou os pedidos reconvencionais das alíneas e) a i).

30ª.- Tais pedidos, tendo uma evidente conexão ou representação no pedido da Autora, levando à sua redução, modificação ou extinção, são, no entanto, autónomos em relação a esse pedido da Autora, na medida em que o interesse legítimo da certeza jurídica e a força do caso julgado que com eles se pretende alcançar jamais seria alcançado através da improcedência pura e simples da acção, sendo, por isso, pedidos autónomos em relação ao pedido formulado na petição inicial.

31ª.- Através daqueles grupos de factos ou contra-factos alegados alegados nos artigos 102º e seguintes da contestação/reconvenção, que são, repete-se, de manifesta natureza impeditiva, modificativa ou extintiva do efeito jurídico dos factos articulados pelo autor, o réu suscitou também uma questão incidental que constitui, em si mesmo, a seguinte questão prejudicial relativa à acção: saber a quem pertencia a propriedade real da fracção autónoma, dos bens do recheio da mesma e dos dinheiros existentes na conta bancária; saber se a A. podia ter executado e promovido a venda judicial desses bens através da execução judicial que instaurou contra o seu ex-marido, fazendo desse modo baixar (ou até extinguir, quem sabe) o valor do seu crédito sobre esse seu ex-marido e que agora reclama do réu a título de indemnização por responsabilidade civil profissional

32ª.- E foi com base, ou tendo como causa, esses mesmos contra-factos, ou seja, essa questão ou questões prejudiciais relativamente à acção, que deduziu os pedidos reconvencionais das alíneas aqui em causa (als e) a i)), que, de acordo com o entendimento aqui defendido, são admissíveis com fundamento na al. a) do nº 2 do art. 266º do CPC.

33ª.- As excepções que estão na base dessas questões transformaram-se, por força dos pedidos do réu, numa reconvenção destinada, também, à tutela do interesse legítimo da certeza jurídica.

34ª.- Mas esses vários pedidos, respeitando a questões que, no seu conjunto, têm uma evidente conexão entre si, configuram também um pedido reconvencional de apreciação incidental, que encontra o seu fundamento processual no art. 91º, nº 2 do CPC..

35ª.- Têm como escopo o exercício de um direito assente em contra-factos e configuram um pedido reconvencional de mera apreciação cujo fim principal consiste na tutela do interesse material da certeza jurídica.

36ª.- Trata-se também (remetendo para as citações feitas nas alegações anteriores) de questão ou questões incidentais ou prejudiciais, suscitadas pelo réu, tendo por objecto o direito da A., e de pedidos (os reconvencionais) de declaração incidental (art. 91º, nº 2) “dependentes dos mesmos limites formais”, ou seja, dos limites formais da reconvenção.

37ª.- Trata-se igualmente (remetendo ainda para as citações feitas nas alegações anteriores) de “outros pedidos, formulados pela parte passiva, “sob a forma de reconvenção incidental”, para que determinadas questões ou incidentes sejam apreciados com a força de caso julgado material, no âmbito das acções/reconvenções de apreciação incidental previstas no artigo 91º, nº 2” ou de um “pedido reconvencional de declaração incidental”, com suporte legal naquela mesma norma processual.

38ª.- Se, no exemplo da acção de reivindicação citado a págs 11 e 12 das anteriores alegações era permitido ao réu “alegar um conjunto de factos reveladores de que adquiriu a coisa reivindicada por usucapião e pedir, em reconvenção, o reconhecimento do seu direito de propriedade, então, por analogia e maioria de razão, devem ser admitidos todos os pedidos reconvencionais formulados, no caso presente, pelo réu ora recorrente.

39ª.- O douto acórdão da Relação do Porto, ao decidir confirmar a decisão de 1ª instância, fez, salvo o devido respeito, errada interpretação e aplicação ao caso do disposto na al. a) do nº 2 do CPC e também não considerou – de todo – o disposto no art. 91º, nº 2 do mesmo código.

“(…)”

A A. respondeu, limitando-se a sustentar a inadmissibilidade da revista.

Obtidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

*

II-Fundamentação

II – A – Os Elementos factuais relevantes são os que emergem do relatório que antecede.

II B – de Direito

O Acórdão recorrido confirmou a decisão da 1.ª Instância que não admitiu o pedido reconvencional, sendo pois a solução dada a tal questão – respeitante à admissibilidade ou não da reconvenção – que suscita a presente revista e que preenche todo o seu objeto.

Segundo o Acórdão recorrido, o pedido reconvencional é uma mera decorrência da defesa, sem autonomia em relação à pretensão da A., razão pela qual é inadmissível enquanto pedido reconvencional.

Com o que, desde já se antecipa, se concorda totalmente.

Vejamos porquê:

Estamos, fora de qualquer dúvida, perante uma ação fundada em responsabilidade civil contratual: segundo a A., o R., no exercício da sua atividade profissional de advogado e no âmbito de um contrato de prestação de serviço (de mandato) celebrado com a A., cometeu um erro/falta – não procedeu ao oportuno registo de hipotecas que visavam garantir o crédito da A. sobre o seu ex-marido (crédito esse emergente da partilha entre ambos) – que, ainda segundo a A., não lhe permitiu/te receber a totalidade do crédito que tinha sobre o seu ex-marido (terão ficado por receber as 4 últimas prestações anuais, no montante global de € 275.200,00).

Significa isto, muito claramente, que a A., na presente ação, peticiona uma indemnização civil pelos danos decorrentes do erro/falta (no cumprimento dos seus deveres profissionais) do R., o que também significa que são requisitos constitutivos de tal indemnização (e da responsabilidade civil do R.) o facto ilícito por parte deste, a sua culpa, a existência de dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano1.

E dá-se o caso de o R. admitir o seu referido erro/falta, com o que, abreviando, ficam demonstrados os requisitos do facto ilícito e da culpa, centrando-se a controvérsia/discussão, quanto à constituição do direito indemnizatório da A., no âmbito dos requisitos do dano e do nexo causal.

Sendo justamente aqui, na qualificação jurídico-processual do que o R. alegou/invocou no perímetro de tal controvérsia/discussão, que começa todo o equívoco do R..

O R., como havia feito na apelação, insiste que o que alegou/invocou na contestação visa impedir/modificar/extinguir o direito indemnizatório da A. e que configura defesa por exceção perentória.

Mas, claramente, o que alegou/invocou na contestação configura defesa por impugnação.

A defesa por impugnação, como resulta do art. 571.º/2/1.ª parte do CPC, compreende duas modalidades: a defesa direta, em que o demandado nega de frente os factos alegados pelo autor, em que ataca direta e frontalmente a realidade dos factos constitutivos alegados pelo autor; e a chamada negação “indireta ou motivada” dos factos, em que o demandado reconhece a realidade dos factos (ou de parte deles) alegados pelo autor, mas contradiz o efeito jurídico que o autor pretende extrair deles, ou seja, dá-lhes uma versão diferente (diz que as coisas se passaram de modo parcialmente diferente), contrariando assim a verificação dos factos constitutivos do direito do autor.

Ao invés, na defesa por exceção perentória, como resulta do art 571.º/2/2.ª parte e 576.º do CPC, o demandado – sem negar propriamente a realidade dos factos alegados pelo autor, nem atacar o efeito jurídico que deles se pretende extrair – procede à alegação de factos novos (contra-factos) tendentes a repelir a pretensão do autor, ou seja, é uma defesa indireta, que assenta num ataque de flanco/lateral contra a pretensão formulada pelo autor (o demandado aceita a alegação apresentada pelo autor, mas alega novos factos capazes de gerar a sua absolvição).

Há, reconhece-se, alguma proximidade entre a defesa por impugnação e a defesa por exceção perentória, na estrita medida em que em ambos os casos o propósito do demandado é ser absolvido do pedido, porém, a defesa por impugnação assenta no entendimento de que não assiste razão ao autor, seja de facto, seja de direito, enquanto na defesa por exceção perentória o demandado opõe contra-factos que têm por efeito impedir, modificar ou extinguir o direito invocado pelo autor, o qual, não fora a eficácia da exceção perentória, seria reconhecido.

Assim, os exemplos típicos de exceções perentórias são os factos que, em face da lei substantiva, configuram causas impeditivas, modificativas ou extintivas do direito do autor (como o pagamento, a remissão, a novação, a prescrição, a caducidade, o erro, a coação, a simulação, ou quaisquer outros factos que determinam a invalidade do negócio jurídico).

Pelo que, perante isto, o alinhado no relatório inicial – ou seja, o que o R. alegou/invocou na contestação – tem que ser qualificado, repete-se, como impugnação, na modalidade da negação “indireta ou motivada”.

Tudo o que o R. alegou/invocou tem em vista diminuir o dano indemnizável, não por ter um efeito impeditivo, modificativo ou extintivo do direito indemnizatório da A., mas sim por, face ao alegado/invocado pelo R., o dano indemnizável se ter que considerar constituído em montante inferior ao pretendido pela A..

Efetivamente:

quando o R. alega que, além das prestações anuais confessadamente recebidas, a A. recebeu ainda em dinheiro, do seu ex-marido, € 19.000, está a impugnar/negar o montante ainda não recebido pela A. e, em consequência, o montante do dano;

quando o R. alega que havia outro património do ex-marido da A. que, por opção desta, não foi penhorado, está a dizer que houve montante não recebido pela A. (através de tal outro património) que não decorre – que não foi causado – pela sua falta/erro e, em consequência, a impugnar/negar o montante do dano;

quando o R. alega que, antes da constituição das hipotecas a favor da A., já quatro dos imóveis tinham sido hipotecados pela A. e pelo seu ex-marido, em 1996, está também a dizer que parte do montante não recebido pela A. (através de tais imóveis) não foi causado pela sua falta/erro e a impugnar/negar, em consequência, o montante do dano;

quando o R. alega que uma das hipotecas posteriormente constituída e inscrita sobre um dos imóveis que também foi hipotecado em garantia do crédito da A. visava garantir um mútuo contraído pelo seu ex-marido para pagamento de outra dívida comum do casal, está ainda a dizer que parte do montante não recebido pela A. (através de tal imóvel) não foi causado pela sua falta/erro e, em consequência, a impugnar/negar o montante do dano;

quando o R. alega que sobre um outro dos imóveis hipotecados já existia registo de hipoteca anterior à que fora constituída para garantia do crédito da A., está mais uma vez a dizer que parte do montante não recebido pela A. (através de tal imóvel) não foi causado pela sua falta/erro e, em consequência, a impugnar/negar o montante do dano.

Enfim, como corretamente se observa no Acórdão recorrido, o R. tão só “visa a fixação do montante da indemnização em valor inferior ao pedido”, para o que alega/invoca factos que – não contrariam os factos alegados pela A., dando-lhes, isso sim, uma “versão parcialmente diferente” – colocam em causa o montante do dano invocado pela A. e o nexo causal entre a sua conduta ilícita/omissiva e o dano invocado pela A..

Sendo a partir daqui, deste equívoco inicial – da configuração da sua impugnação motivada como defesa por exceção perentória – que o R. constrói e sustenta a admissibilidade, com base em tais alegações/invocações, da dedução da sua reconvenção.

O que, claro, sendo assim, não cumpre – de imediato se percebe – a função da reconvenção, que não é um meio de defesa do demandado, mas sim, antes, um meio de ataque (de contra-ataque), visando mais ou coisa diferente da mera improcedência do pedido do A..

Na reconvenção, como já o Prof. Manuel de Andrade referia (Noções Elementares, pág. 146)2, estamos perante uma “espécie de contra-ação”, “passando a haver no processo um cruzamento de ações”; “o R. não se limita a sustentar o mal fundado da pretensão do A., pedindo que isso seja reconhecido na decisão final”, sucedendo, ao invés, que “o R. deduz contra o A. uma pretensão autónoma, uma pretensão que não é uma pura consequência da sua defesa”; o pedido reconvencional “é um pedido que não é um puro reverso do pedido formulado pelo A. (não há reconvenção se o R. pretende que se declare não existente o direito do A.)”.

Na reconvenção, estamos perante uma verdadeira ação – proposta, num processo em curso, através da contestação, pelo R. contra o A. – em que o R. faz valer um pedido/pretensão que podia formular em ação própria; assentando a sua previsão/possibilidade de exercício nos princípios da “igualdade de armas” e da economia processual (sem prejuízo, claro, do legislador ligar a admissibilidade da reconvenção a pretensões assentes em factos com alguma conexão com a relação material subjacente ao processo – como se extrai dos requisitos substantivos constantes do 266.º/2 do CPC).

O que significa – correspondendo a reconvenção à introdução num processo pendente dum novo objeto constituído por uma causa de pedir própria e por uma pretensão autónoma – que nem todas as pretensões formuladas por um R. na contestação revestem natureza reconvencional, pois que, para que tal ocorra, tem a pretensão do R. de gozar de autonomia relativamente à pretensão do A..

É relativamente comum vermos contestações em que o R. termina/conclui a pedir a sua absolvição do pedido ou a pedir que sejam julgadas procedentes as exceções alegadas/invocadas, mas, sublinha-se, tais “pedidos” não constituem “pedidos reconvencionais”, uma vez que, repete-se, só há um verdadeiro “pedido” quando o mesmo corresponde a uma pretensão autónoma.

Pelo que, para determinar a natureza reconvencional ou não dos “pedidos” formulados pelo R., propõe Paulo Pimenta3 o seguinte critério: “se tal pedido é um efeito necessário da alegação defensional, equivalendo apenas a tirar proveito completo dessa alegação, diz-se, então, que esse pedido não é uma reconvenção; se, ao invés, o pedido formulado pelo réu consiste numa verdadeira pretensão autónoma formulada contra o autor, aí teremos um pedido reconvencional.

E, por conseguinte, a autonomia do pedido reconvencional existirá quando o R. visa obter um efeito que não decorre ou é o natural resultado da improcedência da ação (daí que a reconvenção tenha que possuir um objeto próprio e autónomo).

Enfim, um pedido reconvencional é desprovido da indispensável autonomia se o efeito desejado pelo demandado for a consequência da improcedência da ação; um pedido reconvencional tem de querer alcançar um efeito distinto da mera improcedência do pedido do A., ou seja, um pedido que se destina apenas a afastar o direito alegado pelo A. não é uma reconvenção; um pedido reconvencional destina-se a obter a declaração positiva de um direito (para que exista um pedido reconvencional torna-se necessário que o pedido acrescente um benefício à simples improcedência da ação).

Concorda-se pois com o Acórdão recorrido quando no mesmo se observa que “(…) só pode falar-se de reconvenção quando o réu formula um pedido contra o autor que não consista em mera conclusão da defesa. E tal não pode ser contornado pelo uso da fórmula que o recorrente usou em várias alíneas do pedido: “que seja o reconvindo condenado a reconhecer que…” ou “que seja declarado que”; e quando se acrescenta que, se fosse assim, não haveria “(…) nenhum meio de defesa que não pudesse, afinal, ser transmutado em “pedido”. A título meramente exemplificativo, poderá ser pedido: que seja reconhecido que o réu não teve qualquer responsabilidade pelo acidente; que seja o autor condenado a reconhecer que o réu já lhe pagou a quantia peticionada ou que sejam os reconvindos condenados a admitir que não têm direito de passagem sobre o prédio do réu. Ninguém duvidará que tais pedidos não poderiam ser considerados como reconvencionais, sequer se tratando de verdadeiros pedidos sendo, antes, meras conclusões da defesa. (…)”

Assim como com o que no Acórdão recorrido se observa, no sentido da inadmissibilidade da reconvenção, a propósito de cada uma e de todas as alíneas do pedido reconvencional deduzido pelo R./recorrente.

Insiste-se – e é um ponto decisivo – o R. não invocou qualquer exceção perentória: tudo o que ele alegou/invocou não “passa” de defesa por impugnação.

É verdade, não se contradiz, que todos os “pedidos reconvencionais” deduzidos decorrem de factos que servem de fundamento à defesa, mas isso, como acabámos de expor, não é suficiente para um pedido reconvencional ser admitido.

Como é muito evidente, com todo o respeito, os pedidos reconvencionais deduzidos nada acrescentam à improcedência (parcial ou total) da ação.

Analisando-os muito brevemente:

No pedido constante da alínea a)4, o R. pretende que o tribunal declare que uma declaração por si subscrita não seja juridicamente interpretada/qualificada como “constituindo uma garantia ou uma assunção da obrigação”: é um caso evidente de impugnação motivada (em relação à interpretação/qualificação que a A. pretende que seja retirada de tal declaração) e tal meio de defesa tem a ver, reflete-se e esgota a sua virtualidade jurídica no cálculo do montante da indemnização devida (sendo necessariamente apreciado pelo tribunal quando proceder à fixação do montante da indemnização).

No pedido constante da alínea c), o R. pretende que seja levada em conta e abatida ao montante da indemnização a quantia de € 8.855,47 (por se tratar de quantia que serviu para extinguir uma dívida que também era da A.): é um caso evidente de impugnação do montante do dano e tal meio de defesa tem a ver, reflete-se e esgota a sua virtualidade jurídica no cálculo do montante da indemnização devida (sendo necessariamente apreciado pelo tribunal quando proceder à fixação do montante da indemnização).

No pedido constante da alínea d), na sequência do R. haver invocado, como meio de defesa, que houve simulação no exercício dum direito de remição exercido pela filha de ambos (sendo despiciendo analisar aqui as consequências jurídicas do que o R. qualifica como “simulação”), o que está uma vez mais em causa é apurar se a A. poderia ter recebido (e não o quis fazer) do seu ex-marido parte da quantia que ora pede ao Réu, pelo que se trata de invocação que reflete e esgota a sua virtualidade jurídica no cálculo do montante da indemnização devida (sendo necessariamente apreciado pelo tribunal quando proceder à fixação do montante da indemnização).

Identicamente, quanto aos pedidos respeitantes à propriedade do dinheiro da conta bancária referida e quando à propriedade do recheio da habitação do ex-marido da A., constantes das alíneas f) e h), em que mais uma vez e sempre acaba por estar em causa a impugnação do montante do dano, sendo que tal meio de defesa tem a ver, reflete-se e esgota a sua virtualidade jurídica no cálculo do montante da indemnização devida (sendo necessariamente apreciado pelo tribunal quando proceder à fixação do montante da indemnização).

É como se, numa vulgar ação de dívida – e a responsabilidade civil é uma fonte obrigacional e não deixa de gerar uma dívida – o R. viesse invocar vários pagamentos que reduzem o montante da sua dívida e, afinal, deduzisse pedido reconvencional a pedir que fosse declarado e o A. condenado a reconhecer que ele, R., efetuou os pagamentos que invocou: como é evidente, tais pagamentos (embora se trate de uma exceção perentória) não gozam de autonomia relativamente à pretensão do A. e, por conseguinte, não podem dar lugar a um pedido reconvencional.


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Em conclusão, as alegações/invocações factuais em que o R. baseia os pedidos reconvencionais formulados apenas se destinam a afastar/reduzir o direito indemnizatório invocado pela A. – tendo a sua repercussão e “benefício” jurídicos no plano do nexo causal e do dano – não gozando de autonomia relativamente à pretensão do A. e não podendo, por isso, ser configurados como pedidos reconvencionais “deduzidos contra o autor” nos termos do artigo 266.º/1 do CPC, razão pela qual não podem ser admitidos como pedidos reconvencionais (do que, salienta-se, não resulta qualquer “prejuízo processual” para o R., uma vez que, como se disse, a relevância de todas essas alegações/invocações tem que ser factual e juridicamente apreciada em sede de nexo causal e de dano).

É quanto basta para julgar a revista totalmente improcedente.


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III - Decisão

Nos termos expostos, nega-se a revista.

Custas pelo R./recorrente.


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Lisboa, 14/03/2024

António Barateiro Martins (Relator)

Sousa Lameira

Fátima Gomes

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1. Não vindo aqui ao caso – é irrelevante para a questão sob apreciação – afirmar se é ou não o “dano da perda de chance” que está a ser peticionado pela A., sem prejuízo de se poder/dever observar que o que é típico do “conceito” do “dano da perda de chance” é o não poder afirmar-se, sem a falta imputável ao mandatário, qual seria o resultado final, apenas se afirmando, em face de tal falta, que o lesado perdeu “chances/hipóteses” de ganhar (no caso, teria perdido chances/hipóteses de obter o pagamento integral do seu crédito), sendo tal incerteza (respeitante ao dano e ao nexo causal) que fez excogitar a doutrina do “dano da perda de chance”; pelo que, em consonância, não parece que seja este o caso dos autos: a A. dá como certo que, sem a falta do R., obteria o pagamento integral do seu crédito e, por conseguinte, estaremos perante um pedido indemnizatório do “clássico” dano certo (e não meramente eventual).

2. E identicamente referiam Antunes Varela, Manual de Processo, pág. 414; e Castro Mendes, Direito Processual II, pág. 293

3. Processo Civil Declaratório, pág. 182.

4. Não aludimos aos pedidos das alíneas b), e), g) e i), uma vez que os mesmos nada acrescentam aos pedidos imediatamente interiores a cada uma de tais alíneas.