Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
394/14.0TBFLG.P2.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA TCHING
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO
ACIDENTE DE VIAÇÃO
ACIDENTE DE TRABALHO
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
SEGURADORA
SUB-ROGAÇÃO
REEMBOLSO DE DESPESAS
DANOS FUTUROS
DANO BIOLÓGICO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
MOTOCICLO
Data do Acordão: 03/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA PRINCIPAL E NEGADA A SUBORDINADA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / DECISÕES QUE COMPORTAM REVISTA.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2018, 5.ª ed., Almedina, p. 365;
- Antunes Varela, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 102, p. 58.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.ºS 3, 4 E 5, 639.º, N.º 1 E 671.º, N.º 3.
CÓDIGO DA ESTRADA (CEST): - ARTIGOS 3.º, N.º 2, 24.º, N.º 1, 25.º, N.º 1, ALÍNEAS C) E F) E 27.º, N.º 1.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 258.º, 263.º, N.º 1 E 264.º, N.ºS 1 E 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 10-10-2012, PROCESSO N.º 632/2001.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 11-12-2012, PROCESSO N.º 40/08.1TBMMV.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 19-02-2015, PROCESSO N.º 302913/11.6YPRT.E1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 15-04-2015, PROCESSO N.º 849/09.9TJVNF.P1.S1;
- DE 28-05-2015, PROCESSO N.º 1340/08.6TBFIG.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 16-06-2016, PROCESSO N.º 551/13.7TVPRT.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 10-11-2016, PROCESSO N.º 175/05.2TBPSR.E2.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 25-05-2017, PROCESSO N.º 868/10.2TBALR.E1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 06-12-2017, PROCESSO N.º 1509/13.1TVLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I. Ocorrendo o embate entre um motociclo conduzido  a uma velocidade  não inferior a 100km/hora, numa estada nacional ladeada, de ambos os lados, por várias casas de habitação e comércio e onde entroncam, à direita e à esquerda, várias outras estradas de trânsito local e um veículo automóvel ligeiro de mercadorias, cuja condutora, pretendendo mudar de direção para a sua  esquerda e malgrado ter avistado aquele motociclo a 200 metros, passou a circular pela metade esquerda da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha indo, aí embater naquele motociclo,  é de considerar que o acidente  ficou a dever-se a culpas concorrentes e em igual medida de ambos os condutores.

II. As indemnizações devidas pelo responsável civil e pelo responsável laboral  em consequência de acidente, simultaneamente de viação e de trabalho,  assentam  em critérios distintos e têm uma funcionalidade própria,  não sendo cumuláveis, mas antes complementares até ao ressarcimento total do prejuízo causado ao lesado/sinistrado.

III. A indemnização devida ao lesado/sinistrado a título de perda da sua capacidade de ganho, mesmo no caso do autor  ter optado pela indemnização arbitrada em sede de acidente de trabalho, não contempla  a compensação do dano biológico, consubstanciado na  diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na sua vida pessoal e profissional, porquanto estamos perante dois danos de natureza diferente.

IV.  A  indemnização fixada em sede de acidente de trabalho tem por objeto o dano  decorrente  da perda total ou parcial da capacidade do lesado para o exercício da sua atividade profissional habitual, durante o período previsível dessa atividade e, consequentemente, dos rendimentos que dela poderia auferir.

V. A compensação do dano biológico abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, que vão  desde a perda total ou parcial da capacidade do lesado para o exercício da sua atividade profissional habitual ou específica, durante o período previsível dessa atividade, e consequentemente dos rendimentos que dela poderia auferir, à perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da atividade habitual do lesado, impliquem  um maior esforço no exercício dessa atividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expetável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual, até  à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pela necessidade de uma reconversão  profissional, cujos custos e demora provável têm também de ser incluídos  no montante  indemnizatório a arbitrar por danos patrimoniais futuros.

VI. O direito de reembolso da seguradora por acidente de trabalho em relação à seguradora de acidente automóvel  decorre de uma sub-rogação legal nos direitos do lesado, pelo que  aquela  tem apenas direito ao reembolso das quantias que tiver pago ao sinistrado ou despendido com ele, não estando, por isso, abrangidas  os encargos judiciais nem os  honorários pagos a entidade  contratada com vista  à peritagem do sinistro, por não integrarem  o conteúdo da obrigação de indemnizar a cargo do lesante.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
2ª SECÇÃO CÍVEL


I. Relatório

1. AA propôs contra BB, S.A. ação com processo comum, pedindo a condenação da ré  no pagamento da  quantia de € 737.390,39, acrescida de juros legais de mora a partir da citação, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que alega ter  sofrido em consequência do acidente de viação ocorrido no dia  26 de maio de 2012 entre o motociclo de matrícula -QZ, pertencente ao autor e por ele conduzido, e o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula -ZR, conduzido por CC  e seguro na ré.

Imputou a culpa da produção deste acidente à condutora do veículo ZR, que efetuou uma manobra de mudança de direção à esquerda, para o que ocupou a metade esquerda da faixa de rodagem da estrada, indo aí embater no motociclo QZ.

2. Contestou a ré, sustentando que o acidente ficou a dever-se a culpa exclusiva do autor, que na altura do acidente conduzia o QZ em velocidade excessiva. Impugnou os danos peticionados bem como os respetivos montantes, concluindo pela improcedência da ação.

E alegando  que o acidente foi simultaneamente de viação e de trabalho, requereu a intervenção  principal, da DD– Sucursal em Portugal.

3. Admitido a requerida intervenção principal, veio a DD – Sucursal em Portugal deduzir contra a ré, BB, S. A., pedido de reembolso da quantia de € 55.702,23, que pagou ao autor  a título de prestações devidas em sede de acidente de trabalho, acrescida de  juros de mora, calculados desde a citação da Ré até integral e efetivo pagamento.

4. Dispensada a audiência prévia,  foi elaborado o despacho saneador e procedeu-se à fixação do objeto do litígio e à indicação dos  temas da prova.

5. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedente, por não provada, a ação, absolvendo a ré dos pedidos contra ela deduzidos pelo autor e pela interveniente principal.

6. Inconformados  com esta decisão, dela apelaram o autor e a interveniente principal para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 12.01.2017, anulou a sentença recorrida, determinando  a ampliação da matéria de facto.

7. Realizado novo julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, por não provada, absolvendo a Ré dos pedidos deduzidos pelo autor e pela interveniente principal.

8. Inconformados, de novo, com esta decisão, o autor e a interveniente principal, DD – Sucursal em Portugal, dela apelaram para o  Tribunal a Relação do Porto que, por acórdão proferido em 26 de abril de 2018, julgou parcialmente procedentes as apelações e, revogando a sentença recorrida, decidiu:
1. Condenar a ré BB,  S.A. a pagar ao autor AA:
1.1. A quantia de € 31.036,50, a título de indemnização pelos danos patrimoniais por ele sofridos em consequência do acidente, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação, até integral pagamento;
1.2. A quantia de € 20.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por ele também sofridos em consequência do mesmo acidente, a que acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a data do presente acórdão;
2. Condenar a mesma Ré a pagar à interveniente DD – Sucursal em Portugal a quantia de € 27.851,11, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da data da notificação da demandada até integral pagamento.
3. Absolver a Ré do demais contra ela peticionado.


9. Inconformada com esta decisão, veio a ré, EE, S.A.  dela interpor recurso de revista  para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
« 1. Com todo o respeito por opinião contrária, não pode a ora recorrente conformar-se com o enquadramento jurídico operado pelo Tribunal a quo da matéria de facto que vem dada como provada no que tange a dinâmica do acidente em discussão nos presentes autos.
2. Está a aqui recorrente firmemente convicta de que a factualidade que vem dada como demonstrada aponta, inequivocamente, para a culpa exclusiva do autor na eclosão do acidente dos autos, tal como, de resto, havia sido decidido pelo Tribunal de primeira instância.
3. Com efeito, resulta dos factos provados que o acidente em apreço nos autos apenas encontra explicação na velocidade excessiva - não inferior a 100km/h, mas que se estima bem superior face à factualidade conhecida - que o autor imprima ao motociclo que tripulava, mais condizente com aquelas que se praticam nas auto-estradas e vias rápidas, que se revelou totalmente desadequada a uma via inserida dentro de uma localidade, ladeada, de ambos lados, por casas de habitação e comércio e na qual entroncam, quer à direita, quer à esquerda, várias outras estradas de trânsito local.
4. Tal velocidade para além de ter determinado a aproximação do QZ, num curtíssimo espaço de tempo, ao local onde se encontrava o ZR, condicionou bem assim a capacidade de atenção e de reacção do autor, o qual, podendo aperceber-se, a pelo menos 200 metros distância, da manobra levada a cabo pela condutora do ZR, não só não travou como não desviou o motociclo que tripulava durante todo esse percurso, até acabar por colidir violentamente contra a traseira do ZR, num momento em que este já se encontrava parcialmente fora da via.
5. Provou-se, bem assim, que se o recorrido circulasse à velocidade de 50 km/h teria seguramente evitado o embate (alínea HH) dos factos provados.
6. Já no que tange a condutora do ZR crê a ora recorrente que, contrariamente ao que vem sustentado pelo Tribunal a quo, não se divisa na sua conduta qualquer infracção aos comandos estradais, ou qualquer contribuição causal e culposa da sua parte para a verificação do acidente aqui em apreço.
7. Com efeito, demonstrou-se que, antes de dar início à manobra de mudança de direcção à esquerda, a condutora do ZR, accionou o pisca do lado esquerdo, aproximou-se do eixo da via e ali se imobilizou, ainda antes de atingir a hemifaixa de rodagem esquerda da via, atento o seu sentido de marcha.
8. Nesse momento, verificando que o motociclo tripulado pelo autor - o único veículo que circulava em sentido contrário  se encontrava a, pelo menos, 200 metros de distância, deu início à referida manobra de mudança de direcção à esquerda, com vista a entrar no posto de abastecimento de combustíveis, para o que necessitava de percorrer apenas 3,35 m.
9. Mais se demonstrou que, no momento em que, ao menos, a parte da frente do ZR
tinha já ultrapassado a linha delimitadora da berma que ladeia aquela estrada, pelo seu lado esquerdo, atento o sentido de marcha ... foi aquele veículo violentamente embatido na respectiva lateral direita traseira pelo motociclo tripulado pelo autor, o que levou a que o ZR desse uma volta sobre si próprio, subisse um lancil em cimento que separa a área das bombas de gasolina da berma da via, acabando por imobilizar-se totalmente fora da faixa de rodagem, com a frente direccionada para a E.N. 15.

10. Face à distância a que o motociclo tripulado pelo autor se encontrava, no momento em que a condutora do ZR deu início à manobra de mudança de direcção à esquerda - pelo menos 200 metros - havia tempo mais do que suficiente para que esta atravessasse a hemifaixa de rodagem contrária - com 3,35 metros de largura e concluísse a manobra de mudança de direcção à esquerda sem perigo de acidente.
11. A distância a que o ZR se encontrava do QZ era suficientemente grande para convencer qualquer condutor normalmente diligente de que tinha tempo para concretizar a manobra de mudança de direcção à esquerda em segurança, não fosse a velocidade francamente excessiva - e seguramente muito superior a 100 km/h - que o autor imprimia ao motociclo que tripulava.
12. A velocidade extremamente excessiva a que seguia o QZ, fez com que este vencesse a apontada distância em escassos segundos, sendo que não era exigível à condutora do ZR que esta previsse que o autor imprimia semelhante velocidade ao motociclo que tripulava.
13. Aliás, a lei exclui mesmo essa previsibilidade, pois não é exigido aos condutores que, no acto de condução automóvel, contem com a imperícia, imprevidência ou ilegalidade alheia.
14. Acresce que o direito de prioridade de passagem, invocado no Acórdão recorrido, para além de não ser absoluto, só existe em situações de simultaneidade de chegada ao local de intercepção, o que não era suposto suceder, nem previsível que sucedesse, no caso em apreço.
15.  Na verdade, para se poder concluir que a manobra de mudança de direcção à esquerda levada a cabo pela condutora do ZR foi executada de forma imprudente ou violadora das disposições estradais, necessário seria que se pudesse afirmar que o QZ se encontrava já tão próximo da estação de serviço, no momento em que aquela deu início à sobredita manobra, que fosse de prever, por qualquer condutor normal, colocado nas circunstâncias em que se encontrava a condutora do ZR, que não conseguiria terminar aquela manobra, sem colocar em risco o QZ e o seu condutor.
16. Ora, como se disse supra, no caso em apreço, não era previsível que no circunstancialismo que antecedeu o embate os veículos fossem chegar ao ponto de intersecção ao mesmo tempo.
17. Não se compreende a afirmação feita a dado passo do Acórdão recorrido no sentido de que os factos provados indiciam que a condutora do ZR não iniciou a travessia da via quando o motociclo se encontrava a 200 metros de distância, quando a páginas 35 do mesmo Acórdão se refere precisamente o contrário.
18. Importa também salientar que, ao contrário do que o Acórdão recorrido parece sugerir, nada nos autos aponta no sentido de que a condutora do ZR tenha hesitado na execução da manobra que levou a efeito, nem tão que o acidente se tenha verificado mercê da sua falta de destreza.
19. Face à factualidade que vem dada como demonstrada, não se divisa na conduta da condutora do ZR qualquer actuação contrária aos comandos estradais, ou violador do dever geral de cuidado de circular atento, que por esse motivo seja susceptível de censura.
20. Como tal, deve ser revogado o douto Acórdão recorrido e substituído por outro que, concluindo pela responsabilidade exclusiva do condutor do QZ na ocorrência do acidente, absolva a ora recorrente dos pedidos que contra ela vêm deduzidos quer pelo autor, quer pela interveniente seguradora.
21. Ainda que assim se não entenda - o que apenas se equaciona para efeitos do presente raciocínio - sempre se dirá que, face à factualidade que vem dada como demonstrada, impõe-se concluir que é incomparavelmente maior o grau de contribuição da conduta do autor para a verificação do embate do que aquele que possa ser imputado à condutora do ZR.
22. Com efeito, para além da velocidade excessiva que imprima ao QZ, provou-se igualmente que o autor, podendo aperceber-se da manobra levada a cabo pela condutora do ZR, a uma distância de, pelo menos 200 metros, não travou, nem levou a cabo qualquer desvio, ou manobra de recurso, no sentido de evitar o acidente, não obstante ter parte da sua hemifaixa de rodagem desobstruída.
23. Acresce que a velocidade imprimida ao QZ contribuiu também, e em grande medida, para o agravamento dos danos decorrentes do acidente, estando demonstrado que, com o embate, o rodado dianteiro do QZ se desintegrou de imediato do motociclo, a respectiva forqueia encolheu e o autor foi projectado para a impressionante distância de 36 metros.
24. Caso o condutor do QZ circulasse à velocidade regulamentar, seguramente que as consequências do acidente não teriam o resultado devastador que tiveram.

25.            Em face de tudo quanto se deixou dito, a ser considerado que ambos os
condutores contribuíram com as suas condutas para a eclosão do acidente - o que
apenas se equaciona por dever de patrocínio - deverá ser decido que o grau de
contribuição do autor para a verificação do embate é substancialmente maior do que aquele que possa ser imputado à condutora do ZR, devendo fixar-se o primeiro em 90% e o desta última em apenas 10%.

26. Consequentemente deverão ser reduzidas proporcionalmente as indemnizações que a ora recorrente venha a ter de pagar a ambos os recorridos, de modo a que a ora recorrente apenas responda em função do grau de contribuição da condutora do ZR para a ocorrência do acidente, tudo com as necessárias consequências legais.

27. A aqui recorrente também não se conforma com a sua condenação no pagamento ao autor da quantia de 30.000,00€ a título de indemnização pelo dano patrimonial decorrente da perda de capacidade de ganho de que o mesmo ficou a padecer em consequência deste acidente.

28. Tendo em vista o apuramento desta indemnização o Tribunal a quo considerou que o rendimento anual que o autor obtinha com o seu trabalho, reportado à data do acidente, ascendia à quantia 20.600,00€, correspondente à multiplicação do montante de 1.400,00€ por 14 meses.

29. Contudo, este pressuposto de que o Tribunal a quo partiu não encontra suporte na factualidade que vem dada como demonstrada, pois que resulta da alínea III) dos factos provados nos indicados cerca de 1.400,00€ mensais que o recorrido recebia estavam incluídos, para além do vencimento base e dos subsídios de férias e de natal, um valor a título de ajudas de custo, por se encontrar a trabalhar no estrangeiro, que era variável, em função dos dias de trabalho e que podia ascender a 808,00€.

30. Salvo o devido respeito por opinião diversa, crê a aqui recorrente que o valor mensal atinente às ajudas de custo não pode ser considerado como rendimento líquido para efeitos do cálculo da indemnização pela perda de capacidade de ganho.

31. Assim, o rendimento do autor que deverá ser considerado no cômputo da
indemnização a título de perda de capacidade de ganho, corresponde à soma da retribuição base e dos subsídios de natal e de férias que o mesmo auferia, isto é ao montante anual de 7.537,60€.

32. Considerando que vem dado como demonstrado que o autor se encontra a receber da interveniente seguradora (responsável pelo acidente de trabalho) uma pensão anual e vitalícia, por força da incapacidade de que ficou a padecer, no montante de 9.859,49€, forçoso é concluir que o mesmo não tem actualmente qualquer prejuízo a título de perda de capacidade de ganho.

33. Com efeito, o autor encontra-se a receber da seguradora de acidente de trabalho -aqui interveniente - uma quantia anual que lhe garante o mesmo rendimento que auferia antes do acidente em apreço nos autos.

34. Tendo o recorrido optado por receber a pensão que lhe vem sendo paga peia seguradora interveniente nos autos, por força da incapacidade de que o mesmo padece - o que se mostra expresso na acta da audiência de julgamento de 06.04.2016 - não pode a aqui recorrente ser condenada no pagamento ao autor de qualquer indemnização complementar a título de perda de capacidade de ganho.

35. Deve, assim, nesta parte, ser revogado o douto Acórdão do Tribunal da Relação cio Porto e substituído por outro que absolva a ora recorrente do pedido deduzido pelo recorrido a título de indemnização pela perda de capacidade de ganho, com as necessárias consequências legais.

36. De todo o modo, ainda que assim se não entenda - o que apenas se equaciona para efeitos do presente raciocínio - sempre se dirá que não está demonstrado que o recorrido auferisse 1.400,00€ x 14 meses, como foi considerado pelo Tribunal a quo, já que, como é sabido, o vencimento base, o subsídio de férias e o subsídio de natal são apenas pagos 12 meses por ano.

37. Quanto às ajudas de custo, variáveis em função dos dias de trabalho, as mesmas apenas poderiam ser pagas 11 meses por ano, posto que o recorrido sempre teria direito a gozar um mês de férias.

38. Assim, quanto muito, o vencimento anual do recorrido ascenderia ao montante global de 16.665,32€, motivo pelo qual se deverá reduzir proporcionalmente a indemnização arbitrada a este título ao recorrido pelo Tribunal da Relação do Porto para o montante de 48.000,00€, ao qual se deverá ainda abater o grau de contribuição do recorrido para a ocorrência do presente sinistro que venha a ser fixada no presente Acórdão, tal como requerido supra.

40. Crê igualmente a aqui recorrente que o montante de que Tribunal a quo partiu (40.000,00€) para condenar a ora recorrente no pagamento ao autor da quantia de 20.000,00€ a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos em consequência do acidente dos autos de afigura excessivo.

41. Considerando a factualidade que vem dada como provada e a orientação que vem sendo seguida pela nossa Jurisprudência noutros casos até mais graves do que o retratado nos autos (veja-se, a título de exemplo, o Acórdão do S.T.J de 28.01.2016, proferido no âmbito do processo n. 7793/09.8T2SNT.L1.S1 da 2a Secção) é a recorrente da opinião de que o montante de que se deverá partir no cálculo desta indemnização se deve fixar sempre em valor próximo dos 30.000,00€, ao qual terá de ser abatido o valor correspondente à contribuição do recorrido para a ocorrência do presente sinistro que venha a ser fixada no presente Acórdão, tudo com as necessárias consequências legais.

42. O Tribunal a quo condenou também a ora recorrente a pagar à interveniente seguradora metade da quantia indicada na alínea AAAA) dos factos provados, na qual se encontra englobado o montante de 946,94€ atinente a juros de mora liquidados pela interveniente seguradora ao autor, no âmbito do processo de acidente de trabalho.

43. Ora, o facto de a interveniente seguradora se ter atrasado no cumprimento das suas obrigações perante o autor, com a consequente condenação em juros de mora, jamais poderá ser imputável à aqui contestante.

44. Deste modo, deve nesta parte ser revogado o douto Acórdão recorrido, com a consequente absolvição da ora recorrente do pagamento à interveniente seguradora da quantia de 473,47€ (correspondente a V2 de 946,94€) atinente aos juros de mora por aquela liquidados ao autor no âmbito do processo de acidente de trabalho.

45. Salvo o devido respeito por opinião contrária, discorda ainda a ora recorrente da decisão do Tribunal a quo na parte em que a condenou a pagar à interveniente seguradora responsável pelo acidente de trabalho metade das despesas por esta suportadas com encargos judiciais e com os honorários e despesas de uma entidade que contratou (FF, Lda.) com vista à peritagem do sinistro.

46. Em face do disposto no artigo 17° n. 4 da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, não há dúvida de que o direito de reembolso da seguradora por acidente de trabalho em relação a terceiros decorre de uma sub-rogação legal nos direitos do lesado e não assume a natureza de direito de regresso.

47. As quantias reclamadas pela recorrida a título de despesas judiciais com o processo que correu termos no Tribunal Trabalho de ... e com diligências de averiguação na sequência do sinistro dos autos, não configuram qualquer pagamento efectuado ao lesado a título de indemnização, mas antes ao custo de um serviço ou despesa suportada pela requerida no âmbito da regularização do sinistro laboral.

48. Como tal, não assiste à interveniente o direito ao reembolso dessas importâncias, já que o próprio lesado - o autor - nunca poderia exercer tal direito contra a ora recorrente.

49. Assim, deve o Acórdão recorrido ser também, nesta parte, revogado e substituído por outro que absolva a ora recorrente do pagamento à interveniente seguradora das despesas elencadas nas alíneas NNNN) e OOOO) dos factos provados, no montante total de 816,45€, correspondente a metade de 1.632,90€.

50. O Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 342.°, 483.°, 495.°, 562.°, 563.°, 566.° e 570.° todos do Código Civil e no artigo 17° n. 4 da Lei 98/2009, de 4 de Setembro».

10. A interveniente DD respondeu, concluindo  nos seguintes termos:

« 1. A matéria de facto assente, depois de apreciada pelo Venerando Tribunal da Relação, é insuscetível de recurso por estar vedado ao Supremo Tribunal de Justiça a sua reapreciação.

2. Não há qualquer contradição entre a decisão ora proferida e impugnada pela Recorrente e a matéria de facto dada como assente e que se manteve inalterada.

3. O Venerando Tribunal da Relação do Porto fez uma apreciação da prova diversa e interpretada de forma diferente da que fez a primeira Instância.

4. Com os mesmos factos extraiu o Venerando Tribunal da Relação do Porto outra conclusão que não aquela que vem plasmada na decisão de primeira instância.

5. A condição sine qua non (se a condutora tivesse deixado passar o Autor ou se o Autor não conduzisse em excesso de velocidade) funciona, neste caso, para os foi coerente ao dividir a culpa em 50/50.

6. O entendimento do Venerando Tribunal da Relação do Porto em nada contraria a matéria de facto provada, apenas lhe dá uma nova interpretação que cabe dentro do princípio da livre apreciação da prova e em nada o fere.

7. Os valores pagos pela Interveniente Principal para regularização do sinistro constam de matéria assente.

8. Assim, deverá ser mantida a decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, o que se requer».

11. O autor contra alegou, pugnando pela improcedência do Recurso e, também inconformado com o acórdão recorrido, no que respeita à repartição de culpa na produção do acidente,  interpôs recurso subordinado, concluindo as suas alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem:

«1. Tendo em conta toda a factualidade apurada conclui-se que somente a condutora do veículo seguro pela recorrida deu causa, por sua culpa exclusiva, ao acidente.

2. Ela, na verdade, efetuou uma manobra de viragem à esquerda de modo imprudente e desatento.

3. Não verificou, no momento em que, após uma imobilização inicial, reiniciou a marcha, qual o local onde se encontrava o motociclo tripulado pelo recorrente.

4. Como se provou, a condutora do ZR, parou junto ao eixo da via antes de voltar à sua esquerda, altura em que avistou o recorrente a circular em sentido inverso.

5. Posto isto, certificou-se de que não estava a ser ultrapassada, para o que teve, necessariamente, de olhar para trás.

6. Só após isso, engrenou a primeira velocidade e retomou vagarosamente a marcha para o lado esquerdo.

7. Ora um veículo à velocidade de 100 km/hora leva 7,2 segundos a percorrer a distância de 200 metros

8. O espaço de tempo que a condutora do ZR despendeu entre o momento em que parou, olhou para trás, engrenou a primeira velocidade e reiniciou vagarosamente a marcha corresponde, sem margem para dúvidas, vários segundos.

9. Este espaço de tempo era suficiente para o motociclo se encontrar então praticamente "em cima" do local do embate.

10. A condutora do veículo segurado pela recorrida atravessou-se na frente do recorrente e constituiu-se em obstáculo súbito para ele, quando este se encontrava já muito próximo.

11. No que se refere à atuação do recorrente, tendo em consideração a factualidade provada, não poderá concluir-se que a velocidade a que circulava, embora excessiva, tenha sido a causa do acidente.

12. Essa velocidade, embora excessiva, não originou o sinistro, até porque não fora a manobra irregular da condutora do ZR, que se lhe atravessou inopinadamente na frente, o recorrente teria passado sem embater.

13. De resto, o recorrente nem estava sequer obrigado a prever a condutora irregular e imprudente da condutora do veículo ZR, cuja manobra temerária e descuidada colocou em risco a circulação viária

Por mera cautela e sem prescindir:

14.  Caso se entenda que a factualidade apurada impõe a conclusão de que ambos os intervenientes agiram com culpa, haverá que convir que a proporção de culpa da condutora do veículo ZR será substancialmente superior à que será de atribuir ao recorrente.

15. Assim, caso vingue este entendimento, será adequado fixar, na proporção de 70% para a condutora do veículo seguro pela recorrida e 30% para o recorrente, o grau de culpa com que cada um contribuiu para a produção do acidente.

16. Nesta hipóteses, a recorrida deverá ser condenada a indemnizar o recorrente em 70% do montante dos danos apurados.

17. O montante fixado no douto acórdão (€ 60.000,00) como indemnização devida ao ora recorrente pelo dano patrimonial decorrente da Incapacidade Permanente Geral de que este ficou a padecer (13 pontos) e complementarmente à indemnização recebida por acidente de trabalho é, salvo o devido respeito, escasso e não valoriza adequadamente o mencionado dano.

18. Para além da idade do recorrente, do grau de IPG que o afeta e do salário que auferia, haverá que ponderar que a incapacidade em causa é total para a profissão habitual (IPATH) e sem possibilidade de reconversão.

19. Pesando devidamente estes fatores, parece-nos justo e equitativo atribuir ao recorrente, como compensação pelo dano patrimonial resultante da incapacidade absoluta de que está afetado o montante de € 100.000,00, complementarmente ao recebido em sede de A.T..

20. A indemnização a atribuir ao recorrente como compensação pelos danos não patrimoniais sofridos deverá ter em conta a gravidade das lesões e as suas consequências permanentes, o longo período de tratamentos e convalescença, as dores e sofrimentos padecidos.

21. Avultam in casu a incapacidade total que afeta o recorrente (IPATH, sem reconversão) que o tornou, na prática, um inválido.

22. E avultam também todos os sofrimentos e desgosto, passados, presentes e futuros.

23. Recorrendo, especialmente aqui, à equidade e, enfim, ao que vai sendo a jurisprudência dos nossos Tribunais neste domínio, afigura-se-nos que o valor a arbitrar e atribuir como justa compensação dos danos não patrimoniais sofridos deverá cifrar-se em, pelo menos, € 60.000,00.

24. O douto acórdão ora em crise violou, pois e além do mais, por incorretas interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 483.°, n.° 1, 496.°, n.° 1, 503.°, n.° 1, 506.°, 562.°, 564.° e 566.°, todos do Código Civil».

Termos em que requer seja concedido provimento ao recurso e, consequentemente,  alterado o  acórdão  recorrido,  atribuindo-se a  culpa exclusiva pela produção do acidente à condutora do veículo seguro na recorrida.

12. A ré EE, S.A,  contra alegou, sustentando a não admissibilidade do recurso subordinado, por o acórdão da Relação ser mais favorável ao autor do que a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância e, para o caso  de assim não ser entendido, pugnou  pela improcedência do recurso subordinado.

13. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    


***

II. Delimitação do objeto do recurso

Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões  que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[1].

Assim, a esta luz, as questões a decidir, traduzem-se em saber:

A - Recurso interposto pela ré:

 

1ª- o acidente dos autos ficou a dever-se a culpa exclusiva do autor; 

2ª- está bem calculado o montante da indemnização arbitrada  ao autor, a título de dano patrimonial decorrente da incapacidade permanente geral de 13 pontos de que ficou a padecer em consequência do acidente;

3ª- é equitativo o montante da indemnização fixada a título  dos danos não patrimoniais.

4ª- assiste à interveniente principal o direito ao reembolso por parte da ré dos montantes correspondentes a metade das despesas  por esta suportadas  com encargos judiciais e com os honorários e despesas realizadas com a peritagem do sinistro.


*

B- Recurso interposto subordinado interposto pelo autor

1ª- o acidente dos autos ficou a dever-se a culpa exclusiva da condutora do veículo seguro na ré; 

2ª- está bem calculado o montante da indemnização arbitrada  ao autor, a título de dano patrimonial decorrente da incapacidade permanente geral de 13 pontos de que ficou a padecer em consequência do acidente;

3ª- é equitativo o montante da indemnização fixada a título  dos danos não patrimoniais.

III. Fundamentação

3.1. Fundamentação de facto

Após decisão da impugnação da decisão  sobre a matéria, são os seguintes os factos julgados provados:

A) No dia 26 de Maio de 2012, pelas 12h40, ocorreu um acidente de viação, no …, …, …, no qual foram intervenientes o motociclo de matrícula -QZ, conduzido pelo Autor, seu proprietário e o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula -ZR, conduzido por CC.

B) No local do acidente a estrada (EN 15) configura uma recta com mais de 300 metros de extensão, sendo o seu piso em alcatrão, possuindo ali a largura de 6,7 metros, entre bermas, estando dividida em duas metades, destinadas a dois sentidos de trânsito, inversos e separadas entre si por uma linha descontínua de cor branca marcada no pavimento. A estrada é ainda dotada de uma berma, com cerca de 2,2m de largura, que ladeia a via pelo lado esquerdo, atento o sentido de marcha ...- ... e que se encontra delimitada na zona do embate em discussão por uma linha também ela descontínua. Nas imediações do local do sinistro a EN 15 é ladeada de ambos os lados por várias casas de habitação e comércio, sendo que nela entroncam à direita e à esquerda várias outras estradas de trânsito local.

C) Era então pleno dia, o tempo estava seco.


D) No local onde ocorreu o acidente dos autos, na EN 15m no respectivo lado esquerdo, atento o sentido ... – ... existe uma estação de serviço de abastecimento de combustíveis, que comercializa a marca “GG”.


E) À data de 26 de Maio de 2012, o proprietário da viatura automóvel com a matrícula -ZR, tinha transferida para a Ré, a responsabilidade civil emergente da circulação do mesmo, através do contrato de seguro titulado pela Apólice n…..


F) O Autor nasceu em … 1973.

G) A DD SA foi incorporada, por fusão, na sociedade HH, com efeitos a partir de 01 de Janeiro de 2010, como melhor resulta do documento junto de fls. 134 a 143, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

H) A interveniente é uma sociedade comercial que se dedica à actividade seguradora. I) Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º … a II, Lda. tinha, à data dos factos, transferida a sua responsabilidade civil infortunística decorrente de acidentes de trabalho ocorridos com os seus trabalhadores transferida para a Interveniente Principal.


J) Correu termos pelo Tribunal de Trabalho de ... o processo de acidente de trabalho sob o n.º 569/13.0 TTBRG, que versou sobre o acidente em apreço nos autos, no âmbito do qual a interveniente foi condenada, por decisão entretanto confirmada, a pagar ao sinistrado, aqui Autor:


- 9.859,49 EUR, a título de pensão anual, vitalícia e actualizável;


- 4.391,79 EUR, a título de subsídio por elevada incapacidade, acrescidos de juros de mora contados desde 10 de Maio de 2013 e até efectivo e integral pagamento;


- 2.894,63 EUR, relativos à indemnização pelo período de Incapacidade Temporária ainda não paga, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data de vencimento e até efectivo pagamento;


- 30 EUR, relativos à indemnização por despesas de deslocação do sinistrado, acrescida bem assim de juros de mora, à taxa legal, devidos desde 15.07.2014.


J) A largura de cada hemifaixa da estrada referida em B) era de 3,35 m cada.


L) Naqueles dia, hora e local, o A. transitava pela Estrada Nacional …, no sentido ... - ..., tripulando o identificado motociclo.


M) Circulava pela metade direita da faixa de rodagem, atento o seu mencionado sentido de marcha.

N) À margem direita da estrada, considerando ainda o sentido ... – ..., situa-se o recinto de um posto de abastecimento de combustível pertencente ou explorado pela “GG”.


O) Em sentido contrário ao do A., ou seja de ... para ..., transitava, na ocasião ao menos o veículo -ZR.

P) A condutora do ZR pretendia entrar no recinto do alegado posto de abastecimento de combustível.


Q) Antes de realizar a manobra de mudança de direcção à esquerda, para entrar no recinto do Posto de abastecimento de combustível, a condutora do ZR verificou/visionou o motociclo tripulado pelo A. a circular, em sentido contrário.

R) O motociclo tripulado pelo autor foi embater com a frente na parte lateral direita, junto à roda traseira, do veículo -ZR.


S) Na sequência do embate, o veículo -ZR rodopiou sobre si, em pião e ficou imobilizado fora da faixa de rodagem.

T) O motociclo -QZ foi, por sua vez, imobilizar-se após o local do embate, a distância deste não concretamente apurada, ficando tombado sobre a linha longitudinal descontínua que assinala o eixo da via. ( redação dada pelo Tribunal da Relação)

U) O veículo ligeiro de mercadorias de matrícula -ZR, seguro na Ré, seguia, antes do embate, pela hemifaixa de rodagem direita da E.N. 15, atento o sentido de marcha ... – ….

V) Ao aproximar-se da mencionada estação de serviço, como pretendesse mudar de direcção à sua esquerda, a fim de ali abastecer o veículo que tripulava, a condutora do ZR accionou o pisca do lado esquerdo e aproximou-se do eixo da via – assinalado com uma linha descontínua – onde imobilizou o veículo que conduzia, sensivelmente em frente à entrada da estação de serviço, ainda antes de atingir a hemifaixa de rodagem esquerda da via, atento o seu sentido de marcha.

X) Nesse momento a condutora do ZR olhou em direcção a ..., a fim de verificar se na hemifaixa de rodagem destinada ao trânsito que se processa no sentido de marcha ... – ... circulava algum veículo, tendo constatado apenas a presença de um motociclo, a circular em sentido contrário, a pelo menos, 200 metros de distância.

AA) Só após ter verificado que, naquele momento, não estava a ser ultrapassada por alguma viatura e atenta a percepção referida na alínea que antecede, é que condutora do ZR deu início à supra referida manobra de mudança de direcção à esquerda.


BB) No momento em que ao menos a parte da frente do ZR tinha já ultrapassado a linha delimitadora da berma que ladeia a E.N. 15 pelo seu lado esquerdo, atento o sentido de marcha ... – ..., foi o mesmo súbita e violentamente embatido pelo motociclo de matrícula -QZ , conduzido pelo aqui autor AA.

CC) Este último circulava igualmente pela E.N. n. 15, mas no sentido oposto ao que levava o ZR, ou seja, no sentido … – ..., imprimindo ao veículo que tripulava uma velocidade não inferior a 100Km/hora.


DD) Ao aperceber-se do ZR, o autor, não obstante ter ao menos parte da sua hemifaixa de rodagem totalmente livre e desobstruída e, sem sequer travar, acabou por embater violentamente com a frente deste último na lateral direita traseira do ZR, mais concretamente na zona da roda traseira direita.

EE) Com o impacto, o ZR foi projectado para a sua esquerda, deu uma volta sobre si próprio, subiu com ambos os rodados traseiros um lancil em cimento que separa a área das bombas de gasolina da berma da via, acabando por imobilizar-se totalmente fora da faixa de rodagem, com a frente direccionada para a E.N. 15.

FF) Com o embate o rodado dianteiro do QZ desintegrou-se de imediato do motociclo, a respectiva forqueta encolheu, além do que projectou o corpo do autor a uma distância de aproximadamente 36 metros do local onde se deu a colisão.


GG) (  Eliminados ele Tribunal da Relação)

HH) Se o autor circulasse à velocidade de 50 km/h teria seguramente evitado o embate.


II) O veículo tripulado pelo Autor era um motociclo da marca ..., modelo … ….

JJ) Em consequência do embate, o motociclo -QZ sofreu extensos danos, que atingiram, além do mais, órgãos importantes e vitais do motociclo, tais como a transmissão, o motor, a direcção e o próprio quadro, que ficou empenado.


LL) Estes mesmos danos, face à sua extensão e localização, implicavam uma reparação que ascendia a, pelo menos, 3.653 EUR.

MM) A R., que vistoriou o motociclo, considerou ocorrer, assim, a sua perda total.

NN) O -QZ era um motociclo com 600 cm3 de cilindrada, sendo do ano de 2001.

OO) O veículo -QZ valia, no estado em que se achava anteriormente ao acidente, a quantia de € 2.250, pelo menos.


PP) No estado em ficou após ter sido acidentado – “salvados” – valia € 377.


QQ) Logo após o acidente, o A. foi transportado em ambulância ao Hospital do ..., em ..., onde foi assistido nos serviços de urgência.


RR) Na referida unidade hospitalar, o A. foi submetido a vários exames, tendo-lhe sido diagnosticadas:


- fractura da bacia B de Tile, com disjunção da sínfise púbica;


- fractura exposta dos ossos do antebraço direito (II de Gustilo);


- fractura de Barton à direita;


- escoriações dos dedos da mão direita;


- fractura do rádio distal esquerdo;


- ferida cortocontusa infraorbital.


SS) Foi, pois, o A. internado no sobredito hospital.

TT) E aí foi submetido às seguintes intervenções cirúrgicas:


- ORIF (redução aberta e fixação interna) das fracturas do rádio e cúbito direito, com placa LC-DCP;


- ORIF (redução aberta e fixação interna) do rádio distal, com placa Variax e desbridamento das feridas.


UU) Permaneceu o A. internado durante vinte dias no sobredito hospital, posto o que teve alta em 15 de Junho de 2012, não curado.


VV) Após a alta hospitalar, o A. prosseguiu os tratamentos, frequentando, com regularidade, consultas de ortopedia no Hospital de Santa Maria, na cidade do Porto.

XX) Neste último hospital, o A. foi submetido, em Dezembro de 2012, a nova intervenção cirúrgica, para extracção do material de osteossíntese aplicado no cúbito e no punho.


ZZ) Além disso, o A. fez tratamentos regulares de fisioterapia durante cerca de seis meses, com o fim de recuperar a mobilidade e a força muscular e para alívio da sintomatologia álgica.


AAA) Só em 09 de Maio de 2013 é que as lesões sofridas pelo A. atingiram a consolidação médico-legal e a fase sequelar.


BBB) Todavia, apesar de curado, o A., em resultado das lesões que sofreu no acidente ficou a padecer de:


- Cicatrizes múltiplas, nomeadamente na face o no membro superior direito, que são as melhor descritas sob o ponto 2. do exame objectivo, na p. 7 do Relatório médico legal de fls. 416 e ss., cujo teor aqui se reproduz, que correspondem a um dano estético de 3 graus numa escala de 7 de gravidade crescente;


- Rigidez anquilosa dolorosa do punho direito, mobilidades do punho direito muito diminuídas na flexão palmar, na dorsiflexão, supinação ligeiramente limitada nos últimos graus de movimento;


- Deficit grave de dorsiflexão do polegar;


- Deficit de força de preensão, por não conseguir flectir o metacarpo falângico dos dedos da mão direita;


- sequela de Darrach do cúbito direito;


- dor nos últimos graus de rotação externa do membro inferior direito/anca direita.

CCC) O A. mantém placa e parafusos que lhe foram aplicados no rádio, os quais foram substituídos por outros.


DDD) O Autor tem dificuldades em fazer oponência do polegar com o 4º dedo e impossibilidade em fazê-la com o 5º dedo da mão direita.


EEE) O autor sofreu dores em virtude das lesões sofridas e com os tratamentos e intervenções cirúrgicas a que foi submetido e até à estabilização das lesões, avaliáveis no grau 5 de uma escala de 7 de gravidade crescente.


FFF) Tem dificuldades em conduzir veículos automóveis e não pode tripular motociclos e outros veículos de duas rodas.

GGG) As sequelas, permanentes e irreversíveis, de que ficou a padecer determinam que o A. esteja afectado de uma incapacidade permanente geral de 13 pontos, as quais são impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual como trolha, bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional, posto que apenas exerceu a actividade de trolha, actividade que iniciou aos 13 anos, tendo estudado até à 4.ª classe.

HHH) À data do sinistro o A. era trabalhador da construção civil e trabalhava por conta, ao serviço e sob as ordens da II, LDA., ao abrigo de contrato de trabalho por tempo indeterminado, tendo a categoria profissional de Oficial de 1.ª.

III) E auferia, à data do acidente, a retribuição mensal de cerca de € 1.400 EUR, sendo-o a remuneração-base de 538,40 EUR, 53,14 EUR a título de subsídio de férias e 56,93, com relação a subsídio de Natal, mais auferindo a título de ajudas de custo, por se encontrar a trabalhar no estrangeiro, em Espanha, quantia variável, em função dos dias de trabalho, que podia ascender aos 808 EUR.

JJJ) O autor não retomou a sua actividade profissional na construção civil.


LLL) Sofreu incómodos e privações, nomeadamente esteve internado duas vezes e teve um período de ITA/ Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total de 349 dias, mantendo-se totalmente incapaz para o trabalho.


MMM) Durante pelo menos dois meses teve de andar de cadeira de rodas, sendo que em 31.07.2012 já deambulava em casa sem aquela cadeira.


NNN) O Autor presentemente vê-se apoquentado por dores ocasionais no braço direito e com movimentos extremos de rotação da anca.


OOO) Não pode pegar nem transportar objectos pesados.


PPP) Para atenuar as dores que sente, o A. é obrigado a recorrer ocasionalmente a medicação analgésica.


QQQ) O A. não pode pescar, o que antes fazia, como actividade lúdica e de lazer.

RRR) Anteriormente ao acidente, o A. era uma pessoa normalmente escorreita e saudável, sendo também normalmente alegre e optimista.


SSS) Hoje, mostra-se triste e sente complexos e desgosto em face das sequelas que possui e pelo facto de não ter retomado a sua actividade profissional.


TTT) Por virtude do acidente, ficaram danificados e destruídos os seguintes objectos: umas calças, uma camisola, umas luvas, umas sapatilhas, um capacete e um telemóvel.

UUU) Em transportes, para acorrer a tratamentos, despendeu o Autor quantia não inferior a € 1.017,70.


VVV) Após a alta hospitalar e durante pelo menos os 50 dias que se lhe seguiram, o A. ficou impossibilitado de realizar sozinho as suas tarefas diárias, tais como vestir, despir, levantar, deitar, confeccionar alimentos e tratar da higiene pessoal.


XXX) O sinistrado utilizou o táxi como como transporte de ida e volta de casa para as sessões de fisioterapia, consultas e exames médicos.

ZZZ) Em resultado do acidente ocorrido, o sinistrado AA esteve desde 20/09/2012 a 08/05/2013 com Incapacidade Temporária Absoluta e desde 09/05/2013 com Incapacidade Temporária Parcial.


AAAA) No dia 18/03/2015, a Interveniente pagou ao sinistrado AA a quantia total de € 8.263,36 a título de indemnização pela incapacidade temporária absoluta, transportes e alimentação, subsídio de elevada incapacidade e juros de mora, conforme DOC. 47 por ela junto ao articulado de intervenção respectivo, que aqui se reproduz para todos os legais efeitos.

BBBB) Entre os dias 24/07/2012 e 18/05/2013, a Interveniente pagou ao sinistrado a quantia total de € 8.804,95 a título de indemnização pela incapacidade temporária absoluta, conforme DOC. 48 a 56 por ela junto ao articulado de intervenção respectivo, que aqui se reproduz para todos os legais efeitos.

CCCC) Até à data do articulado de intervenção nos autos deduzido, a Interveniente pagou ao sinistrado AA a título de pensões o montante total de € 19.534,93, conforme DOC. 57 a 80 por ela junto ao articulado de intervenção respectivo, que aqui se reproduz para todos os legais efeitos.

DDDD) Nos dias 24/07/2012 e 02/08/2012 a Interveniente pagou a AA a quantia total de € 707,02 respeitante à indemnização para assistência de 3.ª pessoa, conforme DOC. 81 e 82 por ela junto ao articulado de intervenção respectivo, que aqui se reproduz para todos os legais efeitos.

EEEE) No dia 19/03/2013, a Interveniente pagou ao Centro …, a quantia de € 7.845,11, respeitante aos serviços médicos prestados ao sinistrado, conforme DOC. 83 por ela junto ao articulado de intervenção respectivo, que aqui se reproduz para todos os legais efeitos.

FFFF) Nos dias 27/02/2013 e 30/05/2013, a Interveniente pagou ao Hospital de Santa Maria, a quantia total de € 4.404,25, respeitante a serviços médicos prestados ao sinistrado, conforme DOC. 84 e 85 por ela junto ao articulado de intervenção respectivo, que aqui se reproduz para todos os legais efeitos.

GGGG) Nos dias 06/01/2015 e 22/01/2015, a Interveniente pagou à JJ, Ld.a, a quantia total de € 440,00, respeitante a serviços médicos prestados ao sinistrado, conforme DOC 86 e 87 por ela junto ao articulado de intervenção respectivo, que aqui se reproduz para todos os legais efeitos.

HHHH) No dia 25/01/2013, a Interveniente pagou a KK a quantia de € 40,00, respeitante aos serviços prestados ao sinistrado, conforme DOC. 88 por ela junto ao articulado de intervenção respectivo, que aqui se reproduz para todos os legais efeitos.

IIII) No dia 14/12/2012, a Interveniente pagou ao Laboratório ..., a quantia de € 16,46, respeitante aos serviços prestados ao sinistrado, conforme DOC. 89 por ela junto ao articulado de intervenção respectivo, que aqui se reproduz para todos os legais efeitos.

JJJJ) Entre os dias 07/08/2012 e 10/05/2013, a Interveniente pagou à Clínica ..., S. A. a quantia total de € 1.510,50 referente às sessões de fisioterapia do sinistrado, conforme DOC. 90 a 97 por ela junto ao articulado de intervenção respectivo, que aqui se reproduz para todos os legais efeitos.

LLLL) Entre os dias 29/01/2013 e 13/08/2014, a Interveniente pagou à ...(Taxi), a quantia total de € 1.360,32, respeitante a despesas com transporte e alimentação do sinistrado, conforme DOC. 98 a 106 por ela junto ao articulado de intervenção respectivo, que aqui se reproduz para todos os legais efeitos.

MMMM) Entre os dias 14/08/2012 e 14/08/2013, a Interveniente pagou à ..., Ld.a, a quantia total de € 1.142,40, respeitante a despesas com transporte e alimentação do sinistrado, conforme DOC. 107 a 110 por ela junto ao articulado de intervenção respectivo, que aqui se reproduz para todos os legais efeitos.

NNNN) A Autora despendeu a quantia total de € 1.448,40 a título de encargos judiciais com o processo que correu termos no Tribunal de Trabalho de ..., conforme DOC. 111 a 114 por ela junto ao articulado de intervenção respectivo, que aqui se reproduz para todos os legais efeitos.

OOOO) A Autora pagou à sociedade ..., Ld.a a quantia de € 184,50 respeitante aos honorários e despesas com a peritagem do sinistro, conforme DOC. 115 por ela junto ao articulado de intervenção respectivo, que aqui se reproduz para todos os legais efeitos.

III.2. A mesma instância deu como não provados os seguintes factos:

a) A largura de cada hemifaixa da estrada referida em B) era de 3,85 m cada;


    b) Nas circunstâncias de tempo, lugar e modo assentes em L) o motociclo 
tripulado pelo Autor seguia animado de velocidade moderada, não superior a 50 
km/hora; 


c) O autor conduzia com precaução e cuidado e atento ao trânsito...; 
    

d) E a cerca de 1 metro da berma existente do seu lado direito;


          e) Levava o farol dianteiro do motociclo aceso em “médios”; 


f) E aproximava-se do local referido em O).


g) Em sentido contrário ao do A. transitavam, na ocasião e em fila, alguns veículos 
automóveis, para lá ou para além do ZR; 


h) A dada altura, porém, a condutora do -ZR flectiu bruscamente para o seu 
lado esquerdo; 


i) Antes de efectuar a manobra de mudança de direcção à respectiva esquerda, 
para entrar no recinto da Bomba de combustível, a condutora do -ZR não prestou atenção ao trânsito; 


j) Se fosse atenta ao trânsito e à condução, facilmente se teria apercebido de que o motociclo tripulado pelo A. se acercava, em sentido contrário. 


k) Possuída da alegada distracção, a condutora do -ZR invadiu bruscamente a metade esquerda da faixa de rodagem, considerando agora o sentido ... – ...; 


l) Não deu ela, previamente, qualquer sinal que indicasse a manobra que pretendia realizar, não se aproximou, com a devida antecedência do eixo da via, nem reduziu sequer a velocidade a que circulava; 


m) Atravessou-se, assim, na frente do motociclo -QZ, constituindo-se em obstáculo para este; 


n) Quando o veículo -ZR se lhe meteu na frente, o A. encontrava-se a menos de 5/10 metros ou mesmo a 33 metros de distância;


o) Não dispunha, assim, de tempo, nem de espaço que lhe permitissem travar ou desviar-se; 


p) O A. foi surpreendido pelo súbito atravessamento na sua frente do veículo …-ZR, cuja condutora não assinalou sequer a manobra que executou; 


q) O embate deu-se em plena metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional, atento o sentido de marcha do A., mais precisamente a cerca de 1,20 metros da berma; 


r) O veículo -ZR rodopiou, após o embate, sobre o seu eixo da frente;


s) A condutora do veículo seguro na Ré seguia, antes da realização da manobra de mudança de direcção, a uma velocidade não superior a 20/30 km/h, sendo certo 
que, para além do assente em R) a sua condutora seguia atenta à condução que 
efectuava, bem como ao resto do trânsito que se processava naquela via; 


t) O embate ocorre no momento em que o ZR se encontrava já totalmente fora da 
faixa de rodagem, com a frente dentro do logradouro da estação de serviço e a traseira a ocupar apenas ainda a berma que ladeia a E.N. 15 pelo seu lado esquerdo, atento o sentido de marcha ... – ...;  

u) O motociclo tripulado pelo autor seguia a velocidade seguramente não inferior a 120 km/h; 


v) Por circular nas sobreditas circunstâncias, o QZ venceu em 2,3 segundos a enorme distância que inicialmente mediava entre ele e o ZR; 


w) Na ocasião do embate o autor tinha a sua hemifaixa de rodagem totalmente livre e desobstruída; 


x) Quando se apercebeu do ZR, o autor direccionou o QZ para a sua direita; 


y) A violência do embate do motociclo no ZR fez com que o eixo traseiro do veículo de imediato se partisse; 


z) O embate entre os dois veículos ocorreu totalmente fora da faixa de rodagem, mais concretamente na entrada do parque das mencionadas bombas de gasolina, mais de um metro para dentro da berma do lado esquerdo que ladeia a E.N. n. 15, atento o sentido de marcha ... – ...; 


aa) No momento em que se dá o embate o ZR havia já concluído a manobra de mudança de direcção à esquerda, encontrando-se já totalmente fora da faixa de rodagem; 
          bb)Atentos os danos no motociclo do Autor, face à sua extensão e localização, determinavam que a reparação, a fazer-se, não seria adequada a recolocar o motociclo em condições de poder circular, sem perigo, na via pública;

cc) O motociclo era do ano 2000;


dd) O motociclo estava em excelente estado de conservação a todos os níveis e tinha cerca de 145.000 km percorridos;


ee) O veículo -QZ valia, no estado em que se achava anteriormente ao acidente, a quantia de € 3.000,00, pelo menos;


ff) No estado em ficou após ter sido acidentado – “salvados” – vale € 250,00;

gg) A mais do assente em AA), o Autor ficou a padecer de dor na região da sínfise púbica com esforço e de rigidez dolorosa da região lombossagrada; evidencia duas cicatrizes, com 1,6 e 1,8 cm, ambas no dorso do pé direito e cicatriz infraosfital;  

hh) O A evidencia disjunção da sínfise púbica e, ainda, assimetria da sacroilíaca;

ii) Tem também o A. dificuldades em fazer esforços, ainda que leves, com ambos os membros superiores;


jj) ... Não consegue carregar pesos, nem pode levantar o braço acima do nível do ombro;


kk) Por virtude das lesões e sequelas ao nível da bacia, o A. sente dores quando permanece muito tempo imóvel, seja de pé, seja sentado;


ll) ... Tem dificuldades na locomoção, mormente em caminhadas prolongadas;

mm) ... Sente dores intensas nas costas e no braço;


nn)...Tem dificuldades em dormir e em descansar, acordando frequentemente, acometido por dores intensas;


oo) Apresenta igualmente um quadro depressivo reactivo, grave e com meses de evolução;

pp) Esta perturbação psiquiátrica surge como reactiva às limitações físicas e ao quadro doloroso intenso e permanente;

qq) O A. está afectado de uma incapacidade permanente geral de 54 pontos;


rr) Sendo previsível que as sequelas do A., atenta a sua tipologia, irão agravar-se com o decorrer dos anos;


ss) A IPG de que padece o Autor é também total e absolutamente impeditiva do exercício de qualquer outra profissão que exija esforços físicos, ainda que ligeiros;


tt) Actualmente, o A. encontra-se sem trabalhar, por virtude da alegada impossibilidade física;


uu) Tem, ainda, necessidade de recorrer e recorre, regularmente, a tratamentos de fisioterapia, os quais irão prolongar-se por todo o resto da sua vida;

vv) O A., por conselho médico e por forma a mitigar as suas algias, tem necessidade de tomar regular e diariamente medicação para as dores e medicação antidepressiva;


ww) Tais tratamentos implicam custos, quer com os tratamentos em si mesmos, quer com transportes, quer com medicamentos, além de constituírem causa de perdas de tempo e de transtornos;


xx) O A. sofreu uma ITA de 19 meses;


yy)As dores de que o Autor se vê apoquentado são intensas e, para além das referidas em NNN) são-no também nas costas e nas pernas;


zz) A actividade sexual do Autor encontra-se prejudicada, por virtude da presença da dor e inerente diminuição do líbido;


aaa) O A. é obrigado a recorrer frequentemente a medicação;


bbb) O Autor mostra-se deprimido e vê o seu futuro com grande preocupação, sentindo-se um fardo e um inútil;


ccc) Isola-se e evita o convívio com amigos e familiares:


ddd) O valor total dos objectos do Autor destruídos no sinistro ascendeu ao total de € 780,00.


eee) Em despesas médicas, gastou a quantia de € 249,85;


fff)Em refeições despendeu quantia não inferior a € 500,00.


ggg) A situação assente em VVV) prolongou-se por doze meses;


hhh) O autor teve necessidade de contratar, durante esse período, os serviços de terceira pessoa, para o auxiliar nessas tarefas e, ainda, para o acompanhar aos tratamentos, despendendo, a esse título, a quantia mensal de € 700,00, num total de € 9.800,00 (€ 700,00 x 14 meses).


***

3.2. Fundamentação de direito

3.2.1. Questões Prévias.

3.2.1.1 Da admissibilidade do recurso de revista interposto pela ré.

Sustenta a interveniente  DD a inadmissibilidade do recurso interposto pela ré com o fundamento de que a matéria de facto assente, depois de apreciada pelo Venerando Tribunal da Relação, é insuscetível de recurso por estar vedado ao Supremo Tribunal de Justiça a sua reapreciação.

Ora, basta ler as conclusões de recurso apresentadas pela ré para facilmente se contatar que o recurso de revista interposto pela ré seguradora não tem por objeto a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, pelo que, sem necessidade de maiores considerações, julgamos improcedente a questão prévia suscitada por carecer de qualquer  fundamento.  


*

3.2.1.2.  Da admissibilidade do recurso subordinado interposto pelo autor.

Pugna a ré pela inadmissibilidade deste recurso, face ao disposto no nº 3 do art. 671º do CPC, sustentando, para tanto e em síntese, que, apesar de na sentença se ter decidido que o autor tinha sido o único responsável  pela ocorrência do acidente e de o Tribunal da Relação do Porto ter estabelecido  que  a medida da culpa do autor na produção do acidente era de apenas 50%, a verdade é que o Tribunal da Relação do Porto estabelece uma solução mais favorável ao autor, beneficiando-o relativamente à decisão da 1ª instância, pelo que está  vedada  ao autor a interposição de recurso de revista  para o Supremo Tribunal de Justiça.

A este respeito, importa ter presente que no Tribunal de 1ª instância, foi proferida sentença que, decidindo ter sido o autor o único culpado pela produção do acidente dos autos, julgou a ação improcedente, absolvendo a ré, BB, S.A., quer dos pedidos de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais  deduzidos pelo autor, quer do pedido de reembolso deduzido pela interveniente principal DD– PLC Sucursal.

Em sede de recurso de apelação interposto pelo autor e pela interveniente principal, o Tribunal da Relação do Porto, após alteração de alguns pontos da decisão sobre a matéria de facto[2] e sem voto de vencido, decidiu que  ambos os condutores contribuíram para a produção do acidente e,  fixando em 50%  o grau de culpa de cada um deles,  julgou parcialmente procedentes as apelações, revogou, nessa parte, a sentença recorrida e decidiu:
1. Condenar a Ré BB, S.A. a pagar ao Autor AA:
i)  A quantia de € 31.036,50, a título de indemnização pelos danos patrimoniais por ele sofridos em consequência do acidente, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação, até integral pagamento;
ii) A quantia de € 20.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por ele também sofridos em consequência do mesmo acidente, a que acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a data do presente acórdão;
2. Condenar a mesma Ré a pagar à interveniente DD – Sucursal em Portugal, a quantia de € 27.851,11, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da data da notificação da demandada até integral pagamento.
3. Absolver a Ré do demais contra ela peticionado.

A ré interpôs recurso de revista do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação por discordar do grau de  repartição de culpas e dos valores das indemnizações arbitradas, sustentando  que o grau de contribuição do autor e da condutora do veículo seguro na ré para a verificação do acidente deve ser fixado, respetivamente, em 90% e 10%  e  pugnando pela redução do montante atribuído ao autor, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, bem como do pedido de reembolso formulado pela interveniente principal.

Veio, então,  o autor interpor recurso subordinado, pugnando pela  repartição de culpas na produção do acidente em 30% para ele e em 70% para a  condutora do veículo seguro na ré e pela  condenação da ré seguradora no pagamento da indemnização de € 100.000,00, a título de danos  patrimoniais decorrentes  da incapacidade permanente geral de 13 pontos, complementarmente ao recebido em sede de acidente de trabalho, e da indemnização de € 60.000,00, a título de danos não patrimoniais.


*

Dispõe o art. 671º, nº 3 do CPC que  « (…) não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª instância (…)».

Contempla, pois, este artigo a dupla conformidade das decisões da 1ª e 2ª  instâncias, obstativa da admissibilidade do recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.

Explicitando o sentido e alcance da expressão “fundamentação essencialmente diferente”, esclarece Abrantes Geraldes[3] que «a aferição de tal requisito delimitador da conformidade das decisões deve focar-se no eixo da fundamentação jurídica que, em concreto, se revelou crucial para sustentar o resultado declarado por cada uma das instâncias, verificando se existe ou não uma real diversidade nos aspetos essenciais».

No mesmo sentido, refere o Acórdão do STJ, de 16.06.2016 ( revista nº 551/13.7TVPRT.P1.S1) [4] que, para afastar o obstáculo da dupla conforme, impeditivo do recurso de revista, nos termos do nº 3 do art. 671º do CPC, não basta que a sentença e o acórdão da Relação,  que a  confirme por unanimidade apresentem fundamentação diferente, exigindo-se que tal diferença  se mostre essencial,  não se verificando este obstáculo se o efeito do caso julgado material formado  for relevantemente diverso.

No dizer do Acórdãos do STJ, de 19.02.2015 (revista 302913/11.6YPRT.E1.S1) e de 28.05.2015 ( revista 1340/08.6TBFIG.C1.S1)[5], « só pode considerar-se existente uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1ª instância – não preenchendo esse conceito normativo o mero reforço argumentativo levado a cabo pela Relação para fundamentar a mesma solução alcançada na sentença apelada».

Dito de outro modo e na  expressão do Acórdão do STJ,  de 15.04.2015  (revista nº 849/09.9TJVNF.P1.S1),  «a fundamentação do acórdão da Relação, apesar de nele se concluir pela confirmação da decisão da 1ª instância, terá de estribar-se num enquadramento fáctico-jurídico ou até meramente jurídico substancialmente diverso do adotado na sentença recorrida, em termos de se equiparar a uma solução de primeira linha que justifique a sua reapreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça, de forma a que fique garantido  o duplo grau de jurisdição».

Ora, o que se verifica , no caso dos autos autos, é que o Tribunal da Relação, para além de não ter confirmado a sentença do Tribunal de 1ª Instância, estribou a sua decisão num enquadramento fáctico-jurídico  substancialmente diverso do adotado na sentença apelada, apreciando e decidindo, pela primeira vez, das questões  da culpa da condutora do veículo seguro na ré e da indemnização devia ao autor, a título de  danos patrimoniais e não patrimoniais por ele sofridos em consequência do acidente dos autos, o que tanto basta para descaracterizar a   situação  de “dupla conforme”.

É que se assim não fosse, a apreciação do mérito destas questões ficaria exclusivamente na esfera decisória da Relação, sem possibilidade de intervenção do Supremo no âmbito da revista a fim de assegurar o duplo grau de jurisdição relativamente tais questões,  que emergiram apenas do acórdão da Relação.
Termos em que improcede também  a questão prévia suscitada pela ré.

 


***

3.2.2. Do mérito dos recursos.

Posto que em ambos os recursos está em causa decidir da  imputação subjetiva da ocorrência do acidente e da  valoração da indemnização ao autor pelo dano decorrente da incapacidade permanente geral de 13 pontos percentuais e pelos  danos não patrimoniais, procederemos  à sua apreciação conjunta.

3.2.2.1. Da  imputação subjetiva da ocorrência do acidente. 

Neste capítulo  está  em causa saber se a factualidade dada como provada e supra descrita sob as alíneas A)  a D), J) a FF) e HH), constitui suporte suficiente para imputar a ocorrência do acidente em causa a culpas concorrentes do autor, condutor do motociclo -QZ, e da condutora do veículo ligeiro de mercadorias de matrícula -ZR.


*

Perante a referida factualidade dada como provada, concluiu o Tribunal de 1ª Instância que a ocorrência do acidente resultou exclusivamente do comportamento culposo do autor, tecendo, a propósito, as seguintes considerações:

« Na verdade, quando se atente na matéria provada sob X), AA) e BB) não pode concluir-se pela realização pela segurada da Ré de manobra de atravessamento de via prioritária, para entrar no parque da bomba de gasolina, mudando de direcção à esquerda, sem se certificar da inexistência de perigo para o trânsito que circulava na via. Indemonstrada outrossim, pelas razões melhor expostas em sede de motivação da decisão de facto, a interposição inesperada e a muito curta distância na frente do Autor, a tornar inevitável o embate, na hemifaixa destinada àquele.

Na verdade, nas condições do local (recta com excelente visibilidade) e do trânsito (não tendo resultado a circulação em fila), outrossim tendo em conta estar-se dentro de uma localidade, a distância a que se encontrava o veículo tripulado pelo Autor (ao menos 200 m) no início da manobra pela condutora do ZR era de molde a permitir, caso este circulasse à velocidade legalmente permitida ou mesmo a velocidade ligeiramente superior, a realização da manobra pela condutora do veículo seguro na Ré (já que o tempo necessário a percorrer aquela distância seria o de cerca de 1.8 minutos, sendo certo que mesmo a 10Km/hora o tempo estimado de realização da manobra pela condutora segura na Ré não excederia os 14/15 segundos…).

Ao invés, caracterizada a violação pelo Autor das regras que impõem limites de velocidade à circulação dentro de localidades, pelo que emergindo a violação, alegada, das regras plasmadas no art. 27/1 do Código da Estrada.

Donde, quando se considerem os factos provados, o que ressalta é a culpa do sinistrado mesmo na ocorrência do sinistro.

Não se tem como caracterizada qualquer contribuição causal e culposa da condutora do ZR na verificação ou ocorrência do sinistro, posto que resultou indemonstrada a prática por aquele condutor de qualquer infracção estradal que, integradora da ilicitude do comportamento, seja de molde ainda a presumir a respectiva culpa.

O dever de previsibilidade do condutor de uma viatura automóvel não pode ir para além do normal. Com o que suficiente o juízo de possibilidade da manobra sem pôr em perigo o avistado veículo, tripulado pelo autor.

Em contraponto, ressalta imediatamente uma conduta contra-ordenacional pelo sinistrado, posto que violadora da disposição do Código da Estrada que determina os limites instantâneos de velocidade permitida, na redacção em vigor à data do sinistro, a aplicável.

No caso, pelo exposto, inexiste qualquer fundamento para a responsabilização da condutora do veículo seguro na Ré, porquanto não ficaram demonstrados nos autos os factos alegados pelo Autor, dos quais decorreria a culpa daquela na produção do embate».


*

Por sua vez, o Tribunal da Relação do Porto,  no âmbito do  recurso de apelação interposto pelo autor e pela interveniente principal, ante a factualidade dada como provada e supra descrita sob as alíneas A)  a D), J) a FF) e HH),  decidiu que o  acidente ficou a dever-se a culpas concorrentes e em igual medida  do autor e da condutora do veículo seguro na ré, com base na seguinte fundamentação:

« Se é certo que o acidente se deu pela circunstância de a condutora daquele veículo, na manobra de mudança de direcção à esquerda que pretendia efectuar para entrar no posto de combustível, haver atravessado a hemi-faixa por onde circulava o motociclo, por demonstrar ficou que ela procedeu a tal manobra de forma repentina e inesperada, quando este se achava a uma curta distância do ZR, de tal sorte que era impossível ao Autor conseguir evitar o embate.

Em contrapartida, ficou comprovado que a condutora do ZR antes de iniciar a manobra de mudança de direcção à esquerda adoptou todos os procedimentos exigidos para não colocar em risco a sua própria segurança e a dos demais utentes da via pública; ou seja: accionou o “pisca” do lado esquerdo, aproximou-se do eixo da via – assinalado com uma linha descontínua –, e imobilizou o veículo que conduzia, sensivelmente em frente à entrada da estação de serviço, ainda antes de atingir a hemifaixa de rodagem esquerda da via, atento o seu sentido de marcha, e olhou em direcção a …., a fim de se certificar se na hemifaixa de rodagem destinada ao trânsito que se processava no sentido contrário ao da sua marcha algum veículo.

Não suscitando reservas a forma diligente – cautelosa e respeitadora das regras estradais - como a condutora do ZR procedeu até imobilizar, na sua mão de trânsito, junto ao eixo da via, o referido veículo, já não deixará de ser questionável, sob o mesmo ponto de vista, a sua posterior conduta ao decidir executar a manobra de mudança de direcção à esquerda depois de avistar o motociclo do Autor a circular na faixa contrária, sabendo de antemão que para a concluir teria necessariamente de atravessar aquela hemi-faixa, cortando a linha de trânsito do Autor, que gozava de prioridade de circulação.

Circulando o motociclo a uma velocidade de, pelo menos, 100 Km/hora, e não podendo a condutora do ZR deixar de se aperceber da elevada velocidade de que o mesmo vinha animado – embora não lhe fosse exigível que tivesse noção da concreta velocidade a que circulava -, aconselhava-se uma atitude mais prudente por parte daquela condutora, cedendo, para o efeito, a passagem àquele veículo que seguia em via prioritária, não sendo aceitável que haja a mesma formado a decisão de avançar com a manobra de viragem à esquerda na expectativa de que, ocorrendo risco de embate, de forma a evitá-lo acabaria o condutor do motociclo por reduzir a velocidade, ou mesmo por travar, hipóteses que, como se viu, não vieram a ocorrer.

Por outro lado, se é certo que, como ficou demonstrado nos autos, a condutora do ZR, antes de virar à sua esquerda, avistou o motociclo a, pelo menos, 200 metros de distância, nada indica que fosse essa a distância que ainda separava os dois veículos quando aquela retomou a marcha para concluir a manobra, cortando, para o efeito, a linha de trânsito do Autor.

O tempo necessário para percorrer uma distância de, pelo menos, 200 metros, mesmo a uma velocidade superior a 100 Km/hora, e o escasso tempo necessário para concluir a travessia da via por circulava o motociclo – mesmo que se aceitasse os 14/15 segundos de que fala a sentença recorrida, que não deixa de se afigurar tempo excessivo considerando as características do local – indiciam claramente que a condutora do ZR não iniciou a referida travessia quando o motociclo ainda se achava distante dela 200 metros – pois, a ser assim, dispunha de tempo suficiente para concluir em segurança a manobra -, tudo apontando, pelo contrário, para que, mercê de falta de destreza ou hesitação, o tenha feito quando já era menor essa distância, não dispondo, por isso, de tempo suficiente para a ultimar antes da eclosão do embate, como veio a confirmar-se.

(…).

Da matéria de facto fixada – pontos A) e B) – resulta que o acidente ocorreu no …, …, …, e que nas imediações do local do sinistro a EN 15 é ladeada, de ambos os lados, por várias casas de habitação e comércio. Também as imagens fotográficas recolhidas no espaço geográfico onde ocorreu o acidente, juntas aos autos, são esclarecedoras quanto ao facto de se tratar de uma localidade.

De resto, uma simples visualização do local através da aplicação Google Maps permite desfazer quaisquer dúvidas que pudessem subsistir quanto à natureza e características do mesmo, sendo facto incontroverso de que se trata de uma localidade.

De todo o modo, ainda que não se tratasse de localidade, o que não é o caso, sempre o Autor, imprimindo ao motociclo velocidade não inferior a 100 Km/h, desrespeitava os limites máximos regulamentares de velocidade, a qual, em todo o caso, sempre teria de se reputar de excessiva, considerando as características do local, com diversas casas de habitação e de comércio a marginar, de ambos os lados, a via por onde transitava, sendo, por isso, exigível a adequação da velocidade de circulação dos veículos à movimentação de peões, quer no atravessamento dessa mesma via, quer junto às bermas da mesma.

Dever-se-á, pois, concluir pela contribuição do Autor na produção do acidente de viação de que foi vítima.

Mas essa contribuição, ao contrário do entendimento acolhido na sentença aqui escrutinada, não foi exclusiva, antes concorrendo para a produção do acidente também a actuação da condutora do veículo ZR que, na concretização da manobra de mudança de direcção à esquerda, atravessou a via por onde, gozando de prioridade, circulava o motociclo do Autor, cortando a linha de trânsito deste, não usando dos necessários cuidados para evitar o embate, que, por isso, acabou por ocorrer.

Neste contexto, deve concluir-se que ambos os condutores contribuíram, e em idêntica medida, para a produção do acidente, fixando-se em 50% para cada um deles o grau de culpa na produção do mesmo ».


*

Defende, porém, a ré seguradora, no âmbito do presente recurso  de revista por ela  interposto que a responsabilidade pelo acidente deve ser imputada, a título de culpa exclusiva, ao autor, e que, para o caso de entender-se que ambos os condutores contribuíram para a produção do acidente,  a medida da culpa do autor e da condutora do ZR deve ser  fixada em 90% e 10%, respetivamente.

Diferentemente, sustenta o autor, no âmbito do recurso subordinado por ele interposto, que o acidente ficou a dever-se a culpa exclusiva da condutora do veículo ZR, seguro na ré e que, para o caso de entender-se que ambos os condutores contribuíram para a produção do acidente, a medida da culpa do autor e da condutora do ZR deve ser  fixada em 30% e 70%, respetivamente


*


Vejamos.

No que aqui releva, prescreve  o Código da Estrada, aprovado pelo DL nº 114/94, de 03.05, na versão em vigor à data do acidente dos autos [6], no seu art. 3º, nº 2 , que « As pessoas  devem abster-se  de actos que impeçam ou embaracem  o trânsito ou comprometam a segurança ou comodidade dos utentes da via».

Preceitua o art. 24º, nº1 do mesmo código que « O condutor deve regular a velocidade de modo que, atendendo às características e estado da via e do veículo (...),  às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente».

Estabelece o art. 25º, nº1,   que « Sem prejuízo  dos limites máximos de velocidade fixados, o condutor  deve moderar  especialmente a velocidade:

(…)

c)  « Nas localidades ou vias marginadas por edificações».
(…)
f) Nas curvas, cruzamentos, entroncamentos, (…)»

Por sua vez, dispõe o art. 27, n.º1  do mesmo Código da Estrada, que « Sem prejuízo do disposto nos artigos 24º e 25º e de limites inferiores que lhes sejam impostos, os condutores não podem exceder as seguintes velocidades instantâneas ( em quilómetros /hora)», estabelecendo para os motociclos que circulem, dentro de localidade ou nas restantes vias públicas, os limites máximos de velocidade de 50 Km/h e de 90Km/h.

Ora, perante este cenário jurídico e tendo ficado provado  [ alíneas  B),  CC) e DD) ] que o autor  conduzia o motociclo de matrícula -QZ a velocidade não inferior a 100Km/hora,  que, nas imediações do local do sinistro, a EN 15 é ladeada,  de ambos os lados, por várias casas de habitação e comércio, sendo que nela entroncam à direita e à esquerda  várias outras estradas de trânsito local e que o autor, não obstante ter ao menos parte da sua hemifaixa de rodagem totalmente livre e desobstruída e, sem sequer travar, acabou  por embater   com a frente do QZ na zona da roda traseira direita do  ZR, temos por certo, tal como decidiu a sentença proferida pelo tribunal de 1ª Instância,  que  a velocidade de que o QZ vinha animado, para além de não se manter dentro do limite máximo fixado ( 90 k/h ), era de molde a por em perigo a segurança dos demais utentes da estrada e bem assim de causar perturbação ou entrave para o trânsito, sendo, portanto, excessiva.
Infringiu, pois, o autor,  condutor do QZ, o disposto nos citados arts. 3º, nº 2, 24º, nº1, 25º, nº1, als. c) e f) e 27º, nº 1  do C. da Estrada, contribuindo, desse modo, para  produção do acidente.
Daí entender-se, também em consonância com o decidido pelo Tribunal a quo, que o autor foi responsável pela verificação do acidente.

Mas, face à factualidade provada será de concluir que a condutora do veículo ligeiro de mercadorias  de matrícula -ZR, seguro na ré, também contribuiu culposamente para a produção do acidente?

A este respeito, diremos, desde logo, que contrariamente ao decidido pela Tribunal de 1ª Instância, julgamos que da  matéria  de facto provada e supra descrita nas alíneas Z), AA) e BB)  não se retira, sem mais, que a condutora do ZR efetuou a manobra de mudança de direção à esquerda com observância das normas estradais.
Na verdade, para além do já citado art. 3º nº 2,  impõe ainda o art. 35º, nº 1 do C.E. que « O condutor só pode efectuar as manobras de (…) mudança de direcção (…) por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito»,
Estas disposições legais estabelecem o dever geral de diligência, do qual resulta que o condutor se revela imprudente sempre que compromete a comodidade ou segurança dos utentes da via.
Acresce que a manobra de mudança de direção é particularmente perigosa e, por isso, para a sua realização  impõe-se a observância de especiais cautelas.
Daí estabelecer o art. 44º, nº1 que « O condutor que pretenda mudar de direcção para a esquerda deve aproximar-se, com a necessária antecedência e o mais possível, do limite esquerdo da faixa de rodagem ou do eixo da via desta, consoante a via esteja afecta a um ou a ambos os sentidos de trânsito, e efectuar a manobra de modo a entrar na via que pretende tomar pelo lado destinado ao seu sentido de circulação».
A este respeito, resulta dos factos provados e supra descritos nas alíneas N) P), Q), V), X) AA)  e BB) que, pretendendo mudar de direção para a sua esquerda, a fim de entrar no recinto do posto de abastecimento de combustível da “GG”, sito na margem esquerda da estrada, atento o sentido ...-…, a CC, visionou  o motociclo tripulado pelo autor a circular no sentido ...-…, acionou o pisca do lado esquerdo do ZR, aproximou-se do eixo da via e aí imobilizou o ZR, sensivelmente em frente  à entrada da estação de serviço.
Mais resulta que olhou em direção a ..., tendo constatado apenas a presença do motociclo a circular, no sentido ...-... a, pelo menos, 200 metros de distância e que  só após ter verificado que, naquele momento, não estava  a ser ultrapassada por alguma viatura é que reiniciou a referida manobra de mudança de direção à esquerda.
E resulta ainda que, no momento em que a parte da frente do ZR tinha já ultrapassado a linha delimitadora da berma que ladeia a EN  15 pelo seu lado esquerdo atento o sentido de marcha ...-..., foi  o mesmo embatido pelo motociclo QZ.
Ora, se é verdade que a CC, pretendendo mudar de direção para a sua esquerda, num primeiro momento, cumpriu o disposto no art. 44º, n.º1 do C.E., na medida em que olhou,  previamente, na direção a ..., acionou o sinal luminoso de pisca da esquerda e  aproximou-se do eixo da via, onde imobilizou o ZR, certo é também que, antes de iniciar a invasão da metade esquerda da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha, tinha a mesma o dever de  se assegurar que da realização de tal manobra não resultaria perigo para o restante tráfego, nomeadamente para o motociclo QZ que, momentos antes, tinha visto a circular pela EN nº 15 em sentido contrário ao seu e a uma distância de 200 metros.
Não o tendo feito,  isso só pode ser imputado à sua  falta de cuidado e diligência,  pois  se, depois de se ter certificado de que não estava a ser ultrapassada por alguma viatura,  tivesse voltado a   “olhar” em  direção a ...,  teria seguramente  visto que o QZ circulava já a uma distância inferior aos 200 metros, de sorte que não se aventuraria a invadir a hemi-faixa esquerda da estrada, atento o seu sentido de marcha,   sem que antes deixasse passar aquele veículo.
Significa tudo isto que a condutora do ZR infringiu o disposto nos citados  art. 3º, n.º 2 ,  35º, nº.1 e 44º, nº1  do C. E e agiu com culpa[7], contribuindo, desse modo, para   desencadear o acidente, pois  não fora esta sua conduta violadora este não se teria produzido.
É, pois, de concluir que esta  condutora foi também responsável pela verificação do acidente.

O acidente dos autos ficou a dever-se a culpa comum do condutor do motociclo QZ  e da condutora do veículo ligeiro de mercadorias ZR.
Importa, porém, determinar em que medida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 570º, nº1 do C. Civil.
E a este respeito, diremos que, sendo graves, nos termos do art. 145º, als. e) e f), respetivamente, quer as infrações cometidas   pelo autor ao disposto nos arts.  25º, nº1, als. c) e f) e 27º, nº 1, quer as infrações cometidas pela  condutora do veículo seguro ao disposto nos arts.  35º, nº.1 e 44º, nº1, todos do C. Estrada,  afigura-se-nos equilibrada a repartição das responsabilidades concorrentes do autor e da condutora do ZR, na proporção de 50% para cada  um deles, estabelecida no acórdão recorrido.  

Consequentemente,  improcedem, neste segmento, ambos os recursos.


*

3.2.2.2. Indemnização  por danos patrimoniais futuros decorrentes da incapacidade permanente geral de 13 pontos, atribuída ao autor AA pelas lesões sofridas em consequência do acidente de viação em causa e que é impeditiva do exercício da sua atividade profissional habitual, como trolha, bem como de qualquer outra dentro desta sua área de preparação técnico-profissional.

Relativamente a estes danos, sustenta a ré  que, configurando o acidente dos autos, um acidente simultaneamente de viação e de trabalho e tendo o autor optado por receber a pensão fixada  pelo Tribunal de Trabalho,  não pode a mesma  ser condenada no pagamento ao autor de qualquer indemnização complementar a título de perda de capacidade de ganho.

A este respeito, diremos, desde logo, tal como nos dá conta o Acórdão do STJ, de 11.12.2012  ( processo nº 40/08.1TBMMV.C1.S1)[8], constituir entendimento uniforme e reiterado da nossa jurisprudência, por um lado, o de que « as indemnizações consequentes ao acidente de viação e ao sinistro laboral – assentes em critérios distintos e cada uma delas com a sua funcionalidade própria – não são cumuláveis, mas antes complementares até ao ressarcimento total do prejuízo causado».

E, por outro lado, o de que «a responsabilidade primacial e definitiva é a que incide sobre o responsável civil, quer com fundamento na culpa, quer com base no risco, podendo sempre a entidade patronal ou respectiva seguradora repercutir aquilo que, a título de responsável objectivo pelo acidente laboral, tenha pago ao sinistrado».

No dizer do mesmo acórdão, estamos perante a figura da « solidariedade imprópria ou imperfeita», podendo o lesado/sinistrado « exigir, alternativamente, a indemnização ou ressarcimento  dos danos  a qualquer dos responsáveis, civil ou laboral, escolhendo aquele de que pretende obter em primeira linha a indemnização», sendo que « o pagamento da indemnização pelo responsável  pelo sinistro laboral não envolve extinção, mesmo parcial, da obrigação  comum, não liberando o responsável pelo acidente»[9].

De esclarecer, contudo,  que a indemnização devida ao lesado/sinistrado a título de perda da sua capacidade de ganho, mesmo no caso do autor  ter optado pela indemnização arbitrada em sede de acidente de trabalho,  não contempla  a compensação do dano biológico, consubstanciado na  diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na sua vida pessoal e profissional[10], porquanto estamos perante dois danos de natureza diferente.

Com efeito, enquanto a primeira  indemnização tem por objeto o dano  decorrente  da perda total ou parcial da capacidade do lesado para o exercício da sua actividade profissional habitual, durante o período previsível dessa actividade e, consequentemente, dos rendimentos que dela poderia auferir, a compensação do dano biológico tem como base e fundamento « a perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da actividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa actividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expectável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual»[11].

Dito de outro modo e nas palavras do  Acórdão do STJ, de 10.10.2012 ( processo nº 632/2001.G1.S1)[12] « (…) a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou conversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.

   Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado - constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável – e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição -, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais». 

Assim, « nesta perspectiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua justa compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis deminutio de que passou a padecer (o lesado), bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal».

Nesta linha, refere o Acórdão do STJ, de 06.12.2017 ( processo nº 1509/13.1TVLSB.L1.S1)[13]   que  «podem esboçar-se duas vertentes:

 - por um lado, a perda total ou parcial da capacidade do lesado para o exercício da sua atividade profissional habitual ou específica, durante o período previsível dessa atividade, e consequentemente dos rendimentos que dela poderia auferir;
- por outro lado, a perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da atividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa atividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expetável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual.
Em suma, o dito dano biológico abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua atividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expetáveis».

Daí que, perfilhando este entendimento, se considere assistir razão ao Tribunal da Relação ao afirmar que tendo a capacidade de trabalho do autor  ficado afetada mercê da incapacidade permanente geral de 13 pontos que lhe foi atribuída e que o impede  do exercício da sua atividade profissional habitual  como trolha  e bem como de qualquer dentro desta sua área  de preparação técnico-profissional, deve a mesma ser valorada como dano biológico  na vertente de dano patrimonial futuro, quer acarrete  para o lesado uma diminuição efetiva do seu  ganho laboral, quer lhe implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais.  


*

Assente a ressarcibilidade deste dano, impõe-se, agora, enfrentar a questão  do cálculo da sua indemnização.

Neste domínio,  peticionou o  autor a indemnização de € 100.000,00, persistindo também pela atribuição deste valor no âmbito do recurso subordinado por si interposto.

O acórdão recorrido, avaliou este dano, através do uso de  fórmula matemática com vista a  alcançar um «minus» indemnizatório, que, depois, temperou com recurso a juízos de equidade.

Assim, tendo em conta os factos provados e supra descritos nas alíneas F), BBB), CCC), DDD), EEE), FFF),  GGG), HHH), III), JJJ), considerou:

« No caso vertente, na ponderação dos elementos atendíveis haverá que privilegiar fundamentalmente a natureza, extensão e gravidade das sequelas funcionais resultantes do acidente para o Autor (achando-se, por virtude das sequelas, permanentes e irreversíveis, de que ficou a padecer afectado de uma incapacidade permanente geral de 13 pontos, as quais são impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual como trolha, bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional, posto que apenas exerceu a actividade de trolha, actividade que iniciou aos 13 anos, tendo estudado até à 4.ª classe), a idade que tinha à data do acidente (38 anos, o que significa que teria mais 38 anos, pelo menos, de probabilidade de vida) e o rendimento anual que, reportado à data do acidente, obtinha com o seu trabalho (€ 20.600,00 [€ 1400,00X14]).

Obtendo o Autor € 1400,00 mensais com a actividade laboral que desenvolvia, o que corresponde a € 20.600,00 por ano, 13% de incapacidade traduz uma perda anual de € 2.678,00.

(…)

Não obstante não ser particularmente elevado o défice funcional em causa, resulta demonstrado ser o mesmo impeditivo do exercício da sua actividade profissional habitual de trolha, profissão que exercia à data do facto danoso, bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional, posto que apenas exerceu a actividade de trolha, actividade que iniciou aos 13 anos, tendo estudado até à 4.ª classe, impedindo as sequelas de que passou a padecer a realização de esforços físicos exigidos pelo exercício daquela profissão.

(…)

Achando-se o Autor impossibilitado de continuar a exercer  a profissão que exercia à data do acidente por virtude das sequelas que o afectam, o seu acesso ao mercado de trabalho pressupõe necessariamente uma exigente reconversão profissional, cujos custos e demora provável (durante a qual não poderá, na prática, exercer qualquer actividade indiferenciada que envolva a componente de esforço físico) constitui também factor a atender no montante indemnizatório a arbitrar por danos futuros.

Resulta, todavia, dos autos que no âmbito do processo laboral por acidente de trabalho que correu termos pelo Tribunal de Trabalho de ... foi a Ré nesse processo, interveniente nestes autos, condenada a pagar ao sinistrado, aqui Autor, entre outras, a quantia de € 9.859,49, a título de pensão anual, vitalícia e actualizável.

Da acta de julgamento de 
6 de Abril de 2016 consta informação, prestada pelo mandatário do Autor, de que este se acha por “virtude da incapacidade que lhe foi fixada no âmbito do processo emergente do acidente de trabalho, [...] encontra-se a receber da respetiva seguradora, interveniente nos presentes autos, uma pensão mensal no montante de cerca de 700,00 €”, declarando ainda que “que opta por continuar a receber da seguradora do risco laboral a sobredita pensão mensal, a título de ressarcimento de dano patrimonial futuro”, requerendo que “nos presentes autos, seja fixada equitativamente a indemnização complementar pelo dano patrimonial futuro resultante da incapacidade para o trabalho, por forma a que, a indemnização recebida por acidente de trabalho e a que vir a ser fixada por acidente de viação, somadas, constituam o justo e equilibrado ressarcimento do referido dano».

E com base em tudo isto,  entendeu ser  ajustada à sua reparação uma indemnização  no valor de € 60.000,00.

Por sua vez,  sustenta a ré que a indemnização em causa deve ser fixada no montante de € 48.000,00, porquanto, o vencimento anual do autor ascende apenas ao montante global de 16.665,32€, já que não está demonstrado que o recorrido auferisse 1.400,00€ x 14 meses e,  como é consabido, o vencimento base, o subsídio de férias e o subsídio de natal são apenas pagos 12 meses por ano e as ajudas de custo, variáveis em função dos dias de trabalho, apenas poderiam  ser pagas 11 meses por ano, na medida em que o autor  sempre teria direito a gozar um mês de férias.

Com o devido respeito, estamos perante argumentos que não colhem, pois resultando dos factos provados e supra descritos na alínea III), que, à data do acidente, o autor auferia a remuneração mensal de € 1.400,00 e considerando o disposto nos artigos 258º, 263º, nº 1[14] e 264º, nºs 1[15] e  2[16], todos do Código do Trabalho ( Lei nº 7/2009, vigente à data do acidente) evidente se torna que o autor obtinha com o seu trabalho um rendimento anual  de € 20.600,00 [€ 1400,00X14]).

E também não se vislumbra motivo para alterar o critério seguido pelo Tribunal da Relação de calcular a indemnização, a título de danos patrimoniais derivados da  incapacidade permanente geral de 13 pontos, com base no rendimento anual do autor, auferido no âmbito da sua atividade profissional habitual, já que a sobredita incapacidade  é impeditiva do exercício da sua atividade profissional habitual, de “trolha”, o que não deixa de implicar perdas salariais, durante a integral vida profissional do autor.

De salientar  que o autor só estudou até à 4ª classe  e  desde os seus 13 anos, sempre exerceu a  atividade de “trolha”, atividade  que deixou de poder exercer, estando também impossibilitado de  pegar e de transportar objetos pesados, pelo que, tal como se sublinha no  Acórdão do STJ de 10.11.2016 ( processo nº 175/05.2TBPSR.E2.S1)[17], na concreta situação dos autos, o eventual acesso do autor ao mercado de trabalho passa inelutavelmente por uma  exigente reconversão profissional, cujos custos e demora provável têm também de ser incluídos  no montante  indemnizatório a arbitrar por danos patrimoniais futuros.

E o mesmo vale dizer quanto ao facto de incapacidade permanente geral de 13 pontos, ser também impeditiva  do exercício de qualquer outra atividade dentro da área de preparação técnico-profissional do autor, o que reduz ainda mais o leque de oportunidades profissionais do autor, com notória repercussão na sua  futura carreira profissional. 

Daí, neste contexto, ter-se por inquestionável  que este défice funcional  não pode deixar de relevar enquanto  dano biológico, consubstanciado na  diminuição, em geral da qualidade de vida profissional do autor AA, sendo passível de indemnização, pois acarreta-lhe prejuízos incidentes na sua esfera patrimonial, designadamente a frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer atividades ou tarefas de cariz económico, mesmo fora da atividade profissional habitual, bem como os custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas.

Ora, tudo ponderado e malgrado considerar-se excessivo o montante de € 100.000,00 peticionado pelo autor, para o compensar destes danos, tem-se por insuficiente o montante indemnizatório de € 48.000,00, pugnado pela ré, julgando-se, antes, mais equitativa a indemnização  de  € 60.000,00 fixada no acórdão recorrido.

Deste valor, o autor tem apenas direito a receber a quantia de € 30.000,00, uma vez que a sua contribuição para a produção do acidente dos autos, foi de 50% .

Improcedem, também, neste segmento,  ambos os recursos.

 


***

3.2.2.3. Quanto ao montante indemnizatório pelos danos não patrimoniais.

No caso dos autos, o Tribunal da Relação fixou a indemnização devida ao autor AA, a título de danos  não patrimoniais, no montante  de € 40.000,00, com base na seguinte fundamentação:

«Tomando por referência as citadas decisões do Supremo Tribunal de Justiça e ponderando a especificidade do caso concreto, designadamente, as lesões sofridas pelo Autor, natureza e extensão das mesmas, natureza e duração dos tratamentos a que  submeteu, período de internamento a que foi sujeito, sequelas permanentes resultantes do acidente, nomeadamente, grau de défice funcional repercutido na ofensa ao seu corpo e limitações daí advenientes, dano estético - 3 graus numa escala de 7 de gravidade crescente -, dores, passadas e actuais, directamente resultantes das lesões sofridas e também as provocadas pelos tratamentos a que se sujeitou - avaliáveis no grau 5 de uma escala de 7 de gravidade crescente -, repercussão das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes nas suas actividades lúdicas e de lazer, e também no seu estado anímico, devendo o quantum indemnizatório para reparação destes danos não patrimoniais ser fixado com recurso a critérios de equidade, tem-se por equilibrada uma indemnização de € 40.000,00 devida a este título».

Pugna, porém, a recorrente/seguradora  pela redução do montante fixado, que reputa de excessivo,  contrapondo  que essa indemnização seja fixada em valor próximo  dos  € 30.000,00.

Por outro lado, defende o autor que a justa compensação destes danos deve cifrar-se em, pelo menos,  € 60.000,00.


*

Como  é consabido e   resulta claramente do disposto nos arts. 483º, nº1 e 562º, do  C. Civil, pressuposto e requisito essencial  da obrigação de indemnizar fundada em responsabilidade civil é  que o lesado, titular do direito indemnizatório, tenha sofrido um dano.

Fundamental, porém, é que os danos assumam gravidade, já que  o art. 496º, nº 1 do C. Civil apenas elege como danos  não patrimoniais indemnizáveis os que “pela sua gravidade mereçam a tutela do direito”, o que equivale a dizer que só o dano “grave” constitui  pressuposto da obrigação de indemnizar.

Significa isto, no  dizer do Acórdão do STJ, de 24.05.2007[18], que,  « em sede de compensação por danos não patrimoniais, por não se estar perante a lesão de interesses susceptíveis de avaliação pecuniária, o dano não corresponde a um prejuízo determinado ou materialmente determinável, reparável por reconstituição natural ou através de um sucedâneo em dinheiro, mas a uma lesão de ordem moral ou espiritual apenas indirectamente compensável através de utilidades que o dinheiro possa proporcionar. E que  o requisito “dano”, como pressuposto da obrigação de indemnizar, não seja um qualquer prejuízo, mas apenas aquele que se apresente com um grau de gravidade tal que postule a atribuição de uma indemnização ao lesado. Se essa gravidade não concorrer, não pode falar-se de dano não patrimonial passível de ressarcimento».

Mas, não obstante os danos  não patrimoniais respeitarem à alteração/depreciação das condições psicológicas e subjetivas  da pessoa humana,  traduzindo-se em estados de sofrimento ou de dor, física ou moral, provocados por ofensas à integridade física ou moral duma pessoa,  importa realçar que  a avaliação da sua gravidade não é feita à luz de factores subjetivos ( de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada), aferindo-se, antes,  segundo  um padrão objectivo ( conquanto a apreciação deva ter em conta as circunstâncias do caso)[19], constituindo, desde há muito[20], orientação consolidada na  jurisprudência que as simples contrariedades ou incómodos apresentam “um nível de gravidade objectiva insuficiente para os efeitos do n.º 1 do art. 496º”.

Daí que, tal como nos dá  conta o supra mencionado Acórdão do STJ,  na valoração dos danos não patrimoniais, como consequências da conduta do lesante,  importe, em primeiro lugar, estabelecer,  «como  linha de fronteira, a separação entre aquelas que se situam ao nível das contrariedades e incómodos irrelevantes para efeitos indemnizatórios e as que se apresentam num patamar de gravidade superior e suficiente para reclamar compensação».

E, depois, ter presente, como vem sendo entendimento pacífico da jurisprudência[21], que « dano grave não terá que ser considerado apenas aquele que é “exorbitante ou excepcional”, mas também aquele que “sai da mediania, que ultrapassa as fronteiras da banalidade. Um dano considerável que, no seu mínimo espelha a intensidade duma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação”».
Assim, neste domínio estabelece o art. 496º, nº 4 do C. Civil que  o  montante da indemnização compensação será fixado equitativamente pelo Tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no art. 494º, devendo  ser « proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta as regras da boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida»[22].
Segundo o Prof. Antunes Varela[23],  deve atender-se, para tanto, «em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do agente), ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado e do titular da indemnização, aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, às flutuações do valor da moeda, etc.», sendo, todavia, de afastar, no entendimento  do Acórdão do STJ, de 22.10.2009 ( processo nº 3138/06.7TBMTS.P1.S1)[24], que se perfilha, « a referência à situação económica do lesado, por violação do princípio da igualdade, consignado no artigo 13.º da CRP»[25].
E porque um tal «juízo de equidade» das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», tem-se defendido, designadamente nos Acórdãos do STJ, de 05.11.2009 ( proc. 381/2009.S1) de 20.05.2010 ( proc. 103/2002.L1.S1), de 28.10.2010 ( proc. 272/06.7TBMTR.P1.S1), de 07.10.2010 (proc. 457.9TCGMR.G1.S1) e  de   25.05.2017 ( proc. 868/10.2TBALR.E1.S1)[26], que «tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e, em última análise, o princípio da igualdade».
Deste modo, mais do que discutir e reconstruir a substância do casuístico juízo de equidade que esteve na base da fixação pela Relação do valor indemnizatório arbitrado, em articulação incindível com a especificidade irrepetível do caso concreto, plasmada nas particularidades singulares da matéria de facto fixada, importa essencialmente verificar, num recurso de revista, se os critérios seguidos e que estão na base de tais valores indemnizatórios são passíveis de ser generalizados para todos os casos análogos – muito em particular, se os valores arbitrados se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, devem sendo seguidos em situações análogas ou equiparáveis – em situação em que estamos confrontados com gravosas incapacidades que afectam, de forma sensível e irremediável, o padrão e a qualidade de vida de lesados».
De salientar, finalmente, constituir orientação da nossa jurisprudência que a indemnização por danos não patrimoniais não pode ser simbólica nem miserabilista[27], devendo, antes, ser significativa[28] e traduzir a “justiça do caso concreto”, não se  devendo, porém, confundir a equidade com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjetivismo do julgador, tal como se adverte no Acórdão de 10.02.1998[29].

No caso dos autos, importa ter em conta a factualidade dada como provada e supra descrita nas alíneas QQ),  RR), SS), TT), UU), VV),  XX), ZZ) , AAA), BBB), CCC), DDD), EEE), FFF), LLL), MMM), OOO), PPP), RRR), SSS) e VVV), da qual resulta que:
- Em consequência do acidente o autor sofreu: fratura da bacia B de Tile, com disjunção da sínfise púbica; fratura exposta dos ossos do antebraço direito (II de Gustilo);
fratura de Barton à direita; escoriações dos dedos da mão direita; fratura do rádio distal esquerdo;
ferida cortocontusa infraorbital.
-  O A.  foi internado no Hospital do ..., em ..., e aí submetido às seguintes intervenções cirúrgicas: ORIF (redução aberta e fixação interna) das fraturas do rádio e cúbito direito, com placa LC-DCP; ORIF (redução aberta e fixação interna) do rádio distal, com placa Variax e desbridamento das feridas.
-  Permaneceu o A. internado durante vinte dias no sobredito hospital e  teve alta em 15 de Junho de 2012, apesar de não curado.
- Após a alta hospitalar, o A. prosseguiu os tratamentos, frequentando, com regularidade, consultas de ortopedia no Hospital de Santa Maria, na cidade do Porto.
-  Neste último hospital, o A. foi submetido, em Dezembro de 2012, a nova intervenção cirúrgica, para extração do material de osteossíntese aplicado no cúbito e no punho.
-  O A. fez tratamentos regulares de fisioterapia durante cerca de seis meses, com o fim de recuperar a mobilidade e a força muscular e para alívio da sintomatologia álgica.
- Só em 09 de Maio de 2013 é que as lesões sofridas pelo A. atingiram a consolidação médico-legal e a fase sequelar.
- Todavia, apesar de curado, o A., em resultado das lesões que sofreu no acidente ficou a padecer de: Cicatrizes múltiplas, nomeadamente na face o no membro superior direito, que são as melhor descritas sob o ponto 2. do exame objetivo, na p. 7 do Relatório médico legal de fls. 416 e ss., cujo teor aqui se reproduz, que correspondem a um dano estético de 3 graus numa escala de 7 de gravidade crescente;
 Rigidez anquilosa dolorosa do punho direito, mobilidades do punho direito muito diminuídas na flexão palmar, na dorsiflexão, supinação ligeiramente limitada nos últimos graus de movimento; Deficit grave de dorsiflexão do polegar; Deficit de força de preensão, por não conseguir fletir o metacarpo falângico dos dedos da mão direita; sequela de Darrach do cúbito direito; dor nos últimos graus de rotação externa do membro inferior direito/anca direita.
-  O A. mantém placa e parafusos que lhe foram aplicados no rádio, os quais foram substituídos por outros.
- Tem dificuldades em fazer oponência do polegar com o 4º dedo e impossibilidade em fazê-la com o 5º dedo da mão direita.
- O autor sofreu dores em virtude das lesões sofridas e com os tratamentos e intervenções cirúrgicas a que foi submetido e até à estabilização das lesões, avaliáveis no grau 5 de uma escala de 7 de gravidade crescente.
-Tem dificuldades em conduzir veículos automóveis e não pode tripular motociclos e outros veículos de duas rodas.
-  Sofreu incómodos e privações, nomeadamente esteve internado duas vezes e teve um período de ITA/ Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total de 349 dias, mantendo-se totalmente incapaz para o trabalho.
- Durante pelo menos dois meses teve de andar de cadeira de rodas, sendo que em 31.07.2012 já deambulava em casa sem aquela cadeira.
-  O Autor presentemente vê-se apoquentado por dores ocasionais no braço direito e com movimentos extremos de rotação da anca.
- Não pode pegar nem transportar objetos pesados.
-  Para atenuar as dores que sente, o A. é obrigado a recorrer ocasionalmente a medicação analgésica.
-  O A. não pode pescar, o que antes fazia, como atividade lúdica e de lazer.
- Anteriormente ao acidente, o A. era uma pessoa normalmente escorreita e saudável, sendo também normalmente alegre e otimista.
-  Hoje, mostra-se triste e sente complexos e desgosto em face das sequelas que possui e pelo facto de não ter retomado a sua atividade profissional.
- Após a alta hospitalar e durante pelo menos os 50 dias que se lhe seguiram, o A. ficou impossibilitado de realizar sozinho as suas tarefas diárias, tais como vestir, despir, levantar, deitar, confecionar alimentos e tratar da higiene pessoal.


Ora, ponderando todo este quadro factual à luz dos sobreditos  critérios balizadores,   não se vê que o critério seguido pela Relação se afaste, de modo significativo, dos padrões que vêm sendo seguidos em casos equiparáveis, pelo que considera-se que não merece censura o estabelecimento de indemnização pelos danos não patrimoniais no valor de € 40.000,00 num caso que, pese embora esteja longe das situações de invalidez, com total degradação do padrão de vida e da autonomia pessoal do lesado, não deixa de evidenciar, pela multiplicidade, extensão e natureza das lesões físicas e psíquicas  e pela sua repercussão fortemente negativa  e irreversível nas potencialidades pessoais e no padrão futuro de vida do autor, que à data do acidente contava apenas  38 anos de idade,  uma onerosidade e gravidade objetiva e subjetiva.

Assim, tendo-se por  insuficiente  o montante de € 30.000,00 proposto pela ré para compensar o autor destes danos e por manifestamente excessivo  o montante de € 60.000,00 pretendido pelo autor, entende-se ser de manter o valor de € 40.000,00 fixado pelo Tribunal da Relação, do qual o autor apenas receberá  a quantia de € 20.000,00, visto ter concorrido na proporção de 50% para a produção do acidente.

Termos em que improcedem, neste segmento, ambos os recursos.


*

3.2.2.4. Pedido de reembolso  das quantias pagas ao autor/sinistrado pela interveniente DD…Sucursal em Portugal.

                          

O Tribunal da Relação, em face  dos factos dados provados e supra descritos nas alíneas AAAA) a OOOO)  e da percentagem de culpa de 50% atribuída ao autor na produção do acidente,  condenou a ré, nos termos do disposto no art. 17º, nº 4 da Lei nº 98/2009, de 4 de setembro, a reembolsar à interveniente  a quantia de € 27.851,11 ( correspondente a 50% do total de € 55.702,23).

Sustenta, porém, a ré que no referido montante de € 27.851,11, foram englobados  os seguintes  montantes que não são devidos:

  i) € 473,47 ( correspondente a V2 de € 946,94), atinente a juros de mora liquidados pela interveniente seguradora ao autor;

ii) € 816,45 ( correspondente  a V2 de € 1632,90), respeitante  a encargos judiciais  com o processo que correu termos no Tribunal de Trabalho de ... e aos honorários e despesas  com a peritagem do sinistro.

Que dizer ?

 Desde logo, que, no que respeita ao pagamento de juros de mora, não lhe assiste qualquer razão visto que os  mesmos são sempre devidos, desde a data da alta, por imposição  do disposto no art. 135º do Código de Processo de Trabalho.

Impõe-se, todavia, reconhecer-lhe razão no que concerne às despesas judiciais e honorários pagos pela realização de peritagem, pois, considerando o disposto no artigo 17° n. 4 da Lei 98/2009,  não há dúvida de que o direito de reembolso da seguradora por acidente de trabalho em relação a terceiros decorre de uma sub-rogação legal nos direitos do lesado.

E sendo assim, dúvidas não restam de que a interveniente tem apenas direito ao reembolso das quantias que tiver pago ao sinistrado ou despendido com ele, não estando, por isso, abrangidas  os encargos judiciais nem os  honorários pagos a entidade  contratada com vista  à peritagem do sinistro, por não integrarem  o conteúdo da obrigação de indemnizar a cargo do lesante.

   Daí impor-se a redução do montante devido à interveniente DD…- Sucursal em Portugal de  € 27.851,11 para € 27.034,66 (  € 27.851,11- € 816,45), procedendo apenas quanto a este segmento o recurso interposto pela ré.


***

IV – Decisão


Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal  em:

A – julgar improcedente o recurso subordinado interposto pelo autor.

B- conceder parcialmente  a revista interposta pela ré, decidindo-se alterar o acórdão recorrido no sentido de condenar a ré a pagar à interveniente  DD Sucursal em Portugal, A. a quantia de €  27.034,66, acrescida de juros nos termos determinados no acórdão recorrido.

C- confirmar  em tudo o mais o acórdão recorrido.

As custas da ação, na parte alterada e as custas dos recurso, ficam a cargo das partes na proporção dos respetivos decaimentos, sem prejuízo do apoio judiciário de que o autor  beneficia.


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Supremo Tribunal de Justiça, 14 de março  de 2019


Rosa Tching (Relatora)


Rosa Ribeiro Coelho


Bernardo Domingos


    

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[1] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respetivamente.
[2] Que não se revelam essenciais  para efeitos de motivação jurídica.
[3] In, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2018, 5ª ed., Almedina, pág. 365.
[4] Publicado in http://www.dgsi.pt/stj.
[5] Publicados in http://www.dgsi.pt/stj.
[6]  Com as alterações introduzidas pelo DL n.º 82/2011, de 20.06.
[7] Traduzida no dizer de Antunes Varela, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 102, pág. 58, na omissão da diligência exigível ao agente, tradutível em complexo juízo de censura ou responsabilidade.
[8] Acessível in, www. dgsi.pt
[9] Neste mesmo sentido, cfr. Acórdão do STJ, de 19.10.2010 ( processo nº 696/07.2TBMTS.P1.S1), acessível in www.dgsi.pt/jstj.
[10] Neste sentido,  João António Álvaro Dias, in “ Dano Corporal. Quadro Epistemológico e Aspetos Ressarcitórios”, Almedina, 2001, pág. 272.
[11] Neste sentido, Acórdão do STJ, de 13.07.2017 (processo nº 3214/11.4TBVIS.C1.S1), acessível in www.dgsi.pt/jstj.
[12] Acessível in www.dgsi.pt/jstj.
[13]Acessível in www.dgsi.pt/jstj.
[14] O qual  dispõe que “o trabalhador tem direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição…”
[15] Que estabelece que “ A retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efetivo”.
[16] Que estatui que “ Além da retribuição mencionada  no número anterior, o trabalhador tem direito a subsídio de férias (…)”. 
[17] Acessível in www, dgsi.pt/stj.
[18] Relatado pelo Conselheiro Alves Velho no proc. nº 07A1187 e publicado in www.dgs.pt/jstj.
[19] Cfr. Antunes Varela, in,  “ Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 9ª ed., pág. 628.
[20] Cfr. Acórdão do  STJ,  de 11/5/98 ( proc. 98A1262 ITIJ).
[21] De que é expressão o Acórdão do STJ, de 05.06. 197, in CJ, Ano IV, tomo III, pág. 892.
[22] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in, “Código Civil, Anotado”, 4ª ed. , pág 501.
[23] In obra citada.
[24] Acessível in www. dgsi.pt/jstj.
[25] Neste sentido, ver ainda, em wwwdgsi.pt, os Acórdãos  deste Tribunal de 11.1.2007 e 7.2.2008 bem como  o texto, a tal propósito, de Maria Veloso, em Comemorações aos 35 Anos do Código Civil, III, 542 e  o 12.º princípio da Resolução n.º 7/75, de 14.3. do Conselho da Europa (cujo texto se pode ver em Armando Braga, A Reparação do Dano Corporal na Responsabilidade Extracontratual, 295), citados no referido acórdão.
[26] Todos publicados in www. dgsi.pt/jstj.
[27] Neste sentido, vide Ac. do STJ, de 16.01.1993, in, CJ/STJ, ano I, tomo III, pág. 183.
[28] Neste sentido, vide Ac. do STJ, de 11.10.1994, in CJ/STJ, ano VII, tomo II, pág. 49.
[29] In CJ/STJ, ano 1998, Tomo I, pág. 65.