Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04S3167
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUSA PEIXOTO
Descritores: RECURSO DE REVISTA
REQUERIMENTO
FUNDAMENTOS
ADMISSÃO DO RECURSO
REQUISITOS
Nº do Documento: SJ200506150031674
Data do Acordão: 06/15/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 9278/03
Data: 05/05/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: DECIDIDO NÃO TOMAR CONHECIMENTO.
Sumário : 1. Em regra, o recurso ordinário só é admissível, quando o valor da causa for superior à alçada do tribunal de que se recorre e quando, cumulativamente, a decisão impugnada for desfavorável para o recorrente em valor também superior a metade da alçada daquele tribunal.
2. Aquela regra geral comporta excepções, sendo a ofensa do caso julgado uma delas.
3. Neste caso, o recurso é sempre admissível independentemente do valor da causa e da sucumbência, mas no requerimento de interposição de recurso o recorrente tem de indicar que recorre com esse fundamento.
4. Se tal indicação faltar, o recurso não deve ser admitido e, se o tiver sido, o tribunal ad quem não deve tomar conhecimento dele.
5. O recurso subordinado caduca, se o tribunal não tomar conhecimento do recurso independente.
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça:


1. Na presente acção emergente de contrato individual de trabalho, o autor A pediu que a ré B - Sociedade de Exploração de Centros Comerciais, S. A., fosse condenada a pagar-lhe a importância de 3.141.058$00, acrescida de juros de mora desde a citação, sendo 1.983.874$00 de diferenças salariais pelo trabalho prestado aos domingos no período de Fevereiro/96 a Agosto/2001, 812.292$00 de diferenças na retribuição e nos subsídios das férias referentes aos anos de 1996 a 2001 e 344.892$00 de diferenças nos subsídios de Natal dos anos de 1996 a 2000.

Alegou que a ré lhe pagou o trabalho prestado aos domingos com o acréscimo de 100%, quando devia tê-lo feito com o acréscimo de 200% e alegou que a ré não inclui na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal a média anual dos suplementos salariais que auferiu pelo trabalho prestado aos Domingos e no período nocturno e a título de subsídio de assiduidade.

A acção foi julgada improcedente no que diz respeito às diferenças salariais pedidas pelo trabalho prestado aos domingos e procedente no que toca às diferenças reclamadas a título de retribuição de férias e de subsídios de férias e de Natal, relegando-se, todavia, para execução de sentença a liquidação do respectivo montante.

Ambas as partes recorreram da sentença, tendo o Tribunal da Relação Lisboa negado provimento ao recurso do autor e julgado parcialmente procedente o recurso da ré, condenando esta a pagar àquele a quantia de 3.318,22 euros, a título de diferenças na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.

Inconformado com tal decisão, o autor interpôs recurso de revista e a ré fez o mesmo, embora subordinadamente.

Ambas as partes contra-alegaram e, neste Supremo Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se pela não concessão das revistas.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2. E começaremos por adiantar que este tribunal não pode tomar conhecimento dos recursos, pelas razões que passamos a expor.

Nos termos do n.º 1 do art. 678 do CPC, o recurso ordinário só é admissível, em regra, quando o valor da causa for superior à alçada do tribunal de que se recorre e quando, cumulativamente, a decisão impugnada for desfavorável para o recorrente em valor também superior a metade da alçada daquele tribunal.

No caso em apreço, o primeiro requisito encontra-se preenchido, uma vez que o valor da causa é de 15.667,33 euros, superior, portanto, à alçada do tribunal da relação que, como é sabido, é de 14.963,94 euros (1). O mesmo não acontece, porém, relativamente ao segundo requisito, quer no que diz respeito ao recurso do autor quer ao recurso da ré. Vejamos porquê.
Relativamente ao recurso da ré, é óbvio que o mesmo não seria admissível se se tratasse de um recurso independente, uma vez que ela só foi condenada a pagar ao autor a quantia de 3.318,22 euros, quantia essa que é inferior a metade da alçada da Relação. Tratando-se, todavia, de um recurso subordinado, ele será admissível se o recurso independente interposto pelo autor também o for, dado que, neste caso, é irrelevante o facto do valor da sucumbência não ser superior a metade da alçada da Relação. Assim o diz o art. 682.º do CPC, no seu n.º 5.

Quanto ao recurso interposto pelo autor (recurso principal ou independente), o mesmo também não seria admissível segundo a regra geral, dado que a sua sucumbência também não excede metade da alçada da Relação, embora, à primeira vista, possa parecer o contrário.

Com efeito e como já foi referido, o autor pediu que a ré fosse condenada a pagar-lhe a importância de 3.141.058$00, sendo 1.983.874$00 de diferenças salariais pelo trabalho prestado aos domingos no período de Fevereiro/96 a Agosto/2001, 812.292$00 de diferenças na retribuição e nos subsídio das férias referentes aos anos de 1996 a 2001 e 344.892$00 de diferenças nos subsídios de Natal dos anos de 1996 a 2000.

A ré foi condenada a pagar-lhe, apenas, a quantia de 3.318,22 euros, a título de diferenças na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal e foi absolvida no que toca ao pedido relacionado com o trabalho prestado aos domingos.

Deste modo e à primeira vista, parece que o valor da sucumbência do autor foi de 12.349,30 euros, sendo 9.895,52 euros (1.983.874$00) referentes ao trabalho prestado aos domingos e 2.453,78 referentes aos pedidos relacionados com a retribuição e subsídios de férias e com os subsídios de Natal (812.292$00 + 344.892$00 = 5.772,00 euros - 3.318,22 euros = 2.453,78 euros).

Acontece, todavia, que o valor da sucumbência do autor não foi efectivamente aquele. O seu decaimento foi apenas de 7.401,54 euros. Vejamos porquê.

Na verdade, a titulo de diferenças salariais pelo trabalho prestado aos domingos, o autor pediu a quantia de 1.983.874$00, mas, como resulta do alegado no art.º 14.º da petição inicial, fê-lo por manifesto lapso. De facto, alegando ele, naquele art.º 14.º, que a ré lhe pagou o trabalho prestado aos domingos com um acréscimo de 100%, em vez dos 200% a que teria direito, e alegando ele que recebeu da ré, a esse título, a quantia de 991.937$00, é óbvio que a diferença entre aquilo que recebeu e aquilo que alegadamente lhe seria devido é tão somente de 991.937$00, sendo este, portanto, o valor real do seu decaimento no que diz respeito ao pedido em causa.

Ora, somando aquele valor (que corresponde a 4.947,76 euros (991.937$00 : 200$482)) ao valor da sucumbência sofrida no pedido referentes à retribuição e subsídio de férias e no pedido referente ao subsídio de Natal (que, como já foi dito, foi de 2.453,78 euros), constatamos que decaimento total do autor foi apenas de 7.401,54 euros, inferior, portanto, a 7.481,97 euros que é o valor corresponde a metade da alçada do tribunal da relação (14.963,94 : 2 = 7.481,97 euros). E sendo assim, é óbvio que, segundo a regra geral, a decisão recorrida não era passível de recurso ordinário.

Acontece, porém, que aquela regra geral comporta algumas excepções. Uma delas diz respeito à ofensa do caso julgado. Assim o diz expressamente o art. 678.º, no seu n.º 2:
«Mas se tiver por fundamento a violação das regras de competência internacional, em razão da matéria ou da hierarquia ou a ofensa de caso julgado, o recurso é sempre admissível, seja qual for o valor da causa.»

Todavia, quando o recurso tenha por fundamento algum dos fundamentos referidos no n.º 2 do art. 678.º, o recorrente é obrigado a indicar o fundamento do recurso no respectivo requerimento de interposição. Tal imposição resulta, hoje, claramente, da lei, mais concretamente do disposto no n.º 1 do art.º 687.º do CPC, cujo teor é o seguinte:
«1. Os recursos interpõem-se por meio de requerimento, dirigido ao tribunal que proferiu a decisão e no qual se indique a espécie de recurso interposto e nos casos previstos nos n.ºs 2, 4 e 6 do artigo 678.º e na parte final do n.º 2 do artigo 754.º, o respectivo fundamento.»

A segunda parte do normativo transcrito foi introduzida pelo DL n.º 385/95, de 12/12, consagrando-se, assim, a orientação que já há muito era perfilhada. Efectivamente, já A. Reis ensinava (2) (apesar de, então, não existir disposição legal expressa nesse sentido) que era forçoso indicar, no requerimento de interposição, o fundamento por que se recorria, quando, estando a causa dentro da alçada, o recurso fosse interposto com fundamento na ofensa de caso julgado. E mais do que isso, dizia ele que não era suficiente indicar o fundamento por que se recorria. O recorrente tinha de acrescentar, ainda, o suficiente para que o juiz ou o relator ficasse ciente de que a indicação do fundamento era verosímil e séria, pois só assim seria possível ajuizar da admissibilidade ou não do recurso. Se não for assim, acrescentava aquele mestre, qualquer vencido podia sempre recorrer dentro da alçada. Bastava que tivesse "a veleidade ou o arrojo de invocar a incompetência absoluta ou a ofensa de caso julgado sem a mais ligeira sombra de seriedade ou de consistência (3) (...) O mínimo que se deve exigir, no caso de invocação de ofensa de caso julgado, é que o requerente especifique o caso julgado que inculca ter sido ofendido (4)."

No caso em apreço, um dos fundamentos invocados pelo autor foi a ofensa de caso julgado (5), mas no requerimento de interposição nada referiu a tal respeito. Naquele requerimento, limitou-se a declarar que pretendia recorrer e o fundamento do recurso só foi indicado nas alegações.

Ora, como já ficou referido, segundo a regra geral, a decisão não era passível de recurso (6). Por isso, no requerimento de interposição de recurso, o autor devia ter dito que recorria com fundamento na ofensa de caso julgado. Não tendo procedido assim, é óbvio que o recurso não devia ter sido admitido, por ser essa a consequência que decorre do disposto no n.º 1 do art. 678.º (7) .

Apesar disso o recurso foi admitido e nenhuma questão prévia foi suscitada acerca da sua admissibilidade, quer pela ré, quer pelo M.º P.º, quer pelo relator, quer pelos adjuntos. Todavia, isso não obsta a que este tribunal decida, agora, em colectivo, não tomar conhecimento do recurso interposto pelo autor, pois, como é sabido, o despacho que admite o recurso não vincula o tribunal superior (art. 687.º, n.º 4, do CPC), o mesmo acontecendo com o despacho liminar do relator, uma vez que tal despacho pode ser alterado pela conferência, quer por iniciativa do próprio relator, quer por iniciativa dos e até das próprias partes (artigos 700.º a 704.º do CPC, aplicáveis ao recurso de revista, por força do art. 726.º do mesmo Código).

Concluindo, diremos que não se pode tomar conhecimento do recurso interposto pelo autor, o que implica que também não se tome conhecimento do recurso subordinado da ré, dado que os recursos subordinados caducam quando o primeiro recorrente desistir do recurso ou este ficar sem efeito ou o tribunal não tomar conhecimento dele (art. 682.º do CPC, no seu n.º 3 (8).


3. Decisão
Nos termos expostos, decide-se não tomar conhecimento dos recursos.
Custas pelo autor (recorrente principal), nos termos do n.º 3 do art. 682.º do CPC.

Lisboa, 15 de Junho de 2005
Sousa Peixoto,
Sousa Grandão,
Fernandes Cadilha.
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(1) - Vide n.º 1 do art. 24.º da Lei n.º 3/99, de 13/1, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 3.º do D.L. n.º 323/2001, de 17/12.
(2) - CPC anotado, reimpressão, 1981, Coimbra Editora, vol. V, pag. 233 a 239.
(3) - Ob. cit., pag. 236.
(4) - Ob. cit., pag, 237.
(5) - O autor alegou que, em anterior acção por ele proposta, a ré já tinha sido condenada a pagar-lhe o trabalho prestado aos domingos com o acréscimo de 200%, no período de Setembro/93 a Janeiro/96.
(6) - Quer pelo autor, quer pela ré, devido ao valor das respectivas sucumbências (autor - 7.401,54 euros; ré - 3.318,22 euros).
(7) - Nesse sentido, vide A. Reis, ob. e locais citados e A. Neto, in CPC, 13.ª edição, pag. 282.
(8) - Art. 682.º, n.º 3: "3. Se o primeiro recorrente desistir do recurso ou este ficar sem efeito ou o tribunal não tomar conhecimento dele, caduca o recurso subordinado, sendo todas as custas da responsabilidade do recorrente principal."