Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA CLARA SOTTOMAYOR | ||
Descritores: | ADMISSIBILIDADE DE RECURSO RECURSO DE REVISTA REVISTA EXCECIONAL ALÇADA ACESSO AO DIREITO CONSTITUCIONALIDADE | ||
Data do Acordão: | 11/26/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC | ||
Decisão: | INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / PROCEDIMENTOS CAUTELARES / PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM / RECURSOS – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA. DIREITO FALIMENTAR – DISPOSIÇÕES INTRODUTÓRIAS / DISPOSIÇÕES GERAIS / RECURSOS. | ||
Doutrina: | - Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 14 ; Uniformização de Jurisprudência cível, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I, Coimbra Editora, 2013, p. 621; - Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma 2007, Coimbra Editora, 2009, p. 143; - Lopes do Rego, O direito fundamental do acesso aos tribunais e a reforma do processo civil, in Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, p. 764; - Miguel Teixeira de Sousa, anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2 de junho de 2015, Blog do IPPC (Instituto Português de Processo Civil), in https://blogippc.blogspot.com/2015/06/jurisprudencia-157.html; - Ribeiro Mendes, Direito Processual Civil, III - Recursos, AAFDL, Lisboa, 1982, p. 126; - Vital Moreira e António Vitorino, no Acórdão nº 65/88, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11, p. 653, e no Acórdão nº 202/90, id., vol. 16, p. 505. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 370.º, N.º 2, 629.º, N.º 2, ALÍNEA D) E 672.º, N.º 1, ALÍNEA C). CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGO 14.º, N.º 1. CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES (CEXP): - ARTIGO 66.º N.º 5. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 17-11-2015, PROCESSO N.º 3709/12.2YYPRT.P1.S1; - DE 04-07-2017, RECLAMAÇÃO N.º 224/08.2TBESP.1.P2-B.S1; - DE 14-05-2019, PROCESSO N.º 12/12.1TBGMR-F.G1.S2. -*- ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: - ACÓRDÃO N.º 458, IN APÊNDICE DR, DE 23-08-1983, P. 120; - ACÓRDÃO Nº 31/87, IN ATC, VOL. 9, P. 463; - ACÓRDÃO N.º 202/90; - ACÓRDÃO N.º 330/90; - ACÓRDÃO N.º 340/90, IN ATC, VOL. 17, P. 349; - ACÓRDÃO N.º 275/94; - ACÓRDÃO N.º 239/97; - ACÓRDÃO N.º 100/99; - ACÓRDÃO N.º 238/2002; - ACÓRDÃO N.º 39/2005; - ACÓRDÃO N.º 701/2005; - ACÓRDÃO N.º 83/2009; - ACÓRDÃO N.º 383/2009; | ||
Sumário : |
I - Só é admissível recurso de revista excecional, caso se verifiquem os pressupostos gerais atinentes ao valor da causa e à sucumbência.
IV - A jurisprudência do Tribunal Constitucional vem assumindo que a Constituição não impõe que o direito de acesso aos tribunais, em matéria cível, comporte um triplo ou, sequer, um duplo grau de jurisdição, apenas estando vedado ao legislador ordinário uma redução intolerável ou arbitrária do conteúdo do direito ao recurso de atos jurisdicionais, manifestamente inexistente nas normas do Código de Processo Civil relativas aos requisitos de admissibilidade do recurso de revista.
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Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I - Relatório
1. AA, Lda, ré e recorrente, identificada nos autos à margem referenciados, interpôs recurso de revista do acórdão da Relação de Coimbra, que julgou improcedente o recurso de apelação e manteve a decisão recorrida, ainda que com um fundamento distinto. Mais afirmou que o recurso de revista seria de admitir como revista excecional, ao abrigo do artigo 672.º, n.º1, al. c), do CPC, por o acórdão de que pretende recorrer estar em oposição com outro, no domínio da mesma legislação e que decidiu, de forma divergente, a mesma questão de direito, tendo para o efeito juntado acórdãos fundamento, proferidos pelos tribunais superiores. O Tribunal da Relação de Coimbra, classificando o caso como de dupla conformidade absoluta, não admitiu o recurso de revista excecional, por entender que se encontrava não verificado o requisito do valor da ação.
2. AA, Lda, tendo sido notificada do despacho de não admissão do recurso de Revista Excecional para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), veio dele reclamar, nos termos e para os efeitos do artigo 643.º do Código de Processo Civil (CPC), na medida em que se lhe afigura errónea a interpretação havida no que concerne à verificação dos pressupostos gerais de recorribilidade, designadamente à verificação do valor de ação para o efeito de apreciação de admissão de revista excecional.
Por decisão singular, datada de 2 de outubro de 2019, a Relatora indeferiu a reclamação e confirmou a decisão reclamada, com a seguinte fundamentação:
«A presente ação foi instaurada em 2017 e o acórdão recorrido data de 20 de fevereiro de 2019, já após a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho. Assim, o regime recursório aplicável aos presentes autos, no que respeita à interposição e alegação do recurso de revista, atenta a data em que foi proferido o acórdão recorrido, é já o do novo Código de Processo Civil, por força do princípio da aplicação imediata da lei processual. A reclamante interpôs recurso de revista, ao abrigo do artigo 671.º, n.ºs 1 e 3, do CPC, entendendo que não estão verificados os requisitos de dupla conformidade, por ter sido essencialmente diferente a fundamentação da sentença de 1.ª instância e do acórdão do Tribunal da Relação. Subsidiariamente, interpõe revista excecional, por o acórdão de que pretende recorrer estar em oposição com outro, proferido por alguma das relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686.º e 687.º do CPC, jurisprudência com ele conforme. O Tribunal da Relação entendeu que se verificava uma situação de dupla conformidade absoluta, pelo que não haveria fundamento para recurso do acórdão recorrido. Porém, uma vez que a recorrente invoca também o recurso de revista excecional, o Tribunal da Relação, ao verificar os pressupostos gerais de recorribilidade, entendeu que, tendo presente que o valor da ação, de montante equivalente ao valor do pedido – 16.510, 37 euros, acrescidos de juros de mora – é inferior à alçada do tribunal da Relação (30.000 euros), o recurso não é admissível. A reclamante discorda da decisão, invocando a norma do artigo 629.º, n.º 2, do CPC, segundo a qual «Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso», indicando, designadamente, as alíneas c) e d) da citada norma do CPC. Contudo, não tem razão. Na verdade, existe já uma jurisprudência sedimentada, neste Supremo Tribunal de Justiça, que interpreta as normas do CPC relativas ao recurso de revista excecional, como condicionando sempre a admissibilidade desta espécie de recurso aos requisitos gerais de admissibilidade do recurso de revista, inclusive ao requisito do valor e da sucumbência, mesmo nos casos de oposição de julgados.
Nestes termos, vide o Acórdão de 04-07-2017, Reclamação n.º 224/08.2TBESP.1.P2-B.S1 - 1.ª Secção, em cujo sumário se afirma que: «Só é admissível recurso de revista excepcional, caso se verifiquem os pressupostos gerais atinentes ao valor da causa e à sucumbência. II - Sendo o valor da causa (€ 28 481, 80) inferior à alçada do tribunal da Relação (€ 30 000), não é admissível recurso de revista, excepcional ou normal (art. 629.º, n.º 1, do CPC e o actual art. 44.º da LOSJ). III - A jurisprudência, designadamente a do TC, vem assumindo que, no nosso ordenamento jurídico, o direito de acesso aos tribunais, em matéria cível, não integra forçosamente um triplo ou, sequer, um duplo grau de jurisdição, apenas estando vedado ao legislador ordinário o estabelecimento do conteúdo do genérico direito ao recurso de actos jurisdicionais com uma redução intolerável ou arbitrária, arbitrariedade que não afecta, manifestamente, o disposto na norma do art. 629.º, n.º 1, do CPC».
No mesmo sentido o acórdão deste Supremo Tribunal, de 20-12-2017 (2841/16.8T8LSB.L1.S1), conclui o seguinte: «III- A lei processual civil consagra, quanto à admissibilidade de recurso, um regime que o faz depender, cumulativamente, do valor da causa (alçada) e do valor da sucumbência (da perda, do decaimento relativamente ao(s) pedido(s) formulado(s)), relevando, no entanto, apenas aquele, em caso de fundada dúvida sobre este. IV – No presente caso a Reclamante/Recorrente invoca a contradição do Acórdão recorrido com outros Acórdãos proferidos pelos Tribunais da Relação do Porto, Coimbra e Guimarães (art. 629º, nº 2, alínea d), do CPC). Sucede que, para além da existência da contradição de Acórdãos no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, o art. 629º, n.º 2, al. d), exige também que do Acórdão recorrido “… não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal…”. Nessa medida, a previsão do art. 629º, n.º 2, al. d), do CPC, não é aplicável ao caso sub judice, uma vez que o Acórdão recorrido não é passível de recurso ordinário justamente por causa da alçada do Tribunal e não por qualquer outro motivo legal estranho àquele requisito. V – O recurso de revista excepcional não constitui uma modalidade extraordinária de recurso, mas antes um recurso ordinário de revista, criado pelo legislador, na reforma operada ao Código de Processo Civil, com vista a permitir o recurso nos casos em que o mesmo não seja admissível em face da dupla conformidade de julgados, nos termos do art. 671º, nº 3, do CPC, e desde que se verifique um dos requisitos consagrados no art. 672º, nº 1, do mesmo Código. Por conseguinte, a sua admissibilidade está igualmente dependente da verificação das condições gerais de admissão do recurso de revista, como sejam o valor da causa e o da sucumbência, exigidas nos termos enunciados pelo nº 1, do art. 629º, do CPC.»
No mesmo sentido, veja-se, também, entre outros, o acórdão de 17-11-2015 (proc. n.º 3709/12.2YYPRT.P1.S1), onde se entendeu estar a admissibilidade do recurso de revista excecional baseado em oposição de acórdãos relativamente à mesma questão de direito ou em violação de jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal dependente do critério do valor da ação. Esta interpretação normativa está em conformidade com a Constituição, pois o artigo 20.º da CRP não impõe um segundo grau de recurso e admite, por razões de racionalidade, a estipulação pelo legislador ordinário de critérios de admissibilidade do recurso que tenham em conta o valor da ação. Também não é violado o princípio da igualdade, ínsito no artigo 13.º da CRP. As alçadas, bem como todos os mecanismos de 'filtragem' de recursos, originam desigualdades (partes há que podem recorrer e outras não), mas estas não se configuram como discriminatórias, já que todas as ações contidas no espaço de determinada alçada são, em matéria de recurso, tratadas da mesma forma. O legislador dispõe de margem de determinação para fazer prevalecer, em matéria de recurso para o Supremo, a racionalização do sistema judiciário, de forma a evitar que toda e qualquer questão possa ser submetida a um terceiro grau de jurisdição. A existência de limitações de recorribilidade, designadamente através do estabelecimento de alçadas (de limites de valor até ao qual um determinado tribunal decide sem recurso), funciona como mecanismo de racionalização do sistema judiciário, permitindo que o acesso à justiça não seja, na prática, posto em causa pelo colapso do sistema, decorrente da chegada de todas (ou da esmagadora maioria) das ações aos diversos 'patamares' de recurso. A interpretação adotada pelo Tribunal da Relação não fere assim qualquer preceito nem princípio constitucional».
3. Inconformada a reclamante, AA, Lda, veio, nos termos do artigo 652.º, n.º 3, do CPC, apresentar reclamação para a conferência, formulando alegações, que aqui se consideram integralmente reproduzidas, nas quais conclui que: «Não se compreende assim a não admissão do recurso interposto com sustento em não verificação do requisito do valor, que se afigura manifestamente ilegal, violando os princípios da legalidade, da igualdade, da realização da justiça, do acesso ao direito, e da certeza e segurança jurídica, plasmados na Constituição da República Portuguesa (CRP). Assim, e porque a lei directa e expressamente determina e prevê a derrogação do dito critério do valor, deve o recurso ser deferido/recebido e devidamente tramitado».
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentação
1. A reclamante defende que a orientação adotada na decisão singular, para além de não ser unânime, é contra legem, entendendo que o recurso de revista excecional é sempre admissível, independentemente do valor e da sucumbência nos casos das alíneas c) e d) do n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil. Afirma a reclamante que, não obstante existir uma corrente jurisprudencial no Supremo Tribunal de Justiça que procede a uma interpretação conjunta dos artigos 671.º, n.º1, 672.º, n.º 1, al. c), e 629.º, n.º 2, do CPC, no sentido de a admissibilidade da revista excecional estar sempre dependente da verificação dos requisitos da revista geral, designadamente do requisito da alçada, mesmo nos casos de contradição de acórdãos, esta interpretação viola a letra da lei e o seu espírito, bem como normas e princípios constitucionais designadamente os princípios da legalidade, da igualdade, da realização da justiça, do acesso ao direito, e da certeza e segurança jurídica, plasmados na Constituição da República Portuguesa (artigos 3.º, 13.º, 20.º e 266.º da CRP), bem como o princípio da separação dos poderes.
Contudo, não tem razão.
Na verdade, a orientação jurisprudencial agora impugnada reporta-se à redação atual das normas do Código de Processo Civil. As normas aplicáveis dispõem o seguinte:
Artigo 629.º Decisões que admitem recurso 1 - O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa. 2 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso: b) (…) c) (…) d) Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme. (realce nosso) 3 - (…) a) (…) b) (…) c) (…) Artigo 671.º Decisões que comportam revista 1 - Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos. 2 - (…) 3 - Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte. 4 - (…)
Artigo 672.º - Revista excecional 1 - Excecionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do artigo anterior quando: a) …. b) …. c) O acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.
A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem entendido que só é admissível recurso de revista excecional, baseado em oposição de acórdãos relativamente à mesma questão de direito ou em violação de jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal caso se verifiquem os pressupostos gerais atinentes ao valor da causa e à sucumbência (cfr., entre outros, Acórdãos de 04-07-2017, Reclamação n.º 224/08.2TBESP.1.P2-B.S1 e o acórdão de 17-11-2015, proc. n.º 3709/12.2YYPRT.P1.S1). A interpretação das normas relativas à admissibilidade do recurso de revista deve ser feita de forma conjugada e atendendo a todos os elementos de interpretação da teoria do direito. O reclamante baseia essencialmente a sua tese na letra do artigo 629.º, n.º 2, do CPC, na parte em que o legislador afirma “independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso”, sem a conjugar com a expressão constante da al. d) do n.º 2 do artigo 629.º, que se refere ao «motivo estranho à alçada», nem com a ratio das normas que definem os pressupostos do recurso de revista geral e do recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça, designadamente os artigos 671.º e 672.º do CPC. Ora, tal limitação assenta na ponderação dos requisitos de admissibilidade que estreita o acesso ao triplo grau de jurisdição da revista excecional, dirigida à uniformização de jurisprudência dos tribunais da Relação, com base no critério do valor da ação. Na verdade, o alcance amplo que a reclamante pretende dar ao artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC, determinaria uma incoerência teleológica no sistema de recursos, na medida que o recurso de revista ordinário, baseado na contradição entre acórdãos dos tribunais da Relação, não dependeria do critério do valor nem da sucumbência, enquanto o recurso de revista excecional para dirimir conflitos de jurisprudência, previsto no artigo 672.º, n.º 1, al. c), do CPC, estaria sujeito ao requisito do valor e da sucumbência como resulta das regras gerais do recurso. Contudo, o artigo 629.º, n.º 2, al. d), reporta-se, como vimos, apenas às matérias (e só a estas) que não admitem recurso por motivo estranho à alçada (por exemplo, como vimos, questões de insolvência e de expropriações), e que passam a admiti-lo quando haja conflito de jurisprudência entre acórdãos dos tribunais da Relação, não prescindindo a lei processual, interpretada no seu conjunto, do critério de recorribilidade do valor da ação e da sucumbência, nos termos do artigo 629.º, n.º 1, do CPC (cfr. O Acórdão de 14/05/2019, proc. n.º 12/12.1TBGMR-F.G1.S2, a propósito do artigo 14.º, n.º 1, do CIRE, e a jurisprudência nele citada, segundo a qual, em matéria de insolvência, o recurso por contradição de acórdãos não dispensa a verificação dos pressupostos gerais do valor da causa e da sucumbência em confronto com a alçada legal). «O artigo 20º, nº 1, da Constituição assegura a todos «o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos». Tal direito consiste no direito a ver solucionados os conflitos, segundo a lei aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência, e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade no que diz respeito à defesa dos respetivos pontos de vista (designadamente sem que a insuficiência de meios económicos possa prejudicar tal possibilidade). Ao fim e ao cabo, este direito é ele próprio uma garantia geral de todos os restantes direitos e interesses legalmente protegidos. Mas terá de ser assegurado em mais de um grau de jurisdição, incluindo-se nele também a garantia de recurso? Ou bastará um grau de jurisdição? A Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito ao recurso para um outro tribunal, nem em processo administrativo, nem em processo civil; e, em processo penal, só após a última revisão constitucional (constante da Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de setembro), passou a incluir, no artigo 32º, a menção expressa ao recurso, incluído nas garantias de defesa, assim consagrando, aliás, a jurisprudência constitucional anterior a esta revisão, e segundo a qual a Constituição consagra o duplo grau de jurisdição em matéria penal, na medida (mas só na medida) em que o direito ao recurso integra esse núcleo essencial das garantias de defesa previstas naquele artigo 32º. Para além disso, algumas vozes têm considerado como constitucionalmente incluído no princípio do Estado de direito democrático o direito ao recurso de decisões que afetem direitos, liberdades e garantias constitucionalmente garantidos, mesmo fora do âmbito penal (ver, a este respeito, as declarações de voto dos Conselheiros Vital Moreira e António Vitorino, respetivamente no Acórdão nº 65/88, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11, pág. 653, e no Acórdão nº 202/90, id., vol. 16, pág. 505). Em relação aos restantes casos, todavia, o legislador apenas não poderá suprimir ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer. Na verdade, este Tribunal tem entendido, e continua a entender, com A. Ribeiro Mendes (Direito Processual Civil, III - Recursos, AAFDL, Lisboa, 1982, p. 126), que, impondo a Constituição uma hierarquia dos tribunais judiciais (com o Supremo Tribunal de Justiça no topo, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional - artigo 210º), terá de admitir-se que «o legislador ordinário não poderá suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos» (cfr., a este propósito, Acórdãos nº 31/87, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 9, pág. 463, e nº 340/90, id., vol. 17, pág. 349). Como a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, pode concluir-se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática. Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões (…). O legislador ordinário terá, pois, de assegurar o recurso das decisões penais condenatórias e ainda, segundo certo entendimento, de quaisquer decisões que tenham como efeito afetar direitos, liberdades e garantias constitucionalmente reconhecidos. Quanto aos restantes casos, goza de ampla margem de manobra na conformação concreta do direito ao recurso, desde que não suprima em globo a faculdade de recorrer.». III - Decisão Pelo exposto, indefere-se a reclamação e confirma-se a decisão reclamada.
Custas pela reclamante.
Lisboa, 26 de novembro de 2019
Maria Clara Sottomayor (Relatora)
Alexandre Reis
Pedro de Lima Gonçalves
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