Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08P3375
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUTO DE MOURA
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
TENTATIVA
DESISTÊNCIA
CRIME EXAURIDO
CRIMES DE PERIGO
ACTOS DE EXECUÇÃO
CONSUMAÇÃO
COMPRA E VENDA
PROVA
MEIOS DE OBTENÇÃO DA PROVA
PROIBIÇÃO DE PROVA
EFEITO À DISTÂNCIA
ESCUTAS TELEFÓNICAS
DESTRUIÇÃO
NULIDADE
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
DIREITOS DE DEFESA
CONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: SJ200904160033755
Data do Acordão: 04/16/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :

I - A infracção do art. 21.º do DL 15/93, de 22-01, constitui o que a doutrina tem apelidado de crimeexaurido”, “excutido” ou “de empreendimento”, em que o resultado típico se alcança logo com aquilo que surge, por regra, como realização inicial do iter criminis, tendo em conta um processo normal de actuação, envolvendo droga que se não destine exclusivamente a consumo.
II - A previsão molda-se, na verdade, em termos de uma certa progressividade, no conjunto dos diferentes comportamentos contemplados, os quais podem ir de uma mera detenção à venda propriamente dita, por exemplo. Aceita-se que a natureza do crime do art. 21.º citado, de perigo abstracto (e não de perigo concreto ou de dano), se traduza numa antecipação da tutela penal, independentemente da efectiva lesão do bem jurídico em causa, a saúde pública, antecipação cifrada na punição dos primeiros actos de execução do agente. E de facto, para preenchimento do tipo, não se exige o desenvolvimento da acção projectada por esse mesmo agente.
III -Por outro lado, só pode considerar-se o crime consumado tendo ocorrido o preenchimento do tipo, numa das suas modalidades, não bastando que o agente tenha iniciado um qualquer processo executivo para cometimento do crime, mas inócuo do ponto de vista daquele preenchimento do tipo. A consumação exige pois que se dê por provada, pelo menos uma das ocorrências ali referidas: “Cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar, ou ilicitamente detiver” produto estupefaciente.
IV -No que especificamente respeita ao caso dos autos, é insofismável que o recorrente comprou a droga. Ora, a compra e venda tem por efeito a transferência da propriedade da coisa por mero efeito do contrato. Não exige, para sua perfeição, nem a entrega da coisa nem o pagamento do preço, se bem que o comprador se constitua na obrigação do pagamento desse preço e o vendedor na obrigação de entrega da coisa (arts. 874.º e 879.º do CC). Além disso, determinou o vendedor – ao combinar com ele um determinado local de entrega da coisa vendida – a conduzi-la até si, fazendo-a assim “transitar”. Tanto basta para que o crime se tenha consumado através do seu comportamento.
V - Os recorrentes defendem que a declaração de inconstitucionalidade do n.º 3 do art. 188.º do CPP nos precisos termos do Ac. do TC n.º 660/06, deveria ter por consequência, não só que as conversas telefónicas interceptadas, gravadas e transcritas nos presentes autos, não pudessem ser utilizadas contra os arguidos, como deveria ocasionar que os restantes elementos de prova não pudessem ser utilizados. Em causa está a destruição de suportes magnéticos de escutas reputadas irrelevantes, e a que os arguidos não tiveram acesso, o que fez entrar em crise o princípio do contraditório e a possibilidade de contextualização das conversas havidas. A posição do acórdão recorrido foi a de que, no caso, tal “efeito à distância” se não produzira.
VI -A doutrina dos “frutos da árvore venenosa” não teve nunca entre nós o “efeito dominó” de inquinar todas as provas que em qualquer circunstância apareçam posteriormente à prova proibida e com esta relacionadas (vide Ac. do TC n.º 198/04). Daí que, só caso a caso e perante uma prudente análise dos interesses em jogo é que se poderá avaliar a extensão dos efeitos da prova inquinada. Importa apurar um nexo de dependência não só cronológica, como lógica e valorativa, entre a prova inquinada e a que se lhe seguiu.
VII - Importa distinguir entre interesses individuais que contendem directamente com a dignidade humana (tortura, coacção, ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas) e a violação de interesses sem esse estigma, como pode ser o caso de simples intromissão na vida privada, domicílio, correspondência ou comunicações. Se no primeiro caso está posta de lado qualquer transigência em relação à prova subsequente, já no segundo é possível uma concordância prática entre interesses conflituantes, com respeito pelos parâmetros da necessidade e proporcionalidade (vide Ac. do STJ de 31-01-2008, Proc. n.º 4805/06 - 5.ª).
VIII - Na situação ora em apreço estão em confronto a inobservância dos requisitos formais das escutas (não da sua admissibilidade) e a verdade material ao serviço da justiça penal. A impossibilidade de ser utilizado como prova o resultado das escutas efectuadas, ficou a dever-se ao postergar do princípio do contraditório, que por sua vez está ao serviço dos direitos da defesa. Acontece é que as provas ulteriormente conseguidas estiveram abertas a todo o contraditório. Não custa pois, aqui, negar o pretendido “efeito dominó”.

Decisão Texto Integral:



Em processo comum, a 4.ª Vara Criminal de Lisboa (1.ª Secção), por acórdão de 26-03-2007, decidiu:
- condenar o arguido AA «como co-autor de um crime de tráfico de estupefacientes agravado p. e p. pelos arts. 21º nº 1 e 24º al. c) do DL nº 15/93 de 23/1, com a agravante da reincidência, na pena de 10 anos de prisão»;
- condenar o arguido BB, «como co-autor de um crime de tráfico de estupefacientes agravado p. e p. pelos arts. 21º nº 1 e 24º al. c) do DL nº 15/93 de 23/1, beneficiando da atenuação especial da pena prevista no art. 31º do mesmo diploma, na pena de 3 anos e 4 meses de prisão e, como autor de um crime de detenção de arma de fogo proibida p. e p., ao tempo dos factos, pelo art. 275º nº 1 do CO e, actualmente, pelo art. 86º nº 1 al. c) da Lei nº 5/06 de 23/2, na pena de 6 meses de prisão, indo o arguido condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão»;
- condenar o arguido CC, «como autor de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21º nº 1 do DL nº 15/93 de 23/1, na pena de 6 anos de prisão»;
- condenar o arguido DD, «como co-autor de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21º nº 1 do DL nº 15/93 de 23/1, na pena de 6 anos de prisão»;
- condenar o arguido EE, «como co-autor de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21º nº 1 do DL nº 15/93 de 23/1, na pena de 6 anos de prisão»;
- condenar o arguido FF, «como autor de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21º nº 1 do DL nº 15/93 de 23/1, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão»;
- declarar perdidos a favor do Estado «os produtos estupefacientes apreendidos, o telemóvel nº .............. apreendido ao arguido FF, que ele utilizou para efectuar contactos tendentes à comercialização da droga, o contentor e a máquina que serviu para ocultar esta, as viaturas de matrícula ..... e V4 BUK, usadas pelos arguidos BB e CC respectivamente para transportar cocaína e as armas apreendidas ao arguido BB».

De tal decisão interpuseram os arguidos AA, CC, DD, EE e FF recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Por acórdão de 22-07-2008, esse Tribunal, apreciando os recursos interlocutórios interpostos pelos arguidos CC, DD e EE, bem como os recursos da decisão condenatória, decidiu negar provimento a todos os recursos interpostos e confirmar in totum a decisão e os despachos recorridos.
É deste acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que agora vem interposto recurso para este Supremo Tribunal de Justiça.

A – DECISÃO DA PRIMEIRA INSTÂNCIA

1 – MATÉRIA DE FACTO
No acórdão da 4.ª Vara Criminal de Lisboa, de 26-03-2007, foram considerados os seguintes
a) Factos provados (transcrição):

«1. O arguido BB, doravante designado por BB é empresário da construção civil, desenvolvendo os seus negócios, desde o ano de 1981, na República da Guiné-Bissau.
2. No ano de 2005, face às dificuldades financeiras que atravessava, o arguido BB, propôs-se regressar a Portugal, do que deu conhecimento a várias pessoas que consigo privavam.
3. Entre essas pessoas encontrava-se o arguido AA, doravante designado por AA, que se identificava perante terceiros com o nome de “C....., o qual se encontrava então Guiné
4. Conhecedor de tal intenção, o arguido AA propôs ao arguido BB o transporte para Portugal de 135 embalagens de cocaína que tinha na sua posse, encarregando-o de, aqui, proceder à entrega desse produto estupefaciente aos compradores que lhe indicaria.
5. Por tal serviço o arguido BB receberia, uma contrapartida económica, de valor não concretamente apurado, mas não inferior a € 400.000,00 (quatrocentos mil euros).
6. O arguido BB aceitou a proposta, tendo ambos acordado que a cocaína, num total de cerca de 130 embalagens, viria dissimulada no interior de máquinas pertencentes ao primeiro e que, juntamente com outro material, despachariam a partir da Guiné Bissau.
7. Foi o arguido BB que procedeu ao acondicionamento do produto estupefaciente no interior daquelas máquinas tendo utilizado um depósito de jacto de areia, onde dissimulou 80 embalagens e um torno mecânico, onde dissimulou 55 embalagens.
8. Entretanto o arguido AA arranjou compradores ingleses para parte dessa cocaína, os quais se propunham transportá-la para Inglaterra a bordo de um avião fretado para tal.
9. Os arguidos DD e EE deslocaram-se a Portugal, tendo chegado ao Aeroporto de Faro, provenientes de Manchester, no dia 05/08/05, instalando-se num hotel em Albufeira.
10. Aqui encontraram-se com um compatriota, HH.
11. Os arguidos DD e EE regressaram a Inglaterra, no dia 12/08/05.
12. As máquinas onde havia sido dissimulada a cocaína haviam sido despachadas em Bissau, em Julho de 2005, com destino a Leixões, tendo aqui chegado no dia 09/08/05, tendo sido desalfandegadas, na Alfândega de Xabregas, no dia 11/08/05.
13. Após o desalfandegamento, o arguido BB deu ordem para o seu transporte para um terreno sito na Rua de ......., em Baleizão, pertencente a II, seu conhecido da Guiné, o qual ocorreu em 12/08/05.
14. No dia 18/08/05, cerca das 11 horas, os arguidos DD e EE, desembarcaram em Lisboa, provenientes de Manchester, tendo o arguido EE, de imediato, telefonado para o telemóvel do arguido BB e combinado com ele um encontro junto da Igreja existente na Praça de Londres.
15. Cerca das 12 horas, os arguidos DD, EE e BB encontraram-se no local acima referido tendo combinado a entrega da cocaína para o fim desse dia, em Montechoro – Albufeira.
16. Após este encontro, o arguido BB dirigiu-se ao terreno acima mencionado, em Baleizão, tendo retirado do interior do depósito “jacto de areia”, 50 embalagens de cocaína que guardou em quatro sacos, modelo desportivo, os quais acondicionou no seu veículo automóvel de matrícula ..........., após o que rumou ao Algarve.
17. Conforme o previamente combinado, cerca das 23h10m desse mesmo dia, os arguidos DD e EE, encontravam-se junto ao Hotel Montechoro aguardando o arguido BB, que aí chegou, cerca das 23h15m, conduzindo o veículo de matrícula ........., no qual aqueles arguidos entraram, dirigindo-se todos para os apartamentos Felizchoro.
18. Aí chegados, o arguido BB retirou do veículo quatro sacos, modelo desportivo, nas cores verde, vermelha, preta e beige, contendo a cocaína, que entregou aos arguidos DD e EE após o que abandonou o local em direcção à sua residência de Vila Nova de S. Bento.
19. Entretanto, proveniente de Espanha, havia chegado a Albufeira o arguido CC, tendo como missão recolher a cocaína.
20. Cerca das 11h20m, do dia 19/08/05, o arguido CC abordou o cidadão inglês JJ proprietário de um bar em Montechoro, e solicitou-lhe uma boleia, ao que JJ acedeu.
21. Assim, no veículo conduzido por JJ, o arguido CC dirigiu-se aos apartamentos Felizchoro onde os arguidos DD e EE o esperavam e lhe entregaram os quatro sacos que na véspera haviam recebido do arguido BB.
22. O arguido CC e o JJ regressaram de seguida para o Hotel Montechoro, local onde o primeiro transferiu os sacos para a bagageira do veículo marca BMW, de matrícula V 4 BUK, sua propriedade.
23. O arguido CC tomou então a direcção de Espanha, tendo sido detido, cerca das 12h40m na Via do Infante, cerca da ponte sobre o Rio Guadiana, transportando os quatro sacos acima referidos contendo:
- O saco verde, dez embalagens envolvidas em plástico amarelo, com cerca de 11 Kg;
- O saco vermelho quinze embalagens envolvidas em plástico amarelo, com cerca de 16,50 Kg;
- O saco beige dez embalagens envolvidas em plástico amarelo, com cerca de 11,25 Kg;
- O saco preto quinze embalagens envolvidas em plástico amarelo, com cerca de 16,70 Kg;
24. As embalagens referidas no ponto anterior continham cocaína, com o peso bruto global de 53,481 Kg.
25. Em poder do arguido CC foi encontrado e apreendido, para além de vários documentos, o telemóvel marca Panasonic, com o IMEI ..........e o cartão da Vodafone nº ........., o telemóvel marca Motorola, com o IMEI ............... e o cartão Vodafone nº .........
26. Também os arguidos DD e EE vieram a ser detidos nesse mesmo dia, tendo em seu poder, para além de vários documentos:
- O primeiro, 195,50 euros, 940 libras esterlinas, um telemóvel marca sagem-.......com o IMEI ............ e o cartão Vodafone nº ............, um fio em ouro e um relógio marca Rolex com o nº 8385;
- O segundo, 550,00 euros, 1530 libras esterlinas, 40,00 quarenta dólares americanos, um telemóvel marca Nokia, modelo 1100, com o IMEI ............ e o cartão da T-Mobile nº .............., um relógio Cartier – Quartz, com brilhantes.
27. Entretanto, o arguido AA arranjou compradores para o resto da cocaína, tendo vendido trinta embalagens ao arguido FF, doravante designado por FF, e as restantes cinquenta e cinco a outro indivíduo, cuja identidade não foi possível apurar.
28. No dia 26.08.05, o arguido AA contactou telefonicamente o arguido BB dando-lhe instruções para entregar 30 embalagens de cocaína a um indivíduo que se deslocaria a Portugal para o efeito e cujo número de telemóvel (..............) lhe forneceu, para que o arguido BB pudesse combinar com aquele indivíduo o local e hora do encontro e informando-o que, na terça feira seguinte, deveria entregar as restantes embalagens a pessoa que depois lhe indicaria.
29. No dia seguinte, cerca das 07H50, o arguido BB, após ter colocado na bagageira do seu veículo de matrícula ....., dois sacos contendo as trinta embalagens de cocaína saiu da sua residência em Vila Nova de S. Bento em direcção a Lisboa.
30. Cerca das 11h00m, o arguido BB e a pessoa indicada pelo arguido AA, o arguido FF, entraram em contacto telefónico tendo combinado encontrar-se no parque de estacionamento existente junto da igreja da Praça de Londres, em Lisboa.
31. Após este telefonema o arguido ..........., conduzindo o veículo acima referido, dirigiu-se para a zona da Praça de Londres a fim de entregar a cocaína ao arguido FF a qual só não lhe foi entregue devido à intervenção da Polícia Judiciária.
32. Com efeito, o arguido BB, após chegar à Praça de Londres efectuou várias passagens na zona, quer de automóvel, quer a pé, em reconhecimento do local.
33. Tendo suspeitado que estava a ser vigiado decidiu destruir o telemóvel com o nº ................, através do qual havia sido contactado pelo arguido FF, o que fez distribuindo os bocados por quatro recipientes para o lixo existentes na zona, após o que se dirigiu para o seu veículo e abandonou o local em direcção à Ponte Vasco da Gama.
34. A PJ seguiu-o e veio a interceptá-lo, cerca das 12h30m, na área de serviço da Galp da Ponte Vasco da Gama, em Alcochete, tendo-o detido e apreendido dois sacos desportivos pretos contendo, cada um, 15 embalagens com o peso bruto aproximado de 31,700 Kg, que transportava no veículo acima mencionado e que continham cocaína.
35. Em poder do arguido BB foram encontrados e apreendidos, para além de vários documentos e chaves, entre as quais as que davam acesso ao terreno sito na Rua de ......., em Baleizão e ao contentor que aí havia mandado depositar e o telemóvel de marca Siemens S55 com o IMEI .........................(fls. 399).
36. Entretanto, na Praça de Londres veio a ser detido o arguido FF que tinha em seu poder um telemóvel marca Siemens, modelo A57, com o IMEI................ com um cartão Movistar nº .........., relativo ao nº espanhol ..............., um telemóvel marca Siemens, modelo CF 62, com o IMEI ................., com um cartão Movistar nº ...................., relativo ao nº espanhol .................., um bloco de apontamentos manuscrito e um X-ato, os quais foram apreendidos.
37. Na residência do arguido BB foram encontrados e apreendidos, para além do mais e de variada documentação:
- Um telemóvel, marca Motorola, cor cinzenta, com o nº .............;
- Um telemóvel, marca Motorola, modelo V171, de operadora desconhecida, com o IMEI ............;
- Uma impressora, marca Cânon, com o número de série ...........;
- Um computador portátil, marca HP, modelo Pavilion DV 1000, com o número de série ..............;
- Um capacete de motociclista, cor cinza, marca Nolan;
- Um motociclo marca Honda, usado, matricula ..............., adquirido em 21.06.05;
- Uma pistola semi-automática, de calibre 22 Magnum (5,6mm), marca AMT, modelo Automag II, com o número de série ..........., munida de carregador e respectivo coldre, em boas condições de funcionamento, cano com 154 mm de comprimento e estrias no seu interior;
- Uma espingarda caçadeira semi-automática, de calibre 12 (para cartucho de caça), marca FN/Browning, modelo Auto 5, com o número de série ..............., em boas condições de funcionamento, cano com 700 mm de comprimento e alma lisa;
- Uma carabina de calibre 6,5 x58 mm Portuguese Vergueiro, com a designação Espingarda Portuguesa, modelo 1904, com o número de série........., em condições de efectuar disparos, cano com 610 mm de comprimento e estrias no seu interior;
- Uma carabina de calibre 7,625 x54Rmm Russian, marca Mosin-Nagant, modelo 1944, com o número de série T  716, em condições de efectuar disparos, cano com 730 mm de comprimento e estrias no seu interior;
- Uma carabina de calibre 7,62 mm, de marca e modelo não referenciáveis, com o número de série ....., sem bloco de culatra, não se encontrando em condições de efectuar disparos, cano com 600 mm de comprimento e estrias no seu interior;
- Dez munições de calibre .22 Magnum (5,6 mm), marca Winchester (tipo Super X), em boas condições de utilização;
- Quarenta e uma munições de calibre 7,62 mm Tokarev de várias marcas, destinadas a pistolas semi-automáticas, em boas condições de utilização;
- Quarenta e oito munições de calibre 7,62X39 mm Soviet M43, de várias marcas, destinadas a pistolas automáticas, em boas condições de utilização;
- Três blocos de culatra de tipo ferrolho, provenientes de arma de fogo, provavelmente de espingarda automática.
38. De todas estas armas apenas se encontra registada a pistola semi-automática, de calibre 22 Magnum (5,6mm), marca AMT.
39. No terreno sito na Rua de ......., em Baleizão foi encontrado e apreendido:
- Um depósito (jacto de areia) cilíndrico, de cor amarela, onde haviam sido acondicionadas as embalagens de cocaína destinadas aos arguidos acima referidos;
- Um contentor com a referência ..........., dentro do qual se encontrava um torno mecânico que no seu interior, na base, por detrás de chapas aparafusadas, continha 55 embalagens, com o peso bruto de cerca de 58,950 Kg, que continham cocaína.
40. O arguido BB não possui licença de uso e porte de arma, o que ele sabia, como era igualmente do seu conhecimento que as armas que guardava na sua residência, com excepção da pistola semi-automática, não se encontravam manifestadas nem registadas.
41. O arguido AA foi julgado no Tribunal de Bragança no processo 2212/98.6JAPRT e condenado por acórdão transitado em julgado em 31.05.04, na pena de oito anos de prisão pela prática, em Maio de 1999, do crime p. e p. pelo artº 21º/1 do DL 15/93, de 22/1.
42. No âmbito desse processo, o arguido AA esteve preso preventivamente entre 19.05.99 e 19.11.03.
43. Encontra-se de novo preso, em cumprimento da pena que lhe foi aplicada no referido processo, desde 6/2/06.
44. Os arguidos AA e BB, por um lado, e os arguidos DD, por outro, agiram de comum acordo e em comunhão de esforços.
45. Todos os arguidos bem conheciam a natureza e características estupefacientes do produto – cocaína – que detinham, transportaram e adquiriram e que, atentas as elevadas quantidades envolvidas, se destinava a ser disseminado e consumido por milhares de pessoas.
46. Com a sua conduta, o arguido BB pretendeu auferir a recompensa que lhe foi prometida pelo arguido AA no valor de 400.000 euros.
47. O arguido AA pretendeu auferir, com a operação de venda de cocaína, que projectou executar com o concurso do arguido BB, um lucro, pelo menos, não inferior a 400.000 euros.
48. Agiram todos os arguidos voluntária e conscientemente, sabendo as suas descritas condutas lhes eram proibidas por lei.
49. Depois de detido, o arguido BB, ao prestar declarações, relatou o papel do indivíduo, que então conhecia apenas por «C.....» e que ainda não fora referenciado na investigação, no circuito de distribuição de cocaína em que o arguido se integra e ao serem-lhe mostradas, por inspectores da PJ, fotografias do ora arguido AA, reconheceu-o como sendo o indicado «C.....».
50. Foi também por indicação do arguido BB que foi possível à autoridade policial, localizar a porção de cocaína, que ele havia escondido em Baleizão.
51. Em audiência de julgamento, o arguido BB confessou a sua apurada conduta e revelou-se arrependido.
52. Os arguidos BB, CC, DD, EE e FF não têm antecedentes criminais.
53. O arguido AA, antes de ter sido preso, residia em Dakar, no Senegal, e dedicava-se a negócios de imobiliário.
54. Tem duas filhas, com as idades de 13 e 17 anos, que estão entregues à mãe.
55. Possui como habilitações literárias o 6º ano de escolaridade.
56. O arguido BB dedicou-se, pelo menos desde a década de 1990, à actividade empresarial na Guiné-Bissau, onde centrou também a sua vida familiar.
57. Em 1998, o arguido BB constituiu, em conjunto com KK, sociedades vocacionadas para o exercício da actividade agrícola e da construção civil.
58. Em Junho do mesmo ano, eclodiu na Guiné-Bissau um conflito armado, no decurso do qual o património do arguido BB foi destruído, subtraído ou gravemente danificado.
59. Na sequência do facto referido no ponto antecedente, o arguido e o seu sócio LL obtiveram da Agência Portuguesa de Apoio ao Desenvolvimento (APAD) para a sua empresa «Tentativa, Lda.» um empréstimo no valor de 38.300.000$00, destinado a possibilitar o reinício da actividade comercial da mesma, no domínio da construção civil.
60. Tal empreendimento não teve sucesso e o arguido BB viu-se na necessidade de vender o seu estaleiro e o outro equipamento de construção civil, com o objectivo de retomar em Portugal a sua actividade empresarial.
61. O arguido BB não logrou vender parte do equipamento referido no ponto antecedente, tendo recebido do indivíduo que lhe comprou o estaleiro apenas uma parte do respectivo preço.
62. Em virtude de uma decisão judicial proferida num processo que correu termos num Tribunal da Guiné-Bissau, o arguido BB perdeu a casa onde residia, nesse país.
63. Em consequência das vicissitudes descritas, o arguido BB não conseguiu retomar a sua actividade empresarial em Portugal.
64. O arguido BB é bem considerado pelas pessoas que o conhecem.
65. Tem dois filhos biológicos e três enteados que trata como filhos, com idades que variam entre os 22 e os 15 anos, sendo que só um deles trabalha.
66. A mulher do arguido BB exerce a actividade profissional de modista.
67. O referido arguido possui como habilitações literárias o antigo 5º ano do liceu.
68. O arguido CC dedicava-se, ao tempo dos factos, ao investimento imobiliário, em Inglaterra e em Espanha.
69. Tem duas filhas e um neto, com quem mantém uma boa relação.
70. É licenciado em Finanças e é bem considerado pelas pessoas que o conhecem.
71. Ao tempo dos factos, o arguido DD desenvolvia actividade profissional no âmbito da construção civil, além de exercer uma segunda actividade, em horário pós-laboral, como funcionário de segurança em estabelecimentos de convívio.
72. Tem quatro filhos, dos quais dois são estudantes e integram ainda o agregado familiar dos pais.
73. A sua mulher trabalha num lar de idosos.
74. Frequentou o ensino secundário e possui formação em marinhagem.
75. O arguido EE tem formação na área da carpintaria e da armação de ferro, tendo exercido actividade profissional correspondente a essa formação.
76. Desde o início do ano de 2005 que se encontra desocupado.
77. Tem 3 filhos, com idades compreendidas entre os 15 e os 11 anos.
78. A sua companheira é doméstica.
79. O arguido FF reside em Espanha há pelo menos 18 anos.
80. Trabalha como vendedor comissionista e a sua mulher é empregada em dois supermercados.

b) Fundamentação da convicção (transcrição):

«Na formação do juízo probatório afirmativo, avultou, antes de mais, a prova material decorrente das apreensões efectuadas e formalizadas nos autos de apreensão ou de busca e apreensão a fls. 153, 154, 159 a 165, 172 a 184, 189 a 203, 333 a 374, 396 a 422, 424 a 436, 439 a 441, 503, 513, 521 a 557, 578 a 632, 730, 731, 745 a 793, 1671 a 1698 e 1705 a 1721.
A natureza e as características estupefacientes dos produtos apreendidos, bem como as respectivas quantidades encontram-se demonstradas através dos exames toxicológicos realizados, cujos relatórios figuram a fls.1318, 1319, 1332, 1333,e 1337.
As características das armas apreendidas ficaram apuradas através dos respectivos exames periciais, cujos relatórios se mostram juntos aos autos a fls. 895 a 897, 1024, 1025, 1255 e 1256.
Entre os elementos de prova pessoal, que relevaram para a formação da convicção do Tribunal, avulta a confissão prestada pelo arguido BB, que assumiu a veracidade da totalidade da conduta que lhe é imputada, com excepção do facto de ter efectivamente recebido a compensação monetária que lhe foi proposta pelo arguido AA.
O arguido BB, pela posição de charneira que ocupava no esquema de circulação de estupefaciente, sobre que versa o presente processo, teve contactos com todos os restantes arguidos, com excepção, tanto quanto se vislumbra de CC.
Neste contexto, as declarações do arguido BB são relevantes para a prova dos factos praticados pelos restantes arguidos, com a já referida excepção, sendo decisivas, no caso da conduta imputada ao arguido AA e da identificação deste.
De todo o modo, as referidas declarações são ainda corroboradas por outros elementos probatórios.
O arguido AA prestou declarações sobre a matéria da acusação, negando em bloco a veracidade dos factos que lhe são imputados.
Os arguidos CC, DD e EE, após se terem inicialmente remetido ao silêncio, também se pronunciaram sobre a matéria do libelo acusatório.
O arguido CC afirmou, em síntese, ter sido enganado por HH, com quem mantinha um relacionamento comercial, relacionado com a venda de propriedades em Espanha.
Encontrando-se o arguido em férias nesse país, recebeu uma chamada de D....., que lhe dizia que um sócio dele iria desembarcar no aeroporto de Faro, trazendo uma mala com dinheiro, correspondente à comissão do arguido no negócio imobiliário que intermediara para aquele indivíduo, e pediu ao arguido que fosse ao encontro dele.
O arguido dirigiu-se então ao para o aeroporto de Faro mas chegou uma hora atrasado, em relação à chegada do voo, por não ter atentado na diferença horária entre Portugal e Espanha.
Em novo contacto telefónico com HH, este comunicou-lhe que o seu sócio se encontrava num hotel em Albufeira, onde o arguido acabou por chegar, depois de ter apanhado boleia de um Sr. JJ.
No hotel, acabou por receber dos arguidos DD e EE os sacos que foram depois colocados na sua viatura e que ali se encontravam quando foi interceptado pela polícia perto da fronteira com Espanha, cujo verdadeiro conteúdo o arguido CC ignorava.
Por seu turno, o arguido EE referiu que contactou HH, na companhia do ora arguido DD a pedido de um tal MM, que vive em África e a quem HH devia dinheiro, a fim de o convencer a pagar a dívida.
Na altura, ao ver o arguido DD, que é conhecido por cobrar dívidas, HH intimidou-se e concordou em pagar ao DDs assim que tivesse vendido uns bens que tinha em Portugal, razão pela qual os arguidos EE e DD o acompanharam até este país, onde permaneceram durante alguns dias após o que regressaram a Inglaterra.
Posteriormente, os arguidos foram de novo contactados por HH, com quem combinaram voltarem os três a Portugal, tendo HH ficado de se juntar aos arguidos no Algarve.
Os arguidos EE e DD viajaram os dois até Lisboa onde se encontraram junto de uma igreja, por indicação de HH, com um indivíduo que lhes disse que iria entregar-lhes duas malas que eram para o HH.
Os arguidos seguiram então para o Algarve (Montechoro), onde o mesmo indivíduo lhes entregou as malas, que afinal eram em número de quatro, no hotel onde os arguidos se hospedaram.
Entretanto, em contacto telefónico com HH, este disse-lhes que deveriam entregar as malas a um indivíduo inglês chamado CC, que iria buscá-las, o que veio a acontecer.
Os arguidos desconheciam que as malas em causa contivessem estupefaciente.
O arguido DD prestou declarações em termos de corroborar as prestadas pelo co-arguido EE.
Na última sessão de julgamento, o arguido FF, que de início também optara por não prestar declarações, declarou que se tinha deslocado de Espanha a Lisboa, a pedido de um tal NN, indivíduo espanhol que se dedica à venda de viaturas e de roupas.
O referido NN pediu-lhe que se fosse encontrar nesta cidade com um indivíduo português, cujo nome não revelou, tendo-lhe oferecido a quantia de 500 euros por esse serviço, mas não lhe revelou qual o assunto que motivou tal pedido.
A prova pessoal oferecida pela acusação constou, antes de mais, dos depoimentos testemunhais do inspector-chefe e dos inspectores da PJ, que tomaram parte na investigação: OO, PP, QQ, RR, SS, TT e UU.
OO declarou ter entrado na investigação a partir da detenção dos arguidos de nacionalidade britânica, tendo descrito, em termos consonantes com a acusação dos factos ocorridos em 27/8/05 em Lisboa, e que culminaram na detenção dos arguidos BB e FF, operação essa que a testemunha dirigiu, na sua qualidade de inspector-chefe.
A testemunha VV fez referência à sua intervenção na investigação, no âmbito das intercepções de comunicações telefónicas.
A testemunha QQ declarou ter efectuado vigilâncias aos arguidos DD e EE aquando da sua primeira vinda a Portugal.
A testemunha RR relatou ter levado a cabo vigilâncias seguimentos e detenções, no decurso das quais presenciou a entrega pelo arguido BB, que se fazia então transportar numa viatura da marca Mitsubishi, aos arguidos ingleses (DD e EE) de vários sacos.
A testemunha SS referiu ter efectuado vigilâncias aos arguidos de nacionalidade britânica e ter intervindo na detenção destes, bem como na detenção do arguido BB.
Nessas diligências, o depoente pode observar, nomeadamente, a entrega pelos arguidos DD e EE ao arguido CC de quatro sacos, que foram colocados no carro deste último.
A testemunha TT participou numa diligência de vigilância no aeroporto de Faro, em que foi presenciada a chegada de um indivíduo identificado por «J....» que se encontrou com os arguidos DD e EE.
A testemunha UU afirmou ter efectuado diversas vigilâncias, no decurso das quais observou o encontro do arguido BB com os arguidos DD e EE na Praça de Londres, após o que o primeiro partiu de carro para o Alentejo.
Também fez vigilância ao arguido BB, no dia em que este foi detido, tendo observado o lançamento de um telemóvel e de papéis para um recipiente do lixo.
Além dos referidos elementos policiais, foram ainda inquiridos, como testemunhas de acusação:
- XX, que relatou como procedeu ao desalfandegamento de uma máquina transportada em contentor, por incumbência do arguido BB;
- II e ZZ, que depuseram por forma a confirmar o depósito de um contentor pelo arguido BB numa propriedade sita em Baleizão.
Simultaneamente à matéria da acusação e da defesa do arguido BB, foram inquiridos AAA de LL, antigo sócio daquele arguido, e BBB, mulher do mesmo.
KK declarou ter sido sócio do arguido BB, em empresas que operaram na Guiné-Bissau, tendo tomado conhecimento da detenção do mesmo.
Uns 10 ou 15 dias depois da detenção do arguido BB, o depoente foi contactado telefonicamente por alguém que se identificou como «C...., que telefonava a partir do Senegal e que lhe perguntou se sabia alguma coisa de BB.
Mais referiu que o empreendimento que teve em comum com BB, na Guiné.Bissau, tinha uma componente de lavoura, que foi aniquilada durante o conflito armado que eclodiu naquele país em 1998.
Depois disso, o arguido BB e a testemunha tentaram reanimar a sua actividade empresarial, com a ajuda financeira do Estado Português, na vertente da construção civil, mas sem êxito, posto o que decidiram retirar para Portugal o equipamento de que dispunham ou vendê-lo.
Não foi possível vender a maior dos bens e aquilo que foi vendido não foi pago.
Cerca de 15 dias antes de ter sido detido, o arguido BB pediu à testemunha dinheiro emprestado para pagar a renda da casa.
Mais depôs por forma a confirmar o que se deu como provado, quanto às condições familiares do arguido BB e a imagem social deste, junto de quem o conhece.
Por seu turno, BBB referiu que, depois da detenção do seu marido, foi contactada por um Sr. R....., com quem marcou encontro na pastelaria «Mexicana».
Nessa altura, o Sr. R.. revelou que vinha a mando de um tal «C.....» que queria saber do resto da droga que o seu marido teria e que ele R........ teria de levar-lhe uma prova de que a droga tinha sido apreendida.
A depoente foi contactada telefonicamente pelo «C......», que se identificou como um «amigo da Guiné».
Mais presenciou a inquirição do referido R... na PJ, tendo ele dito que «C.....» era um AA «não sei das quantas» e reconhecido o «C.....» no indivíduo retratado na fotografia que lhe foi exibida pelo inquiridor.
A testemunha BBB depôs ainda por forma a confirmar, em temos gerais, o modo como o seu marido perdeu os bens e o empreendimento que tinha na Guiné-Bissau, incluindo a casa de morada de família, e que, ao vender o estaleiro que possuía nesse país, o comprador só lhe pagou a 1ª prestação do preço, tendo faltado com o pagamento da segunda.
Em face dos elementos de prova agora sumariados, é possível reconstituir, sem recurso ao material recolhido através das escutas telefónicas o percurso seguido pela quantidade de cocaína que veio a ser apreendida na posse do arguido CC, sendo claro que a mesma passou do arguido BB para os arguidos DD e EE e acabando no arguido CC.
Também é possível dar como assente a ocultação da droga que o arguido BB fez entrar em Portugal, numa propriedade sita em Baleizão.
Relativamente à comparticipação do arguido AA na factualidade em apreço, é verdade que a convicção do Tribunal assenta quase exclusivamente nas declarações do arguido BB.
Por um lado, as declarações deste arguido afiguram-se ao tribunal merecedoras de credibilidade, já que este não se limitou a incriminar o co-arguido, mas antes assumiu na íntegra a sua quota-parte de responsabilidade na actividade ilícita em causa, tendo, inclusivamente contribuído de forma decisiva para a localização da droga depositada em Baleizão, à qual ele poderia vir a ter acesso, uma vez restituído à liberdade.
Por outro lado, a credibilidade da versão do arguido BB é reforçada por alguns elementos de prova circunstancial, mormente os depoimentos de KK e BBB.
Não foi possível, por ser desconhecido o seu paradeiro actual, inquirir como testemunha R... (o indivíduo que contactou a mulher do arguido BB a mando do «C.....»), arrolado pela acusação, que seria, tanto quanto resulta do inquérito, a única pessoa, para além do arguido BB, que conheceu o indivíduo identificado por este como C......
Nestas condições, aquilo que foi dito pela testemunha BBB, acerca do que foi afirmado por R..., quando foi inquirido pela PJ, poderá ser valorado pelo Tribunal como depoimento indirecto, ao abrigo do disposto na parte final do nº 1 do art. 129º do CPP.
Em face do exposto, o Tribunal considera que o acervo probatório em permite formar a convicção, para além de qualquer dúvida razoável, da realidade da comparticipação do arguido AA na factualidade descrita no libelo acusatório, entendo-se ainda que, tendo ele prometido ao arguido BB uma recompensa monetária no valor de 400.000 euros, pela sua participação na operação de venda de cocaína, o lucro que projectava auferir com a mesma, seria pelo menos igual a esse montante, tendo em conta os dados da experiência comum.
Quanto aos factos praticados pelo arguido FF, a convicção do Tribunal assenta, para além das vigilâncias e das apreensões já referenciadas, no teor das conversações telefónicas transcritas no volume I do apenso A, relativo ao alvo IF879 (telemóvel nº ............ do arguido BB), nomeadamente, as correspondentes às sessões nºs 43, 56 e 57, em que é interlocutor do BB uma voz masculina, que o restante contexto probatório permite identificar como sendo o ora arguido AA, em que este comunica ao arguido BB o número de telemóvel do indivíduo que o iria contactar e que era .............., com o indicativo de Espanha 0034, e a correspondente à sessão nº 58, em que o arguido BB fala ao telefone em língua castelhana com um interlocutor, que o restante contexto probatório dos autos permite identificar como sendo o arguido FF, com quem marca encontro na Praça de Londres junto a uma igreja.
O arguido FF acabaria por ter sido detido nesse local e foi apreendido na sua posse o telemóvel nº................
Relativamente à versão sustentada pelos arguidos CC, DD e EE, impõe-se constatar que todos eles pretendem responsabilizar pelo sucedido o referenciado HH, que não foi constituído arguido, nem localizado, tendo-se gorado as tentativas feitas no sentido de o trazer a depor em julgamento.
A aceitar-se a versão dos arguidos, o referido HH teria actuado deliberadamente no sentido de colocar nas mãos deles, sem o seu conhecimento, produto estupefaciente, que depois veio a ser descoberto pelas autoridades policiais, tudo levando a crer que o HH teria agido com a intenção de prejudicar os arguidos.
No contexto das declarações prestadas pelos arguidos DD e EE, pode admitir-se como plausível que o HH tivesse interesse em incriminá-los, por forma a ver-se livre deles, já que aqueles arguidos estavam empenhados em cobrar uma dívida que ele tinha para com um terceiro.
Diferentemente, já dificilmente se vislumbra qual o interesse que HH poderia ter em incriminar o arguido CC, com quem, a julgar pelas declarações deste mantinha um relacionamento de negócios.
Em todo caso, o que retira credibilidade à narrativa dos arguidos é o facto de o dito HH ter, na sua versão, sacrificado uma enorme quantidade de cocaína, na ordem das cinco dezenas de quilogramas, abdicando do proveito económico que a mesma lhe poderia proporcionar, quando poderia ter obtido o mesmo efeito com uma quantidade de droga muito inferior (na ordem das centenas de gramas ou de um ou dois quilogramas), com a correspondente redução do prejuízo económico.
Não sendo a versão em apreço merecedora de credibilidade, os dados da experiência comum permitem que se parta do princípio de que uma pessoa que detém uma quantidade de estupefaciente, para mais bastante avultada, tem conhecimento das características do produto.
A colaboração do arguido BB com a investigação resulta do processado do inquérito.
Relativamente à ausência de antecedentes criminais dos arguidos, com excepção do arguido AA, o Tribunal faz basear a sua convicção nos CRC a fls. 2166 e 2406 a 2410.
A condenação sofrida pelo arguido AA e o período de privação de liberdade por ele sofrido à ordem do respectivo processo provam-se através da certidão junta a fls. 1504 a 1584.
No que se refere aos factos atinentes às condições pessoais de cada arguido, avultaram na formação da convicção do Tribunal, relativamente aos arguidos AA e BB, as declarações dos próprios, e, quanto aos arguidos CC, DD e EE, os relatórios sociais elaborados pelo IRS.
Ainda para a prova das condições pessoais do arguido BB, do contexto factual, que antecedeu a prática por parte dele dos factos por que agora responde, e da sua imagem social, o Tribunal considerou os depoimentos das testemunhas KK, BBB, CCC, DDD, EEE e FFF bem como os documentos oferecidos pela defesa deste arguido juntos a fls. 2324 a 2367.
Relativamente às condições pessoais do arguido CC e da sua imagem social, contribuíram também para a formação da convicção do Tribunal os depoimentos das testemunhas GGG, HHH e III, sendo a primeira genro do arguido CC.
De um modo geral, o juízo probatório negativo assenta na ausência de elementos susceptíveis de determinar a formação pelo Tribunal de uma convicção afirmativa.
Antes de mais, o Tribunal considerou não provados factos, que foram trazidos ao processo exclusivamente por via das escutas telefónicas efectuadas e, por que se trata de matéria susceptível de relevar para a incriminação dos arguidos DD e EE, não é possível levar em conta para a prova dos mesmos, conforme ajuizou supra, o material probatório adquirido por meio daquelas escutas.
No que se refere ao recebimento pelo arguido BB da recompensa que lhe foi prometida pelo arguido AA pela sua colaboração na venda de cocaína, o arguido BB declarou não ter chegado a receber qualquer importância a esse título, sendo aliás esse o único aspecto factual da acusação, que lhe é movida, que este arguido não aceitou.
Inexiste no processo qualquer elemento de prova que permita concluir o contrário, isto é que o arguido BB tenha recebido no todo ou em parte a referida recompensa monetária.
De resto, a versão defendida pelo arguido BB, nesta parte, resulta inclusive mais plausível, em face dos dados da experiência comum, do que a hipótese vertida na acusação, pois dificilmente se concebe que um traficante de droga vá colocar nas mãos de um «colaborador» uma quantidade de estupefaciente tão grande como aquela que o arguido A....... confiou ao arguido BB., representando um elevadíssimo valor comercial, e lhe pague antecipadamente a retribuição, que ele vai auferir com a operação, correndo o óbvio risco de o outro fazer suas, simultaneamente, a recompensa e a droga.
Quanto ao propósito, por parte dos arguidos DD, EE, CC e FF, de obter lucros avultados, importa dizer que não foi produzido qualquer elemento de prova directa de tal intencionalidade.
Por outro lado, o aludido propósito não pode ser inferido, sem mais, da elevada quantidade de estupefaciente objecto da conduta em apreço, desacompanhada de qualquer outro elemento, já que os proventos auferidos pelos vários agentes desta prática ilícita estarão sempre dependentes de diversos factores, que aqui não foram esclarecidos, como sejam a posição que cada um deles ocupa no circuito de trânsito e de distribuição do estupefaciente, concretamente, se é o interessado directo no negócio ou se é apenas um colaborador, porventura ocasional, e da margem de lucro praticada, isto é o diferencial entre o valor da aquisição do produto e aquele pelo qual é revendido.
Também não foi produzido qualquer elemento probatório que permita concluir que a generalidade dos bens apreendidos nos autos foram utilizados pelos arguidos na actividade de circulação de estupefaciente, sem prejuízo daquilo que se apurou quanto à utilização de alguns objectos em concreto, vigorando, também neste aspecto, a proibição de valoração da prova recolhida nas escutas telefónicas contra os arguidos DD e EE, designadamente, para o efeito da demonstração do uso que tenham feito dos telemóveis encontrados na sua posse.
Tão pouco foi produzida prova directa de que esses bens e as quantias monetárias encontradas em poder dos arguidos foram obtidos directa ou indirectamente através da actividade ilícita por que eles aqui respondem, sendo que também não poderá considerar-se tal origem provada por via indirecta, tanto mais que não ficou demonstrada a verificação de quaisquer fluxos monetários efectivos, em benefício de qualquer dos arguidos, com proveniência na comercialização de estupefaciente.»

2 – DIREITO

Do acórdão da 1.ª instância extrai-se da fundamentação o seguinte (transcrição):

“(…) Não obsta ao enquadramento da apurada conduta do arguido FF a circunstância, que aliás já resulta da narrativa acusatória, de não ter chegado a receber a cocaína, que ia ser-lhe entregue pelo arguido BB, entrega que se frustrou em razão da intervenção policial, nem remete a sua actuação para o domínio do crime tentado, independentemente da questão dogmática de saber se o crime de tráfico de estupefaciente comporta a figura da tentativa.
Com efeito, ao acordar com os arguidos AA e BB a entrega da cocaína, o arguido FF preencheu o tipo criminal do tráfico de estupefaciente, na modalidade de acção «fazer transitar», consumando-se o ilícito independentemente da concretização da entrega, quando esta se tenha gorado, como se gorou, devido à intervenção dos elementos policiais.
Tal foi o entendimento consagrado pelo Acórdão do STJ de 24/10/96, correspondente ao documento SJ199610240005523 da Base de Dados do Ministério da Justiça, que versou sobre o caso de um indivíduo que acordou a remessa por via postal uma quantidade de estupefaciente, que acabou por não receber em virtude apreensão pela autoridade policial, que tem vindo a ser perfilhado pejo Colectivo de Juízes desta Vara.
Em todo o caso, a circunstância de o arguido FF não ter chegado a entrar em contacto material com o produto estupefaciente terá de ser ponderado, ao nível do ajuizamento do grau de ilicitude do facto e, consequentemente, da graduação da pena concreta, que vai ser-lhe imposta.
Importa agora ajuizar se a conduta de cada um dos arguidos é susceptível de preencher as agravantes previstas nas als. b) e c) do art. 24º do DL nº 15/93 de 22/1, invocadas pela acusação.
O preenchimento da hipótese prevista na referida al. b) implica a efectiva distribuição do produto estupefaciente por um grande número de pessoas e não apenas que o mesmo estivesse destinado a tal finalidade.
Aliás, o texto da alínea em referência apresenta-se em manifesto contraste com aquela que a antecede e que prescreve que a agravação do crime ocorre se os estupefacientes «foram entregues ou se destinavam a menores ou diminuídos psíquicos».
No caso presente, não há notícia de ter havido efectiva distribuição do estupefaciente, pois este foi integralmente apreendido, pelo que a factualidade em apreço é inidónea a preencher a agravante modificativa a que nos vimos referindo, em relação a qualquer dos arguidos.
Relativamente à agravante modificativa tipificada na al. c), importa dizer que a sua verificação não depende do efectivo recebimento pelo agente de uma avultada compensação remuneratória, antes se bastando com o mero propósito, por parte dele, de vir a alcançar tal compensação.
O conceito de «avultada compensação remuneratória» tem vindo a ser discutido pela Jurisprudência, que tem proposto critérios diferenciados para a sua concretização, alguns dos quais passam pelo recurso às noções de «valor elevado» e «valor consideravelmente elevado» consagradas pelo Código Penal.
Com relevância para a verificação da agravante agora em referência, provou-se apenas que o arguido BB praticou os factos movido pelo propósito de obter a recompensa monetária que lhe fora prometida pelo co-arguido AA, no valor de 400.000 euros, e que o arguido AA visou obter, com a operação de venda de cocaína para a qual recrutou o arguido BB, um lucro de montante pelo menos idêntico à retribuição que prometera a este.
A quantia de 400.000 euros é, sob qualquer perspectiva que seja, um montante muito elevado, que se situa, em circunstâncias normais, fora do alcance do cidadão comum.
De igual modo, o referido valor é manifestamente superior aos proventos auferidos pela generalidade dos agentes de condutas subsumíveis no tipo criminal do tráfico de estupefacientes, mesmo quando praticado com explícito intuito lucrativo.
Nesta conformidade, a vantagem pecuniária almejada por cada um dos arguidos AA e BB.., por via da conduta sob censura, deve ser reconduzida, sem margem para dúvidas, ao conceito de «avultada compensação monetária» a que se refere a al. c) do art. 24º do DL nº 15/93 de 22/1, pelo que o crime de tráfico de estupefacientes praticado pelos referidos arguidos é merecedor do acréscimo de penalização cominado por este artigo.
Nada se provou quanto aos proventos que os restantes arguidos pretendiam realizar com a actividade de circulação de cocaína averiguada nos autos.
É certo que a jurisprudência já tem considerado que, quando uma plural idade de agentes pratica um crime de tráfico de estupefaciente em co-autoria, com o fim de obterem conjuntamente uma avultada compensação monetária, a agravação modificativa do crime tem lugar em relação a todos os comparticipantes, independentemente da questão de saber como irão ser repartidos entre eles os proventos obtidos ou almejados.
No caso em apreço, não existe uma relação de co-autoria entre os arguidos AA e BB, por um lado, e os restantes arguidos, por outro, porquanto não se apurou a existência de uma actuação concertada e uma conjugação de esforços entre aqueles e estes, representando os arguidos A..... e BB... um elo de uma cadeia de circulação de estupefaciente, na qual cada um dos arguidos BB.. e CC e os arguidos DD e EE, conjuntamente, constituem, por sua vez, outros tantos elos.
Nestas condições, pode concluir-se que a agravação modificativa do crime de tráfico de estupefacientes, que se verifica em relação aos arguidos AA e BB, não é extensiva aos restantes co-arguidos, pelo que a apurada conduta de cada um destes últimos terá de ser reconduzida a um crime «simples», isto é não agravado, da mesma natureza.
Em sede de alegações, a defesa dos arguidos DD e EE alvitrou que a conduta destes apurada em julgamento, a ser merecedora de censura jurídico-criminal, deveria ser subsumida na prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade.
Tal tipo privilegiado mostra-se definido pelo art. 25º do DL nº 15/93 de 22/1, o qual dispõe:
«Se, nos casos dos artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias de acção, a qualidade e a quantidade das plantas substâncias ou preparações, a pena é de:
1. Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI;
2. Prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV».
Considerada na sua globalidade, a conduta dos arguidos DD e EE, tal como resultou apurada em julgamento, não é susceptível de se apresentar com a sua i1icitude particularmente diminuída, antes pelo contrário.
Os factos praticados pelos referidos arguidos, que os constituíram na autoria de um crime de tráfico de estupefacientes, têm por objecto um produto de estupefaciente de elevada danosidade, em comparação com outros, como sejam por exemplo, as drogas fabricadas a partir da canabis.
A quantidade de estupefaciente envolvida na operação, em que os mesmos arguidos intervieram, é muito elevada, situando-se na ordem das cinco dezenas de quilogramas.
Os arguidos DD e EE receberam a droga do arguido BB e conservaram-na consigo até ao dia seguinte, altura em que o arguido CC veio recolhê-la.
Ainda que a modalidade de acção do crime de tráfico de estupefaciente concretizada pelos arguidos DD e EE possa não ter sido das mais gravosas e o seu contacto material com o produto tenha sido relativamente passageiro, o certo é que a quantidade e a qualidade do produto desde logo colocam a i1icitude da conduta, globalmente considerada, num nível bastante elevado, incompatível com o seu enquadramento no tipo privilegiado do art. 25º do DL nº 15/93 de 22/1, que pressupõe, antes de tudo, uma diminuição sensível da ilicitude do facto.
Resumindo e concluindo, os arguidos AA e BB incorreram na prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, a que corresponde pena de prisão de 5 anos e 4 meses a 16 anos, enquanto que os restantes arguidos se constituíram autores de um crime «simples» de idêntica natureza (havendo relação de co-autoria entre os arguidos DD e EE), ao qual é cominada pena de prisão de 4 a 12 anos (art. 21º nº 1 do DL nº 15/93 de 22/1).
No libelo acusatório foi requerida a punição do arguido AA como reincidente, nos termos dos arts. 75º e 76º do CP.
Os pressupostos da reincidência vêm previstos no nº 1 do art. 75º do CP nos seguintes termos:
«É punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com pena de prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime».
O nº 2 do mesmo artigo estatui ainda:
«O crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade».
Sobre os efeitos da reincidência dispõe o nº 1 do art. 76º do CP:
«Em caso de reincidência, o limite mínimo da pena aplicável ao crime é elevado de um terço e o limite máximo permanece inalterado. A agravação não pode exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores».
A verificação da reincidência não se basta com os respectivos pressupostos formais, isto é uma condenação anterior em pena de prisão efectiva de duração superior a 6 meses pela prática de crime doloso, mas antes requer a emissão pelo julgador de juízo de valor, com base nas circunstâncias concretas do caso, no sentido de a punição anteriormente infligida ao arguido não ter servido de advertência suficiente para o afastar da delinquência.
Em ordem à ajuizar da verificação da agravante modificativa que nos vem ocupando, relativamente ao arguido AA, importa considerar que ficou provado que este foi julgado no Tribunal de Bragança no processo 2212/98.6JAPRT e condenado por acórdão transitado em julgado em 31.05.04, na pena de oito anos de prisão pela prática, em Maio de 1999, do crime p. e p. pelo artº 21º/1 do DL 15/93, de 22/1 e que, no âmbito desse processo, esteve preso preventivamente entre 19.05.99 e 19.11.03.
O que se extrai da factualidade exposta, para além da reunião dos pressupostos formais da reincidência, é que o arguido AA, após ter estado ininterruptamente preso durante quatro anos e quatro meses, veio a retomar, menos de dois anos depois de ter sido libertado, por ter esgotado o prazo da prisão preventiva, depois imputada na pena de prisão efectiva em que veio a ser condenado, pouco mais um ano a seguir ao trânsito em julgado da condenação, não uma qualquer actividade delituosa, mas precisamente aquela que esteve na origem da pena sofrida e que o levara à prisão.
Tal actividade, por ser economicamente rentável, é também um modo de vida, sendo certo que não há notícia de o arguido AA, no período que mediou entre a sua soltura e o início da prática criminosa por que responde actualmente, tenha procurado organizar a sua existência dentro dos padrões de licitude delimitados pela lei penal.
Neste contexto, o arguido AA demonstrou à saciedade que a condenação anteriormente sofrida não foi por si interiorizada, em termos de lhe servir de aviso suficiente para o inibir da prática de novos crimes.
Nesta ordem de ideias, a responsabilidade criminal do mesmo arguido será agravada a título de reincidência, pelo que o limite mínimo da moldura penal abstractamente aplicável ao crime por ele praticado será aumentado de um terço, passando de cinco anos e quatro meses de prisão a sete anos, um mês e dez dias de prisão. (…)”

B – ACÓRDÃO RECORRIDO

Da decisão da 1.ª instância interpuseram recurso os arguidos AA, DD, EE, FF e CC, para o Tribunal da Relação de Lisboa. O Digno Magistrado do Ministério Público não respondeu.
O Mº Pº junto do Tribunal da Relação de Lisboa elaborou douto parecer.
Extraem-se as seguintes passagens do acórdão recorrido:

“(…) Assim, e relativamente ao arguido CC constata-se que o mesmo considera incorrectamente julgados os factos constantes da matéria de facto sob o n.ºs 19, 49 e 52, entendendo e defendendo que o por si referido e o depoimento da testemunha SS – Inspector da P.J., bem como outros elementos de prova impunham decisão diversa, nomeadamente a sua absolvição com base no princípio in dubio pro reo, por ser perfeitamente possível que desconhecesse o conteúdo das malas que transportava, devendo se assim não se concordar, ser a sua pena atenuada tendo em conta ser primário e a sua idade avançada.

Os arguidos DD e EE discordam da declaração de inconstitucionalidade declarada no douto acórdão pelo facto de o mesmo ter decidido que aquela declaração não obstava a que o tribunal pudesse valorar normalmente, mesmo em detrimento dos recorrentes, os elementos probatórios a que a investigação tenha tido acesso a partir das escutas telefónicas, tais como, apreensões, vigilâncias, depoimentos testemunhais, tendo em conta que tais operações na sua origem eram legítimas, por se ter entendido que aquelas provas não haviam sido obtidas mediante abusiva intromissão nas telecomunicações, entendendo os arguidos que o raciocínio efectuado relativamente às escutas telefónicas tem de ser aplicado aos restantes meios de prova, não podendo a prova obtida através deles ser valorada.

Por sua vez o arguido FF recorre quer quanto à matéria de facto, quer quanto à matéria de direito, entendendo que não existe prova de o mesmo ter praticado qualquer acto que integre a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, até pelo facto de ter existido uma desistência da sua parte, fosse qual fosse o motivo por que se encontrava na Praça de Londres, só tendo regressado por ter sido convencido a fazê-lo, devendo, no caso de assim não se entender, ser a pena imposta diminuída atendendo à sua idade.
Requer, ainda, o arguido a renovação da prova relativamente à testemunha OO, para esclarecer se foi ou não através do telefonema da P.J. que o arguido regressou ao local onde foi detido.
Entendemos, no entanto, que não tendo o arguido suscitado a existência de qualquer vício, nem apontado em concreto quais eram os factos que no seu entender tinham sido incorrectamente julgados e quais as provas concretas que impunham outro tipo de decisão, não haverá lugar à renovação da prova, pelo facto de os esclarecimentos pretendidos, se não foram obtidos quando a testemunha foi inquirida em 14 de Novembro de 2006 ( vide Acta de fls. 2471 a 2473) não é agora que o vão ser, devendo, por isso, ser a mesma indeferida.

Por último, o recurso do arguido AA tem por base a sua discordância quanto à forma como o Tribunal apreciou e valorou a prova, entendendo ter existido erro na apreciação da prova, entendendo que as declarações do seu co-arguido BB não correspondem à verdade e não contou tudo o que sabia, tendo apenas contado o que lhe interessava com a finalidade de se «salvar» em julgamento, sendo certo que fundamentando-se a sua condenação nas declarações daquele seu co-arguido, nunca deviam as mesmas servir para a sua condenação sem estarem alicerçadas em outros elementos de prova.
Tendo feito referência de uma forma sucinta às questões suscitadas e que irão ser objecto de apreciação em audiência, desde já, nos reservamos o direito de nos pronunciarmos quando a mesma se realizar.”

Quanto ao recurso de AA:

“(…) Apesar de o recorrente não ter cumprido nesta parte o ónus de impugnação se sobre si recaía, entendemos, nos termos já expostos supra, admitir o recurso também quanto à matéria de facto.
Perscrutada a prova transcrita resulta claro que nenhuma razão assiste ao recorrente nos termos que passamos a descrever.
Primeiro:
Porque o depoimento do arguido BB não desmente a matéria provada sob os pontos 14 a 17 da matéria provada, uma vez que tal depoimento consistiu na confissão, no sentido de contar todos os factos que eram do seu conhecimento e com verdade, questão que já abordámos supra.
O arguido BB confessou integralmente todos os factos, assumindo a sua participação nos mesmos, com excepção que tivesse obtido o pagamento dos € 400.000 (quatrocentos mil euros) que lhe fora prometido a troco do seu desempenho, o que naturalmente se compreende que assim tenha sucedido, atentas as regras da experiência comum e ao facto de a droga ter sido apreendida porque o arguido BB colaborou para tal com a polícia.
Por outro lado, tal como resulta da prova, (com excepção das declarações dos restantes arguidos que negaram os factos,) e sobretudo da inquirição dos elementos policiais que vigiavam os seus passos, e das já referidas inquirições, e de Emílio Teixeira, o arguido BB teve contacto com todos os arguidos com excepção do CC.
Resulta claro que o arguido não se dirigiu a Albufeira por iniciativa própria, e que os contactos que teve com os arguidos DD e EE, tal como os que comprovadamente manteve com o arguido FF, só podiam ter sido orientados por quem à distância, aliás como é uso corrente em casos semelhantes, lho determinasse, até pelas características específicas dos contactos entre traficantes.
A este propósito convém recordar o testemunho do Inspector OO que na coordenação das investigações desdobradas entre África, Inglaterra, Espanha e várias regiões de Portugal, como Algarve, Alentejo, Lisboa e Trás-os-Montes, vigilâncias, “seguimentos” e mais diligências, durante a primeira quinzena de Agosto, verificou que as instruções eram dadas ao arguido BB através e chamadas telefónicas provenientes da Guiné Bissau atento o número do indicativo internacional que era visível (245).
Segundo:
Os contactos havidos, entre o BB e os arguidos DD e EE, no sentido de combinarem o encontro, não são incompatíveis com o facto de o BB ter recebido instruções do recorrente para que assim procedesse, e até confirmam que o recorrente contactou os ingleses, uma vez que os contactos entre os referidos arguidos ingleses e o arguido BB ocorreram posteriormente à presença daqueles em Portugal.
Terceiro:
Quanto à alegação de que o arguido BB conheceria a identidade do recorrente, tal facto encontra-se devidamente esclarecido no sentido de que o arguido BB conhecia o recorrente como “C.....”, e que após a sua prisão e com os desenvolvimentos da investigação, nos termos abordados supra quanto aos testemunhos de AAA, R..... e BBB, veio a esclarecer-se que o verdadeiro nome do recorrente era o de AA, e por isso se compreende o contexto em que o arguido BB vem a declarar em fase de julgamento que “só agora é que vim saber que o nome dele não é C.....…”, querendo com isso dizer que durante todo o tempo em que conheceu o recorrente este actuou com identidade falsa.
Último:
A referência ao testemunho do inspector OO segundo o qual o arguido BB teria declarado no início das investigações que ouvira que o “C.....” teria sido tratado por “AA qualquer coisa”, revelam o acabado de afirmar supra que o recorrente actuara durante todo o tempo com identidade falsa, ou, pelo menos, do arguido BB desconhecida, só sendo revelada após as investigações, a ponto de se poder dizer com propriedade, no momento do julgamento, que “só agora é que vim saber que o nome dele não é C........”
Nestes termos improcede manifestamente o alegado pelo recorrente, não tendo havido qualquer violação da presunção de inocência, termos em que o recurso será rejeitado.

Quanto ao recurso interposto pelos arguidos DD e EE.

“7.3.1. Dos recursos interlocutórios e da inconstitucionalidade dos despachos recorridos:
Historial:
Da análise dos presentes autos constata-se que em 21 de Julho de 2006 foi proferida a decisão instrutória, tendo sido apreciada a arguição de nulidades que haviam sido suscitadas pelos arguidos CC e DD e EE.
Dessa decisão foram interpostos recursos.
O recurso interposto pelo arguido CC que invocava a nulidade da instrução pelo facto de se terem omitido a realização de diligências essenciais com a consequente invalidade dos actos posteriores do debate instrutório e do despacho que pronunciou o arguido, bem como a nulidade das escutas telefónicas foi registado com o n.º 7851/06, da 9.ª secção, tendo por acórdão de 16 de Novembro de 2006 sido decidido rejeitar o recurso interposto.
Relativamente ao recurso interposto pelos arguidos DD e EE constata-se que foi registado com o n.º 7856/06 da 3.ª Secção, que tinha por objecto o indeferimento da invocada nulidade das escutas telefónicas bem como da arguição da nulidade de instrução, sendo certo que por acórdão de 4 de Outubro de 2006 se decidiu negar provimento ao recurso e manter a douta decisão recorrida.
Posteriormente o arguido CC veio requerer na sua contestação a obtenção de informações junto das autoridades britânicas e a que se faz referência a fls. 2420, bem como a inquirição entre outros, do oficial de ligação Britânico da Embaixada Britânica em Lisboa, para que este “identifique o processo a que fez referência e que deu origem às informações que prestou” e que seja fornecido pelas mesmas autoridades britânicas “cópia integral do processo que deu origem às informações prestadas nestes autos”.
Por sua vez os arguidos DD e EE vieram requerer, igualmente, a inquirição de dois agentes britânicos, que procederam a vigilâncias dos arguidos, e do referido oficial de ligação (vide fls. 2428), para que este “informe qual foi a investigação policial que decorreu no Reino Unido, sobre estes arguidos e em que processo decorreram as intercepções telefónicas aos arguidos no Reino Unido, e junte cópia desse processo, com toda a prova carreada para esses autos”.
Com efeito, esta decisão foi tomada pelo facto de os arguidos terem vindo requerer a efectivação de diversas diligências tendentes, em síntese a questionar a validade da recolha das informações que foram prestadas à PJ, no âmbito do processo, pelas autoridades policiais do Reino Unido, bem como dos meios de prova utilizados na investigação realizada nesse País à actividade eventualmente desenvolvida por esses arguidos, no domínio do tráfico de estupefacientes, sendo certo que pretendiam a notificação do oficial de ligação junto da Embaixada para investigar o processo correspondente à aludida investigação, e que se solicitasse às autoridades britânicas o envio de cópia integral dos mesmos, bem como a inquirição daquele oficial de ligação como testemunha. Por despacho proferido em 6 de Novembro de 2006, o Mmº Juiz entendeu, decidindo, indeferi-las, com o seguinte fundamento:
“A pretensão ora formulada pelos arguidos CC, DD e EE, reedita, no essencial, aquela que já haviam firmado nos respectivos requerimentos de abertura de instrução e que mereceu uma decisão de indeferimento, consubstanciada no despacho do Sr. Juiz de Instrução a fls. 1922 a 1927 e reafirmada pelo despacho de fls. 1952 a 1955, o qual recaiu sobre uma reclamação do despacho anteriormente mencionado.
As razões que estiveram na origem do indeferimento pelo Ex.mo Sr. Juiz de Instrução do pedido de realização de diligências tendentes a sindicar a validade dos meios de prova produzidos no âmbito da investigação efectuada pelas autoridades britânicas mantêm-se plenamente válidas no actual momento processual.
Com efeito, todos os meios de prova ou de obtenção de prova, que fundamentaram a dedução da acusação contra os arguidos do presente processo, foram produzidos nestes autos, no quadro de uma investigação levada a cabo por um OPC português, sob a direcção e a fiscalização das autoridades judiciárias portuguesas competentes.
A actividade probatória eventualmente levada a cabo no âmbito de qualquer investigação das autoridades judiciárias britânicas aos ora arguidos em nada relevou para a formação da decisão de acusar.
O único contacto entre os presentes autos e a investigação efectuada no Reino Unido reside nas informações prestadas pelas autoridades policiais desse país à PJ e que estiveram na origem deste processo.
As informações policiais, por si só, não constituem meios de prova, mas sim mera notícia de crime.
Nesta conformidade, carece em absoluto de interesse para a decisão da causa a efectivação de quaisquer diligências tendentes a questionar a validade dos meios de prova produzidos ou obtidos na investigação policial levada a cabo pelas autoridades policiais britânicas, como seja a junção aos autos de cópia do processo correspondente e audição testemunhal do oficial de ligação junto da Embaixada do Reino Unido.
Sob o mesmo prisma deve ser encarada a pretendida inquirição dos agentes policiais britânicos MM e H......
Conforme resulta de fls. 18 e 19, os referidos agentes “acompanharam” os ora arguidos DD e EE na deslocação destes a Portugal, diligência essa efectuada no quadro da investigação feita pelas autoridades britânicas e que apenas ali assume relevância probatória.
Quanto às vigilâncias efectuadas no âmbito do presente processo, nelas tomaram unicamente parte inspectores da PJ, conforme pode constatar-se do teor dos autos que as documentam.
Pelo exposto, se decide indeferir...”
É do teor deste despacho que os arguidos vieram recorrer, encontrando-se a motivação apresentada pelo arguido CC junta a fls. 2494 a 2500, recurso que foi admitido por douto despacho de fis. 2508, tendo sido determinado que o mesmo só subiria com aquele que fosse interposto da decisão final, tendo o arguido/recorrente dado cumprimento ao disposto no n.º 5 do art.º 412º do C.P.P., enquanto que a Motivação apresentada pelos arguidos EE e DD se encontra junta a fls. 2511 a 2531, tendo o mesmo sido admitido, igualmente com subida diferida, cumprindo, igualmente, os arguidos, o citado preceito.
No recurso interposto pelo arguido CC e tendo em conta as suas “Conclusões” uma vez que são elas que fixam o objecto do processo, defende--se, em síntese, que o Tribunal ao indeferir as diligências de prova requeridas pelo arguido na sua contestação violou os seus princípios de defesa, na medida em que o Tribunal não pode antes de ouvir a testemunha saber que o seu depoimento é ou não essencial à boa decisão da causa, e que ao indeferir a inquirição de uma testemunha arrolada na contestação, com a justificação de que o seu depoimento não tem interesse para a decisão da causa, inquina de inconstitucionalidade as normas constantes dos art.ºs 315º nº 1, 355º nº 1, 127º e 128º nº 1 do CPP, por violação dos direitos de defesa contidos no art.º 32º nº 1 da CRP.
No recurso interposto pelos arguidos EE e DD entendem que as testemunhas cuja inquirição foi indeferida teriam relevo para a defesa quanto à matéria dos artigos 8 a 11 da pronúncia e que a interpretação efectuada pelo tribunal aos art.ºs 124º, 127º, 128º nº 1, 133º, 315º nº 1, 32º, 327º e 377º do CPP viola os art.ºs 18º nº 1 e 32º nº 5 da CRP.
No decurso da sessão de 28 de Novembro de 2006 da audiência de julgamento, os arguidos EE e DD requereram que fosse ouvido o Inspector Dr. KKK, porque teria, alegadamente, recebido informações das autoridades inglesas com base nas quais a PJ desenvolveu várias diligências no terreno (fls. 2554), sobre o qual recaiu o seguinte despacho:
“Não obstante as referências feitas ao Sr. Coordenador da investigação Dr. KKK o referido elemento da Polícia Judiciária, tanto quanto pode vislumbrar-se nos autos, não teve qualquer intervenção directa nas diligências efectuadas em inquérito, razão pela qual não terá, à partida, possibilidade de trazer ao conhecimento do tribunal factos que os funcionários da investigação criminal já inquiridos aqui relataram. Quanto às informações que terão sido recebidas através do referido coordenador das autoridades policiais do Reino Unido, importa salientar que, conforme já se deixou expresso no despacho que recaiu sobre o pedido de efectivação de diligências formulado nas contestações dos arguidos CC, por um lado, e DD e EE por outro, as informações que terão chegado à PJ provenientes da polícia britânica não são meios de prova, mas constituem quando muito, mera notícia crime, não havendo necessidade, do ponto de vista da boa decisão da causa, aprofundar a origem ou a forma como terão sido obtidas tais informações.
Nesta conformidade, a inquirição requerida pela defesa dos arguidos DD e EE não se afigura ao tribunal com interesse para a decisão da causa e a descoberta da verdade, pelo que não se mostra a sua realização justificada nos termos do art.º 340º nº 1 do CPP.”
Não se conformando com este despacho vieram os arguidos DD e EE interpor novo recurso (fls. 2642 a 2652), onde, nas respectivas conclusões, expressava o seu interesse na referida inquirição para contraditar o depoimento dos inspectores ouvidos em audiência quanto aos pontos 8 a 11 da pronúncia, e que a requerida inquirição apenas poderia ter sido indeferida nos termos dos nºs 3 e 4 do art.º 340º do CPP, o que no caso concreto não sucederia, termos em que teriam sido violados os art.ºs 18º e 32º nºs 1 e 5 da CRP.
Apreciando:
Os recorrentes DD e EE por um lado e CC por outro manifestam interesse na apreciação dos referidos recursos retidos.
Ora, nenhum dos referidos recorrentes tem, ou pode sequer invocar ter, interesse na apreciação dos referidos recursos referentes ao indeferimento das inquirições do oficial de ligação ou dos agentes britânicos ou do inspector coordenador, desde logo porque os artigos da pronúncia (pontos nºs 8 a 11) a que os recorrentes fazem referência, e constituiriam a matéria de facto que, alegadamente, pretenderiam inquirir tais “testemunhas” foram dados como não provados.
Observada a pronúncia e a decisão recorrida verifica-se que o tribunal deu como provado que:
“8. Entretanto o arguido AA arranjou compradores ingleses para parte dessa cocaína, os quais se propunham transportá-la para Inglaterra a bordo de um avião fretado para tal.
9. Os arguidos DD e EE deslocaram-se a Portugal, tendo chegado ao Aeroporto de Faro, provenientes de Manchester, no dia 05/08/05, instalando-se num hotel em Albufeira.
10. Aqui encontraram-se com um compatriota, HH.
11. Os arguidos DD e EE regressaram a Inglaterra, no dia 12/08/05.”
Observada a matéria de facto não provada verifica-se que se deram como não provados os seguintes factos:
“2. A deslocação a Portugal dos arguidos DD e EE, em 5/8/06, teve por finalidade o transporte da cocaína.
3. Nos dias subsequentes à data referida no ponto anterior, os arguidos DD e EE e o seu compatriota HH efectuaram diversos contactos telefónicos, sobretudo para Inglaterra, no sentido de concretizarem a entrega da cocaína.4. Entretanto o referido HH mantinha encontros com um outro indivíduo CC, ao qual, abandonada a hipótese de transporte da cocaína por avião, cabia a tarefa de a transportar por automóvel, para Espanha.
5. Por seu lado, o arguido EE contactava um indivíduo que tratava por DD e que se encontrava no Gana, questionando-o sobre as razões do atraso na entrega da cocaína tendo-lhe sido dito, no dia 08.08.05, por um colega daquele que tal se devia a atrasos no desalfandegamento do contentor.
6. O contacto telefónico feito pelo arguido EE, em 18/8/05, pelas 11 horas, a combinar um encontro com o arguido BB foi feito de acordo com as ordens que recebera dos seus associados.
7. O arguido CC conhecia JJ por ter frequentado o seu estabelecimento e perguntou-lhe se sabia a localização dos apartamentos Felizchoro, alegando necessitar de recolher a sua bagagem e a de sua mulher que aí estaria guardada.
8. A entrega das bagagens contendo embalagens de cocaína pelos arguidos arguidos DD e EE ao arguido CC foi efectuada de acordo com instruções recebidas de Inglaterra.”
Como se vê da conjugação dos factos provados e não provados, não resultou provada a matéria da pronúncia relativa à estadia de 5 a 12 de Agosto no território nacional como destinada ao transporte da cocaína no avião nem a participação dos recorrentes como integrantes do grupo traficante inglês, pelo que não se vislumbra que os recorrentes possam ter qualquer interesse na apreciação dos recursos retidos referentes às inquirições requeridas com o propósito de contraditar a prova com referência aos pontos nºs 8 a 11 da pronúncia.
Quanto à alegação de que “o Tribunal não pode antes de ouvir a testemunha saber que o seu depoimento é ou não essencial à boa decisão da causa, e que ao indeferir a inquirição de uma testemunha arrolada na contestação, com a justificação de que o seu depoimento não tem interesse para a decisão da causa, inquina de inconstitucionalidade as normas constantes dos art.ºs 315º nº 1, 355º nº 1, 127º e 128º nº 1 do CPP, por violação dos direitos de defesa contidos no art.º 32º nº 1 da CRP”, cumpre observar que tal questão já fora suscitada e apreciada por decisão deste Tribunal da Relação, sendo óbvio que o tribunal pode antes de ouvir a testemunha saber se o depoimento desta tem ou não interesse para a decisão, sobretudo quando tal já questão foi anteriormente apreciada, inclusive em sede de recurso, e se o objecto do testemunho se encontrava manifestamente fora da matéria de avaliação do objecto do processo e portanto fora do objecto da vinculação temática do tribunal, e os factos deveriam ser provados com referência aos intervenientes na investigação em concreto realizada pelas autoridade portuguesas, pelo que se deve louvar o acerto da decisão do Sr. Juiz recorrido, que considerou, muito fundamentadamente, que:
“As razões que estiveram na origem do indeferimento pelo Ex.mo Sr. Juiz de Instrução do pedido de realização de diligências tendentes a sindicar a validade dos meios de prova produzidos no âmbito da investigação efectuada pelas autoridades britânicas mantêm-se plenamente válidas no actual momento processual.
Com efeito, todos os meios de prova ou de obtenção de prova, que fundamentaram a dedução da acusação contra os arguidos do presente processo, foram produzidos nestes autos, no quadro de uma investigação levada a cabo por um OPC português, sob a direcção e a fiscalização das autoridades judiciárias portuguesas competentes.
A actividade probatória eventualmente levada a cabo no âmbito de qualquer investigação das autoridades judiciárias britânicas aos ora arguidos em nada relevou para a formação da decisão de acusar.
O único contacto entre os presentes autos e a investigação efectuada no Reino Unido reside nas informações prestadas pelas autoridades policiais desse país à PJ e que estiveram na origem deste processo.
As informações policiais, por si só, não constituem meios de prova, mas sim mera notícia de crime.
Nesta conformidade, carece em absoluto de interesse para a decisão da causa a efectivação de quaisquer diligências tendentes a questionar a validade dos meios de prova produzidos ou obtidos na investigação policial levada a cabo pelas autoridades policiais britânicas, como seja a junção aos autos de cópia do processo correspondente e audição testemunhal do oficial de ligação junto da Embaixada do Reino Unido.”
Por outro lado, e como muito acertadamente observado pela Ex.ma Senhora Procuradora Geral Adjunta no seu parecer, que em seguida transcrevemos, os recorrentes pretendem reabrir questão já anteriormente suscitada e apreciada em recurso, sendo ainda irrelevantes os factos em investigação pelas autoridades britânicas, sobre a organização que opera fora do nosso território nacional:
“Ao contrário do defendido pelo arguido/recorrente, parece-nos que o mesmo carece de razão, sendo certo que até se nos afigura pretender reavivar uma situação que já se encontrava “morta” por ter sido já objecto de decisão.
Com efeito, no douto acórdão já proferido e transitado, este Venerando Tribunal pronunciou-se pela desnecessidade da realização da diligência pretendida pelo arguido/recorrente, pelo facto de ter considerado que a mesma não era essencial, nem útil à boa decisão da causa, sendo certo que se verifica que os presentes autos tiveram início numa informação prestada pelas autoridades inglesas no âmbito da cooperação internacional entre polícias com vista ao combate ao tráfico de estupefacientes, informação essa que dava conta que o certo número de indivíduos se dedicava ao tráfico de estupefacientes na zona do Algarve, isto é, em território português, sendo essa informação que originou as diligências que culminaram com a sua acusação, posterior pronúncia e julgamento.
E se os factos imputados ao arguido foram todos devidamente comprovados pelas autoridades portuguesas e analisadas as provas que os comprovavam, que interesse podia ter para a defesa do arguido saber que o mesmo era investigado por aquela actividade noutro país? Na nossa opinião e salvo o devido respeito por opinião contrária, afigura-se-nos que esse tipo de informação só serviria para agravar a culpa do arguido.
Mas, se por outro lado, o arguido entendia que o depoimento da testemunha era essencial à sua defesa, podia tê-la apresentado e solicitado que o Tribunal a inquirisse.
E preciso não esquecer que as testemunhas, face ao disposto no art.º 128º do C.P.P. só devem depor sobre os factos que constituam objecto da prova, sendo certo que da análise da imputação efectuada ao arguido não se vislumbra que exista qualquer interesse no conhecimento de factos que pela razão de não terem ocorrido no nosso País não estão a ser objecto de apreciação.
Afigura-se-nos em face do exposto, que o douto despacho recorrido de fls. 2436 não merece qualquer censura, quer por não violar qualquer preceito processual penal, quer por não coarctar qualquer direito de defesa ao arguido...”
Com efeito, não pode resultar violado qualquer preceito constitucional, do indeferimento das inquirições do oficial de ligação e dos agentes policiais britânicos, uma vez que estas não tiveram participação nas investigações efectuadas no terreno, e foram dirigidas e efectuadas por órgão de polícia criminal portuguesa, assim como do indeferimento da inquirição do inspector coordenador, porque este não teve participação directa nas investigações, e finalmente porque os pontos da pronúncia a que se pretendia a sua inquirição resultaram não provados, termos em que se julgarão como manifestamente improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos CC, EE e DD, dos referidos despachos.

7.3.2. Não tendo sido valoradas as escutas não deveriam ter sido valorados os restantes meios de prova, nomeadamente as vigilâncias, apreensões depoimentos e outras.
Os recorrentes sustentam que o raciocínio efectuado pela decisão recorrida relativamente às escutas telefónicas tem de ser aplicado aos restantes meios de prova, não podendo a prova obtida através deles ser valorada.
O tribunal colectivo recorrido ao julgar procedente a arguição feita pelos arguidos DD e EE e declarar inconstitucional a norma do nº 3 do art. 188º do CPP, “nos precisos termos” da decisão do Acórdão nº 660/2006 do Tribunal Constitucional, proferido em 28/11/06, no âmbito do Processo nº 729/2006 da 2ª Secção, e relatado pelo Conselheiro Paulo Mota Pinto, determinando que as conversas telefónicas interceptadas, gravadas e transcritas nos presentes autos não possam ser utilizadas, em sede de juízo probatório, contra os mesmos arguidos, por terem sido destruídos os suportes magnéticos das conversas escutadas consideradas irrelevantes para a decisão da causa, concluiu que tal não obstava a que o Tribunal pudesse valorar normalmente, inclusive em detrimento dos arguidos ora recorrentes DD e EE, os elementos probatórios a que a investigação teve acesso a partir das escutas telefónicas (apreensões, vigilâncias, depoimentos testemunhais ou outros), tendo em conta que tais operações eram legítimas na sua origem.
Com efeito, a decisão do tribunal recorrido, ao apreciar a arguição invocada pelos ora recorrentes, invalidou a utilização das escutas telefónicas quanto aos mesmos, atenta a eventualidade de das gravações desmagnetizadas com fundamento na sua irrelevância poder ocorrer uma eventual violação do princípio do contraditório e da possibilidade de contextualizar as conversas havidas, tendo acolhido “nos seus precisos termos” o entendimento de “julgar inconstitucional, por violação do artigo 32º, nº 1, da Constituição, a norma do artigo 188º, nº 3, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual permite a destruição de elementos de prova obtidos mediante intercepção de telecomunicações, que o órgão de polícia criminal e o Ministério Público conheceram e que são considerados irrelevantes pelo juiz de instrução, sem que o arguido deles tenha conhecimento e sem que se possa pronunciar sobre a sua relevância.”
Daí extraiu o tribunal recorrido a conclusão de que:
“Tal princípio impõe não só a observância do princípio «in dubio pro reo» em sede de apreciação de prova, mas também o reconhecimento ao arguido das mais amplas garantias de defesa, o que implica, pelo menos a partir da dedução da acusação, a plena vigência do princípio do contraditório, em termos de permitir ao arguido, não tanto provar a sua inocência, pois não é a ele que compete tal, mas antes pôr em causa o poder de convicção dos elementos de prova erguidos no sentido de o incriminar.”
Ora, a prova testemunhal pode ser amplamente contraditada, sem violação das garantias de defesa, tal como as vigilâncias, e as apreensões e exames aos produtos estupefacientes, que se não encontram feridas por qualquer nulidade ou violação das garantias de defesa, e constituem meios de prova autónomos, termos em que podem ser valorados como, fundamentadamente, o foram na decisão recorrida, a qual não merece reparo ou censura, julgando-se consequentemente improcedente o recurso interposto.

Quanto ao recurso interposto pelo arguido FF:

“7.4.1/2. Da falta de preenchimento da previsão do art.º 21º do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro, da não consumação do crime, do crime tentado e da desistência; e da medida da pena e que esta seja fixada em medida não superior a quatro anos de prisão.

Alega essencialmente este recorrente que a droga lhe não chegou a ser entregue quando se encontrava no local combinado com os arguidos BB e AA, porque o arguido BB suspeitou que era seguido pela P J e abandonou o local, vindo a ser detido na posse de mais de 31 quilogramas de cocaína, e que por esse motivo o crime de tráfico se reveste da forma de tentativa pelo que a pena lhe deveria ser especialmente atenuada e fixada em 4 (quatro) anos de prisão.
Sucede que o recorrente não põe em causa a fundamentação de direito efectuada pela decisão recorrida, nem indica sequer qualquer fundamento de direito que se oponha aos considerandos jurídicos efectuados na decisão recorrida.
Nada acrescenta de novo que não tenha sido objecto da apreciação do tribunal recorrido.
Observemos o que a respeito destas questões consta da decisão recorrida:
“Com efeito, todos esses arguidos, a diferentes níveis e com distintos graus quantitativos de envolvimento, tiveram numa cadeia de circulação de cocaína e praticaram factos concretizadores da circulação desse produto.
A cocaína é uma substância abrangida na tabela I-B respectivamente, anexa ao DL nº 15/93 de 22/1.
As condutas objectivas dos mesmos arguidos são-lhes censuráveis a título de dolo directo, nos termos do art. 14º nº 1 do CP, pois tinham conhecimento da natureza e características estupefacientes do produto com que operavam e, não obstante, quiseram levar a cabo as condutas que o tiveram por objecto, que se apuraram em julgamento.
Não obsta ao enquadramento da apurada conduta do arguido FF a circunstância, que aliás já resulta da narrativa acusatória, de não ter chegado a receber a cocaína, que ia ser-lhe entregue pelo arguido BB, entrega que se frustrou em razão da intervenção policial, nem remete a sua actuação para o domínio do crime tentado, independentemente da questão dogmática de saber se o crime de tráfico de estupefaciente comporta a figura da tentativa.
Com efeito, ao acordar com os arguidos AA e BB a entrega da cocaína, o arguido FF preencheu o tipo criminal do tráfico de estupefaciente, na modalidade de acção «fazer transitar», consumando-se o ilícito independentemente da concretização da entrega, quando esta se tenha gorado, como se gorou, devido à intervenção dos elementos policiais.
Tal foi o entendimento consagrado pelo Acórdão do STJ de 24/10/96, correspondente ao documento SJ199610240005523 da Base de Dados do Ministério da Justiça, que versou sobre o caso de um indivíduo que acordou a remessa por via postal uma quantidade de estupefaciente, que acabou por não receber em virtude apreensão pela autoridade policial, que tem vindo a ser perfilhado pelo Colectivo de Juízes desta Vara.
Em todo o caso, a circunstância de o arguido FF não ter chegado a entrar em contacto material com o produto estupefaciente terá de ser ponderado, ao nível do ajuizamento do grau de i1icitude do facto e, consequentemente, da graduação da pena concreta, que vai ser-lhe imposta.”
Tal como é do entendimento uniforme da jurisprudência e da doutrina, o crime de tráfico de estupefacientes é um crime formal ou de mera actividade e de perigo abstracto, pelo que não pressupõe a existência de um resultado, bastando que se produza uma situação de perigo para que seja objecto de protecção pressuposto no tipo penal, daí que Johannes Wessels, in Direito Penal, Parte Geral, Ed. Sérgio António Fabris, Porto Alegre 1976, pág. 10, considere que por se tratar de um crime de empreendimento se equiparam a consumação e a tentativa, “inexistindo para a tentativa a prevista possibilidade de atenuação de pena”.
Nos crimes de perigo concreto exige-se que se crie uma realização típica que crie uma situação efectiva de perigo, sendo por isso o perigo um elemento do tipo, diversamente do que sucede no crime de tráfico de estupefacientes, em que, por ser um crime de perigo abstracto, o perigo não é um elemento do tipo, mas a razão que levou o legislador a incriminar a conduta. Esta parte “de uma praesumptio juris et de jure de perigosidade das condutas que contempla, não dando acolhimento a provas de sinal contrário destinados a demonstrar a ausência de risco no caso concreto...”. Neste sentido, vide Soto Nieto, in El Delito de Tráfico Ilegal de Drogas, Madrid, 1999.
Assim também a jurisprudência uniforme do STJ que considera que “a circunstância da droga não ter chegado à sua posse – pois foi detectada e apreendida à entrada do estabelecimento prisional – em nada releva para a consumação do ilícito. Se a mesma tivesse alcançado o seu destinatário, o crime seria o mesmo, obviamente também consumado, só que a forma de autoria passaria a ser diversa, deixando de ser autor moral passaria a autor material” (Acórdão do STJ de 26 de Outubro de 2000, processo nº 1653/00 da 5ª Secção, in Sumários de Acórdãos do STJ, Gabinete dos Juízes Assessores, nº 41, Outubro de 2000, pág. 89 e 90).
Ora, no caso em apreço, o recorrente acordou com outros arguidos em que este lhe entregariam cerca 31 quilogramas de cocaína e dirigiu-se ao local do encontro, onde foi capturado, ao mesmo tempo que o arguido BB pressentido ser seguido, fugia do local, vindo contudo a ser capturado na posse da droga, e assim vê-se incurso na co-autoria material do crime de tráfico de estupefacientes, tendo na medida da pena sido valorado o seu nível de participação, e avaliado o facto de a droga lhe não ter chegado pessoalmente às mãos, o que foi, aliás muito benevolamente, considerado na decisão recorrida ao lhe ser fixada uma pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, muito próxima do mínimo legal e sem que houvesse confissão, arrependimento ou atenuantes significativas, quando por outro lado se negociavam mais de 31 (trinta e um) quilogramas de cocaína que eram objecto de comércio e sofisticada transferência internacional.
A benévola medida da pena imposta de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, não merece face ao exposto reparo, numa pena cujo mínimo era de 4 (quatro) anos e o máximo de 12 (doze) anos de prisão, atenta a falta de recurso do MºPº e a proibição de reformatio in peius, termos em a pena fixada terá de ser mantida, e o recurso julgado improcedente nos termos expostos. (…)”

Quanto ao recurso interposto pelo arguido CC.

“7.5.1. Dos recursos interlocutórios:
Esta questão encontra-se já apreciada supra, conjuntamente com os recursos interlocutórios interpostos pelos recorrentes DD e EE, tendo sido julgados improcedentes.

7.5.2/3/4. Da impugnação da matéria de facto quanto ao conhecimento de que o produto que transportava era estupefaciente e dos pedidos de absolvição do crime e da devolução da viatura declarada perdida.
O recorrente identifica como pontos que considera incorrectamente julgados os constantes em sede de “II. Matéria de Facto” sob os nºs 19, 49 e 52, o que se deve a lapso manifesto, uma vez que os artigos 49 e 52 da matéria de facto se reportam a outros arguidos.
O recurso encontra-se algo deficientemente interposto quanto à matéria de facto, valendo aqui quanto deixámos exposto supra quanto aos recursos sobre a matéria de facto interpostos pelos recorrentes AA e FF, contudo admitiremos o mesmo por se compreender, quanto ao seu objecto que se funda na impugnação de que o recorrente CC se dirigiu de Espanha ao Algarve com o propósito de transportar a cocaína e que soubesse que o produto que transportava era estupefaciente, e quanto à prova as transcrições das escutas telefónicas, e prova testemunhal, concluindo pelo pedido de absolvição, com base no princípio in dubio pro reo, por ser possível que desconhecesse o conteúdo das malas que transportava.
Perscrutada a prova produzida, resulta claro que o recorrente carece de razão. Declarou o recorrente no seu interrogatório, quando finalmente se prestou a pronunciar-se sobre os factos que se deslocou a Portugal com o propósito de transportar mala com dinheiro correspondendo à sua comissão.
Em tais circunstâncias, como é da experiência comum, o dinheiro é contado até à última nota, para mais tratando-se de grandes quantidades a ponto de serem transportadas em quatro sacos que pesavam 53,481 quilogramas, só considerando o peso da cocaína.
Recebendo esses 4 (quatro) sacos, o recorrente tomando-lhes o peso, não se deu ao trabalho de contar o dinheiro, nem sequer de verificar o seu conteúdo, o que não se coaduna com o tipo de relação negocial derivada de negócios que não sejam os de tráfico de estupefacientes.
O recorrente declarou que encontrando-se em férias em Espanha, recebeu uma chamada de HH, que lhe dizia que um sócio dele iria desembarcar no aeroporto de Faro, trazendo uma mala com dinheiro, correspondente à comissão do arguido no negócio imobiliário que intermediara para aquele indivíduo, e pediu ao recorrente que fosse ao encontro dele, e porque tivesse chegado atrasado cerca de uma hora, após novo contacto recebeu a indicação de se dirigir ao hotel.
Mas o recorrente não se dirigiu ao hotel dirigindo-se sim a um bar onde pediu ao proprietário JJ que o levasse no carro deste ao hotel onde o esperavam os arguidos EE e DD.
Ora, das declarações do próprio recorrente resultam mais factos que revelam que as suas declarações não são verdadeiras quanto ao móbil da sua deslocação a Portugal.
Desde logo porque em vez de uma mala recebeu quatro sacos, cujo conteúdo nem necessitou de verificar, e que colocou no seu carro dirigindo-se apressadamente de seguida para Espanha.
Não há qualquer semelhança entre os comportamentos do recorrente e do JJ, que se limitou a conduzir o recorrente, o qual como interessado, até porque a “encomenda” lhe era dirigida, como parte sua de uma comissão, tinha interesse directo em ir buscá-la.
Não se vislumbra por isso que o HH querendo prejudicar o recorrente lhe tivesse dado 4 (quatro) sacos com mais de 50 (cinquenta) quilos de droga, quando lhe podia ter dado apenas um, como deveria ser esperado pelo recorrente caso a sua versão fosse verdadeira.
Por outro lado, o dinheiro movimenta-se normalmente por notas e não por moedas, e mais de 50 (cinquenta) quilos de notas representam uma soma astronómica, para mais se forem apenas a parte devida como comissão de um negócio, negócio esse que então representaria uma importância superior ao jackpot do euromilhões.
E ainda que o HH o “quisesse enganar” e lhe quisesse ter dado droga em vez de dinheiro, porque haveria de o fazer, sem conhecimento do recorrente, já que não houve denúncias anónimas ou outras que tivessem levado à detenção do recorrente, nem certeza de que seria preso?
Também não revelou o que faria o recorrente quando descobrisse que, em vez de mais de 50 (cinquenta) quilos de notas, tinha em seu poder mais de 50 (cinquenta) quilos de cocaína.
O recorrente nega o óbvio conhecimento da natureza do produto estupefaciente que veio buscar ao nosso país, assim como se deslocou ao território nacional apenas com o intuito de o fazer, rápida e encobertamente durante a noite, para de imediato regressar a Espanha, como o comprovam os factos apurados, já que se tratasse de dinheiro o conteúdo dos quatro sacos, atenta a importância envolvida, por certo pernoitaria e garantiria o seu transporte com redobrada segurança, pelo que nem há lugar para dúvidas que possam dar lugar à absolvição do recorrente.
Por outro lado o recorrente pede que seja devolvida a viatura automóvel declarada perdida a favor do Estado como consequência da pedida absolvição que como se viu foi julgada improcedente.
A declaração de perda do veículo utilizado para vir buscar a Portugal e levar para Espanha os mais de 50 (cinquenta) quilos de cocaína, teria de ter sempre lugar nos termos do art.º 36º do DL nº 15/93.
A utilização do veículo para transportar coisas subtraídas, como rodas de um veículo, ou os mais de 50 (cinquenta) quilos de cocaína – “realiza, em pleno, a dupla função de tomar o crime possível e realizá-lo, dando-lhe corpo, numa relação da mais inteira instrumental idade com a infracção produzida, devendo, por isso ser decretada a sua perda, nos termos do art.º 109º nº 2 do CP de 1982”, no caso do furto, ou nos termos do art.º 35º nº 1 do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro. Em situações como as descritas, “não tem cabimento encarar a problemática do perigo típico ou do risco de novos crimes que alguns objectos oferecem, pois não podem confundir-se os campos de aplicação dos art.ºs 107º e 109º do CP.”
“O art.º 107º, cobre a área do crime eventual ou possível, do mero facto ilícito e do crime não punido, em que os objectos, lato sensu, podem ser declarados perdidos a favor do Estado em função da sua perigosidade; o art.º 109º, maxime o seu nº 2, abrange o terreno do crime concretamente cometido e punido, onde os objectos relacionados com a infracção, perigosos ou não, são declarados perdidos a favor do Estado.” (Verbi gratia o Ac. do STJ, de 29 de Janeiro de 1992, in BMJ nº 413º pág. 259, citado em Jurisprudência Penal, Leal Henriques e Simas Santos, pág. 255.
E assim sendo no domínio da aplicação do Código Penal, quis o legislador que no domínio do tráfico de estupefacientes, bastasse para a declaração de perda a favor do Estado que “os objectos tivessem servido” para a prática de uma infracção prevista no presente diploma (art.º 35º nº 1 do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro), o que tem plena aplicação no caso em apreço atenta a essencial idade da utilização do veículo para a prática da actividade delituosa desenvolvida pelo recorrente, cobrindo largas áreas territoriais, vindo-se abastecer para posteriormente conduzir a droga para Espanha.
Nestes termos se julgará consequentemente o recurso improcedente nesta parte.

7.5. Da atenuação especial da pena e da aplicação de pena não superior a três anos de prisão.
Alega o recorrente que a decisão recorrida não ponderou devidamente o facto de ter 66 (sessenta e seis) anos à data dos factos e contar 50 (cinquenta) anos de maioridade penal sendo primário, concluindo que em razão de tal idade e primaridade lhe devia ser atenuada especialmente a pena e a mesma fixada em 3 (três) anos de prisão.
Sucede que a decisão recorrida ponderou e valorizou expressamente a idade e a primaridade do recorrente como resulta do seguinte excerto:
“Milita a favor de todos os arguidos, com excepção de AA, a falta de antecedentes criminais, que reveste particular relevância, tendo em consideração as suas idades, que oscilam entre 45 (BB) e 66 anos (CC).”
A primaridade e a idade de 66 (sessenta e seis) anos à data dos factos por si só não são suficientes para dar lugar à atenuação especial da pena, tanto mais que surgem desacompanhadas de confissão ou arrependimento, acrescendo que o recorrente não só negou a evidência dos factos, como não colaborou nomeadamente revelando a quem destinava os mais de 50 (cinquenta) quilos de cocaína que veio buscar a Portugal.
Ora, no caso em apreço, o recorrente acordou com outros arguidos em que estes lhe entregariam cerca 53 quilogramas de cocaína e dirigiu-se ao local do encontro, onde recebeu a droga e abandonou prontamente o local, vindo contudo a ser capturado na posse da droga, vê-se assim incurso na co-autoria material do crime de tráfico de estupefacientes, tendo na medida da pena sido valorado o seu nível de participação, a sua idade e primaridade, o que foi, aliás muito benevolamente, considerado na decisão recorrida ao lhe ser fixada uma pena de 6 (seis) anos de prisão, muito próxima do mínimo legal e sem que houvesse confissão, arrependimento ou atenuantes significativas, quando por outro lado se negociavam mais de 53 quilogramas de cocaína que eram objecto de comércio e sofisticada transferência internacional.
A benévola medida da pena imposta de 6 (seis) anos de prisão, não merece face ao exposto reparo, numa pena cujo mínimo era de 4 (quatro) anos e o máximo de 12 (doze) anos de prisão, atenta a falta de recurso do MºPº e a proibição de reformatio in peius, termos em a pena fixada terá de ser mantida, e o recurso julgado improcedente nos termos expostos.»

C – RECURSOS PARA ESTE S.T.J.

Recorreram para este S.T.J. os arguidos FF, DD e EE, CC, e por último, AA, por esta mesma ordem.

1 – MOTIVAÇÃO DO RECORRENTE FF

Apresentou as seguintes conclusões (transcrição):

«1. O presente recurso merece ser conhecido por esse Supremo Tribunal tendo em conta a data do inquérito policial que deu início aos factos, o que torna aplicável a lei processual anterior.
2. Os factos provados configuram, na perspectiva do recorrente, meros actos preparatórios ou, quando muito, actos de execução que permitem existência de mera tentativa.
3. A haver tentativa, também se configura a desistência a que alude o artº 24º.
4. A pena aplicada viola o princípio da adequação da pena à medida da culpa, parecendo altamente excessiva.
5. Com efeito, o circunstancialismo em que ocorre a captura, bem como as circunstâncias pessoais referidas do recorrente, como sejam:
a) a sua avançada idade;
b) a ausência de antecedentes criminais;
c) o facto de ter dois filhos menores;
d) estar empregado.
Impõem uma pena de prisão mais próxima dos limites mínimos de quatro anos.
Violaram-se os art°s:
21º, 22º, 23º e 24º do Código Penal na medida em que os factos provados configuram actos preparatórios e, havendo actos de execução sempre será uma tentativa da qual o recorrente desistiu.
126º do Código Processo Penal, na medida em que a PJ não pode telefonar para o recorrente a pedir-lhe para regressar ao local para fazer a entrega da droga, a qual já se achava apreendida a outrem.
40º, 70º e 71º do Código Penal porque em caso algum a pena pode ultrapassar a medida de culpa, sendo a pena de 5 anos e seis meses de prisão manifestamente excessiva.
Nestes termos, deve o presente recurso obter provimento, absolvendo-se o recorrente ou condenando-se o recorrente nos termos do nº 2 do artº 23º, ou, quando muito, em pena não superior a 4 anos de prisão.
Assim se fazendo Justiça.»

2 – MOTIVAÇÃO DOS RECORRENTES DD e EE

Apresentaram as seguintes conclusões (transcrição):

«1. O tribunal de 1ª instancia, indeferiu, em sede de contestação, a audição de dois agente da policia britânica, o seu oficial de ligação em Portugal e já em julgamento, o inspector chefe da PJ.
2. Os dois agentes da policia britânica acompanharam a PJ nas vigilâncias em Portugal, tendo ainda vigiado, pelo menos os arguidos viagem que fizeram de avião para Portugal.
3. O oficial de ligação da policia britânica, foi a causa e inicio dos presentes autos, tendo mantido a policia Portuguesa informada das movimentações do arguido.
4. O inspector chefe KKK, foi a fonte da informação que as testemunhas da PJ reproduziram em julgamento.
5. O acórdão recorrido não atendeu à argumentação dos arguidos, indeferido os seus recursos nesta parte.
6. Os arguidos pretendiam contraditar os elementos de prova que estiveram à disposição da acusação na fase de inquérito e colocar em causa o modo de obtenção das provas.
7. “Viola-se o princípio do contraditório sempre que, contra a letra ou espírito da Lei, se não dá ao sujeito ou participante processual a oportunidade de destruir ou abalar a eficácia dos meios de prova...
8. A interpretação dada pelas instancias às normas constantes dos artigos 124º, 127º. 128º nº 1, 133º, 315º nº1, 323º, 327º e 355º, todos do CPP, inquina estas normas de inconstitucionalidade, por contenderem com o estatuído nos artigos 18º nº 1, 32º nº1 e nº5 da CRP.
9. A 1ª instancia decidiu julgar procedente a arguição feita pelos arguidos DD e EE e declarar inconstitucional a norma do nº3 do art. 188º do CPP, nos precisos termos da decisão do acórdão do TC acima citado, determinando que as conversas telefónicas interceptadas, gravadas e transcritas nos presentes autos não possam ser utilizadas em sede de juízo probatório, contra os arguidos.
10. O douto acórdão agora recorrido, manteve na integra a posição assumida pelo acórdão condenatório, quanto aos motivos porque decidiu valorar outros meios de prova obtidos a partir dessas mesmas escutas telefónicas.
11. Entendem os recorrentes que as consequências deveriam ter sido alargadas aos restantes meios de prova que foram valorados contra os arguidos.
12. É que, tal como foi reconhecido, os elementos de prova usados contra os recorrentes, foram obtidos através das escutas declaradas nulas..
13. Nestes termos, deve ser determinado que os restantes elementos de prova contra os recorrentes, não possam ser valorados.
14.A interpretação dada pelas instancias às normas constantes dos artigos 124º, 127º, 188º, 327º e 355º do CPP, inquina estas de inconstitucionalidade, por contenderem com o estatuído nos artigos 18º, 32º nº 1 e nº5 da CRP, na medida, declaradas nulas as intercepções telefónicas, impede-os de exercer os seus direitos de defesa, contraditando a prova apresentada pela acusação, com origem nessas escutas telefónicas, em julgamento.
Nestes termos e demais de direito, deverá o presente recurso obter provimento, com todas as legais consequências.
V. EXAS FARÃO CONTUDO MELHOR JUSTIÇA.»

3 – MOTIVAÇÃO DO RECORRENTE CC

Apresentou as seguintes conclusões (transcrição):

«1. O recorrente visa com o presente a apreciação de um conjunto de questões de facto e de direito, que poderão resumir-se nos pontos seguintes: Apreciação da Inconstitucionalidade da questão levantada quanto à negação da inquirição de testemunha (questão esta levantada apenas nas motivações do recurso interlocutório); apreciação de pontos de facto apreciados na douta decisão recorrida ao abrigo do disposto no artº. 410º nº 2 al. c) do CPP; apreciação da medida da pena aplicada ao arguido, tendo em conta a possibilidade de aplicação de atenuação especial da pena.
2. Em conformidade, e quanto á primeira das questões, entende o arguido que a interpretação dada aos artºs 315º nº 1, 355º nº 1, 127º e 128º nº 1 do CPP, com o sentido que o tribunal pode indeferir a inquirição de uma testemunha arrolada (com indicação de que o seu depoimento incidirá sobre os factos dos autos) na Contestação do arguido, antes de esta prestar o seu depoimento, e com a justificação de que o seu depoimento não tem interesse para a boa decisão da causa, inquinaria de inconstitucionalidade aquelas normas, por violação dos direitos de defesa do arguido contidos no disposto no artº 32º nºs 1 da Constituição da República Portuguesa.
3. Por outro lado, em sede de apreciação de factos constantes do douto aresto, que vieram a ser confirmados pela douta decisão de que ora se recorre, não poderá o recorrente deixar de considerar que, no seu entendimento, se verifica existir erro notório na apreciação da prova, quando conjugado o douto aresto com as regras da experiência comum (artº 410º nº 2 al. c) do CPP).
4. Sumariamente, o recorrente limita o seu recurso nesta matéria à concreta questão do conhecimento da natureza e qualidade do produto estupefaciente que transportou, bem como à respectiva proibição.
5. Em abono desta tese não poderemos deixar de lançar um primeiro olhar aos autos e ao douto aresto e verificar que, na sua relevante dimensão, são verdadeiramente escassos os elementos probatórios atinentes ao ora recorrente, inexistindo diligências de prova prévias, contemporâneas ou posteriores aos factos, que sequer indiciem que o arguido sabia que transportava estupefaciente.
6. Assim, a utilização (levado por artifício enganoso) do arguido CC apresenta-se como plausível, e de acordo com as regras da experiência, fazendo todo o sentido pela descrição que conferiria à “operação”, dado tratar-se de um homem de negócios, sem antecedentes nem conexões ao crime de tráfico, e sobretudo, sem conexão aos contactos do dito HH.
7. De facto, o que o arguido disse foi que, o dito HH lhe pediu para fazer o transporte de um sócio e as malas deste a partir do aeroporto de Faro, as quais, era suposto conterem dinheiro e objectos pessoais daquele e que, após desenvolvimentos posteriores, afinal, continham produto estupefaciente; portanto, havia, de facto, sido enganado.
8. E assim não fazem qualquer sentido, quando conjugadas com as regras da experiência comum, as considerações feitas no douto aresto recorrido a este propósito.
9. O arguido não mencionou que vinha exclusivamente buscar uma mala com dinheiro mas antes uma pessoa com a sua bagagem (que poderá, de acordo com as regras da experiência, ser constituída por diversas malas).
10. Por isso, entre a bagagem entregue ao arguido, na óptica da realidade enganadora que lhe fora transmitida, encontrar-se-ia o dinheiro com a sua comissão mas também os objectos pessoais do dito sócio do Senhor HH.
11. Não fazia, pois, qualquer sentido contar uma nota que fosse, uma vez que, o dinheiro da dita comissão encontrava-se por entre os ditos objectos pessoais (o que não autorizava, por uma questão de educação, à abertura das ditas malas), e destinado-se as ditas malas a serem entregues ao seu dono e posteriormente o dinheiro ao Sr. HH para este entregar o dinheiro ao recorrente.
12. E como resulta das suas declarações, a partir de dada altura, importava apenas transportar os sacos (com o dinheiro da sua comissão mas também com os supostos objectos pessoais da dita pessoa); e já em Albufeira o arguido dirigiu-se a um bar e não ao hotel porque necessitava de orientação para se deslocar ao dito hotel, pelo que, passando por um bar Inglês, viu a oportunidade de facilmente se fazer compreender na sua própria lingua, o que logrou!
13. O arguido, como já mencionado, recebeu a bagagem da dita pessoa, fosse ela qual fosse; na qual lhe havia sido dito que se encontrava a sua comissão .... mas também era sua convicção que na mesma se encontravam objectos pessoais de terceira pessoa; de acordo com as regras da experiência, em situação semelhante, e na posse de sacos com obejctos pessoais de terceiros, estes não se abrem para verificar o seu conteúdo.
14. E por isso também nada haveria que estranhar quanto ao peso dos sacos, uma vez que, o arguido não estava convencido (nem isso resulta das suas declarações), que se encontrava a transportar apenas a sua comissão em 4 sacos cheios de notas; pelo contrário, sabia apenas que estes quatro sacos continham os objectos pessoais da dita terceira pessoa, e que por entre os mesmos se encontraria a sua comissão.
15. E nestes termos, teremos de concluir que o mesmo, de facto, ignorava que transportava produto estupefaciente, e como tal, não se deslocou para transportar estupefaciente ou que conhecesse essa natureza e características aos objectos que transportou.
16. Mas mais, não poderemos deixar de olhar para uma outra perspectiva dos factos, e de invocar um conjunto de argumentos de acordo com as regras da experiência, a favor do arguido.
17. Não pode escamotear-se que o recorrente foi detido na posse de elevada quantidade de um produto, que se demonstrou ser estupefaciente, mais concretamente cocaína; porém, no caso concreto, não cremos que a apreciação da realidade deva ficar por aqui.
18. E aqui realçamos como inicialmente, a total ausência de elementos probatórios nos autos e no douto aresto que nos permitam afirmar que o arguido sabia que transportava estupefacientes: nomeadamente o depoimento da testemunha SS, que a instâncias do mandatário do recorrente, vem a afirmar inequivocamente que o arguido não abriu os sacos para verificar o seu conteúdo;
19. Mas mais, dos autos e do depoimento da testemunha SS, resulta que todas as informações constantes dos autos, com proveniência quer nas autoridades policiais Britânicas quer nas autoridades policiais Portuguesas, não mencionarem nunca o recorrente.
20. Todas as informações desse teor e constantes dos autos, referem as movimentações de diversas pessoas e arguidos, identificam os seus contactos e números de telefone a partir dos quais se realizam escutas telefónicas mas invariavelmente não se dá notícia do recorrente.
21. Igualmente resulta dos autos e também do depoimento da testemunha SS, que o arguido era um pessoa desconhecida dos autos, ao ponto de se ignorar por completo a identidade da pessoa que recepcionaria as malas em Albufeira (Intercepção telefónica do apenso supra mencionado, Vg. sessão 27).
22. Tudo isto, confirmado pela total ausência de uma única intercepção telefónica ao arguido CC, o que nos dá uma ideia precisa e concreta do seu posicionamento completamente exterior a uma rede de ligações estabelecida para a operação de recolha do estupefaciente apreendido.
23. E mais, se de “operação” de recolha aqui se fala, não é ainda de somenos a constatação de que o produto estupefaciente dos autos seria para transportar para Inglaterra por via aérea, sendo certo que, apenas como solução de recurso, de última hora, foi concretizada a solução de transporte por via terrestre.
24. E se toda esta factualidade nos aponta para a intervenção do arguido CC com um cariz meramente circunstancial, inopinado, desfasada das outras participações nos factos por ausência de reiteração e persistência,
25. Não é menos certo que, das intercepções telefónicas flui uma outra conclusão não menos importante, e que só reforça esta visão dos factos: na verdade, até altura muito próxima da entrega das malas no Hotel em Albufeira, seria o tal HH a recolher as mesmas (como decorre das intercepções telefónicas ao mencionado alvo, sessões 2, 24, 27 e 33).
26. Na verdade, todos os elementos acabados de relatar resultam como informação negativa, no sentido de demonstrar uma total ausência de informação e conhecimento quanto ao arguido CC, e como tal, de envolvimento deste na realidade relatada nos autos e no douto aresto.
27. Objectivamente, o que temos é tão só a evidência de uma mera detenção de 4 sacos, sendo certo que, até a mencionada testemunha (SS - Inspector da PJ) menciona que o arguido não abriu os sacos em causa e que, portanto, não verificou o seu conteúdo.
28. Mas existem ainda alguns elementos que não poderemos deixar de considerar como seja o valor a atribuir ao depoimento do arguido, que é uma pessoa de idade avançada e sem quaisquer antecedentes criminais ao longo dos seus já 50 anos de maioridade penal, e que portanto, não poderá deixar de merecer alguma credibilidade.
29. Por outro lado, outros elementos se nos revelam importantes, nomeadamente, os que se prendem com os documentos que lhe foram apreendidos, e mormente com os constantes a fls. 197 e 198 dos autos, os quais de acordo com as regras da experiência, reforçam a credibilidade interna e externa do seu depoimento, corroborando-o.
30. Nestes se atesta o destino final do arguido em Portugal (o Aeroporto de Faro) e a razão de ser da sua presença nesse local (recepção de um determinado voo), sendo certo que os mesmos não passam por Albufeira, local onde se sabia, se encontrava o produto estupefaciente desde a véspera.
31. Nestes termos, pelo menos no uso do princípio in dubio pro reu, deveria o arguido ser absolvido dos factos pelos quais foi acusado, por ser plausível, de acordo com as regras da experiência, que desconhecesse o conteúdo das malas que transportava.
32. Por último, subsidiariamente, sem prejuízo das considerações anteriores, que aqui se reiteram sem conceder, levanta ainda o arguido a questão de, no seu entendimento, se encontrar em situação de poder beneficiar de uma atenuação especial da pena atendendo à sua idade (com 68 anos de idade). Em suma
33. O arguido é delinquente primário, pelo que considerando a sua idade avançada, equivale a uma vida longa sem reparo a não ser nesta sua recta final.
34. Assim a sociedade não reclama uma punição drástica que, sem deixar de condenar a sua atitude, não pode deixar de reclamar a atenta benevolência do tribunal na interpretação dessa visão dos factos.
35. A prisão preventiva já sofrida bem como algum tempo mais de pena de prisão, considerando as dificuldades acrescidas e circunstâncias concretas do caso do arguido, serão perfeitamente dissuasores e suficientes para assegurar as razões de prevenção geral. Até porque,
36. Atenta a idade avançada do arguido (por isso pouco carecido de “ressocialização”), será já muito curta a possibilidade de reincidência.
37. Assim, resguardando as escassas necessidades de prevenção especial mas sobretudo, satisfazendo as mais elevadas necessidades de prevenção geral (tutela dos bens jurídicos e estabilização das expectativas comunitárias), seria de aplicar ao arguido uma pena não superior a 3 anos de prisão.
Normas violadas:
- artº 72º nº 1 do C. Penal
Nestes termos e nos demais de direito requer a Vs. Exas. que, conhecendo do presente recurso, venham a final a julgá-lo procedente e em consequência:
- Conhecendo da matéria de facto nos termos indicados – artº 410º nº 2 al. c) do CPP –, e retirando as devidas consequências, venham a absolver o arguido;
- Subsidiáriamente, e caso o pedido anterior não proceda, venham a atenuar especialmente a pena a aplicar ao arguido, situando-a em 3 anos de prisão.
Vs. Exas. porém, farão a costumada JUSTIÇA!»

4 – MOTIVAÇÃO DO RECORRENTE AA

Apresentou as seguintes conclusões (transcrição):
«I. O Recorrente, porque discordou da forma como a prova produzida no presente processo foi avaliada pelo Tribunal a quo, impugnou parte da matéria de facto dada como provada na decisão sobre recurso e suscitou, face a elementos de prova que carreou para o processo, nova apreciação por parte do Tribunal da Relação.
II. Discordou, porque o Tribunal a quo se baseou em factos, sem ter existido sustento para tais conclusões ou terem sido os mesmo determinados por erro notório na apreciação da prova.
III. Perante a prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento, o Recorrente discordou (e discorda) que se mantenham como factos provados, os elencados nos pontos 3 a 6, 8, 27, 28, 30, 48 a 54, da decisão sob recurso, na parte em que é atribuída a co-autoria dos mesmos, directa ou indirectamente, ao arguido, ora Recorrente.
IV. Os poderes de cognição do STJ abrangem matérias que, contendendo embora com a matéria de facto, constituem inequivocamente matéria de direito.
V. O Recorrente pretende que o Supremo Tribunal de Justiça, aprecie se as provas utilizadas não constituem métodos proibidos de prova (se são válidas) e se foram avaliadas, tendo em conta a fundamentação da matéria de facto, segundo os critérios estabelecidos legalmente: de acordo com a livre apreciação do julgador, conjugada com as regras da experiência comum.
VI. As declarações do co-arguido nunca podem, só por si, e por mais inequívocas e credíveis que sejam, suportar a prova de um facto criminalmente relevante – exigência de corroboração.
VII. As afirmações contidas nos pontos 3 a 6, 8, 27, 28 30 48 a 52, da decisão, apenas encontraram eco nas declarações do co-arguido BB. Em parte alguma dos autos (ou mesmo em sede de julgamento) se encontraram elementos (“periféricos”) que pudessem validar tal factologia, isto é, qualquer corroboração externa que garantisse serem as mesmas sérias e fidedignas, capazes de garantir a imputação das mesmas ao ora Recorrente
VIII. O depoimento de KK, relativamente ao ora Recorrente, é completamente inócuo. A única questão que a testemunha relacionou com um «C.....», foi, em Portugal (e não na Guiné, como pretende fazer o Acórdão da Relação) ter recebido um telefonema dum “C....., ou qualquer coisa assim...”. Ora tal facto, nenhuma corroboração pode oferecer, ao depoimento do co-arguido BB, na parte em que este pretende envolver o Recorrente, como sendo o tal “C.....”.
IX. .O depoimento de BBB deve ser anulado – pelo menos na parte em que, directa ou indirectamente, se refere a «C.....», a AA e a R...... Isto porque, a testemunha BBB (esposa do co-arguido BB) esteve presente, nas primeiras sessões de Julgamento (na primeira e segunda e não apenas na primeira, como acabou por ser referido na acta de julgamento), justamente nas sessões em que foram abordados os nomes de C....., AA e R....
O Tribunal da Relação poderia ter ordenado a produção de prova desse facto, só que não o fez, preferindo perpetuar o lapso que o recorrente impugnou, juntando até prova documental em complemento do seu recurso.
X. A testemunha R... não estava em paradeiro incerto, conforme concluiu o Tribunal a quo. O que a testemunha não foi, foi contactado para onde indicou residir, ou pelo número de telefone que, afinal, tinha disponibilizado a fls. 1312, aquando das suas declarações na PJ.
XI. Embora o Tribunal tenha aparentemente providenciado a sua notificação (procurado a direcção constante nos registo civis e fiscais), o certo é que, na prática, acabou por não notificar a testemunha, pois não utilizou as informações existentes nos autos e que a própria testemunha tinha fornecido – violada foi a ratio dos artigos 112.º e 113.º do CPP.
XII. A justificação da valoração do depoimento indirecto de BBB, por força e efeito do artigo 129.º, do CPP, é, no caso, indevida, e sob o ponto de vista Constitucional, uma interpretação que fere, directamente, o art. 32.º do texto constitucional. Só foi indirecto porque a testemunha R... não foi devidamente notificada. Se a testemunha não tivesse indicado a sua residência, o seu local de trabalho e o seu número de telefone, ainda se poderia aceitar ter o Tribunal feito tudo o que lhe era devido. Mas procurar encontrá-lo em paradeiro diferente do que a própria testemunha indicou, não pode justificar a conclusão do Tribunal: dá-lo como estando em padeiro incerto.
XIII. A testemunha BBB, ao contrário do consignado a fls. 34, do Acórdão, não presenciou a inquirição do referido R... na PJ – ela foi para uma sala e o R... para outra.
XIV. Valorar o testemunho indirecto de BBB, por alegadamente ter presenciado o depoimento de R..., é um erro notório na apreciação da prova que conduz, inevitavelmente, à nulidade da decisão.
XV. No texto do Acórdão, em parte alguma pode ser sustentada a frase conclusiva que o Acórdão da Relação criou: “Mais presenciou após a inquirição do referido .... na PJ, ter-lhe ele dito que «C.....» era um AA «não sei das quantas» e reconhecido o «C.....» no indivíduo retratado na fotografia que lhe foi exibida pelo inquiridor”. Para além de não encontrar qualquer suporte factual nos autos que a autorize, a frase não passa de um juízo de prognose, jamais legitimado, quando confrontado com a objectividade das palavras utilizadas pela BBB, prestadas em sede de audiência de julgamento.
XVI. A testemunha BBB não viu as fotografias que foram exibidas a R..., assim como, não viu se ele identificou, ou não, o arguido AA como sendo o «C.....».
XVII. R... nunca referiu à BBB que lhe foram exibidas fotografias do dito “C.....”; que ele reconheceu o dito “C.....” como sendo AA (bem ao contrário, conforme é suficientemente claro no depoimento da testemunha BBB, o que o Sr. r.... lhe disse foi que “eles já sabem quem é o C..... ... é AA não sei quantas”, e não, como se pretende fazer crer, que ele é que terá reconhecido o “C.....” na eventual fotografia do AA); ou, sequer, que o “C.....” era um AA “não sei das quantas”.
XVIII. Apesar de estarem nos autos os CDs das escutas telefónicas de BB e do seu interlocutor da Guiné, nunca os mesmos foram ouvidos por forma a apreciar-se a comunicação, o timbre de voz ou o sotaque dos interlocutores. Mas nada foi promovido. Nesta matéria, nada foi apreciado para corroborar a tese fantástica e única (e jamais corroborada) do co-arguido BB, quando referia ter sido o ora Recorrente que lhe telefonava da Guiné.
XIX. A testemunha II, que conhecia o referido «C.....», da Guiné, foi categórico ao responder às insistências do Ministério Público que nunca o ouviu chamar esse sujeito de AA: “Não, nada. C....., era C.....”.
XX. O depoimento prestado em sede de Julgamento pelo co-arguido BB, de forma clara e objectiva, contraria a matéria que foi dada como provada nos pontos 14, 15, 16 e 17 do douto acórdão: não foi o arguido BB que contactou os ingleses, mas sim os ingleses que o contactaram a ele; a ida a Albufeira foi decidida, exclusivamente, entre o co-arguido BB e os ingleses, muito embora, em audiência tenha ele referido outra história.
XXI. O co-arguido BB mentiu, pretendendo atribuir ao ora Recorrente, episódios que, neste caso, o Tribunal acabou por não considerar plausíveis, mantendo, ao invés, a factologia constante da acusação. O propósito deste co-arguido (tudo valendo para se “salvar”) deixa denotar o carácter e o móbil que o move. Valorar declarações desta personalidade (“sendo decisivas, no caso da conduta imputada ao arguido AA e da identificação deste” - cfr. fls. 28 do Acórdão) e com elas condenar o Recorrente é promover, no mínimo, a dúvida razoável a facto; é, no fundo, violar o brocado Constitucional de in dúbio pró reo.
XXII. O depoimento de BB não pode ser considerado credível, na parte em que pretende incriminar o arguido AA, atribuindo-lhe a designação e o papel de «C.....», como tendo sido ele a pessoa que o encarregou do transporte e da distribuição da droga.
XXIII. Por sua vez, nesta objectiva matéria, o depoimento de BB, jamais pode encontrar qualquer corroboração nos depoimentos de KK e BBB.
XXIV. O acórdão é nulo, nos termos do art. 379.º, 1, c), do CPP, uma vez que o Tribunal conheceu de questões que não podia tomar conhecimento.
XXV. Nestes termos, condenando o arguido AA é violada a presunção de inocência, interpretação que acaba por violar igualmente o n.º 2, do art. 32.º da CRP.
XXVI. Disposições violadas: art. 112.º, 113.º, 129.º, 379.º, 410.º, n.º 2, al. a) e c), do C. Processo Penal; art. 32.º, da CRP.
TERMOS EM QUE DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, A DECISÃO PROFERIDA SER REVOGADA, EXPURGANDO-SE OS VÍCIOS INVOCADOS, SUBSUMIDOS NO ART. 410.°, N.º 2, DO CPP (INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA E ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA) E O RECORRENTE, AA ABSOLVIDO DO CRIME DE QUE VEM ACUSADO, NO MÍNIMO POR NÃO SE EMCONTRAR PROVA BASTANTE QUE GARANTA A SUA INEQUÍVOCA E ELEVADA CONDENAÇÃO.
SE ASSIM NÃO FOSSE,
SEMPRE A MEDIDA DA PENA TERIA DE SER MENOR, O QUE PARA TODOS OS EFEITOS DESDE JÁ SE REQUER.
Desta forma,
Farão Vossas Excelências,
Meritíssimos Juízes Conselheiros, a costumada
JUSTIÇA”

5 – RESPOSTA

Na sua resposta aos recursos dos arguidos, o Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa sustentou que (transcrição):

«1.º Por douto acórdão de 26 de Março de 2007, proferido na 4.ª Vara Criminal de Lisboa, foram os arguidos/recorrentes condenados, como autores de um crime de tráfico de estupefacientes, sendo o mesmo agravado relativamente ao arguido AA e p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1 do Dec. Lei n.º 15/93 de 22/1, relativamente aos restantes, tendo-lhes sido impostas, respectivamente, as penas de 10 anos, de 5 anos e 6 meses e 6 anos de prisão, relativamente aos três restantes.
2.º Por douto acórdão proferido por este Venerando Tribunal, em 22 de Julho de 2008, foi o recurso interposto pelos arguidos, daquele douto acórdão, julgado improcedente, confirmando-se, assim, plenamente o douto acórdão proferido pelo Tribunal de 1.ª Instância.
3.° Foi, por discordar desta douta decisão que os arguidos vieram interpor o presente recurso, defendendo, nas suas “Conclusões”, uma vez que são as mesmas que fixam o objecto do presente recurso, algumas questões que a nosso ver não são passíveis de virem a ser apreciadas pelo nosso Mais Alto Tribunal.
4.º Com efeito, antes da fase de julgamento os arguidos suscitaram diversas questões que tinham por objecto suscitar a nulidade da instrução por falta de realização de diligências que reputavam essenciais, bem como suscitar a nulidade das escutas telefónicas, bem como a inquirição em audiência de alguns elementos estrangeiros.
5.º Estas questões foram sendo apreciadas em diversos processos que subiram em separado, tendo dois dos recursos interlocutórios sido objecto de apreciação por este douto acórdão, ora recorrido, recursos esses que igualmente foram julgados improcedentes.
6.º Ora, é relativamente a esta douta decisão que entendemos que está vedada a sua apreciação pelo nosso Mais Alto Tribunal, na medida em que de acordo com o que se dispõe nos art.ºs 432.º e 400.° do C.P.P. não se encontra prevista a sua apreciação, uma vez que se nos afigura tratar-se de decisões que não conhecem a final do objecto do processo.
7.º Relativamente ao douto acórdão proferido por esta Relação e agora objecto de recurso, entendemos, e ao contrário do que os arguidos/recorrentes defendem, que a matéria dada como assente é suficiente para integrar todos os elementos constitutivos dos crimes pelos quais vieram a ser condenados, quando se constata que foi dado como assente que sendo a cocaína uma substância abrangida na tabela 1-B anexa ao DL 15/93 de 22/1, que todos os arguidos sabendo da sua proveniência, características e natureza pretendiam distribuí-la por diversos compradores, obtendo uma contrapartida económica com essa transacção, produto esse que não chegou, no entanto à mão dos consumidores por o veículo onde seguia o co-arguido BB ter sido interceptado pela P.J. e apreendidos dois sacos pretos contendo cada um 15 embalagens com o peso bruto aproximado de 31,700 Kg.
8.º Efectivamente, basta a simples detenção de produto estupefaciente para estarmos perante a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, que poderá ser punido de forma mais benévola ou mais grave dependendo das circunstâncias que envolveram a sua prática e a forma como se desenrolou a actividade com vista à sua comercialização, bem como a quantidade em causa e o seu valor de mercado.
9.º Ora, tendo em conta as circunstâncias que envolveram toda a acção dos arguidos/recorrentes e a quantidade de produto em causa, não existem quaisquer dúvidas de que os mesmos praticaram o crime pelo qual foram condenados, não havendo qualquer circunstância que atenue a sua acção ou que configure uma desistência, na medida em que nenhum dos arguidos/recorrentes e nomeadamente o arguido Octavio desistiu voluntariamente de prosseguir a sua actuação, pois o mesmo só não chegou a receber o produto estupefaciente que lhe ia ser entregue, por antes dessa entrega, ele ter sido apreendido pelo P.J..
10.º Afigura-se-nos que os arguidos carecem de razão quando colocam em causa a valoração efectuada quanto aos meios de prova obtidos através das escutas telefónicas, com o fundamento na impossibilidade de serem contraditadas, na medida em que os arguidos nunca suscitaram qualquer questão, mesmo de inconstitucionalidade relativamente às mesmas, que foram obtidas com as devidas autorizações e de acordo com o disposto na Lei processual penal, tendo apenas a origem da necessidade da realização dessas diligências sido obtidas através dessas escutas, sendo certo que a sua realização para além de legítima na sua origem, foi efectuada de acordo com todos os preceitos legais, pelo que se conclui que os arguidos carecem de razão no que alegam.
11.º Da análise dos autos conclui-se que o Tribunal formou a sua convicção com base na prova produzida em audiência conjugada com as regras da experiência comum, obedecendo, assim, ao princípio da livre apreciação da prova, afigurando-se-nos que da sua análise, e apesar do referido pelos arguidos/recorrentes, com a finalidade de confundirem o julgador, que nenhuma dúvida se coloca quanto à sua justeza e conformidade com todos os princípios quer legais, quer constitucionais.
12.º E concluindo-se que o Tribunal agiu em conformidade com aqueles princípios e tendo em conta a gravidade das condutas dos arguidos, pelos malefícios que semelhantes condutas provocam numa sociedade, temos de concluir que as penas em que os arguidos foram condenados nenhuma censura merecem, ao contrário do defendido pelos mesmos, sendo certo que, face à cada vez maior facilidade de meios e a sua sofisticação impõe-se que sejam tomadas medidas punitivas cada vez mais gravosas, com a finalidade de afastar os seus “agentes” dessa actividade, que se torna aliciante pelos lucros económicos que proporciona.
13.º O douto acórdão recorrido, não merece, como se viu, qualquer censura, devendo, por isso, ser mantido.
14.º Assim, e em conclusão, entende-se, que por não merecer o douto acórdão proferido, por este Venerando Tribunal, qualquer censura, como não o merecia também o douto acórdão da Primeira Instância, por não terem sido violados quaisquer preceitos legais, deve, por isso, ser negado provimento ao recurso interposto pelos arguidos/recorrentes, confirmando-se, consequentemente, o douto acórdão recorrido.»

Com vista no processo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste STJ pronunciou-se sobre os recursos dos arguidos, dizendo, entre o mais:

“(…) 1. Recurso do arguido FF.
Em primeiro lugar este recorrente defende que a conduta que lhe é imputada não integra o crime consumado de tráfico de estupefacientes do art. 21.° do Dec-Lei n.º 15/93, na medida em que a simples deslocação, sem mais, ao local combinado com outro não configura o acto de execução.
Por outro lado, tem a pena aplicada por excessiva em face do circunstancialismo em que decorreram os factos e as suas condições pessoais: avançada idade, ter filhos menores a seu cargo, não ter antecedentes criminais e ter emprego certo em Espanha.
No que se refere à primeira questão já rejeitada pelo tribunal da Relação cabe apenas relembrar que a matéria de facto provada e única relevante para os efeitos pretendidos, dá como assente que “...O arguido AA arranjou compradores para o resto da cocaína, tendo vendido trinta embalagens ao arguido FF, doravante designado por FF...” (ponto 27), especificando depois as circunstâncias em que devia ocorrer a entrega das 30 embalagens de cocaína e as razões que levaram à sua não concretização – pontos 28 a 34.
Ou seja foi dado como provado que o arguido comprou (e não que ia comprar) cocaína, portanto um dos actos geradores do resultado típico expressamente previstos no art. 21.° do Dec-Lei n.º 15/93. E os crimes exauridos, entre os quais se acha o de tráfico de estupefacientes, caracterizam-se por se consumarem através de um só acto de execução, ainda que sem se chegar à realização completa e integral do tipo.
Como se dizia no ACSTJ de 7.03.01 - Rec. n.º 101/01/3ª: “Tendo o arguido contactado com um residente na Colômbia no sentido de este lhe enviar, via postal, como enviou, produto estupefaciente dissimulado na capa de um livro, há crime consumado mesmo que o destinatário não tenha chegado à posse desse produto”.
Quanto à medida da pena acompanha-se a posição tomada pelo acórdão recorrido de considerar a pena de 5 anos e 6 meses não excessiva, atendendo precisamente à moldura penal aplicável e às circunstâncias concretas dadas como assentes: estava em causa a comercialização de 31 kgs. de cocaína não se mostrando as circunstâncias de carácter atenuante invocadas pelo arguido suficientes para alterar tal juízo.

2. Recurso dos arguidos DD e EE.
A primeira questão suscitada prende-se com a decisão proferida a propósito dos recursos interlocutórios apresentados pelos recorrentes.
Afirma agora os recorrentes que “não obstante a irrecorribilidade desta parte do acórdão da Relação de Lisboa, mantemos interesse na apreciação da constitucionalidade das normas do CPP, com a interpretação efectuada pelas instâncias”.
Não se entende muito bem esta afirmação: se o acórdão da Relação é nesta parte irrecorrível como reconhecem com toda a razão (é irrecorrível, conforme estabelece a alínea c) do nº 1 do art. 400º, por referência à alínea b) do art. 432º, ambos do CPP, sendo indiferente para efeito da recorribilidade a forma como o recurso foi processado e julgado pela Relação, isto é se o recurso foi processado autonomamente ou se a decisão se encontra inserida em impugnação da decisão final, como uniformemente vem decidindo este STJ), não pode este Tribunal pronunciar-se sobre a vontade e interesse que os recorrentes manifestam.
A outra questão que suscitam prende-se com as consequências da declaração de inconstitucionalidade, que no entender dos recorrentes devia ser mais extensa e abranger os outros elementos de prova colhidos a partir das escutas telefónicas.
E com isso pretendem a nulidade das provas – vigilâncias, apreensões e depoimentos – que ficaram impedidos de contraditar, segundo alegam, sem que verdadeiramente consigam demonstrar em que se traduziu tal impedimento, o que justificará apenas uma referência breve a um tema tão complexo como o abordado pelos recorrentes (o chamado «efeito à distância», ou questão da comunicabilidade ou não da valoração aos meios secundários da prova tomados possíveis à custa de meios ou métodos proibidos de prova).
A este propósito, uma breve citação do acórdão n.º 198/04 do Tribunal Constitucional para situar a questão:
“Com estes exemplos respeitantes à doutrina dos «frutos» nos Estados Unidos, procurou-se traçar, genericamente, o quadro de referência desta no que podemos chamar o seu «ambiente natural». Note-se que estão em causa soluções próprias de uma ordem jurídica que é substancialmente diferente da nossa, o que não impediu tal doutrina de nos influenciar. Muitas destas soluções não têm nem poderiam ter correspondência no nosso direito. Porém, o que importa reter – e que nos permitirá avançar na subsequente indagação – é que a doutrina, amplamente citada neste processo pelo recorrente e pelos diversos tribunais recorridos, dos «frutos da árvore venenosa», nunca teve, na sua origem e desenvolvimento no direito norte-americano, o sentido que o recorrente parece querer atribuir-lhe de um «efeito dominó» que arrasta todas as provas que, em quaisquer circunstâncias, apareçam em momento posterior à prova proibida e com ela possam, de alguma forma, ser relacionadas.
Pelo contrário, aquilo que está em causa – e os exemplos acima referidos demonstram-no amplamente – é uma doutrina que abre um amplo espaço à ponderação das situações concretas, ou seja à interpretação, e que está longe de justificar, através da sua invocação, o caminho único de invalidar todas as provas posteriores à prova ilegal. Diversamente, trata-se com esta doutrina da procura de modelos de decisão assentes em critérios coerentes com a ponderação de interesses que justifica que, em determinadas circunstâncias, se projecte a invalidade de uma prova proibida, para além de nela própria, noutras provas e, em circunstâncias distintas, se recuse tal projecção”.
E é neste contexto que entende que a posição tomada pelas instâncias se mostra correcta.
A extensão da invalidade da prova proibida a outros meios de prova não é automática, antes deve ser ponderada cada situação de per si, sendo os casos em que aquele efeito à distância se não projecta devidamente exemplificados no acórdão do TC citado e aceites sem grande discussão pela jurisprudência deste STJ (1)

No caso o acórdão recorrido em apoio da posição da 1ª instância considerara que: “a prova testemunhal pode ser amplamente contraditada, sem violação das garantias de defesa, tal como as vigilâncias, e as apreensões e exames aos produtos estupefacientes, que se não encontram feridas por qualquer nulidade ou violação das garantias de defesa, e constituem meios de prova autónomos, termos em que podem ser valorados como, fundamentadamente, o foram na decisão recorrida”.
E é esta argumentação que o arguido não consegue ultrapassar por, manifestamente, nada na situação concreta perturbar essa real possibilidade de contestação, tanto mais que os presentes autos tiveram início numa informação prestada pelas autoridades inglesas no âmbito da cooperação internacional entre polícias com vista ao combate ao tráfico de estupefacientes, informação essa que dava conta que certo número de indivíduos se dedicava ao tráfico de estupefacientes na zona do Algarve, sendo essa informação que originou as diligências que culminaram na acusação deduzida e posterior julgamento.

3. Recurso do arguido CC.
O recorrente de forma similar aos dos co-arguidos DD e EE apresenta como um dos temas do seu recurso questão ligada ao indeferimento de realização de diligência requerida na sua contestação.
Só que, como então se referiu, o acórdão da Relação é nesta parte irrecorrível conforme estabelece a alínea c) do nº 1 do art. 400°, por referência à alínea b) do art. 432°, ambos do CPP, por ser indiferente para efeito da recorribilidade a forma como o recurso foi processado e julgado pela Relação, isto é se o recurso foi processado autonomamente ou se a decisão se encontra inserida em impugnação da decisão final, como uniformemente vem decidindo este STJ. Por isso, não pode este Tribunal pronunciar-se sobre a vontade e interesse que o recorrente manifesta de rediscutir o problema ainda que na óptica da inconstitucionalidade.
Por outro lado, o ora recorrente volta a insistir na invocação do erro notório na apreciação da prova – art. 410.°, n.º 2, alínea c), do CPP, invocando no fundo a escassez dos meios probatórios existentes para se dar como provado que tinha conhecimento da natureza e qualidade do produto que transportava, sem se esquecer para reforçar a sua teses de chamar à colação o seu próprio depoimento e o de uma testemunha.
Ora com este tipo de argumentação pretende o recorrente apenas questionar a matéria de facto dada como provada pelas instâncias, traduzindo no fundo a manifestação do ponto de vista do recorrente sobre a prova produzida, o que, atentos os poderes de cognição deste Tribunal, está fora do âmbito do presente recurso.
Dito de outra forma, o recorrente não teve em conta que no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, este Tribunal não tem poderes de cognição em matéria de facto, pelo que não pode modificar o acervo factual trazido das instâncias.
É certo que pode e deve verificar se os factos padecem de algum dos vícios a que se reporta o art.º 410.°, n.º 2, do CPP, pois não é possível julgar de direito se aqueles não se apresentam formalmente escorreitos, isto é, se padecem de contradições, insuficiências ou erros, que ostensivamente se revelam pela simples leitura da decisão recorrida.
Mas no caso, o recorrente como se viu, suscita apenas questões relativamente à matéria de facto, discute essencialmente a possível relevância de determinadas provas e o modo como foram apreciadas, com referência ao disposto no citado nº 2 do art. 410°, sem que seja possível enquadrar a sua argumentação nessa categoria, sendo certo, por outro lado, que, no caso, não se descortina nenhum desses vícios.
É assim manifesta a sem razão do recorrente e, por isso, tendo havido um segundo grau de jurisdição no tocante à matéria de facto, esta deve considerar-se definitivamente fixada pelas instâncias.
Resta a questão da medida da pena em relação à qual o recorrente pretende ver accionada a atenuação especial da pena a que se refere o art. 72.° do CP, invocando no essencial a sua idade (68 anos), a inexistência de antecedentes criminais e sua situação social e familiar.
Resulta porém, que a sanção aplicada ao arguido, em função das circunstâncias provadas, deve ter-se por justa e adequada, nada justificando a pretendida atenuação especial cujo carácter reconhecidamente excepcional não tem no caso aplicação.
De resto, estamos efectivamente perante uma operação que se poderia apelidar já de “grande tráfico” (em causa estavam 53 quilos de cocaína), bem diferenciada das situações mais correntes trazidas aos tribunais e, como tal, merecedora de uma pena nesse sentido diferenciada, que no caso do recorrente se adequa ao seu grau de intervenção e responsabilidade.

4. Recurso do arguido AA.
Neste recurso o arguido AA que discordou da apreciação da prova realizada pelo Tribunal da 1ª instância, continua na mesma senda e (ainda) discorda que se mantenham como factos provados todos aqueles que no fundo traduzem a sua responsabilidade no tráfico de estupefacientes.
Mas se é aceitável a discordância o mesmo não se poderá dizer do facto do arguido vir de novo, e em repetição das questões colocadas perante o Tribunal da Relação, pretender que este Supremo Tribunal volte a apreciar a matéria de facto.
É certo que o arguido/recorrente procura de alguma forma fazer intervir este Supremo Tribunal em questões mais relacionadas com a validade de algumas das provas produzidas (declarações de co-arguido, testemunho indirecto, etc.).
Contudo, a força dos seus argumentos não é muita como demonstrado já foi no tribunal recorrido, e em termos que não se afasta das posições defendidas por este Supremo Tribunal em situações idênticas. Por isso, logo vai incidir o grosso da sua argumentação nos depoimentos produzidos e cuja credibilidade contesta, seja do co-arguido BB, seja nas testemunhas BBB, KK, R..., e II, para o que se socorre da figura da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Mas, mais uma vez e como acima se referiu em relação a um dos co-arguidos, com este tipo de argumentação pretende o recorrente apenas questionar a matéria de facto dada como provada pelas instâncias, traduzindo no fundo a manifestação do ponto de vista do recorrente sobre a prova produzida, o que, atentos os poderes de cognição deste Tribunal, está fora do âmbito do presente recurso o que deve levar à sua improcedência.
5. Pelo exposto se emite parecer no sentido da improcedência dos presentes recursos.»

Colhidos os vistos foram os presentes autos a conferência.

D – APRECIAÇÃO

1) RECURSO DE FF

A motivação deste recorrente centra-se na qualificação jurídica da sua apurada conduta, que entende configurar meros actos preparatórios ou, quando muito, actos de execução integrantes de uma tentativa, da qual terá havido desistência.
Questiona ainda a medida concreta da pena aplicada, que considera excessiva, propugnando mesmo por uma pena de quatro anos de prisão.
Vejamos então, e antes de mais nada, os factos.
Segundo o ponto 27 da matéria de facto dada por provada, o arguido AA vendeu ao ora recorrente 30 embalagens de cocaína, que depois se verificou terem um peso bruto aproximado de 31,700 Kg.. De acordo com o ponto 30 da mesma matéria de facto, o co-arguido BB combinou pelo telefone, com o ora recorrente, encontrar-se na Praça ........ com ele para lhe passar a droga. Não existe qualquer dúvida de que FF se dirigiu a esse local para recolher o produto estupefaciente, entrega que só se não efectivou devido à intervenção da Polícia Judiciária (ponto 31).
Diga-se, à margem, que a referência feita pelo recorrente “à violação” do artº 126º do C.P.P., e, ao que se supõe, pensando no segmento da al. a) do nº 2 do preceito, “Perturbação da liberdade de vontade” através da “utilização de meios (…) enganosos”, não tem na decisão recorrida sustentação bastante. O recorrente não refere nas conclusões que tenha sido cometida qualquer nulidade, e, na decisão de primeira instância apenas se diz que o recorrente “Entretanto, na Praça de Londres veio a ser detido” (ponto 36). Mas não se explicita, na matéria dada por provada, como, ou porque é que foi detido.
A decisão de primeira instância fundou suficientemente a sua convicção, do seguinte modo:
“Quanto aos factos praticados pelo arguido FF, a convicção do Tribunal assenta, para além das vigilâncias e das apreensões já referenciadas, no teor das conversações telefónicas transcritas no volume I do apenso A, relativo ao alvo IF879 (telemóvel nº .............do arguido BB), nomeadamente, as correspondentes às sessões nºs 43, 56 e 57, em que é interlocutor do BB uma voz masculina, que o restante contexto probatório permite identificar como sendo o ora arguido AA, em que este comunica ao arguido BB o número de telemóvel do indivíduo que o iria contactar e que era .............., com o indicativo de Espanha 0034, e a correspondente à sessão nº 58, em que o arguido BB fala ao telefone em língua castelhana com um interlocutor, que o restante contexto probatório dos autos permite identificar como sendo o arguido FF, com quem marca encontro na Praça de Londres junto a uma igreja.
O arguido FF acabaria por ter sido detido nesse local e foi apreendido na sua posse o telemóvel nº .............”.
O recorrente alega que o crime por si praticado foi tentado, e que par além disso houve desistência da tentativa. Não foi porém o caso.
A infracção do artº 21º do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro, constitui o que a doutrina tem apelidado de crimeexaurido”, “excutido” ou “de empreendimento”, em que o resultado típico se alcança logo, com aquilo que surge por regra como realização inicial do “iter criminis”, tendo em conta o processo normal de actuação, envolvendo droga que se não destine exclusivamente a consumo.
A previsão molda-se, na verdade, em termos de uma certa progressividade, no conjunto dos diferentes comportamentos contemplados, que podem ir de uma mera detenção à venda propriamente dita. E por isso se tem defendido não ser configurável neste tipo de crime, que é de perigo abstracto, a figura da tentativa ou a da desistência desta (cfr. v.g. Fernando Gama Lobo in “DROGA LEGISLAÇÃO - Notas Doutrina Jurisprudência” pag. 47 e jurisprudência aí citada). Aceita-se que a natureza do crime do artº 21º citado, de perigo abstracto (e não de perigo concreto ou de dano), se traduza numa antecipação da tutela penal, independentemente da efectiva lesão do bem jurídico em causa, a saúde pública, antecipação cifrada na punição dos primeiros actos de execução do agente.
E de facto, para preenchimento do tipo, não se exige o desenvolvimento da acção projectada por esse mesmo agente.
Por outro lado, só pode considerar-se o crime consumado tendo ocorrido o preenchimento do tipo, numa das suas modalidades, não bastando que o agente tenha iniciado um qualquer processo executivo para cometimento do crime, mas inócuo do ponto de vista daquele preenchimento do tipo. A consumação exige pois que se dê por provada, pelo menos uma das ocorrências ali referidas. “Cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qual quer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar, ou ilicitamente detiver” produto estupefaciente.
No que especificamente respeita ao caso dos autos, e ao papel do recorrente FF, é insofismável que o mesmo – tal como consta dos factos provados - comprou a droga. Ora, a compra e venda tem por efeito a transferência da propriedade da coisa por mero efeito do contrato. Não exige para sua perfeição nem a entrega da coisa nem o pagamento do preço, se bem que o comprador se constitua na obrigação do pagamento desse preço e o vendedor na obrigação de entrega da coisa (artºs 874º e 879º do C.C.). Além disso, determinou o vendedor – ao combinar com ele um determinado local de entrega da coisa vendida – a conduzi-la até si, fazendo-a assim “transitar”. Tanto basta para que o crime se tenha consumado através do seu comportamento.
Passemos então à medida da pena.
Para tanto, importa ter em conta que o crime p. e p. pelo artº 21º do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro, é punido com a pena de quatro a doze anos de prisão.
O ponto de partida e enquadramento geral da tarefa a realizar não pode deixar de se prender, com o disposto no artº 40º do C. P., nos termos do qual toda a pena tem como finalidade “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Em matéria de culpabilidade, diz-nos o nº 2 do preceito que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
Com este preceito, fica-nos a indicação de que a pena assume agora, e entre nós, um cariz utilitário, no sentido de eminentemente preventivo, não lhe cabendo, como finalidade, a retribuição qua tale da culpa. Assim, a ponderação da culpa do agente serve propósitos que são fundamentalmente garantísticos e portanto do interesse do arguido.

Quando pois o artº 71º do C. P. nos vem dizer, no seu nº 1, que “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, não o podemos dissociar daquele artº 40º. Por um lado, a expressão “em função da culpa do agente” não pode ser vista como uma recuperação de propósitos retributivos. Por outro, fica aberta a porta a que a doutrina possa defender que, se as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos, e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade, então, o processo de determinação da pena concreta a aplicar reflectirá, de um modo geral, a seguinte lógica:

A partir da moldura penal abstracta procurar-se-á encontrar uma “sub-moldura” para o caso concreto, que terá como limite superior a medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, e, como limite inferior, o “quantum” abaixo do qual “já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar.” (Cf., sobretudo, F. Dias, in “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2005, pags. 227 e segs.).

Ora, será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão actuar os pontos de vista da reinserção social. Quanto à culpa, para além de suporte axiológico- normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe, como se viu já, estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar.

A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem-se orientado quase unanimemente num sentido igual ao que acaba de se referir.

O nº 2 do artº 71º do C. P. manda atender, na determinação concreta da pena, “ a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”. Enumera a seguir, a título exemplificativo, circunstâncias referentes à ilicitude do facto, à culpa do agente, à sua personalidade, ao meio em que se insere, ao comportamento anterior e posterior ao crime.

No contexto da previsão típica assinalada, a ilicitude do comportamento do recorrente, acaba por ser significativa, pese embora nunca ter chegado a ser detentor da droga comprada. Na verdade, está em causa uma quantidade muito significativa de produto estupefaciente: 31,700 Kg. de uma droga dura, a cocaína, e, por outro lado, a natureza do crime, como de perigo abstracto, impede que se dê muita importância ao facto de o recorrente ter intervindo, numa fase recuada em relação ao efectivo abastecimento do mercado.
Quanto à culpa, tem uma intensidade correlativa a um dolo que foi directo. Para se ponderar a vontade de consumar o crime deverá atentar-se também na deslocação que fez de Espanha até Lisboa.
O arguido não tem passado criminal, e invoca ainda como circunstâncias atenuativas o ser de avançada idade (62 anos), ter dois filhos menores e estar empregado (é vendedor comissionista). Estas circunstâncias não têm um valor atenuativo decisivo.
Avultam no caso as exigências muito fortes de prevenção geral. Está em causa o tráfico de cocaína em grande quantidade, a partir da Guiné Bissau, hoje considerada a placa giratória por excelência, do transporte deste tipo de estupefaciente, da América do Sul para a Europa .
Entende-se pois como correcta a pena aplicada.


2) RECURSO DE DD E EE

Na sua motivação, estes recorrentes, não obstante admitirem a irrecorribilidade, para o STJ, do acórdão da Relação, na parte em que decidiu dos seus recursos interlocutórios, manifestam interesse na apreciação da constitucionalidade dos arts. 124.º, 127.º, 128.º, n.º 1, 133.º, 315.º, n.º 1, 323.º, 327.º e 355.º, todos do CPP, na interpretação efectuada pelas instâncias, que consideram ser violadora do preceituado nos arts. 18.º, n.º 1, e 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP. Sustentam ainda que as consequências da declaração, pelo tribunal de 1.ª instância, da inconstitucionalidade do n.º 3 do art. 188.º do CPP – determinando que as conversações telefónicas interceptadas, gravadas e transcritas nos autos, não possam ser utilizadas em sede de juízo probatório contra os arguidos –, deveriam ter sido alargadas aos restantes meios de prova valorados contra os arguidos, por terem sido obtidos através das escutas declaradas nulas.
Nas conclusões 1ª a 9ª da sua motivação, os recorrentes DD e EE centram-se nas decisões proferidas em primeira instância que indeferiram pedidos de audição de quatro pessoas, a saber, dois elementos da polícia britânica, o seu oficial de ligação em Portugal e um inspector-chefe da Polícia Judiciária portuguesa, e nos recursos delas interpostos. Tais recursos não mereceram provimento.
Curiosamente, a fls. 3 da sua motivação os recorrentes dizem que:
“Não obstante a irrecorribilidade desta parte do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, mantemos interesse na apreciação da constitucionalidade das normas do CPP, com a interpretação efectuada pelas instâncias”.
Ora, das duas uma: ou a decisão é recorrível também nessa parte, e então seria satisfeito o desejo de que este S.T.J. tomasse posição em matéria das (in)constitucionalidades seleccionadas, ou não é recorrível, e nada tem que se pronunciar sobre a questão.
É manifestamente o caso.
De acordo com a al. c) do nº 1 do artº 400º do C.P.P., “Não é admissível recurso (…) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam, a final, do objecto do processo.”
À luz do artº 432º nº 1 al. b) do mesmo Código, “Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça (…) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artº 400º.”
O recurso é pois rejeitado nesta parte, nos termos dos artºs 414º nº 2, 420º nº 1 al. b) do C.P.P..

Nas restantes conclusões, os recorrentes vêm defender, tal como haviam feito no recurso para o Tribunal da Relação, que a declaração de inconstitucionalidade do nº 3 do artº 188º do C.P.P. nos precisos termos do Ac. do Tribunal Constitucional 660/06, deveria ter por consequência, não só que as conversas telefónicas interceptadas, gravadas e transcritas nos presentes autos, não pudessem ser utilizadas contra os arguidos, como deveria ocasionar que os restantes elementos de prova não pudessem ser utilizados. Em causa está a destruição de suportes magnéticos de escutas reputadas irrelevantes, e a que os arguidos não tiveram acesso, o que fez entrar em crise o princípio do contraditório e a possibilidade de contextualização das conversas havidas. A posição do acórdão recorrido foi a de que, no caso, tal “efeito à distância” se não produzira.
Como bem se referiu no Ac. T.C. 198/04 “a doutrina (…) dos “frutos da árvore venenosa”, nunca teve (…) o sentido que o recorrente parece querer atribuir-lhe de um “efeito dominó” que arrasta todas as provas que, em qualquer circunstância, apareçam em momento posterior à prova proibida e com ela possam, de alguma forma, ser relacionadas”.
Só caso a caso e perante uma prudente análise dos interesses em jogo é que se poderá avaliar a extensão dos efeitos da prova inquinada. Importa apurar um nexo de dependência não só cronológica, como lógica e valorativa, entre a prova inquinada e a que se lhe seguiu. “Sendo de excluir esse “efeito à distância” quando o fim de protecção da norma processual penal que prescreve a proibição de prova se possa conciliar com a utilização processual das provas mediatamente conseguidas por intermédio da prova proibida”. (cf. P. P. Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo penal”, pag. 322 e 323).
O Ac. da 5ª Secção deste S.T.J., de 21/2/2008 (Pº 4805/06), citado já no Parecer do Mº Pº junto do Supremo, paradigmaticamente, distinguiu entre interesses individuais que contendessem directamente com a garantia da dignidade humana (tortura, coacção, ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas), e a violação de interesses que não tivesse esse estigma. Estão neste caso as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.
No primeiro caso, estaria posta de parte qualquer transigência em relação ao aproveitamento da prova subsequente. No segundo, dentro dos parâmetros da necessidade e proporcionalidade, ficava aberta a porta a uma concordância prática entre interesses conflituantes. Tanto no caso desse recurso, como no destes autos, tais interesses são a observância de requisitos formais das escutas (não da sua admissibilidade), por um lado, e a verdade material ao serviço da justiça penal, por outro.
Esta posição está ainda patente no Ac. deste S.T.J. de 31/1/2008 (Pº 4805/07 também desta 5ª Secção).
Na situação ora em apreço, a impossibilidade de ser utilizado como prova o resultado das escutas efectuadas, ficou a dever-se ao postergar do princípio do contraditório, que por sua vez está ao serviço dos direitos da defesa. Acontece é que as provas ulteriormente conseguidas, como bem se frisou no acórdão recorrido, estiveram abertas a todo o contraditório:
“a prova testemunhal pode ser amplamente contraditada, sem violação das garantias de defesa, tal como as vigilâncias, e as apreensões e exames aos produtos estupefacientes, que se não encontram feridas por qualquer nulidade ou violação das garantias de defesa, e constituem meios de prova autónomos, termos em que podem ser valorados como, fundamentadamente, o foram na decisão recorrida”.
Não custa pois, aqui, negar o pretendido “efeito dominó”.
Interessava ainda demonstrar se houve prova, e qual, que nunca poderia ter sido produzida sem as escutas. Sabido que a polícia portuguesa trabalhou a partir de informações da polícia inglesa, que inclusivamente deram origem aos presentes autos.
A posição do acórdão recorrido a este respeito não nos merece reparo, pelo que improcede, na parte correspondente, o recurso interposto.

3) RECURSO DE CC

Na sua motivação, o recorrente insiste na apreciação da constitucionalidade da interpretação dada aos arts. 315.º, n.º 1, 355.º, n.º 1, 127.º e 128.º, n.º 1, todos do CPP, por violação do art. 32.º, n.º 1, da CRP, questão já por si colocada em sede de recurso interlocutório.
Imputa às decisões das instâncias o vício do erro notório na apreciação da prova quanto à matéria do conhecimento pelo recorrente da natureza e qualidade do produto estupefaciente que transportou, bem como da respectiva proibição.
Sustenta, por fim, que deveria beneficiar de uma atenuação especial da pena, atendendo à sua idade (68 anos) e à sua primariedade.
A segunda conclusão da motivação deste recorrente reporta-se a uma decisão do tribunal recorrido que não é ela mesma susceptível de recurso. À semelhança do que se pode ver no recurso dos co-arguidos DD e EE, está aqui em causa uma decisão proferida em primeira instância, que indeferiu o pedido de audição de uma testemunha arrolada na contestação do recorrente CC, audição que foi indeferida. Desta decisão foi interposto recurso interlocutório que não mereceu provimento.
Como já se disse atrás, das duas uma: ou a decisão é recorrível também nessa parte, e então seria satisfeita a pretensão do recorrente de que este S.T.J. tomasse posição, ou não é recorrível, e nada tem que se pronunciar sobre a questão.
Mais uma vez, é manifestamente o caso, sendo indiferente que, neste particular, o não provimento do recurso interlocutório, a que se atribuiu subida diferida, se tenha integrado num acórdão que conheceu do objecto do processo.
De acordo com a al. c) do nº 1 do artº 400º do C.P.P., “Não é admissível recurso (…) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam, a final, do objecto do processo.”
À luz do artº 432º nº 1 al. b) do mesmo Código, “Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça (…) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artº 400º.”
O recurso é pois rejeitado nesta parte, nos termos dos artºs 414º nº 2, 420º nº 1 al. b) do C.P.P..

O recorrente invoca ainda o vício de erro notório na apreciação da prova do artº 410º nº 2 al. c) do C.P.P., ao longo de 28 conclusões (3 a 31). No fundo, o que pretende é recorrer de facto para o S.T.J..
Mas importa lembrar a este propósito o seguinte:
Como se sabe, o vício há-de resultar da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e deve incidir sobre a relação entre a prova efectivamente produzida e o que se considerou provado. Importa então repetir, mais uma vez, aquilo que tem sido a jurisprudência constante deste S.T.J. quanto à invocação desse vício.
O conhecimento de recurso em matéria de facto, interposto de decisão final do tribunal colectivo, é só da competência do Tribunal da Relação, mesmo tratando-se da mera invocação dos vícios do artº 410º do C.P.P..
Quando o artº 434º do C.P.P. nos diz que o recurso para o S.T.J. visa exclusivamente matéria de direito, “sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do artº 410º”, não pretende, sem mais, com esta afirmação, que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça possa visar sempre a invocação dos vícios previstos neste artigo. Pretende simplesmente admitir o conhecimento dos vícios mencionados pelo S.T.J., oficiosamente, mesmo não se tratando de matéria de direito. O âmbito dos poderes de cognição do S.T.J. é-nos revelado pela al. d) do nº 1 do artº 432º, que restringe o conhecimento do S.T.J. a matéria de direito.
Isto dito, acrescentaremos porém que, ao pronunciar-se de direito, nos recursos que para si se interponham, o S.T.J. tem que dispor de uma base factual escorreita, no sentido de se apresentar expurgada de eventuais insuficiências, erros de apreciação ou contradições que se revelem ostensivos. Por isso conhece dos vícios aludidos por sua iniciativa. Aliás, tem mesmo de os conhecer, nos termos do acórdão para fixação de jurisprudência de 19/10/1995, do Pleno das Secções Criminais deste S.T.J. (Pº 46580-3ª, in D.R. Iª série – A, de 28/12/2005).
Sabido que o invocado vício, não pode ser ele, o fundamento do recurso para este S.T.J., ainda assim, importa ver, oficiosamente, se o mesmo resulta da decisão recorrida.
Em relação a este vício propriamente dito, de erro notório na apreciação da prova, como tem sido repetido à saciedade na jurisprudência deste S.T.J., para além de ele dever decorrer da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum, tem também que ser um erro patente, evidente, perceptível por um qualquer cidadão médio. E não configura um erro claro e patente o entendimento que possa traduzir-se numa leitura possível, aceitável, razoável, da prova produzida.
Por outro lado, já que está posta em crise pelo recorrente a posição assumida pela Relação, quanto à matéria de facto, sempre será de ter em conta que uma coisa é não agradar ao recorrente o resultado da avaliação que se fez da prova, e outra é detectar-se no processo de formação da convicção desse julgador, erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório. Ora, ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, não pode ignorar-se que a apreciação da prova obedece ao disposto no artº 127º do C.P.P., ou seja, assenta (fora das excepções relativas a prova legal que não interessam ao caso), na livre convicção do julgador e nas regras da experiência.
Por outro lado, também não pode esquecer-se o que a imediação em primeira instância dá, e o julgamento da Relação não permite. Basta pensar, naquilo que, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, deriva de reacções do próprio ou de outros, de hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir.
Serve para dizer, que o trabalho que cabe à Relação fazer, na sindicância do apuramentos dos factos realizado em primeira instância, se traduz fundamentalmente em analisar o processo de formação da convicção do julgador, e concluir, ou não, pela perfeita razoabilidade de se ter dado por provado o que se deu por provado.
Cumpre também assinalar o despropósito em aludir aqui á violação do princípio “in dubio pro reo”. A violação do princípio “in dubio pro reo”, ligado ao da presunção da inocência do arguido, exige que o tribunal tenha exprimido, com um mínimo de clareza, que se encontrou num estado de dúvida quanto aos factos que devia dar por provados ou não provados. Como não é manifestamente o caso, o recorrente só pode pretender que, apesar de as instâncias não terem tido dúvidas sobre o que se considerou provado, deveriam tê-las tido. A violação daquele princípio adviria então, não do facto de, na dúvida, se ter decidido contra o arguido, mas do facto de, sem terem tido dúvidas, os julgadores terem decidido contra o arguido. Dúvidas que, como se disse, se as não tiveram, deviam tê-las tido. Não pode ser.
“Pro reo”com certeza. Mas “in dubio” como condição prévia.

Dito isto tudo, afinal, a versão dos factos dada por assente pelo tribunal surge como perfeitamente aceitável, de molde a se não ver configurado o erro grosseiro que a al. c) do nº 2 do artº 410º do C.P.P. contempla.
Ao invés, as próprias declarações do recorrente apresentam uma hipótese do ocorrido tão inverosímil, que mal teria andado o tribunal, desde logo na primeira instância, se nela acreditasse.
Vir de Espanha buscar uma pessoa e a sua bagagem, que conteria uma comissão em dinheiro para si, para tanto se devendo dirigir ao aeroporto de Faro. Acabar por pedir a boleia a um concidadão, dono de um bar, que o leva exactamente aos co-arguidos que estavam com a cocaína. Receber quatro sacos todos de cores diferentes com mais de 50 kg. de peso, não os abrir, e partir imediatamente para Espanha, sempre na ignorância de que continham cocaína. Atribuir a um tal HH, que se não conseguiu identificar ou localizar, a autoria do ardil em que o recorrente supostamente tivesse caído, HH esse que abria mão de 50 kg de cocaína, no valor de milhões de euros, sem se perceber porquê, é de facto uma história que contraria os mais elementares dados da experiência.
O acórdão recorrido escalpeliza proficuamente toda esta matéria, nos termos que atrás se transcreveram, e de um modo com que não podemos deixar de concordar.
Por todo o exposto, entende-se que se não verificou o vício da al. c) do nº 2 do artº 420º do C.P.P., ou qualquer um dos outros elencados no nº 2 do artº 410º do C.P.P., estando definitivamente adquirida, em relação ao recorrente, a matéria de facto fixada, tal como já resultava do acórdão recorrido.

Quer ainda o recorrente, sem transigir, que lhe seja atenuada especialmente a pena, e que esta se situe nos três anos de prisão.
O despropósito desta pretensão justifica que sejamos breves na sua ponderação.
O artº 72º nº 1 do C.P. estipula que “O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos especialmente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena”. Depois, no nº 2 exemplificam-se as circunstâncias que podem estar por detrás da dita atenuação especial.
Diga-se à partida que nenhuma delas se aplica à actuação do recorrente, sendo de notar, a propósito da al. c) daquele nº 2, que o arguido não só não confessou o crime, como deu uma versão do acontecido completamente inverosímil, e portanto está por revelar qualquer sinal de arrependimento seu. Aliás, para fundar a sua pretensão, o recorrente não tem mais a que recorrer senão ao facto de ser primário, e à idade respectiva, concretamente de 68 anos. É manifestamente escasso, como pouco relevo tem, para o efeito, o facto de ter duas filhas e um neto com quem se dá bem, ser licenciado em finanças e bem considerado pelas pessoas que o conhecem (pontos 69 e 70 da matéria provada).
Para além do que é contemplado a título de exemplo, nesse nº 2, não há absolutamente nada apurado nos autos que aponte para uma diminuição acentuada da ilicitude (estão em causa 53,481 kg de cocaína), da culpa ou da necessidade da pena, e que justifique a atenuação especial. Medida que é consabidamente de natureza excepcional.
Termos em que, na parte em que se admitiu o presente recurso, também ele não merece provimento.

4) RECURSO DE AA

O que este arguido pretende com o seu recurso é questionar a matéria de facto dada como provada.
Começa, na sua motivação, por tecer algumas considerações genéricas sobre os poderes de cognição do S.T.J., o princípio “in dubio pro reo”, sobre vícios da matéria de facto do artº 410º nº 2 do C.P.P., sobre a necessidade de formação de uma convicção autónoma por parte do tribunal de recurso, no caso a Relação, e sobre a validade da prova consistente no depoimento de co-arguido.
A seguir, o recorrente debruça-se mais concretamente sobre a matéria dos autos, e entra na apreciação daquilo que apelida de insuficiência, para a decisão, da matéria de facto provada.
Porém, todo o seu discurso vai desembocar numa pretensa incongruência entre a prova produzida e os factos dados por provados, e não entre estes e a decisão. Na verdade, o que o recorrente aqui faz é transcrever a factualidade que especialmente o compromete, e defender que ela só tem assento nas declarações do seu co-arguido BB e mais nada. Tal significa que, com o fundamento invocado, nunca se poderia configurar o vício da al. a) do nº 2 do artº 410º do C.P.P., e só, se fosse esse o caso, o da al. c).
Passa então o recorrente a tratar do pretenso vício de erro notório na apreciação da prova.
No que releva, tudo se centra em questionar o depoimento de duas testemunhas, Emílio Teixeira e BBB, e se insurgir contra o facto de se não ter ouvida outra testemunha, R..., daí extraindo as devidas consequências. O recorrente trata ainda do depoimento de II e valora negativamente, em seu favor, as declarações do co-arguido BB.
Escusado será dizer que procedem em relação ao recurso de AA as considerações antes tecidas sobre os poderes de cognição deste S.T.J.. Os vícios do nº 2 do artº 410º do C.P.P. não podem fundar recurso para o S.T.J., e deles só conhece este Tribunal por sua iniciativa.
Ora, toda a argumentação do recorrente vai no sentido de se dar por verificado um erro notório, na apreciação da prova, que não teve lugar. Repete-se que o vício de erro grosseiro na apreciação da prova tem que resultar da decisão, e a expensas só desta.
Se passarmos em revista a fundamentação da convicção dos julgadores da primeira instância, que atrás se transcreveu, nada disso se verifica. E como a argumentação trazida a este S.T.J. já foi levada antes ao Tribunal da Relação, da leitura do acórdão ora recorrido, nessa parte, que também atrás se transcreveu, resulta a insustentabilidade da motivação aduzida pelo recorrente.
A Relação desmontou o argumentário do recorrente em termos que perfilhamos e a que nada temos a acrescentar.
Acresce que não se vê porque é que o acórdão ora recorrido poderia ser considerado nulo, nos termos do artº 379º nº 1 al. c) do C.P.P., e concretamente por excesso de pronúncia.
Finalmente, a alusão à violação do princípio “in dúbio pró reo” surge mais uma vez deslocada, porque nada inculca a ideia de que, quer a primeira instância, quer a Relação, tenham caído num estado de dúvida a respeito da responsabilidade deste recorrente.
Improcede pois o recurso de AA.

E - DECISÃO

Tudo visto e ponderado, decide-se neste Supremo Tribunal de Justiça, na 5ª Secção e em conferência,
- rejeitar o recurso interposto por DD e EE, na parte em que se insurgem contra a sentença recorrida, ao pronunciar-se sobre os recursos interlocutórios das decisões da primeira instância, de indeferimento de pedidos de audição de quatro testemunhas, de acordo com o artº 400º nº 1 al. c), artº 432º nº 1 al. b), artº 414º nº 2, e artº 420º nº 1 al. b), todos do C.P.P.;
- rejeitar o recurso interposto por CC, na parte em que este pretende a revisão da posição assumida pelo acórdão recorrido, sobre o indeferimento, em primeira instância, do pedido de audição de uma testemunha arrolada na contestação do recorrente, de acordo com o artº 400º nº 1 al. c), artº 432º nº 1 al. b), artº 414º nº 2, e artº 420º nº 1 al. b), todos do C.P.P.;
- negar provimento, no mais, aos recursos de DD, EE, e CC;
- negar provimento aos recursos interpostos por FF e AA, assim se mantendo integralmente o acórdão recorrido.

Taxa de Justiça: 10 U.C. a cargo de cada um dos recorrentes FF e AA , e 12 U.C. a cargo de cada um dos restantes recorrentes.



Lisboa, 16 de Abril de 2009

Souto de Moura (Relator)
Soares Ramos

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(1)- Ver também o ACSTJ de 21.02.08 - Rec. n.º 4805/06/5": I - «Pode acontecer que a obtenção de determinada prova, com abusiva intromissão [...] nas telecomunicações, tome possível a realização de novas diligências probatórias contra o arguido ou contra terceiro, casos em que se põe a questão de saber qual a influência do vício que afecta a prova inicial ou directa na prova secundária ou indirecta, designadamente se este vício provoca uma reacção em cadeia, impedindo a utilização das provas consequenciais».
II -«No sentido da sua relevância apontam critérios como o interesse protegido pela norma jurídica violada, a gravidade da lesão, a inexistência de um nexo causal entre a prova inicial e a prova final e a probabilidade de obtenção da prova secundária, independentemente da violação». Mas, «em sentido inverso invoca-se, sobretudo, que a utilização das provas subsequentes permitiria ultrapassar as proibições de prova, pelas instâncias formais de controlo ou por particulares, comprometendo os seus objectivos».
III - A este respeito, ainda antes do actual CPP, mas já na vigência de um preceito constitucional (o art. 32.°, n.º 6) em tudo idêntico ao actual 32.°, n.º 8, se destacavam - dos demais - os interesses individuais que contendessem directamente com a garantia da dignidade humana, donde que «em qualquer ponto do sistema ou da regulamentação processual penal em que estivessem em causa a garantia da dignidade da pessoa [como no caso da «utilização da tortura para obter uma confissão»], nenhuma transacção fosse possível, conferindo-se a uma tal garantia predominância absoluta em qualquer conflito com o interesse também ele legítimo e relevante do ponto de vista do Estado de Direito - no eficaz funcionamento do sistema de justiça penal».
IV - E, aí sim, não se poderia invocar a «necessidade de ponderação dos interesses em conflito e da validade das provas consequenciais» nem recusar-se «a doutrina do Fernwirkung des Beweisverbots [fruit of the poisonous tree] com o (mau) argumento de que tal se impunha à luz do interesse, de outra forma não realizável, da verdade material e da punição de um real culpado», pois que assim se acabaria por «jogar o valor absoluto da dignidade do homem contra interesses relativos que àquele não deviam nunca sobrepor-se».
V - Mas, «perante interesses individuais que não contendessem directamente com a garantia da dignidade da pessoa», já «deveria aceitar-se - diversamente do que sucedia com o primeiro vector - que tais interesses - ainda quando surjam como emanações de direitos fundamentais - pudessem ser limitados em função de interesses conflituantes».
VI - Surgiria aqui o problema de «determinar, com precisão, a finalidade e o critério com que a limitação deve ser feita»: «A finalidade só pode ser a de ordenar reciprocamente relações da vida protegidas através da concessão de concretos direitos da liberdade, e de conjugá-las com outras relações também juridicamente protegidas por essenciais à vida comunitária; e de as conjugar em termos de criação e conservação de uma ordem na qual umas e outras ganhem realidade e consistência. Quanto ao seu critério, ele não estará na validação do interesse preponderante à custa do interesse de menor hierarquia (...) mas sim numa optimização dos interesses em conflito; o que conduz a submeter a limitação estritamente aos princíios da necessidade e da proporcional idade, bem como, no caso de se tratar de direitos fundamentais, a exigir que não seja afastado o seu conteúdo essencial».
VII -«Repensar os numerosos e difíceis problemas que se situam em zonas conflituais» era tarefa que – ao tempo (1983) – haveria de cometer «ao reformador da legislação processual penal». E este, no CPP de 1987, distinguiu as «provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas» (art. 126.°, n.º 1, do CPP) das «provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações» (n.º 2): aquelas – em que os meios de obtenção da prova ofendiam «interesses individuais que contendem directamente com a garantia da dignidade humana» – considerou-as absolutamente nulas; mas já «admitiu» (art. 125.°) as demais – por não contenderem directamente com a garantia da dignidade da pessoa – quando obtidas «com o consentimento do titular» ou, mesmo sem este, nos «casos previstos na lei» (art. 126.°, n.º 2).
VIII - É certo que estas «são igualmente nulas» (também, por isso, «não podendo ser utilizadas») quando, «ressalvados os casos previstos na lei», forem «obtidas sem o consentimento do respectivo titular». Mas se assim é quanto às provas directamente obtidas por «métodos proibidos» (que «são nulas, não podendo ser utilizadas»), já – «perante interesses individuais que não contendam directamente com a garantia da dignidade da pessoa» – «poderá eventualmente vir a reconhecer-se a admissibilidade de provas consequenciais à violação da proibição de métodos de prova».
IX - E, em tal hipótese, a circunscrita invalidação (ou inutilização) da prova (directamente) obtida poderá satisfazer os interesses (de protecção constitucional da privacidade das conversações ou comunicações telefónicas, sem afectação do conteúdo essencial do correspondente preceito constitucional) decorrentes da proibição do art. 126.°, n.º 3, do CPP.
X -Pois que a optimização dos interesses em conflito (aqueles, por um lado, e os de «um eficaz funcionamento do sistema de justiça penal», por outro) poderá demandar – ante a (estrita) «necessidade» de protecção «proporcionada» dos últimos (também eles juridicamente protegidos por essenciais à vida comunitária») – a conjugação (ou «concordância prática») de ambos em termos de «criação e conservação de uma ordem na qual uns e outros ganhem realidade e consistência».
XI - Ora, será justamente no âmbito dos efeitos à distância dos «métodos proibidos de prova» que e poderá dar consistência prática a essa distinção entre os métodos previstos no n.º 1 do art. 126.º e os previstos no n.º 3, pois que, enquanto os meios radicalmente proibidos de obtenção de provas inutilizarão – expansivamente – as provas por eles directa e indirectamente obtidas, já deverá ser mais limitado – em função dos interesses conflituantes – o efeito à distância da «inutilização» das provas imediatamente obtidas através dos demais meios proibidos de obtenção de provas (ofensivos não do «valor absoluto da dignidade do homem», mas de «interesses individuais não directamente contendentes com a garantia da dignidade da pessoa», como a «intromissão sem consentimento do respectivo titular» na «vida privada», «no domicílio», na «correspondência» ou nas «telecomunicações»).
XII - «Sobretudo quando [como no caso] a nulidade do meio utilizado (a “escuta telefónica”) radique não nos seus “requisitos e condições de admissibilidade” (art. 187.°) mas nos “requisitos formais” das correspondentes “operações”. Pois que, sendo esta modalidade, ainda que igualmente proibida (arts. 126.°, n.ºs 1 e 3, e 189.°), menos agressiva do conteúdo essencial da garantia constitucional da inviolabilidade das telecomunicações (art. 34.°, n.º 4, da Constituição), a optimização e a concordância prática dos interesses em conflito (inviolabilidade das comunicações telefónicas versus “verdade material” e “punição dos culpados mediante sentenciamento criminal em virtude de lei anterior que declare punível a acção”) poderão reclamar a limitação – se submetida aos princípios da necessidade e da proporcionalidade – dos “interesses individuais, ainda que emanações de direitos fundamentais, que não contendam directamente com a garantia da dignidade da pessoa”».
XIII - Além de que, no caso, não se afiguram «desproporcionados» os limitados efeitos sequenciais que as instâncias possam ter retirado das escutas anuladas (com base, aliás, «não nos seus “requisitos e condições de admissibilidade” – art. 187.º – mas nos “requisitos formais” das correspondentes “operações”»), tendo em conta, por um lado, a própria «limitação – em função dos interesses conflituantes – do efeito à distância da «inutilização» das provas (i)mediatamente obtidas através dos meios proibidos de obtenção de provas previstos no n.º 3 do art. 126.º do CPP (já que ofensivos não do «valor absoluto da dignidade do homem», mas de «interesses individuais não directamente colidentes com a garantia da dignidade da pessoa») e, por outro, a «necessidade» de «optimização da concordância prática dos interesses em conflito (“inviolabilidade das comunicações telefónicas” versus “verdade material” e “punição dos culpados”).