Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | SEBASTIÃO PÓVOAS | ||
| Descritores: | PROCEDIMENTO CAUTELAR COMPETÊNCIA MATERIAL | ||
| Nº do Documento: | SJ200703010046691 | ||
| Data do Acordão: | 03/01/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO | ||
| Decisão: | PROVIDO | ||
| Sumário : | 1) A instrumentalidade (hipotética ou actual) do procedimento cautelar implica a sua dependência da acção sem que, contudo, tenha de existir uma coincidência de pedidos. 2) Na lide cautelar busca-se reagir contra as consequências que o período de indecisão pode ter nos efeitos principais ou colaterais da indefinição do direito. 3) A competência material para a acção é que determina a do processo cautelar. 4) Sendo a medida preventiva requerida como preliminar da acção, a competência em razão da matéria deve aferir-se pela ponderação do pedido, e causa de pedir, desta, nos termos afirmados pelo requerente da medida cautelar. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: “P....com, SGPS, SA” agrava do Acórdão da Relação de Lisboa que, confirmando o despacho da 8ª Vara Cível da Comarca de Lisboa julgou procedente a excepção de incompetência absoluta – em razão da matéria – por entender ser competente para a providencia cautelar requerida o Tribunal de Comércio. Concluiu as suas alegações dizendo nuclearmente: - A competência material do tribunal não se afere pelos pedidos da providência cautelar mas pela competência material para a acção principal, como resultado da falta de autonomia daquela em relação a esta. - A pretensão do recorrente não é obter a eleição de um conselho de administração do “seu agrado” mas à abstenção de um comportamento por parte do 1º requerido ou que o tribunal lhe ordene que se abstenha de exercer o direito de voto com base num número de acções, até que o tribunal decida da validade do respectivo titulo aquisitivo. - Trata-se de antecipar uma declaração de nulidade, e seus efeitos, a pedir na acção principal. - Se a antecipação dessa tutela se prender com o exercício de direitos sociais, tal não significa que a providencia cautelar deva necessariamente ser requerida no tribunal de comércio, pois que a este lhe falta a competência para preparar e julgar a acção onde se discuta a declaração de nulidade do contrato de compra e venda de acções. Entender o contrário configuraria uma situação de denegação de justiça, pela impossibilidade de se assegurar a efectividade do direito ameaçado, o que é contrariado não só pelo artigo 20º nº5 da CRP como também tem expressão no artigo 2º do CPC. - Assim, o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 383º nº1 e 381º nº1 do CPC, por errónea interpretação, bem como o artigo 89º da LOFTJ, por errónea aplicação. - Assim, a providencia cautelar requerida que, com finalidade antecipatória, pretende que o tribunal obste a que se produzam mais efeitos, com prejuízo da recorrente, de um negócio jurídico cuja nulidade se pediu em acção principal, não pode deixar de se considerar como necessariamente conexa ou instrumental dessa acção principal, sendo irrelevante que as medidas que se pretende que sejam decretadas digam respeito ao exercício de direitos sociais. - Ao não entender assim, o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 381º nº1 e 383º nºs 1 a 3, 661º, a contrario, e 663º nº1 do CPC, bem como o disposto no artigo 289º nº1 do CC, por errónea interpretação e aplicação, tendo ainda contrariado o disposto no, hoje designado, acórdão de uniformização de jurisprudência, nº 4/95. Foram colhidos os vistos. A única questão a decidir é se a competência material para o procedimento cautelar tem necessariamente de coincidir com a da acção de que aquele é instrumental. Conhecendo, 1- Procedimento cautelar. 2- Competência material. 3- Conclusões. 1- Procedimento cautelar. São curiais algumas, ainda que breves, considerações sobre o conceito e estrutura do processo cautelar. As acções cautelares, por destinadas a prevenir a violação de um direito, foram, inicialmente, consideradas “actos preventivos ou preparatórios para algumas causas” (artigos 363º ss CPC 1876). Na dogmática jurídica, só após o Código de 1939 surgiram estudos de laboração doutrinal que conduziram à reforma de 1961, quando estes meios passaram a designar-se de procedimentos cautelares (cf. v.g. Prof. Alberto dos Reis, “A figura do Processo Cautelar”, BMJ 3-27 e “Natureza Jurídica dos Processos Preventivos e Conservatórios e seu sistema no CPC”, ROA, 1945, nºs 3 e 4 – 14 ss). No essencial são medidas destinadas “a garantir quem invoca a titularidade de um direito contra uma ameaça ou um risco que sobre ele paira, e que é tão iminente que o seu acautelamento não pode aguardar a decisão de um moroso processo declarativo ou a efectivação de um interesse juridicamente relevante através de um processo executivo, se for caso instaurá-lo.” (Prof. Adelino da Palma Carlos, in “Procedimentos Cautelares Antecipadores”, “O Direito”, 105, 236). São seus pressupostos a instrumentalidade (hipotética – por presuntiva da instauração da lide principal – ou real) o “periculum in mora”, caracterizado pela iminência de grave prejuízo causado pela demora da decisão definitiva e que ponha em risco o direito a acautelar, o “fumus boni júris”, ou a aparência da realidade do direito invocado, a conhecer através de um exame e instrução indiciários (a “summaria cognitio”). Trata-se de uma decisão interina destinada a aguardar a definição do direito no processo principal, logrando assim evitar que da indecisão derivem danos irreparáveis para uma das partes. Como escreveu Chiovenda “o poder jurídico de obter uma medida cautelar é uma forma de acção (acção asseguradora); e é pura acção, que não pode considerar-se acessória do direito garantido, porque existe como poder actual quando ainda não se sabe se o direito garantido existe.” (apud “Instituições”, I, 281, tradução espanhola). E, como refere Calamandrei “una decision antecipada y provisória del mérito.” (in “Instituzioni di Diritto Processuale Civile Secondo Il Nuovo Códice”, 2ª ed, 59). Como acima se acenou, a instrumentalidade (hipotética, ou actual – ou real) traduz-se na sua dependência de acção a intentar ou já pendente. E o apego da lide preventiva à principal (apensação; caducidade; inércia) deve ser analisado por ser o “punctum saliens” da decisão do caso em apreço. 2- Competência material. A dependência não prejudica a autonomia adjectiva e uma marcha própria, que, contudo, não afectam o cerne da acção principal. Tanto assim é que, por um lado, as decisões proferidas na lide cautelar não condicionam – ainda que a nível de caso julgado formal – a acção principal, são impugnáveis autonomamente, não dependendo os recursos delas interpostos, quer na tramitação, quer no conhecimento, do decidido na acção. Os objectivos são distintos, sendo, como se disse, escopo do processo cautelar o evitar o perigo da demora. A perfunctória apreciação de uma prova meramente indiciária, e tantas vezes sem contraditório prévio, afasta definitivamente a lide cautelar de toda a dogmática processual. Mas o requerente tem de alegar os factos que convençam que pode ser titular do direito (a pronúncia irá ser feita “sobre base de um mero juízo de probabilidade ou verosimilhança” (cf. Prof. A dos Reis, ob. cit., 57; é contudo diferente a opinião do Cons. Santos Silveira – in “Processos de Natureza Preventiva e Preparatória”, 145 – que exige “um juízo de certeza, embora baseado numa prova sumária”), já que é imperativa a alegação de factos que integram a causa de pedir. E tem ainda que alegar, clara e precisamente, qual a acção que vai propor (ou já intentou) do qual o procedimento é instrumental e o pedido a ali formular (ou formulado). Note-se que o pedido da providência cautelar e o da acção principal não têm de coincidir. A providência destina-se a paralisar um dos (eventualmente, vários e possíveis) efeitos da indecisão, o que pode não corresponder, precisamente, ao pedido formulado na acção. As consequências conexas, ou colaterais, da manutenção de certo “status quo”. Assim, e a titulo de exemplo pode requerer-se um procedimento cautelar comum a pedir que o requerido seja impedido de colher os frutos de determinada prédio, sendo que na acção se formulam os pedidos típicos da lide reivindicatória – declaração de domínio; condenação ao seu reconhecimento; condenação a entregar o prédio. Foi o que aconteceu no caso vertente em que o pedido formulado em sede cautelar consiste nuclearmente em limitar a participação da recorrida em assembleias gerais, já na acção principal é pedida a declaração de nulidade da compra e venda de acções – ou, subsidiariamente, a anulação – representativas do capital da sociedade a que se referem aquelas assembleias-gerais. O raciocínio lógico é que se a transmissão das acções está ferida de invalidade, a recorrida não pode participar nas deliberações sociais uma vez que não é titular da parte do respectivo capital. Dúvidas não há que para a acção de nulidade são competentes as Varas Cíveis. Já os Tribunais de Comércio são competentes para as acções relativas aos exercício de direitos sociais (artigo 89º nº1 c) da LOFTJ). Seriam, então, materialmente competentes tribunais diferentes para a lide principal e para a lide instrumental. Mas não pode ser. Por um lado, quer para a competência territorial (cf. Cons. Salvador da Costa, in “A injunção e as conexas acções e execuções”, 5ª ed, 2005, 47) quer para a competência material (cf. Des. Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, III, 3ª ed; “Procedimento Cautelar Comum”, 221 – nota – e 213) o tribunal é competente para decidir as medidas cautelares dela dependentes. (cf. v.g. Acórdão do STJ de 4 de Outubro de 2006 – 06S383). É o que resulta, claramente, da instrumentalidade geradora de similitude com os procedimentos incidentais e o disposto no nº1 do artigo 96º do Código de Processo Civil. Ademais, deve o processo cautelar ser apensado à acção principal (nº2 do artigo 383º CPC) logo que esta seja instaurada, sendo que, nos casos de instrumentalidade actual, deve ser instaurado no tribunal onde corre a acção (nº 3 do artigo 383º). Daí que o tribunal competente para o procedimento cautelar comum seja o da acção de que é instrumental e, quando requerido antes de instaurada essa lide, a competência material deve determinar-se face ao pedido, e causa de pedir, da acção, que devem ser alegados no requerimento da medida preventiva. Procedem assim os argumentos do agravante. 3- Conclusões. De concluir que: a) A instrumentalidade (hipotética ou actual) do procedimento cautelar implica a sua dependência da acção sem que, contudo, tenha de existir uma coincidência de pedidos. b) Na lide cautelar busca-se reagir contra as consequências que o período de indecisão pode ter nos efeitos principais ou colaterais da indefinição do direito. c) A competência material para a acção é que determina a do processo cautelar. d) Sendo a medida preventiva requerida como preliminar da acção, a competência em razão da matéria deve aferir-se pela ponderação do pedido, e causa de pedir, desta, nos termos afirmados pelo requerente da medida cautelar. Nos termos expostos, acordam dar provimento ao agravo julgando competente as Varas Cíveis da Comarca de Lisboa. Custas pela recorrida. Supremo Tribunal de Justiça, 1 de Março de 2007 Sebastião de Póvoas (relator) Moreira Alves Alves Velho |