Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7820/18.8T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: CATARINA SERRA
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
BANCO
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA
DANO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
DEVER DE INFORMAÇÃO
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 01/19/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. Nos termos do AUJ n.º 8/2022, “no âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano”.

II. Não tendo os autores logrado provar algum destes requisitos, não é possível acolher a sua pretensão de responsabilizar o intermediário financeiro.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I. RELATÓRIO

1. AA e BB demandaram Eurobic Banco Bic Português, S.A., pedindo a anulação do contrato de aquisição de uma obrigação SLN 2006, emitida pela Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., no valor de € 50.000,00 e, consequentemente, a condenação do Banco réu a restituir-lhes esse montante, acrescido dos juros vencidos, desde 9/5/16 a 28/2/18, no montante de € 3.583,00 e, ainda na quantia de € 10.000,00, a título de danos não patrimoniais, tudo no total de € 63.583,00, a que acrescem juros de mora vincendos à taxa legal, desde 28/2/2018, sobre a quantia de € 50.000,00 e, desde a citação, sobre o valor de € 10.000,00, até integral pagamento e, subsidiariamente, a indemnizá-los a título de responsabilidade civil no valor de € 50.000,00, acrescido dos juros de mora, vencidos, desde 9/5/16 a 28/2/18, no montante de € 3.583,00 e ainda na quantia de € 10.000,00, a título de danos não patrimoniais, tudo no total de € 63.583,00, a que acrescem juros de mora vincendos à taxa legal, desde 28/2/2018, sobre a quantia de € 50.000,00 e desde a citação sobre o valor de € 10.000,00, até integral pagamento.

Alegam, em suma, que eram clientes do Banco, Banco este que incorporou por fusão o BPN, S.A. (deliberação do Banco de Portugal).

O Banco réu, enquanto intermediário financeiro, colocou, a 25/10/2004, as obrigações da Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, SA, no mercado, através da comercialização junto dos seus clientes, do produto denominado "Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, o que renovou, em 2006, através das obrigações SLN RM - 2006.

O réu comercializou o produto junto dos clientes, transmitindo a informação de o investimento era seguro e que o capital investido estava completamente garantido, seria sempre reembolsado pelos investidores na data do vencimento do produto e, salvo sem qualquer acontecimento ou contingência.

Os autores são titulares da conta de depósitos à ordem n° ...0, junto do Balcão de ... do réu (aquando da abertura da conta o réu denominava-se BPN, SA).

Os autores, clientes do Banco há vários anos, estabeleceram relações de confiança com o réu, através dos seus funcionários e, por isso, constituíram, em 2004/2005, um depósito a prazo no montante de € 50.000,00, à taxa de juros de 3,5% ao ano, sendo os juros creditados na conta mencionada.

Em 22/11/2007, encontrando-se em ..., são contactados pelos funcionários do Banco réu, que lhes solicitaram a alteração das condições do depósito, face ao seu vencimento - tratava-se apenas de uma transferência de conta e maior rendibilidade (taxa de juros).

Só algum tempo depois é que os autores se aperceberam que o valor de € 50.000,00 (depósito a prazo), tinha sido aplicado na aquisição de Obrigações SLN 2006.

Apesar de terem reclamado e deduzido oposição, uma vez que os funcionários do Banco asseguraram-lhes que o capital estava garantido e que o produto não era de risco, ficaram absolutamente convencidos que tal era equiparado/idêntico a um depósito a prazo.

Alcançado o termo do prazo, o capital não lhes foi restituído, uma vez que a entidade emitente das obrigações foi declarada insolvente e o réu não se responsabilizou pela restituição.

Aquando da subscrição da obrigação nenhuma informação receberam sobre as características do produto, tendo o Banco réu, deliberadamente, ocultado informação, sendo certo que se soubessem que não se tratava de um produto com retorno garantido, nunca teriam aceite investir nessa obrigação.

Os autores sofreram danos.

2. Na contestação, o réu BIC excepcionou a prescrição - atenta a data da subscrição, Novembro de 2007 e a data da propositura da acção, volvidos são mais de 2 anos (art. 324 Cód. Valores Imobiliários) - , impugnou o alegado pelos autores, sustentando que os autores foram informados do produto que subscreveram, concluindo pela procedência da excepção e, caso assim se não entendesse, pela absolvição do pedido - fls. 102.

3. Na resposta, os autores impugnaram o alegado pelo Banco réu, concluindo pela improcedência das excepções - fls. 160 e sgs.

4. Em sede de audiência prévia foi homologada a desistência do pedido formulado a título principal - anulação da aquisição das obrigações e restituição do prestado - , foi proferido despacho saneador, relegando-se a apreciação da excepção peremptória da prescrição a final, elencados os temas de prova e designado dia para a audiência final - fls. 165 e sgs.

5. Após julgamento foi prolatada sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou o Banco réu a pagar aos autores o valor de € 50.000,00, acrescido dos juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento - fls. 176 e sgs.

6. Inconformados com esta decisão, o Banco réu apelou, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa proferido Acórdão em que se decidiu, a final:

Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, consequentemente, revogando-se a decisão, absolve-se o Banco réu do pedido”.

7. Inconformados, interpõem os autores, por sua vez, “recurso de revista, e também excepcional, nos precisos termos do artº 671 nº 1 e 3, 672º nº 1 alínea c) e 674 nº 1 alínea b), todos do C.P.C, e artº 6ºB nº 1 da Lei 4-B/2021 de 1 de Fevereiro”.

A terminar, formulam as seguintes conclusões:

1 – A decisão sobre a impugnação da matéria de facto, efectuada mesmo pelo Tribunal de 2ª instância, feita com base nos meios de prova, sujeitos a livre apreciação, do declarado pelas testemunhas, documentos e presunções, deve obedecer ao cumprimento dos requisitos previstos no artº 640 do C.P.

2 – Impugnação de decisão diversa, nos termos do artº 662, do C.P.C reapreciando os meios de prova, impõe, que o tribunal que efective decisão diversa, o faça apresentando análise critica dessa prova, e a fundamente nos precisos termos do disposto no artº 607 nº 4 e 5, o que no caso do Acórdão sob impugnação não sucede, lei que assim se mostra violada pelo mesmo Acórdão.

3 – “ O Tribunal da Relação, posto perante a impugnação da matéria de facto, tem de apreciar o recurso, fundamentando a sua decisão quanto à alteração ou não dos factos impugnados e bem assim fundamentando a decisão quanto à necessidade de utilização de alguma dos procedimentos mencionados no artigo 662.º do CPC se assim tiver sido solicitado pelo recorrente, constituindo tal omissão nulidade do acórdão que será objeto de reclamação com base no disposto no artigo 615.º/1, alínea d) se dele não for admissível recurso ordinário; não sendo suscitada a utilização desses procedimentos é evidente que a Relação não pode ser censurada por se ter limitado a decidir a impugnação da matéria de facto.” In . Ac. S.T.J de 03/05/2018 – Proc. Nº 1345/13.5TVLSB-L1-S1 – Jurisprudência Fixada – Publicado In. DRE

4 – E nos autos não existe tal fundamentação, pelo que o Acórdão é nulo nos precisos termos do disposto no artº 615 nº 1 alínea b) do C.P.C ( não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão ), pelo que o mesmo deve ser declarado nulo, e mantida a decisão de 1ª instância, condenando-se sempre o Réu no pedido com as legais consequências , ou se assim se não entender,

5 – Sempre os autos mandados baixar ao Tribunal da Relação, face à declaração de tal nulidade, afim de ser reapreciada a decisão da matéria de facto, e mantendo-a nos termos da 1ª instância, ser sempre o réu condenado no pedido com as legais consequências;

6 – E caso tal não se mostre necessário, sempre, também face à prova produzida e provada, revogado o aliás douto Acórdão, e mantida a decisão de 1ª instância, pois os factos provados não permitem o afastamento da responsabilidade do Réu, por violação do dever de informação, provado nos autos, que foi causa de prejuízos sofridos pelo A.

7 – O caso dos autos, traduz um claro desvio do dinheiro dos A.A, efectivado automaticamente, com base na relação de confiança existente entre os A.A e os funcionários do Réu através de um telefonema, para 1500 km de distância, sem possibilidade da oferta de qualquer autorização, ou não autorização, por parte dos A.A, que se viram perante um facto consumado.

8 – Ficando os A.A mais tarde, convencidos de que o seu dinheiro estava na posse do Banco Réu, que se tratava de um depósito a prazo, ou mesmo de uma aplicação semelhante a um depósito a prazo, situação que no caso, se mostra, com direito a necessária e justa protecção legal. E que, mesmo,

9 – Os factos provados, pelo Tribunal da Relação, com devida e necessária análise critica e letra, (Factos 7, 8, 10, 11,12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 22, 25, 26 e 27) impõe a manutenção da decisão de 1ª instância e a condenação do Réu nos termos constantes da mesma.

10 - É que a actuação do Réu é ilícita, violou o dever de informação devido aos A.A, e causou prejuízo aos A.A medido pelo montante do dinheiro depositado, ou seja, de € 50.000,00, contrariamente, à análise feita pelo Tribunal da Relação.

11 – Foi o Banco que, sem autorização devida, alocou o dinheiro dos A.A, e o aplicou nas obrigações S.L.N , sem qualquer explicação, ou explanação legalmente devida.

12 – E a ilicitude da actuação do Réu, impõe-se ao mesmo, até por presunção legal, face ao disposto no artº 304º-A nº 2 do C.V.M

13 – Ainda assim, o Acórdão de que se recorre mostra-se em contradição, entre outras, com o decidido, no Acórdão de 7-02-2019 deste Supremo Tribunal, cuja cópia vai junta aos autos, transitado em julgado – e proferido no âmbito do Processo Nº31/17.1T8PVZ-P1-S1 – 2ª Secção , como aliás, acontece com vários outros acórdãos já decididos, quer no Supremo Tribunal, quer até no Tribunal da Relação de Lisboa.

14 – Num e noutro acórdão está em causa o cumprimento do dever de informação, por parte do intermediário financeiro, como é o caso do Réu.

15 – E tal dever de informação, não se mostra cumprido, como quer fazer crer o acórdão recorrido, e não está dependente do investidor adoptar um comportamento diligente.

16 – Ora, tal comportamento diligente, mesmo a ser exigível, no que não se concede, mostra-se impossível por parte dos A.A, que foram postos, perante um facto consumado.

Efectivação de uma transferência por parte dos funcionários do Réu, sem assinatura ou qualquer consentimento expresso dos A.A

17 – Poder-se-á, até dizer, sem querer ferir a boa fé contratual, que se tratou de um injustificado - “desvio “ do dinheiro dos A.A

18 – É assim claro inequívoco que o Acórdão recorrido, viola os dispositivos legais, a final invocados, atentando, contra a legitima protecção dos direitos de crédito dos A.A, contratualmente protegidos no momento da entrega dos valores monetários ao Banco Réu, e, classificando, contrariamente à jurisprudência maioritária deste Tribunal, o conceito do direito à informação dos clientes bancários e da sua violação.

19 – Deve assim, face ao exposto, ser sempre o Réu, face a este pedido de revista excepcional, condenado no pedido, e assim mantendo-se com as legais consequências o decidido em 1ª instância.

20 – A questão em apreço, é também de direito, devendo ser conhecida nestes autos e instância e por este Supremo Tribunal.

21 – “ Não cuidando o R. de esclarecer os AA. sobre quem era a terceira entidade a quem entregavam as suas poupanças para serem aplicadas em obrigações subordinadas, antes deixando os AA. criar a convicção errada de que o que estava em causa era a aplicação da quantia em causa num produto bancário (equivalente a um depósito a prazo) que fosse do R., é de concluir que a informação prestada não se apresenta como “completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita”, o que permite afirmar a ilicitude da conduta do R., porque violadora dos deveres de informação a que estava obrigado, como entidade bancária autorizada a exercer a actividade de intermediação financeira.”

22 – “Presumindo-se a culpa do R. nessa actuação ilícita, e daí resultando a diminuição patrimonial dos AA. correspondente ao dispêndio da quantia aplicada (não recuperada no final do prazo daquele empréstimo obrigacionista e insusceptível de recuperação), ficou o R. obrigado à reparação de tal dano patrimonial dos AA., que passa pela reposição do montante em questão no património dos mesmos.”

23 – O aliás douto acórdão viola manifestamente o disposto nos artºs 640, 662, 607 nº 4, 4 e 2 e 615 nº 1 alínea b) do CPC e os artº 236, 220, 570, 595, 628 do C.C., e 7º, 290º nº 1 alínea a) , 304º-A, 312º a 314º-D , e 323 do C.V.M e 412º - 17 do Dec. Lei 69/204 e Directiva Nº2004/39”.

8. O Banco réu contra-alegou, dizendo “em conclusão”:

A causalidade entre a eventual violação do dever de informação não se pode presumir legalmente, e presumindo-se judicialmente sempre se deverá reflectir na afirmação de um facto como provado e não apenas na justificação de um raciocínio jurídico.

A prova da causalidade deveria ter provado que não houver aquela violação e nunca subscreveria o produto financeiro, tendo esta subscrição causado um dano, e que a produção desse dano resulta como consequência adequada da ilicitude.

Em suma,

Não vemos qualquer motivo de censura à decisão sob recurso”.

9. O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu Acórdão a julgar improcedente a nulidade invocada pelos recorrentes.

10. O Exmo. Senhor Conselheiro a quem o presente recurso foi inicialmente distribuído proferiu despacho com o seguinte teor:

O recurso de revista é admissível.

Todavia, uma vez que se encontra pendente de apreciação recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, cujo resultado pode ser relevante para a apreciação desta revista, suspende-se a instância por tal motivo”.

11. Por jubilação do Exmo. Senhor Conselheiro a quem o processo foi inicialmente distribuído, os autos foram redistribuídos e, em 17.10.2022, concluídos à presente Relatora, que proferiu despacho a tomar conhecimento e a manter a suspensão da instância.

Atendendo a que se verifica que a decisão proferida no Proc. 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A) e já transitada em julgado se revela suficiente para a decisão a proferir, prossegue-se para esta decisão.


*

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), as questões a decidir, in casu, são as de saber se:

1.ª) o Acórdão recorrido enferma de nulidade por falta de fundamentação;

2.ª) o Tribunal a quo fez mau uso dos poderes que lhe são conferidos no artigo 662.º do CPC; e

3.º) o Banco réu deve ser responsabilizado pelos danos causados aos autores.


*

II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido:

1) O réu é uma sociedade comercial que tem por objecto social o exercício da atividade e todas as outras que por lei sejam permitidas aos bancos.

2) O réu foi constituído em 2012, mediante a fusão, por incorporação, do anterior Banco Bic Português, S.A, no BPN - Banco Português de Negócios, S.A. e com a alteração recente da denominação social para a atual designação do réu.

3) O réu, à data denominado Banco Português de Negócios, S.A, foi a instituição colocadora no mercado das obrigações emitidas pela Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A, hoje Gallilei S.G.PS, S.A..

4) A Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., até 11/11/2008, foi a sociedade holding detentora de 100 % do capital social do grupo BPN.

5) O réu estava registado na C.M.V.M como intermediário financeiro.

6) O réu colocou, a 25 de outubro de 2004, as obrigações da referida Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. no mercado através da comercialização, junto dos seus clientes, do produto denominado “Obrigações SLN Rendimento Mais 2004”, o que renovou em 2006, através das “Obrigações SLN RM - 2006 “.

7) O réu comercializou esse produto junto dos seus clientes, transmitindo a informação de que o mesmo era um investimento seguro e que o capital investido era garantido[1].

8) O réu comercializou o produto junto dos clientes transmitindo que este dispunha de características semelhantes de um depósito a prazo no que concerne à taxa fixa, pagamento de juros e reembolso de capital[2].

9) Eliminado[3].

10) Há cerca de 25 anos que os autores, casados entre si, são clientes do réu, e há vários anos que são titulares da conta de depósitos à ordem Nº ...01, junto do Balcão de ... do réu, a qual foi aberta quando o réu ainda se denominava Banco Português de Negócios, S.A..

11) Foi sempre o autor marido que estabeleceu contacto com o réu e os seus funcionários.

12) Os autores desenvolverem uma relação de confiança com o réu, estabelecida por intermédio dos funcionários com que aquele sempre lidou.

13) Os autores sempre consideraram o réu, enquanto instituição bancária nacional de referência, uma entidade séria e credível, assim como os seus funcionários, confiando que estes aplicavam o seu dinheiro de forma séria, com segurança e de forma garantida.

14) Em 22/11/2007, os autores foram contactados, via telefone, uma vez que se encontravam em ..., pelos funcionários do Banco, que lhe solicitaram autorização, uma vez que o depósito a prazo tinha vencido, colocar esse valor num produto melhor[4].

15) Nessa altura pelos funcionários do réu, foram os autores informados que se tratava apenas de uma transferência para outro produto idêntico e para obtenção de uma melhor taxa de juros no rendimento daquele capital.

16) Os autores acreditaram que se tratava de um produto bom, semelhante a um depósito a prazo e autorizaram a movimentação sugerida[5].

17) Os autores nunca subscreveram qualquer contrato.

18) Só passado algum tempo os autores se aperceberam que o seu capital tinha sido aplicado, em 22/11/2007, na aquisição de obrigações subordinadas, denominadas “Obrigações SLN Rendimento Mais 2006”, no montante de € 50.000,00, através de endosso do mesmo produto que pertencia a outro cliente.

19) Nessa altura, os funcionários do Banco transmitiram aos autores que o produto em causa tinha características semelhantes às de um depósito a prazo[6].

20) Os funcionários do Banco transmitiram aos autores que a aplicação era segura[7].

21) Eliminado[8].

22) Os autores ficaram convencidos que estavam a aplicar as suas poupanças num produto seguro e que o reembolso do capital era garantido[9].

23) A obrigação da GALILEI, subscrita pelos autores, está confiada ao réu e depositada na conta de títulos Nº ...01.

24) A referida quantia corresponde a parte das poupanças que os autores conseguiram auferir ao longo da sua vida de emigrantes em ....

25) Os autores procuraram aplicar as suas poupanças em produtos financeiros rentáveis, mas seguros e garantidos e. foi isso que sempre transmitiram aos funcionários do réu, quando discutiam as soluções de investimento das suas poupanças, pedindo que o seu capital fosse aplicado em conformidade[10].

26) Os autores são pessoas humildes e trabalhadoras, com poucos conhecimentos nas áreas de economia e finanças.

27) São meros aforradores, com o perfil de investidores conservadores.

28) Eliminado[11].

29) Eliminado[12].

30) Em 11 de Novembro de 2008, o Estado nacionalizou todas as ações representativas do capital social do BPN, através da Lei n.º 62/A/2008.

31) Em 2010, a Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. foi transformada em Galilei, SGPS, S.A..

32) Na data do vencimento da obrigação SLN Rendimento Mais 2006, em 9/5/16, o montante de € 50.000,00 não foi pago aos autores, nem posteriormente[13].

33) Os autores de imediato se deslocaram ao balcão do réu em ..., reclamando o pagamento do seu dinheiro e nessa altura foram informados que o réu não tinha qualquer responsabilidade pela devolução do capital investido.

34) Em 29 de junho de 2016, foi declarada a insolvência da sociedade Galilei, S.G.P.S, S.A., no âmbito do processo de Insolvência Nº 23449/15.... que corre os seus termos na Comarca ... - ... - Instância Central - 1ª Secção de Comércio - ....

35) O réu sabia que a entidade emitente das obrigações era a Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. e que o risco dessas obrigações recaía inteiramente sobre essa sociedade.

36) Eliminado[14].

37) O réu não informou os autores que se tratava da aquisição de obrigações que não dispunham de garantia de retorno do capital investido.

38) Eliminado[15].

39) Nem lhe entregou qualquer prospeto ou ficha técnica do produto.

40) O réu, no mês seguinte, remeteu aos autores o aviso de débito correspondente à subscrição efetuada e a cada seis meses os avisos de crédito relativos a juros.

41) O réu enviou aos autores os extratos periódicos onde lhe apareciam as obrigações como integrando a sua carteira de títulos, de forma separada dos simples depósitos a prazo.

42) Os autores já haviam investido em títulos de Fundo de Investimento BPN Tesouraria.

43) Até à data da nacionalização todos os cupões foram pagos na íntegra e no momento devido.

E são seguintes os factos considerados não provados no Acórdão recorrido:

a) Os autores constituíram nos anos de 2004/05, na agência de ... do réu, um depósito a prazo, no montante de € 50.000.00 (cinquenta mil euros) à taxa de juros de 3,5 % ao ano, sendo os juros provenientes desta conta, creditados na sua conta à ordem já anteriormente referida com o Nº ...01.

b) Esta situação tem provocado uma enorme angústia, ansiedade e perturbação nos autores, que nem à sua família conseguem descrever o sucedido.

c) Os autores desesperam com a possibilidade de perderem todo o fruto do seu trabalho.

d) Os autores não conseguem dormir, nem contam o sucedido aos seus próprios filhos.

e) O crédito dos autores foi reconhecido no âmbito do processo de insolvência.

f) Os funcionários do réu agiram com o manifesto intuito de induzir em erro os autores, ocultando-lhe informações e aconselhando-os contra os seus próprios interesses.

g) Os funcionários do réu explicaram aos autores, no momento da subscrição, que as obrigações em causa eram emitidas pela sociedade que detinha o Banco, sendo por isso este um componente de solvabilidade daquela.

h) E que o reembolso antecipado da emissão só era possível por iniciativa da Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. a partir do 5.º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.

i) Foram ainda informados que a forma de liquidar este produto de forma unilateral seria transmitindo as suas obrigações a um terceiro interessado por endosso.

j) O produto foi apresentado com a obrigação de entrega do capital e dos juros ser da única e exclusiva responsabilidade da Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A..

k) O réu informou os autores de todos os elementos que constavam da nota informativa e da nota interna sobre o produto.

l) Os autores são pessoas informadas e sempre investiram em produtos diferentes dos “normais” depósitos a prazo.

m) A “venda” das obrigações como se fossem um depósito a prazo constitui uma ordem expressa e direta da administração do réu, dirigida aos seus funcionários (antigo facto provado 9, dado como não provado pela Relação).

n) Asseguraram aos autores que o capital investido estaria integralmente garantido, à data do vencimento, sem qualquer limite ou condição, e que, em qualquer circunstância, os autores sempre receberiam o valor investido, na data de vencimento do produto, que estava programado para 09 de maio de 2016 (antigo facto provado 21, dado como não provado pela Relação).

o) Por nenhuma forma ou em alguma vez, mesmo depois de se terem apercebido que não se tratava de um depósito a prazo, foi transmitido aos autores que o risco do produto subscrito fosse exclusivamente de uma entidade terceira e relativamente ao qual o réu não assumia qualquer responsabilidade pelo respetivo cumprimento, nem os réus tinham conhecimento dessa circunstância (antigo facto provado 28, dado como não provado pela Relação).

p) Se os autores tivessem conhecimento atempado de que aquele produto não tinha capital garantido, nunca consentiriam na sua subscrição (antigo facto provado 29, dado como não provado pela Relação).

q) O réu tinha consciência de que os autores julgavam que o produto tinha o capital garantido, como se de um depósito a prazo se tratasse (antigo facto provado 36, dado como não provado pela Relação).

r) O réu induziu os autores a pensar que a subscrição daquele produto constituía uma operação financeira sem riscos e garantida, bem sabendo que assim não era (antigo facto provado 38, dado como não provado pela Relação).

O DIREITO

1. Da alegada nulidade do Acórdão recorrido

Nas suas alegações, os recorrentes arguem a nulidade do Acórdão recorrido nos seguintes termos:

3 – “ O Tribunal da Relação, posto perante a impugnação da matéria de facto, tem de apreciar o recurso, fundamentando a sua decisão quanto à alteração ou não dos factos impugnados e bem assim fundamentando a decisão quanto à necessidade de utilização de alguma dos procedimentos mencionados no artigo 662.º do CPC se assim tiver sido solicitado pelo recorrente, constituindo tal omissão nulidade do acórdão que será objeto de reclamação com base no disposto no artigo 615.º/1, alínea d) se dele não for admissível recurso ordinário; não sendo suscitada a utilização desses procedimentos é evidente que a Relação não pode ser censurada por se ter limitado a decidir a impugnação da matéria de facto.” In . Ac. S.T.J de 03/05/2018 – Proc. Nº 1345/13.5TVLSB-L1-S1 – Jurisprudência Fixada – Publicado In. DRE

4 – E nos autos não existe tal fundamentação, pelo que o Acórdão é nulo nos precisos termos do disposto no artº 615 nº 1 alínea b) do C.P.C ( não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão ), pelo que o mesmo deve ser declarado nulo, e mantida a decisão de 1ª instância, condenando-se sempre o Réu no pedido com as legais consequências (…)”.

E o Tribunal a quo pronunciou-se sobre a alegada nulidade por Acórdão de Conferência nos seguintes termos:

Os autores AA e BB, arguiram a nulidade do acórdão proferido, em 17/12/2020, alegando falta de análise crítica da prova, não explicitando em que medida está errada a apreciação da prova em Ia instância, ignorando documentos juntos com a p.i., nomeadamente o doe. n° 2.

Nas contra-alegações o Banco pugnou pela inexistência das nulidades.

Vejamos, então.

In casu, o Banco impugnou a decisão de facto, alicerçados nas declarações de parte e nos depoimentos das testemunhas, pugnando no sentido de os factos apurados sob os números 9, 21, 28, 29, 36 e 38 devem ser dados como não provados e pela alteração da redacção dos factos apurados sob os n°s 7, 8, 14, 16, 19, 20, 22 e 25.

Na elaboração da sentença/acórdão, após identificação das partes, do objecto do litígio e enunciação das questões a resolver, seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar... concluindo pela decisão final -art. 607/3 CPC.

Na fundamentação da sentença/acórdão, o juiz declara quais os factos que julga provados e os que julga não provados analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais especificando os demais que forem decisivos para a sua convicção; toma ainda em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, contabilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência - art. 607/4 CPC.

A sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão - art. 615/1 b) CPC.

Esta nulidade tem lugar em caso de inexistência de motivação, i. é, quando o julgador não especifica os fundamentos, de facto e de direito, que justificam a decisão.

Na verdade, uma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas.

Contudo, sempre se dirá, que existe distinção entre a falta total de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada.

O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiente ou deficiente motivação afecta o valor doutrinal da sentença sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em sede de recurso, mas não acarreta a nulidade - cfr. A. Reis In CPC Anot, vol. V-138esgs.

In casu, o acórdão, apreciando as questões colocadas no que decisão de facto concerne, pronunciou-se, de acordo com a prova produzida e constante dos autos - documentos, declarações de parte e depoimentos das testemunhas -, alterou a redacção de determinados factos e entendeu que determinados factos deveriam ser dados como Não provados - cfr. fls. 296 a 304.

Assim, apesar de não se ter descriminado no acórdão e feito menção expressa a cada um dos factos de per si, face ao supra expresso, a motivação quanto a estes factos, quando muito, parcimoniosa/deficiente, não se subsume à nulidade arguida de falta de fundamentação.

Destarte, o acórdão impugnado não enferma da nulidade arguida.

Assim, acordam em conferência os Juízes da 8a secção deste Tribunal em que a decisão reclamada não enferma dos vícios arguidos”.

Aprecie-se, começando por convocar o referido artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, onde se dispõe:

É nula a sentença quando: (….) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (…)”.

Analisando o Acórdão recorrido à luz desta norma, não é possível confirmar a arguição de nulidade por falta de fundamentação da decisão.

Na realidade, não se vê que o Acórdão careça de fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, como era exigível para se verificar aquela nulidade por falta de fundamentação. Existe, por um lado, uma decisão sobre a matéria de facto – fundamentos de facto – e um conjunto de argumentos jurídicos – fundamentos de direito – dirigidos a justificar a solução adoptada pelo Tribunal para o caso.

Vem a propósito observar que, como é frequentemente afirmado, apenas gera nulidade a falta absoluta de fundamentação, não a fundamentação que se apresente como deficiente, incompleta ou não convincente. No limite, apenas poderia ocorrer alguma destas circunstâncias mas isso não daria, ainda assim, origem à nulidade invocada.

Vendo bem, aquilo que parece que os recorrentes querem dizer é que a alteração da decisão sobre a matéria de facto – rectius: a decisão sobre a impugnação da decisão sobre a matéria de facto – está, no seu entender, insuficientemente justificada. Mas isto é uma questão distinta, que deve ser autonomizada e tratada em separado, designadamente para o efeito da verificação da eventual violação do disposto no artigo 662.º do CPC, que é justamente objecto do ponto seguinte.

2. Do alegado mau uso, pelo Tribunal recorrido, dos poderes que lhe são conferidos no artigo 662.º do CPC

Nas suas alegações, os recorrentes alegam que o Tribunal recorrido incorreu em violação do artigo 662.º do CPC nos seguintes termos:

2 – Impugnação de decisão diversa, nos termos do artº 662, do C.P.C reapreciando os meios de prova, impõe, que o tribunal que efective decisão diversa, o faça apresentando análise critica dessa prova, e a fundamente nos precisos termos do disposto no artº 607 nº 4 e 5, o que no caso do Acórdão sob impugnação não sucede, lei que assim se mostra violada pelo mesmo Acórdão.

3 – “ O Tribunal da Relação, posto perante a impugnação da matéria de facto, tem de apreciar o recurso, fundamentando a sua decisão quanto à alteração ou não dos factos impugnados e bem assim fundamentando a decisão quanto à necessidade de utilização de alguma dos procedimentos mencionados no artigo 662.º do CPC se assim tiver sido solicitado pelo recorrente, constituindo tal omissão nulidade do acórdão que será objeto de reclamação com base no disposto no artigo 615.º/1, alínea d) se dele não for admissível recurso ordinário; não sendo suscitada a utilização desses procedimentos é evidente que a Relação não pode ser censurada por se ter limitado a decidir a impugnação da matéria de facto.” In . Ac. S.T.J de 03/05/2018 – Proc. Nº 1345/13.5TVLSB-L1-S1 – Jurisprudência Fixada – Publicado In. DRE”.

O artigo 662.º do CPC confere certos poderes ao Tribunal da Relação no âmbito da alteração da decisão sobre a matéria de facto na sequência de impugnação das partes ou oficiosamente.

O “mau uso[16] ou uso indevido (insuficiente ou excessivo) destes poderes é susceptível de configurar violação da lei de processo e, portanto, de constituir fundamento do recurso de revista, nos termos do artigo 674º, nº 1, al. b), do CPC[17].

O que não significa que o Supremo Tribunal esteja autorizado a controlar a decisão sobre a impugnação da decisão da matéria de facto ou a “imiscuir-se” na valoração da prova feita pelo Tribunal recorrido segundo o critério da sua livre e prudente convicção. Estas são actividades que estão e permanecem interditas a este Supremo Tribunal[18].

Como decorre do Relatório, resulta do Acórdão recorrido uma alteração não insignificante da decisão sobre a matéria de facto.

O Tribunal alterou, designadamente, a redacção dos factos provados 7), 8), 14), 16), 19), 20), 22), 25) e 32) e relegou para o elenco de factos não provados os antigos factos provados 9), 21), 28), 29), 36) e 38) [agora factos não provados m), n), o), p), q) e r)]. Veja-se, mais precisamente.

Onde estava:

7) O réu comercializou esse produto, junto dos seus clientes, transmitindo a informação de que o mesmo era um investimento seguro e sem qualquer risco, que correspondia a um investimento num produto BPN e que o capital investido estava integralmente garantido.

Passou a estar:

7) O réu comercializou esse produto junto dos seus clientes, transmitindo a informação de que o mesmo era um investimento seguro e que o capital investido era garantido.

Onde estava:

8) O réu comercializou o produto junto dos seus clientes, transmitindo que dispunha das mesmas características de um depósito a prazo, no que se referia à salvaguarda do capital investido.

Passou a estar:

8) O réu comercializou o produto junto dos clientes transmitindo que este dispunha de características semelhantes de um depósito a prazo no que concerne à taxa fixa, pagamento de juros e reembolso de capital.

Onde estava:

14) Em 22/11/2007, os autores foram contactados via telefone, uma vez que se encontravam em ..., pelos funcionários do Banco, que lhe solicitaram autorização para que fossem alteradas as condições de um determinado depósito a prazo, uma vez que o mesmo tinha vencido.

Passou a estar:

14) Em 22/11/2007, os autores foram contactados, via telefone, uma vez que se encontravam em ..., pelos funcionários do Banco, que lhe solicitaram autorização, uma vez que o depósito a prazo tinha vencido, colocar esse valor num produto melhor.

Onde estava:

16) Os autores acreditaram que se tratava de novo depósito a prazo e autorizaram a movimentação sugerida.

Passou a estar:

16) Os autores acreditaram que se tratava de um produto bom, semelhante a um depósito a prazo e autorizaram a movimentação sugerida.

Onde estava:

19) Nessa altura, os funcionários do réu asseguraram aos autores que o produto em causa tinha todas as características de um depósito a prazo.

Passou a estar:

19) Nessa altura, os funcionários do Banco transmitiram aos autores que o produto em causa tinha características semelhantes às de um depósito a prazo.

Onde estava:

20) Os funcionários do réu afiançaram aos autores que se tratava de aplicação segura e sem qualquer risco.

Passou a estar:

20) Os funcionários do Banco transmitiram aos autores que a aplicação era segura.

Onde estava:

22) Os autores ficaram absolutamente convencidos que estavam a aplicar as suas poupanças num produto integralmente garantido e sem qualquer risco, que o reembolso do capital investido estaria, sempre, assegurado.

Passou a estar:

22) Os autores ficaram convencidos que estavam a aplicar as suas poupanças num produto seguro e que o reembolso do capital era garantido.

Onde estava:

25) Os autores sempre procuraram aplicar as suas poupanças em produtos financeiros rentáveis, mas seguros e garantidos e foi isso que sempre transmitiram aos funcionários do réu, quando discutiam as soluções de investimento das suas poupanças, pedindo sempre que o seu capital fosse aplicado em depósitos a prazo.

Passou a estar:

25) Os autores procuraram aplicar as suas poupanças em produtos financeiros rentáveis, mas seguros e garantidos e. foi isso que sempre transmitiram aos funcionários do réu, quando discutiam as soluções de investimento das suas poupanças, pedindo que o seu capital fosse aplicado em conformidade.

Onde estava:

32) Na data do vencimento da obrigação SLN Rendimento Mais 2006, o montante de € 50.000,00 não foi pago aos autores, nem posteriormente.

Passou a estar:

32) Na data do vencimento da obrigação SLN Rendimento Mais 2006, em 9/5/16, o montante de € 50.000,00 não foi pago aos autores, nem posteriormente.

Além disso, foram eliminados do elenco dos factos provados os factos seguintes:

9) A “venda” das obrigações como se fossem um depósito a prazo constitui uma ordem expressa e direta da administração do réu, dirigida aos seus funcionários.

21) Asseguraram aos autores que o capital investido estaria integralmente garantido, à data do vencimento, sem qualquer limite ou condição, e que, em qualquer circunstância, os autores sempre receberiam o valor investido, na data de vencimento do produto, que estava programado para 09 de maio de 2016.

28) Por nenhuma forma ou em alguma vez, mesmo depois de se terem apercebido que não se tratava de um depósito a prazo, foi transmitido aos autores que o risco do produto subscrito fosse exclusivamente de uma entidade terceira e relativamente ao qual o réu não assumia qualquer responsabilidade pelo respetivo cumprimento, nem os réus tinham conhecimento dessa circunstância.

29) Se os autores tivessem conhecimento atempado de que aquele produto não tinha capital garantido, nunca consentiriam na sua subscrição.

36) O réu tinha consciência de que os autores julgavam que o produto tinha o capital garantido, como se de um depósito a prazo se tratasse.

38) O réu induziu os autores a pensar que a subscrição daquele produto constituía uma operação financeira sem riscos e garantida, bem sabendo que assim não era.

Mas não está – nunca pode estar – em causa, nesta sede, a extensão ou o alcance da alteração; aquilo que está – pode estar em causa – é o procedimento adoptado pelo Tribunal para levar a cabo a alteração, designadamente a motivação do Tribunal.

Ora, veja-se o que se expõe, com relevância para todas estas alterações, no Acórdão recorrido:

O autor - AA - nas suas declarações de parte referiu:

É cliente antigo do BPN, cliente do Banco há 20/25 anos, continua a ser cliente, agência de ....

Foi emigrante em ... (emigrou em 1972).

Quando isto sucedeu estava em ....

Teve vários gestores de conta.

Na altura o seu gestor era CC.

"Estava em ... e um dia eles chamaram para lá, não sei quê que havia uma coisa que era bom - 5 anos e ele disse faz lá.

Eles depois fizeram isso a 10 anos sem que ele tivesse autorizado..

Foi o CC quem ligou dizendo-lhe que era um bom produto, rendia mais do que um depósito a prazo, dava bons juros, tendo-lhe dito: tá bem, faz lá isso.

Não se lembra se o CC lhe explicou ou não.

Na conta tinha valores depositados - depósitos normais, depósitos a prazo, tendo sabido mais tarde que tinha obrigações BPN/2008.

Não se lembra de ter assinado nada depois do telefonema.

As laas são de 2007 e as 2as de 2008.

Em 2016, disse que queria levantar o dinheiro e eles disseram-lhe que o não podia fazer porque a conta estava bloqueada e ele disse "tá bem" e que tinha que esperar 10 anos.

Viu o que estava escrito nos papeis, eles nunca lhe disseram mais nada.

Nunca gostou de fazer aplicações a mais de um ano.

Mais tarde, disseram-lhe que era uma aplicação a 10 anos e ele não perguntou mais nada.

Soube, mais tarde, por intermédio do seu advogado, que a sociedade foi declarada insolvente, reclamou o crédito e até hoje nada recebeu.

Aquando do telefonema pensou que era um depósito normal, uma conta a prazo no Banco.

Estes € 50.000,00, estavam numa conta a prazo no BPN, conta com cerca de € 72.000,00, eles retiraram esse montante e ficou lá o remanescente.

Na altura do telefonema não perguntou que produto era; confiava no seu gestor CC, confiava no gerente, confiava em todos os funcionários do Banco.

Desconhece o que seja uma Obrigação.

Foi confrontado com doe. de fls. 44.

Da leitura dos extractos sabia que tinha obrigações, não fazia ideia do que era aquilo, não sabia o que aquilo queria dizer.

Quando se apercebeu que não podia levantar o dinheiro foi falar com o advogado.

Esta situação fez-lhe mal à cabeça, deu-lhe cabo da cabeça, é o dinheiro das suas economias (taxista em ...).

Não tinha fundos imobiliários.

Reclamou o dinheiro (BPN), ao fim de 10 anos, só soube da insolvência da sociedade através do seu advogado, desconhece se reclamaram ou não o dinheiro, ninguém o informou de nada.

A testemunha (comum) CC, empregado bancário, na agência de ..., trabalha para o Banco, desde 2003, tem uma relação próxima com os autores, o autor conhece-o desde criança, mencionou que:

As obrigações foram oferecidas ao autor através do endosso de outro cliente (DD) que as detinha, ficando o autor com essa posição (posição SLN).

Tem ideia de ter falado sobre isto ao autor (endosso).

Foi ele quem contactou o autor, via telefónica, tendo em conta as características e historial do produto, para ficar com a posição, aconselhado a subscrevê-la.

O que transmitiu ao autor, sobre as características do produto foram: o produto era em tudo semelhante a um depósito a prazo, tinha uma taxa fixa garantida, um prazo de maturidade fixado, juros de 6 em 6 meses e no fim do prazo o seu valor era reembolsado (ao cliente).

Na altura, não conhecia directamente o produto, tem ideia que o prazo era a 10 anos.

O produto foi apresentado ao autor, emigrante, vinha 1/2 vezes a Portugal, por ser um bom produto (também ofereceram a outros clientes), tinha uma boa rentabilidade.

O perfil do autor era conservador, gosta de se sentir confortável onde está, não corre os Bancos à procura.

O produto apresentado ao autor tinha uma grande procura e era agradável.

Desconhece se o autor assinou alguma documentação.

O Banco facilitava com as pessoas com quem tinha mais confiança, a assinatura podia ser feita a posteriori (confiança e proximidade existente).

Mais tarte, o autor pediu-lhe a liquidação do dinheiro, mas a como a maturidade era a 10 anos não pode liquidar.

O autor não tinha consciência da maturidade.

Pensa que lhe entregaram um prospecto informativo.

Aquando da comercialização do produto lembra-se que havia alguma pressão para a sua venda - produto semelhante, em tudo idêntico a um depósito a prazo/rendibilidade - e as pessoas aceitavam.

Atingida a maturidade, vencimento do prazo, face à situação do BPN não liquidou a dívida aos clientes, aguardavam informações da SLN para procederem à liquidação.

A informação era escassa, não havia nada de muito concreto para informar os clientes.

Não havia grande informação sobre o produto, tudo isto estava relacionado com a SLN.

Esta situação causou ansiedade, sofrimento e transtorno ao autor, nunca tinha tido qualquer problema e agora não podia levantar o dinheiro.

Sabe que o autor inicialmente foi trabalhar na construção civil e depois como taxista.

O valor de € 50.000,00 é muito importante para o autor, corresponde a muitos anos de poupança.

Aconselhava o autor, com base na confiança existente, a colocar o seu dinheiro num Fundo de Tesouraria do Banco, por exemplo: rentabilidade diária/ liquidação imediata, e o autor face ao seu conselho, ia fazendo.

O Fundo de Tesouraria, utilizado na tesouraria corrente do Banco - o grau de risco era praticamente nulo, ganham juros ao dia e a qualquer momento pode ser liquidado

Talvez o autor tenha subscrito Fundos Investimento, Obrigações não.

Não explicou ao autor o que eram as Obrigações, ele própria não tinha conhecimento de que eram obrigações subordinadas, nr fundos de

A testemunha EE (arrolada pelos autores), Director-Comercial, foi funcionário do BPN, agência de ..., exercendo as funções de sub-gerente, desde Junho de 2002 a 14/3/2007, conhece o autor por força do exercício das suas funções, referiu que:

O autor, cliente do Banco, foi para a agência de ... em virtude das relações que tinha com CC, que o autor conhece desde criança (vizinhos).

O autor era emigrante, aforrador, já tinha várias poupanças no Banco.

Teve conhecimento da situação relacionada com as obrigações SLN - cessão da posição contratual de um cliente (aplicação) para o autor.

Pensa que quem fez o contacto foi o CC - contacto telefónico porque o autor estava em ... (emigrante) e deslocava-se ao país 1/2 vezes por ano.

Pensa que na altura o autor nada assinou face à sua situação de emigrante e o contacto ter sido telefónico.

Sabia que era um produto (obrigações SLN) que foi colocado com a garantia de retorno do investimento e rentabilidade de juros, a 10 anos, com possibilidade de endosso.

Sabia que o produto foi subscrito em 2006, havia muito mais gente a subscrever o produto que a oferta do mesmo.

Era um produto do Banco, era melhor que um depósito a prazo, com possibilidade de endosso e os juros eram de valor superior aos do depósito a prazo.

Até 2008, nunca passou pela cabeça a nenhum funcionário do Banco que isso iria entrar em incumprimento.

Sabe que o autor continua a ser cliente do Banco e com esperança de reaver o seu dinheiro.

O autor fez a aplicação por via de uma garantia que lhe foi transmitida por quem estava no Banco.

É evidente que o autor aplicando € 50.000,00, das suas poupanças, de vários anos, está preocupado e desconfortável com esta situação[19].

Exposto isto, conclui o Tribunal:

Tendo-se procedido, na íntegra, à audição das testemunhas, às declarações de parte, e observado os documentos juntos e o acordo das partes no respeitante ao vencimento das Obrigações, altera-se a redacção dos factos provados e impugnados e ainda o facto 32 (…) e que “[o]s Factos Provados sob os n°s 9, 21, 28, 29, 36 e 38 devem ser dados como Não Provados”.

Equacionou-se atrás a hipótese de os recorrentes considerarem a alteração da decisão sobre a matéria de facto estava insuficientemente justificada. Ora, apesar de a motivação exposta para a alteração e a eliminação de cada um dos factos alterados não ser individualizada e a motivação comum não ser, de facto, muito desenvolvida, não poderá considerar-se que falte justificação para a alteração ou sequer que esta seja insuficiente.

No que respeita, em particular, ao cumprimento do preceituado no artigo 662.º do CPC, o que importa é que a decisão de alteração não seja arbitrária ou  completamente destituída de motivação, ou seja, pela positiva, que o Tribunal tenha, visivelmente, ponderado seriamente os meios de prova, designadamente os meios de prova sujeitos à sua livre apreciação, procedido à sua análise crítica e formado uma convicção própria, ainda que distinta da do Tribunal de 1.ª instância, e dado a conhecer os fundamentos que o conduziram à decisão.

Verificando-se que o Tribunal recorrido respeitou estas exigências, não é possível dizer que ele tenha feito um “mau uso” ou um uso indevido (insuficiente ou excessivo) dos poderes que lhe são atribuídos na norma do artigo 662.º do CPC.

Como se disse antes, é tão-só esta apreciação que cumpre fazer, já que não assiste a este Supremo Tribunal de Justiça o poder de controlar a “bondade” da alteração da decisão sobre a matéria de facto ou de ajuizar a valoração da prova que foi realizada.

3. Da alegada responsabilidade do Banco réu pelos danos causados aos autores

Respondidas as anteriores questões, resta analisar esta última.

O Tribunal recorrido negou a responsabilidade do Banco réu com fundamento na inverificação do pressuposto da ilicitude.

Afirma-se, a final, no Acórdão recorrido, sobre esta questão:

“(…) tendo em atenção, os factos apurados e os arts. citados, entendemos não ser possível imputar ao Banco réu a violação do dever de informação que sobre si impendia ou que não tenha observado os ditames impostos pela boa-fé, de acordo com os padrões de diligência, lealdade e transparência exigíveis.

Na verdade, apesar de ter transmitido aos autores que o produto era um produto de capital garantido, em tudo semelhante/idêntico a um depósito a prazo, com rentabilidade assegurada, pagamento de juros e reembolso de capital, tal não se subsume, sem mais, a violação do dever de informação.

Na altura da celebração do contrato, a probabilidade da SLN não cumprir era muito semelhante à do Banco, tendo em conta a estrutura accionista de então, ou seja, o Banco transmitiu ao autor as informações de que dispunha à época e tudo apontava para que o investimento fosse rentável, nada fazia antever o que depois sucedeu, quer em termos de mercado financeiro internacional, quer da concreta instituição financeira emitente das obrigações e do próprio Banco (BPN- défault).

Neste contexto, entende-se que a expressão "capital garantido" apenas pode significar que, à data do vencimento, o reembolso seria feito pelo valor investido/valor de subscrição, nada permitindo afirmar que as partes tivessem acordado uma garantia "absoluta" de cumprimento, no final do período de maturidade do produto financeiro, estando, de resto arredadas, das funções habituais dos intermediários financeiros o compromisso de reembolsar os clientes pelos investimentos efectuados em produtos emitidos por outrem.

Assim, não tendo os autores demonstrado, de tal tendo o ónus (art. 342/1 CC) que a conduta do réu foi ilícita (violou o dever de informação), nenhuma responsabilidade pode ser assacada ao Banco réu.

Em face da inexistência de um dos pressupostos da responsabilidade civil prejudicada fica a apreciação dos demais”.

Com relevância para a questão em apreço, o Acórdão de Uniformização de jurisprudência n.º 8/2022, de 6 de Dezembro de 2021, esclarece que:

1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro — que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em "produtos de risco" — informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o "reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco"), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM”.

Significa isto que o intermediário financeiro tem o dever de informar “com clareza, lealdade e transparência os clientes acerca dos elementos caracterizadores dos produtos financeiros propostos para que os investidores possam tomar uma decisão de investimento esclarecida (artigo 7.º do CVM), sendo que a informação deve ser mais aprofundada quanto menor for o conhecimento do investidor […]”.

Entre os corolários do dever de informar estão os de que o intermediário financeiro deve comunicar ao cliente-investidor as características das obrigações e, em particular, as características das obrigações subordinadas[20] e os riscos da sua subscrição [21]; deve dar-lhe conta de que a remuneração e a restituição do capital investido depende sempre da solidez financeira da entidade emitente[22]; de que o banco não está obrigado a remunerar ou a restituir o capital investido, “com capitais próprios[23]; de que não há nem fundo de garantia nem “mecanismos [alternativos] de proteção contra eventos imprevisíveis”; de que o cliente-investidor não poderá levantar o capital quando quiser[24]; e de que tem uma relação de dependência com a entidade emitente, “na medida em que possa estar em causa um potencial conflito de interesses[25].

É conveniente salientar que estes constituem apenas factores relevantes para aferir do cumprimento dos deveres de informação do intermediário e não exactamente requisitos cumulativos daquele cumprimento. Quer dizer, noutra perspectiva, que não basta que o intermediário financeiro falhe a prestação de uma destas informações para ser possível concluir que ele incumpriu os seus deveres; é preciso que, globalmente considerada, a informação prestada pelo intermediário financeiro se revele insuficiente para que o cliente tomasse uma decisão de investimento esclarecida.

Ora, perscrutando atentamente o elenco de factos provados, verifica-se que, por força da alteração da decisão sobre a matéria de facto levada a cabo pelo Tribunal recorrido, foram excluídos factos que seriam importantes para a prova da ilicitude. Trata-se, sobretudo, os antigos factos provados 21), 28), 36) e 38) [cfr., agora, respectivamente, factos não provados n), o) q) e r)].

Deles resultaria que:

- foi assegurado aos autores que o capital investido estava integralmente garantido, à data do vencimento, sem qualquer limite ou condição, e que eles receberiam, em qualquer circunstância, o valor investido

- nunca foi transmitido aos autores que o risco do produto subscrito era exclusivamente de uma entidade terceira e relativamente ao qual o réu não assumia qualquer responsabilidade pelo respetivo cumprimento, nem os réus tinham conhecimento dessa circunstância;

- o réu tinha consciência de que os autores julgavam que o produto tinha o capital garantido, como se de um depósito a prazo se tratasse; e

- o réu induziu os autores a pensar que a subscrição daquele produto constituía uma operação financeira sem riscos e garantida, bem sabendo que assim não era.

Ainda assim, não se acompanha a posição do Tribunal recorrido que, sem hesitação ou até com firmeza, nega o incumprimento dos deveres de informação.

Julga-se que os factos provados restantes são, apesar de tudo, suficientes para dizer que o intermediário financeiro cumpriu defeituosamente os seus deveres de informação.

Atente-se, sobretudo, nos factos  provados 7), 8), 14), 15), 19), 20), 22), 25), 26), 27) 37) e 39).

Deles resulta, no essencial, que:

- o réu comercializou o produto junto dos autores, transmitindo a informação de que o mesmo era um investimento seguro e que o capital investido era garantido, dispondo de características semelhantes de um depósito a prazo no que concerne à taxa fixa, pagamento de juros e reembolso de capital.

- o réu não informou os autores que se tratava da aquisição de obrigações que não dispunham de garantia de retorno do capital investido nem lhe entregou qualquer prospeto ou ficha técnica do produto, sabendo que os autores eram meros aforradores com o perfil de investidores conservadores, e queriam que o seu capital fosse investido em conformidade.

Mas, ainda que se concluísse pela prova da ilicitude, a verdade é que as coisas não se alterariam pois sempre continuaria a faltar a prova do nexo de causalidade.

As dúvidas acerca dos parâmetros probatórios do nexo de causalidade no domínio da responsabilidade civil do intermediário financeiro ficaram resolvidas no AUJ n.º 8/2022 (ou seja, a decisão proferida no referido Proc. 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A e já transitada em julgado), da seguinte forma:

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir”.

Também este ónus da prova de cabia aos autores.

Sucede que, depois da eliminação do facto provado 29) e a sua relegação para o elenco dos factos não provados [cfr. factos não provado p)], não pode dar-se como provado – deve dar-se como não provado – que, se os autores tivessem conhecimento atempado de que aquele produto não tinha capital garantido, nunca consentiriam na sua subscrição.

Como se sabe, os requisitos da responsabilidade civil são cumulativos. A falta de um deles, é inevitável que a pretensão dos autores não pode vingar.


*

III. DECISÃO

Pelo exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se o Acórdão recorrido.


*

Custas pelos recorrentes.


*

Lisboa, 19 de Janeiro de 2023

Catarina Serra (Relatora)

Rijo Ferreira

Cura Mariano

______

[1] Alterado pela Relação.
[2] Alterado pela Relação.
[3] Dado como não provado pela Relação.
[4] Alterado pela Relação.
[5] Alterado pela Relação.
[6] Alterado pela Relação.
[7] Alterado pela Relação.
[8] Dado como não provado pela Relação.
[9] Alterado pela Relação.
[10] Alterado pela Relação.
[11] Dado como não provado pela Relação.
[12] Dado como não provado pela Relação.
[13] Alterado pela Relação.
[14] Dado como não provado pela Relação.
[15] Dado como não provado pela Relação.
[16] Partilha-se a expressão usada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.07.2015, Proc. 284040/11.0YIPRT.G1.S1 (disponível em http://www.dgsi.pt).
[17] Sobre isto cfr., entre muitos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.02.2016, Proc. 907/13.5TBPTG.E1.S1, e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.05.2019, Proc. 156/16.0T8BCL.G1.S2, relatado pela presente relatora.
[18] Cfr., neste sentido, por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.10.2009, Proc. 1834/03.0TBVRL-A.S1.
[19] Sublinhados nossos, dirigidos a destacar a prova testemunhal assinalada pelo Tribunal recorrido.
[20] Da fundamentação do AUJ n.º 8/2022 consta que “o intermediário financeiro deve esclarecer o cliente (investidor) no que consistem as "obrigações subordinadas", isto é, informar que, em caso de insolvência do emitente, os obrigacionistas apenas serão reembolsados depois dos demais credores de dívida não subordinada”.
[21] Da fundamentação do AUJ n.º 8/2022 consta que “compete ao intermediário financeiro o dever de esclarecer sobre as reais características das obrigações e sobre os riscos que a operação envolve (mesmo sem olvidar que nos depósitos bancários também há o risco de insolvência da entidade depositária, mas esse risco sempre é atenuado pela existência do Fundo de garantia de devolução de depósitos, pelo menos, parcialmente)”.
[22] Da fundamentação do AUJ n.º 8/2022 consta que “[se exige] que o intermediário financeiro preste uma informação detalhada e verdadeira sobre o tipo de investimento que propõe ao investidor, designadamente, dando-lhe conta de a restituição, quer do montante investido, quer dos juros contratados depender sempre da solidez financeira da entidade emitente e que não há fundo de garantia nem mecanismos de proteção contra eventos imprevisíveis”.
[23] Da fundamentação do AUJ n.º 8/2022 consta que “[i]sto significa que o intermediário financeiro deve informar o investidor que o risco de não retorno do capital investido corre por conta do cliente (investidor), não estando o Banco obrigado a restituir-lhe o valor investido nem a pagar-lhe os juros respetivos, com capitais próprios, tendo sempre em mente que para certo tipo de cliente (investidor) a garantia do reembolso do capital investido é essencial”.
[24] Da fundamentação do AUJ n.º 8/2022 consta que o intermediário financeiro deve “informar o cliente que não poderá levantar o capital e respetivos juros quando assim entender, tornando claro o sentido do endosso como mecanismo de transmissão — desmobilização do investimento — do produto”.
[25] Dado que a operação de endosso através da qual o capital dos autores foi aplicado na aquisição das obrigações subordinadas teve lugar em 22.11.2007 (cfr. facto provado 18), poderia equacionar-se a aplicação do DL n.º 357-A/2007, de 31.10, em vigor desde 1.11.2007. Este diploma (depois rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 117-A/2007, de 28.12) introduziu alterações ao CVM, designadamente em tema de deveres de informação do intermediário financeiro. Mas a solução não se alteraria. Como se diz no Acórdão desta 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça de  30.11.2022 (Proc. 1558/17.0T8LRA.C1.S1), este diploma “mais não veio, afinal, fazer do que densificar tais deveres de informação (tornando-os mais claros e completos), densificação essa determinantemente impulsionada pela Directiva n.º 2004/39/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril (que aquele diploma veio transpor para a ordem jurídica interna), relativa aos mercados de instrumentos financeiros”. Quer dizer: que “as alterações ao CVM que aquele DL nº 357-A/07, de 31-10, veio trazer não são de molde a interferir nos princípios e fundamentos que justificaram tal Uniformização Jurisprudencial”.