Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
29/04.0TBAFE.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS
Descritores: RESPONSABILIDADE
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 11/29/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
Doutrina: - Antunes Varela, “in” RLJ 123/191.
- Rute Teixeira Pedro, A Responsabilidade Civil do Médico, 2008, p. 227 e ss..
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 4.º, 494.º, 496.º, N.º3, 497.º, N.º2, 500.º, N.º3, 566.º, N.º3.
Sumário :
- Na “perda de chance”, podem englobar-se as situações em que um sujeito se encontra num estado que lhe propicia a possibilidade de alcançar um determinado resultado favorável e em que, por virtude de um comportamento de um terceiro, essa possibilidade fica irremediavelmente perdida.

- O “quantum” da indemnização deve corresponder ao valor da utilidade económica que seria alcançada com a verificação do resultado final, reduzida em proporção de um coeficiente que traduza o grau de probabilidade de o alcançar.

- Na inoperância de tal critério, há que utilizar a equidade, nos termos do nº3 do artigo 566º do Código Civil.

- Há também que ter em conta que estamos perante um dano autónomo,  de um dano presente,  de um dano emergente e não de um lucro cessante e de um dano certo.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

No Tribunal Judicial da Comarca de Alfandega da Fé, AA intentou a presente ação declarativa sob a forma ordinária contra a Associação dos Profissionais da Guarda, a Dr.ª BB e o Dr. CC.

 Pediu

 a condenação destes no pagamento duma importância nunca inferior a 250.000,00 €, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros.

Alegou, em resumo, que

- se candidatou a um curso de formação de Praças da GNR, conseguindo aprovação e inclusão;

- após o que, depois do estágio, foi colocada como Soldado de Infantaria, em Setembro de 2000, em Alhandra, onde desenvolveu a sua atividade;

- até que, por razões de saúde, se ausentou por baixa médica, vindo a ser notificada duma deliberação proferida pela Junta Superior de Saúde que a considerou incapaz para todo o serviço da GNR em 10/10/2001, deliberação homologada pelo Comando Geral da GNR em 19/09/2001;

- por se não conformar com tal deliberação, recorreu aos serviços da Associação dos Profissionais da Guarda (1ª ré) para que lhe fosse prestado apoio jurídico, o qual lhe veio a ser prestado pela Dr.ª BB (2ª ré), advogada avençada da 1ª ré, a qual intentou recurso direto de anulação da decisão do Comandante Geral da GNR junto do Tribunal Central Administrativo (Lisboa);

- processo esse em que foi proferido despacho a declarar a incompetência do tribunal para apreciar e decidir a questão, a qual (competência) caberia ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (mencionando-se expressamente na decisão que o processo poderia ser aproveitado nos termos do art.º. 4º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos);

- tal despacho foi notificado à segunda ré em 17/06/2003, sendo que só em 23/10/2003 foi apresentado requerimento subscrito já pelo Dr. CC, 3º réu, a solicitar a remessa do processo ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (sendo junto com tal requerimento substabelecimento passado a esse advogado pela 2ª ré);

- requerimento este que veio a ser indeferido por terem sido ultrapassados os prazos legais;

- o que determinou que o referido processo tivesse terminado sem que o tribunal se tivesse pronunciado sobre a legalidade da decisão que a autora impugnava;

- frustrou-se, assim, a sua legítima expectativa de ver judicialmente apreciada a sua pretensão, imputando essa responsabilidade aos réus, considerando que tinha elementos que lhe permitiam alterar aquela decisão, sendo reincorporada na GNR se não fosse a omissão acima mencionada;

- especificando ainda os danos sofridos em decorrência da materialidade invocada.

Contestaram todos os réus.

- o Dr. CC, impugnou a materialidade alegada pela autora, refutando qualquer responsabilidade, argumentando ter iniciado funções de advogado da ré Associação dos Profissionais da Guarda no dia 1 de Outubro de 2003, quando já se mostrava decorrido o prazo para requerer o envio dos autos para o Tribunal Administrativo competente, tendo elaborado o requerimento a requerer essa remessa tão só pelo facto de a autora lho ter solicitado por volta do dia 15 de Outubro, sempre a informando de que o prazo já havia expirado há mais de 30 dias;

- a Dr. BB arguiu a ineptidão da petição inicial por manifesta contradição entre a causa de pedir e o pedido e a exceção da incompetência territorial do Tribunal, suscitando ainda o incidente de intervenção principal provocada da EE, SA e da FF Limited, seguradoras para as havia transferido a sua responsabilidade civil profissional, em consequência de erro, omissão ou negligência cometidos no exercício da sua atividade profissional, bem como suscitou o incidente de intervenção principal provocada de DD, funcionária que prestava apoio administrativo à co-ré APG, alegando ter sido esta quem se esqueceu do envio do requerimento a solicitar ao TCA a remessa dos autos de recurso ao TACL, impugnando ainda os factos alegados na petição inicial e concluindo pela improcedência da ação.

A autora replicou, pronunciando-se sobre as exceções invocadas por todos os réus e concluindo como na sua petição.

Admitidos os incidentes de intervenção de terceiros suscitados pela ré Dr.ª BB, e citadas as intervenientes, todas elas se apresentaram a contestar:

- a Companhia de Seguros Fidelidade- Mundial, SA, argumentando que o seguro apenas funcionava em caso de nulidade, anulabilidade, ineficácia ou insuficiência do seguro celebrado entre a ré e a interveniente FF Limited, além de que de acordo com o clausulado estariam excluídas da garantia as perdas e danos resultantes do não cumprimento de prazos, concluindo assim estar excluída a sua responsabilidade;

- a FF Lda., para lá de impugnar a matéria alegada pela autora, alegou que o capital seguro tem o limite, por sinistro e por agregado anual de sinistros, por segurado, de 100.000,00€, invocando ainda que os factos geradores da responsabilidade eram conhecidos pelos segurados desde pelo menos Setembro de 2003, e por isso há mais de três anos relativamente à data da vigência do início da apólice, donde resulta dever a reclamação considerar-se excluída da cobertura da apólice dado que não lhe foi comunicada a possibilidade destes factos e omissões poderem dar origem a uma reclamação e possível responsabilidade civil profissional;

- a DD impugnou os factos que baseiam o seu chamamento, alegando ser tão só funcionária da co-ré APG e nunca ter trabalhado com a ré Dr.ª BB, sendo esta quem se esqueceu de remeter ao tribunal o requerimento de remessa dos autos ao tribunal competente.

Findos os articulados, foi proferido despacho a remeter os autos às Varas Cíveis do Porto e, realizada audiência preliminar, foi elaborado despacho saneador, que afirmou a validade e regularidade da instância, e organizada a base instrutória.

Realizado o julgamento e decidida a matéria de facto controvertida foi, em 2011.02.24, proferida sentença que, considerando, na sua fundamentação jurídica, ser a interveniente EE, solidariamente responsável com a segunda ré, Dr.ª BB, apesar de não responder diretamente pela autora por esta ter dirigido o seu pedido apenas contra a ré, julgou parcialmente procedente a ação, condenando a ré Dr.ª BB a pagar à autora a quantia de 20.000,00 €, absolvendo do pedido os restantes réus.

Por se não conformarem com o decidido, no que exclusivamente concerne ao montante arbitrado na decisão recorrida, apelaram a interveniente Companhia EE, S.A. e a autora.

Em 2012.05.08, foi proferido acórdão pela Relação do Porto, em que se julgou improcedente a apelação da interveniente principal EE SA e se jugou parcialmente procedente a apelação da autora, fixando a indemnização a pagar pela ré BB à autora no valor global de 25.000,00 €.

Novamente inconformada, a autora deduziu a presente revista, apresentando as respectivas alegações e conclusões.

A recorrida não contra alegou.

Cumpre decidir.

As questões

Tendo em conta que

- o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº3 e 690º do Código de Processo Civil;

- nos recursos se apreciam questões e não razões;

- os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido

a única questão proposta para resolução consiste em saber qual o montante da indemnização que deve ser paga à autora pelos danos sofridos com a conduta omissiva da ré Dr.ª GG.

Os factos

São os seguintes os factos que foram dados como provados nas instâncias:

1º- A 1ª ré é uma associação socioprofissional que foi criada para defender os direitos e interesses dos seus associados, que são agentes da GNR, e o seu objeto tem entre outros fins, defender e promover os interesses dos associados no âmbito deontológico e socioprofissional – A;

2º- A 1ª ré coloca uma assessoria jurídica ao dispor dos associados para que as suas pretensões sejam satisfeitas e os seus legítimos interesses defendidos – B;

3º- A 2ª ré Dr.ª. BB tem a sua responsabilidade civil profissional transferida para a Companhia de HH, SA, através da Apólice nº 0000000 até ao limite máximo de 25.000,00€ por período seguro – C;

4º- E ainda, para a Companhia de Seguros FF LTD, através de Protocolo existente entre esta e a Ordem dos Advogados Portugueses, através da Apólice coletiva nº000000000000, que teve início em 1 de Janeiro de 2005, resultando da renegociação da apólice nº 000000000000, que teve o início da sua vigência em 1 de Janeiro de 2004, e tinha como capital seguro 50.000,00€, apólices que produziram efeitos, retroativamente, a 1 de Janeiro de 2002, sendo que o capital atualmente seguro, tem um limite, por sinistro e agregado anual de sinistros, por segurado, de 100.000,00€, com uma franquia geral de 1000,00€ por sinistro – D;

5º- A autora veio a ser notificada em 10/10/2001 do teor da deliberação proferida em 20/07/2001 pela Junta Superior de Saúde que a considerou incapaz para todo o serviço da GNR, deliberação essa homologada pelo Comando Geral da GNR em 19/09/2001 – E;

6º- Veio a ser elaborada e entregue uma reclamação, elaborada pelos serviços de apoio jurídico da 1ª ré e assinada pela autora, datada de 19/10/2001 para o Comandante Geral da GNR – F;

7º- Porque a decisão e ato final não lhe foi favorável, tendo aquela reclamação sido indeferida em 15/11/2001, notificada à autora em 23/11/2001 pelo oficio nº 000000 de 20/11/2001, a autora veio de novo a socorrer-se dos serviços da 1ª ré que por intermédio da sua advogada avençada, Dr.ª. BB, aqui 2ª ré, veio a intentar em 22/01/2002 junto do Tribunal Central Administrativo (TCA) em Lisboa o competente recurso direto de anulação da decisão do Comandante Geral da GNR, que correu termos sob o Processo nº 6027/02 da 1ª Secção da 1ª Subsecção – G;

8º- Após o normal percurso dos autos neste TCA, com resposta do recorrido e produção de alegações, veio a ser proferido despacho/sentença declarando a incompetência deste TCA para apreciar a questão em discussão nos autos, por Acórdão de 12/06/2003, notificado à 2ª ré em 17/06/2003 – H;

9º- No referido acórdão previa-se expressamente que a competência para tal era do Tribunal Administrativo do Circulo de Lisboa (TACL) e, já anteriormente se havia levantado a questão da competência do TCA, em razão da hierarquia, como questão prévia suscitada em despacho de fls. 108 dos autos pelo Exmº Magistrado do Ministério Público, notificado à 2ª ré em 06.03.2003 – I;

10º- Em 23/10/2003 veio a ser apresentado um requerimento subscrito pelo 3º réu, Dr. CC, no sentido de ser oficiosamente remetido para o TACL os autos e, junto com este requerimento se apresenta também um substabelecimento sem reserva emitido pela 2ª ré a favor do 3º réu datado de 20/10/2003 referente a estes autos – J;

11º- Tal requerimento foi indeferido por terem sido ultrapassados todos os prazos, através de despacho de 28/10/2003 – L;

12º- A interveniente DD é funcionária administrativa da 1ª ré, a quem exclusivamente exerce as suas funções na sua sede regional sita na Rua do ........., ...., ...º, sala 14, no Porto – M;

13º- A autora após a conclusão dos seus estudos secundários, candidatou-se a um curso de formação de Praças da Guarda Nacional Republicana (GNR), tendo conseguido a sua aprovação e respectiva inclusão no que foi ministrado em 1999/2000 em Aveiro – 1º;

14º- Após a finalização do mesmo, que tinha carácter eliminatório, veio a efetuar o seu estágio profissional de dois meses em Lever – Vila Nova de Gaia, também este com carácter eliminatório – 2º;

15º- Sujeitou-se a todo este percurso de profissionalização e qualificação para conseguir aptidão e categoria profissional como Soldado de Infantaria a que veio a ser atribuído o nº 0000000 e foi colocada em Setembro de 2000 em Alhandra, ao serviço da Brigada Territorial nº 2 – Grupo Territorial de Loures – 3º;

16º- Aí passou a desenvolver toda a sua atividade profissional auferindo no mês de Abril de 2001 a importância líquida de 689,23€ – 4º;

17º- No entanto, por manifestas razões de saúde, a autora teve de se ausentar do exercício das suas funções por baixa médica – 5º;

18º- Não se conformando com tal deliberação e porque era associada da 1ª ré para a qual pagava as respectivas quotas mensais descontadas diretamente no seu vencimento e constantes dos respectivos recibos de vencimento, dirigiu-se em data que não sabe precisar à sede daquela em Lisboa, sita na ................., nº ...., ....Direito, 1000-052, Lisboa, para poder ser informada dos seus direitos e da forma de reagir a essa deliberação – 6º;

19º- Ao que foi informada que tendo a 1ª ré uma Sede Regional no Norte, seria esta Regional que estaria em condições de lhe prestar todo o apoio jurídico e aconselhamento para fazer valer os seus direitos – 7º;

20º- Ali se tendo deslocado veio a contactar o Cabo Adjunto nº 00 de Cavalaria, Sr. C........, afeto à Brigada nº 4 do Porto, que a encaminhou nesse sentido – 8º;

21º- A 1ª ré pôs termo à avença ou prestação de serviços com a 2ª ré em meados de Setembro de 2003 – 10º;

22º- Após o mencionado no anterior facto 11º a autora ficou definitivamente afastada da carreira da GNR, que desejou – 11º;

23º- A autora aspirava a vestir uma farda e fascinava-a desempenhar funções de autoridade – 12º;

24º- Para tanto submeteu-se a testes e provas duras para a admissão na carreira na GNR – 13º;

25º- Teve a autora de se sujeitar ao afastamento de todo o agregado familiar que residia em Sendim da Serra para se deslocar para Aveiro e Vila Nova de Gaia para poder frequentar os cursos de formação de guarda da GNR – 14º;

26º- Teve de se sujeitar a sair da sua terra natal e exercer funções em Loures, tendo ali sido colocada depois de terminar a sua formação – 15º;

27º- Empenhou-se em entrar na carreira da GNR – 16º;

28º- A autora é uma pessoa nova, que pretendia fazer carreira na GNR para a qual se havia empenhado – 18º;

29º- Sentiu desgosto com o afastamento da GNR – 19º;

30º- Amigos e familiares viram o desgosto que a autora sentiu com tal situação – 20º;

31º- O 3º réu Dr. CC apenas iniciou as suas funções de advogado da 1ª Ré no dia 1 de Outubro de 2003 – 23º;

32º- O 3º réu elaborou e enviou o requerimento referido no anterior facto 10º em meados de Outubro, tendo solicitado o referido substabelecimento – 24º;

33º- O 3º réu informou a autora de que o prazo para requerer o envio dos autos para o TACL já havia expirado – 25º;

34º- O prazo para requerer a remessa dos autos de recurso supra referidos apenas terminava em 15/07/2003 – 27º;

35º- Logo que lhe foi pedido o substabelecimento a 2ª ré passou-o – 28º;

36º- Desde o início do ano de 2003 o atendimento dos associados da 1ª ré era efetuado nas instalações daquela, sitas à Rua do ........., nº ........., no Porto, onde ficaram os processos e toda a documentação, procedimento este que lhe foi imposto pela aqui 1ª ré – 31º;

37º- As funções exercidas pela funcionária DD compreendem o atendimento aos associados – 34º;

38º- A interveniente DD não trabalhou para a 2ª ré, que, ao tempo, era advogada avençada da 1ª ré – 35º;

39º- Até inícios de 2003 os associados da 1ª ré sempre e quando necessitavam de apoio jurídico deslocavam-se ao escritório da 2ª ré, sito no ... esqº do nº 00 da Rua Dr. ................, no Porto – 36º;

39º- Por sua vez, a 2ª ré sempre e quando - no cumprimento do seu contrato de avença - contestava uma nota de culpa, elaborava uma exposição, interpunha recurso, ou outra peça qualquer, ela própria sem sair do seu escritório redigia a aduzida peça, assinava-a, preenchia o impresso de registo e entregava-a na estação dos CTT e mais tarde apresentava na sede regional da 1ª ré os talões de registo, a fim de receber as importâncias que despendia com o correio – 37º;

40º- A 2ª ré recebeu no seu escritório a notificação do TCA – 38º.

Os factos, o direito e o recurso

Conforme se refere no acórdão recorrido, não foi questionada nas apelações interpostas a existência do dever de indemnizar a cargo da ré Dr.ª GG, sendo apenas censurada a decisão recorrida quanto aos montantes indemnizatórios.

Consequentemente, nesta revista, só essa questão pode ser apreciada, como, aliás, só essa questão é objeto das conclusões da autora recorrente.

Na sentença recorrida entendeu-se utilizar a figura de “perda de chance” para a determinação dos referidos montantes, entendendo-se que a indemnização não teria que corresponder ao montante que a autora poderia obter e não obteve no caso de merecimento da ação que ficou por apreciar judicialmente por virtude da omissão da recorrida Dr.ª GG, mas antes ao valor da oportunidade perdida com aquela falta de apreciação, que, utilizando-se a equidade, se considerou poder fixar-se em 20.000,00 €.

No acórdão recorrido, sufragando-se também a utilização daquela figura e o valor encontrado com base nela, entendeu-se, no entanto, que a autora deveria também ser indemnizada por danos da natureza não patrimonial, cujo montante se calculou em 5.000,00 €, fixando-se, assim, o montante global da indemnização em 25.000,00 €.

A autora recorrente entende que esse valor deve ser fixado em 60.000,00 €, sendo 45.000,00 € correspondente ao dano ocasionado pela “perda de chance” e 15.000,00 € pelo dano de natureza não patrimonial.

Vejamos, antes de mais, os factos com interesse para a questão:

- a ré Associação dos Profissionais da Guarda é uma associação socioprofissional que foi criada para defender os direitos e interesses dos seus associados, que são agentes da GNR, e o seu objeto tem, entre outros fins, o defender e promover os interesses dos associados no âmbito deontológico e socioprofissional;

- coloca uma assessoria jurídica ao dispor dos associados para que as suas pretensões sejam satisfeitas e os seus legítimos interesses defendidos;

- a autora veio a ser notificada em 10/10/2001 do teor da deliberação proferida em 20/07/2001 pela Junta Superior de Saúde que a considerou incapaz para todo o serviço da GNR, deliberação essa homologada pelo Comando Geral da GNR em 19/09/2001;

- veio a ser elaborada e entregue uma reclamação, elaborada pelos serviços de apoio jurídico da ré Associação, assinada pela autora, datada de 19/10/2001 para o Comandante Geral da GNR;

- porque a decisão e ato final não lhe foi favorável, tendo aquela reclamação sido indeferida em 15/11/2001, notificada à autora em 23/11/2001 pelo ofício nº 19.458 de 20/11/2001, a autora veio de novo a socorrer-se dos serviços da ré Associação que, por intermédio da sua advogada avençada, a ré Dr.ª BB, veio a intentar em 22/01/2002 junto do Tribunal Central Administrativo (TCA) de Lisboa o competente recurso direto de anulação da decisão do Comandante Geral da GNR;

- após o normal percurso dos autos neste TCA, com resposta do recorrido e produção de alegações, veio a ser proferido despacho/sentença declarando a incompetência deste TCA para apreciar a questão em discussão nos autos, por Acórdão de 12/06/2003, notificado à ré Dr.ª BB;

- no referido acórdão previa-se expressamente que a competência para tal era do Tribunal Administrativo do Circulo de Lisboa (TACL);

- em 23/10/2003 veio a ser apresentado um requerimento subscrito pelo réu Dr. CC, no sentido de ser oficiosamente remetido para o TACL de Lisboa os autos;

- tal requerimento foi indeferido por terem sido ultrapassados todos os prazos, através de despacho de 20.10.2003;

- após o mencionado despacho, a autora ficou definitivamente afastada da carreira da GNR, que desejou;

 - a autora após a conclusão dos seus estudos secundários, candidatou-se a um curso de formação de Praças da Guarda Nacional Republicana (GNR), tendo conseguido a sua aprovação e respectiva inclusão no que foi ministrado em 1999/2000 em Aveiro;

- após a finalização do mesmo, que tinha carácter eliminatório, veio a efetuar o seu estágio profissional de dois meses em Lever – Vila Nova de Gaia, também este com carácter eliminatório;

- sujeitou-se a todo este percurso de profissionalização e qualificação para conseguir aptidão e categoria profissional como Soldado de Infantaria a que veio a ser atribuído o nº 000000000 e foi colocada em Setembro de 2000 em Alhandra, ao serviço da Brigada Territorial nº 2 – Grupo Territorial de Loures;

- aí passou a desenvolver toda a sua atividade profissional auferindo no mês de Abril de 2001 a importância líquida de 689,23 €;

- no entanto, por manifestas razões de saúde, a autora teve de se ausentar do exercício das suas funções por baixa médica;

- a autora aspirava a vestir uma farda e fascinava-a desempenhar funções de autoridade;

- Para tanto submeteu-se a testes e provas duras para a admissão na carreira na GNR;

- teve a autora de se sujeitar ao afastamento de todo o agregado familiar que residia em Sendim da Serra para se deslocar para Aveiro e Vila Nova de Gaia para poder frequentar os cursos de formação de guarda da GNR;

- teve de se sujeitar a sair da sua terra natal e exercer funções em Loures, tendo ali sido colocada depois de terminar a sua formação;

- empenhou-se em entrar na carreira da GNR;

- a autora é uma pessoa nova, que pretendia fazer carreira na GNR para a qual se havia empenhado;

- sentiu desgosto com o afastamento da GNR;

- amigos e familiares viram o desgosto que a autora sentiu com tal situação.

Como vimos, está assente que a autora deve ser indemnizada pelo prejuízo que lhe foi causado pela perda da oportunidade de entrar na Guarda Nacional Republicana.

Levanta-se pois e apenas a questão da determinação do quantum reparatório por essa chamada “perda de chance”, em que se podem englobar as situações em que um sujeito se encontra num estado que lhe propicia a possibilidade de alcançar um determinado resultado favorável e em que, por virtude de um comportamento de um terceiro, essa possibilidade fica irremediavelmente perdida.

Rute Teixeira Pedro “in” A Responsabilidade Civil do Médico, 2008, páginas 227 e seguintes, aponta para uma solução em que o quantum da indemnização corresponderia ao valor da utilidade económica que seria alcançada com a verificação do resultado final, reduzida em proporção de um coeficiente que traduzisse o grau de probabilidade de o alcançar.

Ora, no caso concreto em apreço, não temos quaisquer elementos que nos permitam chegar a qualquer conclusão sobre aquela utilidade económica e este grau de probabilidade.

Na verdade, quanto à utilidade económica, apenas se sabe que a autora passou a desenvolver toda a sua atividade profissional na GNR, auferindo no mês de Abril de 2001 a importância líquida de 689,23 €.

Nada se sabe sobre o valor que a autora poderia ter obtido com a procedência da ação que não foi instaurada tempestivamente no tribunal competente.

E quanto ao grau de probabilidade de alcançar essa procedência, também nada se sabe, uma vez que não se pode afirmar, com absoluta segurança, qual o conteúdo da decisão judicial a proferir no processo que devia ser instaurada pela ré Dr.ª BB.

Sendo assim e na inoperância de tal critério, há que utilizar a equidade, nos termos do nº3 do artigo 566º do Código Civil.

Com a equidade procura-se a solução que parece mais justa, sem, no entanto, cair no livre arbítrio.

Há que ter em conta as especifidades do caso concreto, prescindindo de normas gerais e abstratas eventualmente aplicáveis.

Ora, no caso concreto em apreço e tendo em conta que estamos perante um dano autónomo, na medida em que se trata de  um dano diverso do dano decorrente da perda do resultado ocasionada pela não instauração da ação, de um dano presente, na medida em que a “chance” se perdeu no próprio momento em que a ré Dr.ª BB não instaurou tempestivamente a ação, de um dano emergente e não de um lucro cessante, na medida em que o que se perdeu foi a possibilidade da a autora poder continuar  na GNR, existente na altura em que a ação não foi proposta e de um dano certo, na medida em que se deu com assente a possibilidade da materialização daquele ingresso através da procedência da ação não instaurada – sobre a caracterização destes conceitos, ver II, na obra citada, a páginas 221 e seguintes – e utilizando-se aquele critério de razoabilidade e justiça inerentes a um juízo de equidade, entendemos fixar em 40.000,00 € o montante da indemnização que a autora tem direito pelo dano de natureza patrimonial da “perda de chance”.

Quanto ao dano de natureza não patrimonial, que também tem que se dado como assente, uma vez que a sua existência não foi aqui questionada pelas partes, apenas está aqui em causa o seu montante.

Como já ficou referido, no acórdão recorrido esse montante foi fixado em 5.000,00 €, pretendendo a recorrente que esse valor seja aumentado para 15.000,00 €.

O montante dos danos não patrimoniais deve ser fixado equitativamente – cfr. artigos 4º e 496º nº3 do Código Civil - sendo que o juízo de equidade, como já acima ficou referido, não pode ser entendido como qualquer arbitrariedade por parte de quem julga, mas como a procura da mais justa das soluções, sendo sempre a justiça do caso concreto.

O quantitativo a fixar há-de ser o bastante para contrapor às dores e sofrimentos ou, ao menos, a minorar de modo significativo os danos delas provenientes.

O dano especificamente sofrido de caracter não patrimonial a fixar equitativamente há-de ter sempre em conta o pressuposto ético que está na base da obrigação de indemnizar - que é o da sanção da conduta culposa do agente - cfr. arts. 494º, 497º nº2 e 500º nº3 do Código Civil e Antunes Varela “in” RLJ 123/191.

Atentemos em alguns factos dados como provados e com interesse para a questão:

- a ré Dr.ª BB foi julgada responsável pela não instauração da ação em que a autora pretendia impugnar a deliberaççao do Comado Geral de GNR de a considerar incapaz para todo o serviço;

- a autora aspirava a vestir uma farda e fascinava-a desempenhar funções de autoridade;

- para tanto submeteu-se a testes e provas duras para a admissão na carreira na GNR;

- empenhou-se em entrar na carreira da GNR;

- a autora é uma pessoa nova, que pretendia fazer carreira na GNR para a qual se havia empenhado;

- sentiu desgosto com o afastamento da GNR.

Face aos elementos referenciados, entendemos que pelos danos morais sofridos pela autora, os mesmos devem ser compensados com a quantia de 10.000,00 €.

A decisão

Nesta conformidade, acorda-se em julgar parcialmente procedente a revista e, assim, alterando o acórdão recorrido, em fixar em 50.000,00 € (cinquenta mil euros) a indemnização devida pela ré Dr.ª BB à autora.

Custas de acordo com o vencimento.

Lisboa, 29 de Novembro de 2012

Oliveira Vasconcelos (Relator)
Serra Baptista
Álvaro Rodrigues