Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06B2342
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: EXECUÇÃO
LIVRANÇA
EMBARGOS DE EXECUTADO
FALTA DE TÍTULO
COMPENSAÇÃO
DESISTÊNCIA DO PEDIDO
HOMOLOGAÇÃO
CASO JULGADO FORMAL
CASO JULGADO MATERIAL
Nº do Documento: SJ200607110023427
Data do Acordão: 07/11/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : 1. A fase declarativa dos embargos de executado, estruturalmente extrínseca à acção executiva, configura-se como contra-execução, destinada à declaração da sua extinção, sob o fundamento de inexistência da obrigação exequenda ou do título executivo ou de verificação da sua ineficácia.
2. Os embargos de executado não comportam reconvenção nem a invocação pelo embargante, no confronto do embargado, da compensação por via da afirmação de um direito indemnizatório derivado de responsabilidade civil contratual.
3. Não há, para efeitos de caso julgado material, identidade de pedidos nos embargos e na acção declarativa, ambos fundados em incumprimento contratual, se nos primeiros se pediu a compensação e a extinção do crédito exequendo e, na última, a condenação no pagamento de indemnização e que se operasse a compensação em relação àquele crédito.
4. A sentença homologatória do acto de desistência do pedido formulado nos embargos só produz efeitos de caso julgado formal, naquele procedimento, não se estendendo à acção declarativa.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I
"AA" e BB intentaram, no dia 13 de Julho de 2001, contra o Empresa-A, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação a pagar-lhe 1 605 657 000$ e o que visse apurar-se quanto a danos futuros, manifestando a vontade de compensação com o seu débito de 176 959 271$.
O réu, em contestação, impugnou os factos articulados pelos autores e invocou o caso julgado em embargos de executado opostos à acção executiva que haviam intentado contra os autores.
No segundo despacho saneador, na sequência de anulação pela Relação do processado posterior ao instrumento de contestação, o réu foi absolvido da instância com fundamento na referida excepção.
Apelaram os autores, e a Relação, por acórdão proferido no dia 2 de Fevereiro de 2006, negou provimento ao recurso, sob o fundamento, além da verificação de identidade de sujeitos e de causa de pedir, de o pedido subsidiário deduzido nos embargos de executado ser o mesmo da acção de condenação quanto à indemnização pedida e à compensação.

Interpuseram os embargantes recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça, juntando parecer de prestigiado jurista, formulando, em síntese útil, as seguintes conclusões de alegação:
- a lei excluiu a reconvenção nos embargos de executado por não se tratar de meio de defesa;
- o reconhecimento judicial do credito a compensar não podia ocorrer nos embargos de executado;
- não há identidade de pedido nos embargos de executado e na acção, porque naqueles só pediram que fosse julgado extinto o crédito exequendo;
- não se verifica a excepção de caso julgado, nem o impedimento de pedido na acção declarativa de compensação dos créditos que nos embargos de executado pretendiam operar;
- o acórdão recorrido violou os artigos 494º, alínea i), 497º, 498º, 816º e 817º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil.

Respondeu o recorrido, em síntese de conclusão:
- o fundamento dos embargos de executado e da acção declarativa de condenação são o incumprimento do contrato de mútuo e os prejuízos dele derivados;
- em ambos os procedimentos, os recorrentes concluíram pelo reconhecimento do direito de crédito a ressarcir por compensação;
- o pedido nos embargos de executado é o de ressarcimento dos prejuízos baseados na mesma causa de pedir;
- não pode o tribunal proferir decisão a propósito de um direito já declarado inexistente por reconhecimento voluntário dos recorrentes.

II
É a seguinte a dinâmica processual que releva no recurso, incluindo a que consta de documento autêntico não impugnado:
1. Os autores deduziram embargos de executado na acção executiva para pagamento de quantia certa que o réu lhes instaurou na 5ª Vara Cível de Lisboa, onde corre termos sob o nº 2858/97, com fundamento em incumprimento por parte dele de um contrato de mútuo e caução hipotecária, celebrado no dia 21 de Setembro de 1994, e nos prejuízos dele decorrentes.
2. Os autores pediram a extinção da execução mencionada sob 1 por preenchimento abusivo da livrança dada à execução ou, em alternativa, a compensação de créditos, e que se julgasse extinto o crédito exequendo.
3. No dia 27 de Abril de 2001, o advogado dos embargantes declarou em termo no processo: " para todos os efeitos legais declara desistir do pedido nos presentes autos de embargos nº 2858-A/97, intentados contra o embargado Empresa-A, cessando por consequência os termos deste processo".
4. No dia 4 de Maio de 2001 foi proferida, no apenso de embargos de executado mencionado sob 3, a seguinte sentença, transitada em julgado no dia 21 de Maio de 2001: "A desistência de folhas 133 é lícita e foi formulada nos termos legalmente previstos, pelo que a julgo válida e relevante quanto ao objecto e qualidade das pessoas nela intervenientes e, consequentemente, declaro extinto o direito que os embargantes AA e BB pretendiam fazer valer contra o embargado Empresa-A - artigos 293º, nº 1, 295º, nº 1, 296º, nº 2 e 300º do Código de Processo Civil".
5. Os autores intentaram contra o réu, no dia 13 de Julho de 2001, com fundamento em incumprimento por parte do último, do contrato de mútuo e caução hipotecária, celebrado no dia 21 de Setembro de 1994, e nos prejuízos dele decorrentes, a acção declarativa de condenação em causa.
6. Os autores pediram, na acção mencionada sob 5, a condenação do réu a pagar-lhes 1 605 657 000$ e o valor dos danos futuros e que se operasse a compensação da sua dívida em relação ao último no montante de 176 959 271$.

III
A questão essencial decidenda é a de saber se ocorre ou não na espécie a excepção do caso julgado que o recorrido invocou no confronto dos recorrentes.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação formuladas pelos recorrentes e pelo recorrido, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- lei adjectiva aplicável à acção executiva em que foi deduzida a oposição em causa;
- estrutura e âmbito dos embargos de executado;
- estrutura da excepção de caso julgado;
- efeitos da desistência do pedido;
- ocorre ou não no caso espécie a excepção do caso julgado?
- síntese da solução para o caso espécie decorrente da dinâmica processual envolvente e da lei.

1.
Comecemos pela determinação da lei adjectiva aplicável na execução e na oposição que à mesma foi deduzida.
Como a acção executiva a que foi deduzida a oposição em causa foi instaurada em 1997, a ambas são aplicáveis as pertinentes normas adjectivas constantes do Código de Processo Civil Revisto, que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1997 (artigo 16º do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro).
Tendo em linha de conta a referida data de instauração da acção executiva, não lhe é aplicável o novo regime decorrente da reforma que entrou em vigor no dia 15 de Setembro de 2003, devendo aplicar-se-lhe o anterior (artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março).

2.
Atentemos agora na estrutura dos embargos de executado.
Estamos perante uma acção executiva para pagamento de quantia certa baseada no título executivo livrança, emitida pelo exequente Empresa-A, com base em alegado incumprimento de um contrato de mútuo bancário por parte dos executados AA e BB.
A causa de pedir na acção executiva em geral consubstancia-se na obrigação exequenda, que deve constar de documento com a idoneidade de título executivo, meio de prova legal da sua existência (artigo 45º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Por via dela visa-se realizar o concernente direito de crédito violado, ou seja, nela se requerem as providências adequadas à sua reparação efectiva (artigos 4º, nº 3, 45º, nº 2 e 46º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil).
Na hipótese de o título executivo se consubstanciar em documento particular, como ocorre no caso vertente, o tribunal da execução, na fase declarativa dos embargos de executado, pode sindicar, sem limites específicos, a sua relevância (artigo 815º do Código de Processo Civil).
A fase declarativa dos embargos de executado, estruturalmente extrínseca à acção executiva, configura-se, com efeito, como contra-execução, destinada à declaração da sua extinção, sob o fundamento de inexistência da obrigação exequenda ou do título executivo ou da ineficácia deste último.
Assim, os fundamentos dos embargos de executado podem ser de natureza substantiva, relativos à própria obrigação exequenda, ou de natureza processual concernentes à inexistência ou inexequibilidade do título executivo (artigo 813º, proémio, e alínea a), e 815º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Por isso, os executados podiam invocar na oposição, além dos que são especificados na a lei a propósito do título executivo sentença, a que se reporta o artigo 813º do Código de Processo Civil, os que lhes fosse lícito deduzir como meio de defesa no processo de declaração (artigo 815º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Assim, eles podiam deduzir nos embargos de executado a inexistência de título executivo ou da obrigação exequenda, ou a sua extinção por qualquer meio, por via de impugnação ou de excepção peremptória.
Na sua dinâmica, consubstanciam-se, pois, numa fase eventual da acção executiva tendente a obstar ao seu normal desenvolvimento por via da afectação negativa dos efeitos normais do título executivo, com fundamento em factos de impugnação e ou de excepção.
Tendo em conta a sua função essencial no quadro da acção executiva - obstar aos normais efeitos do título executivo - não faz sentido a formulação neles de algum pedido, a não ser o de extinção total ou parcial da acção executiva, com base na afirmação de factos de impugnação ou de excepção (artigos 813º e 815º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Por isso, não podia deixar de se suscitar, no procedimento de embargos de executado em causa, se os embargantes podiam ou não invocar no seu âmbito a designada excepção peremptória da compensação.
Resulta da lei substantiva, por um lado, que, sendo duas pessoas reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se total ou parcialmente da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados que sejam determinados requisitos, e que ela se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra, e, por outro que, feita a declaração de compensação, os créditos se consideram extintos desde o momento em que se tornem compensáveis (artigo 847º, nºs 1 e 2, 848º, nº 1 e 854º do Código Civil).
A compensação consubstancia-se, por isso, em excepção peremptória de direito substantivo e de direito adjectivo de tipo extintivo (artigos 487º, nº 2, do Código de Processo Civil e 854º do Código Civil).
No âmbito das acções declarativas, expressa a lei de processo poder o réu, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor, além do mais, quando ele se propuser a obter a compensação (artigo 274º, nºs 1 e 2, alínea b), do Código de Processo Civil).
O objecto do processo não é apenas o pedido nele formulado, mas também a respectiva causa de pedir, ou seja, relação material controvertida invocada como seu fundamento, com relevo essencial na definição do âmbito do caso julgado (artigo 671º, nº 1, do Código de Processo Civil).
A lei não distingue entre os casos em que o direito de crédito invocado pelo réu no confronto do autor é igual ou inferior ao deste último e aqueles em que o excede. E onde a lei não distingue, também ao intérprete não é legítimo distinguir, salvo se razões de sistema o impuserem, o que não é o caso.
A invocação da compensação pelo réu pressupõe a sua titularidade de uma relação jurídica diversa da invocada pelo autor, pelo que, em qualquer caso, só pode ser
implementada por via de reconvenção.
Como nos embargos de executado não era facultado aos embargantes formular pedido reconvencional, também neles não lhes era legalmente admissível a invocação da compensação por via da afirmação de um direito indemnizatório apenas susceptível de ser relevantemente afirmado em acção declarativa propriamente dita.

3.
Vejamos, agora, em tanto quanto releva no caso vertente, a estrutura e os efeitos do caso julgado formal e material em geral.
A lei distingue nos artigos 671º, nº 1, e 672º do Código de Processo Civil entre o caso julgado material e o caso julgado formal, conforme a sua eficácia se estenda ou não a processos diversos daqueles em que foram proferidos os despachos, as sentenças ou os acórdãos em causa.
O trânsito em julgado dos despachos, das sentenças e dos acórdãos decorre da circunstância de já não serem susceptíveis de recurso ordinário ou da reclamação, a que se reportam os artigos 668º e 669º do Código de Processo Civil (artigo 677º do Código de Processo Civil).
A propósito do caso julgado material, expressa a lei que, transitados em julgado os despachos, as sentenças ou os acórdãos, a decisão sobre a relação material controvertida tem força obrigatória nos limites fixados pelos artigos 497º e 498º do Código de Processo Civil (artigo 671º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Os limites a que se reporta o mencionado normativo têm a ver com a propositura de uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, em termos de a decisão da segunda implicar o risco de o tribunal contradizer ou reproduzir a decisão da primeira (artigos 497º, n.ºs 1 e 2, e 498º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
A propósito do caso julgado formal, expressa a lei que os despachos, as sentenças e os acórdãos que recaiam unicamente sobre a relação processual apenas têm força obrigatória dentro do processo (artigo 672º do Código de Processo Civil).
No que concerne ao alcance do caso julgado, a sentença constitui caso julgado nos limites e termos em que julga (artigo 673º do Código de Processo Civil).
Assim, a excepção do caso julgado pode assentar em decisão de mérito proferida num processo anterior ou em decisão anterior proferida sobre a relação processual.
O caso julgado material tem força obrigatória no processo e fora dele, impedindo que o mesmo ou outro tribunal, ou qualquer outra autoridade, possa definir em termos diferentes o direito concreto aplicável à relação material objecto do litígio.
O caso julgado formal apenas tem força dentro do processo, obstando a que o juiz possa, na mesma acção, alterar a decisão proferida, mas não impede que, noutra acção, a mesma questão processual concreta seja decidida em termos diferentes pelo mesmo tribunal ou por outro entretanto chamado a apreciar a causa.
O thema decidendum objecto do recurso, desenvolvido no quadro de uma acção executiva, mais precisamente na sua fase declarativa de embargos de executado, e de uma acção declarativa de condenação, suscita a questão da prevenção da repetição de causas idênticas, por via da arguição pelo recorrido da excepção dilatória de caso julgado a que se reportam os artigos 493º, n.º 2 e 494º, alínea i), do Código de Processo Civil.
Conforme se refere no parecer junto ao processo, tem sido considerado que a definição substantiva na sentença de mérito dos embargos de executado forma caso julgado material, ou seja, com efeitos extraprocessuais no confronto de embargantes e de embargados, sob o fundamento de este procedimento se traduzir em acção declarativa com forma quase tão solene como a do processo e do paralelismo com o disposto no artigo 358º do Código de Processo Civil relativo ao caso julgado nos embargos de terceiro.
Nessa perspectiva tem sido considerado que decidida no procedimento de embargos a inexistência da obrigação exequenda não pode invocar-se em posterior acção, declarativa ou executiva, com base na mesma causa de pedir, a sua existência.
No caso vertente, porém, ninguém suscitou a questão de ser ou não admitida a eficácia de caso julgado material relativo à sentença proferida na oposição de mérito à execução.

4.
Atentemos agora nos efeitos da desistência do pedido ou da instância.
A lei expressa que a instância se extingue, além do mais, com o julgamento e com a desistência (artigo 287º, alíneas a) e d), do Código de Processo Civil).
Onde a lei se refere ao julgamento e à desistência, pretende referir-se, como é natural, à sentença transitada em julgado subsequente à audiência de julgamento ou homologatória da desistência do pedido ou da instância (artigos 300º, nº 3, 658º e 671º, nº 1, do Código de Processo Civil).
O autor pode, em qualquer altura, desistir do pedido no todo ou em parte, embora não prejudique o pedido reconvencional que haja, salvo se este for dependente daquele (artigos 293º, nº 1 e 296º, nº 1, do Código de Processo Civil).
A desistência da instância pelo autor é livre enquanto não houver contestação do réu; depois da sua apresentação, depende do consentimento do contestante (artigo 296º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Enquanto o trânsito em julgado da sentença homologatória da desistência do pedido implica a extinção do direito que o autor pretendia fazer valer, o trânsito em julgado da sentença homologatória da desistência da instância apenas faz cessar o processo que se instaurara (artigo 295º do Código de Processo Civil).
O que a lei expressa a propósito da declaração de desistência do pedido e da instância formulada pelo autor é aplicável, como é natural, ao réu reconvinte no confronto do autor reconvindo (artigo 274º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Assim, por um lado, a desistência do pedido formulada pelo réu reconvinte implica a extinção do direito que ele pretendia fazer valer no confronto do autor, e, por outro, a sua desistência da instância, tendo em conta a autonomia processual que a lei lhe confere - artigo 501º, nº 1, do Código de Processo Civil - implica a extinção da instância relativa à fase processual da reconvenção.
No caso vertente, os recorrentes declararam desistir do pedido formulado nos embargos; mas importa salientar que afirmaram a consequência da cessação dos termos do processo, ou seja, do procedimento de embargos de executado.
Na realidade, os executados, no referido acto de desistência, não afirmaram a consequência de renúncia a algum direito substantivo.
A sentença homologatória do referido acto de desistência declarou a extinção do
direito que os embargantes pretendiam fazer valer contra o embargado - sem concretamente o especificar nem afirmar o efeito da absolvição do pedido a que alude o artigo 300º, nº 3, do Código de Processo Civil.
Todavia, tendo em conta as normas referidas na mencionada sentença, todas elas relativas ao direito substantivo - normalmente feito valer na acção declarativa propriamente dita pelo autor ou pelo réu reconvinte - o juiz não configurou a referida desistência como meramente reportada à cessação do procedimento de embargos, ou seja à extinção da instância, que havia sido afirmada pelos desistentes como consequência do seu acto.
Mas isso não significa, como é natural, que se conclua, nesta sede, no sentido de diversa qualificação jurídica do acto de desistência operado pelos recorrentes no procedimento de embargos de executado.

5.
Vejamos agora se ocorre ou não no caso espécie a excepção do caso julgado invocada pelo recorrido.
A análise desta questão pressupõe o confronto entre a sentença homologatória da desistência mencionada sob II 3 e o pedido e a causa de pedir referidos sob II 4 e 5.
A acção executiva em causa baseou-se em título executivo consubstanciado em livrança, ou seja, em documento particular.
Na petição de embargos foi afirmado, por um lado, dever ser indeferido o requerimento executivo por falta de título executivo, dada a falsidade da livrança accionada, pelo seu preenchimento abusivo, e pedida a extinção da execução.
E, por outro, que se assim se não entendesse, devia reconhecer-se a compensação pedida como válida e eficaz e julgar-se o crédito do exequente extinto por compensação.
Na realidade, dada a estrutura e a função dos embargos de executado a que acima se fez referência, a pretensão dos embargantes foi a de extinção da acção executiva, e a causa de pedir consistiu na falta de título executivo idóneo ou na excepção peremptória da compensação.
Assim, ao invés do que foi considerado no acórdão recorrido, os factos processuais em análise não revelam consistir a compensação pedida em pedido formulado pelos embargantes de indemnização por danos ou de condenação do embargado a indemnizá-los.
Na realidade, ao invés do que se referiu no acórdão recorrido, os referidos factos não revelam que o pedido dos embargantes seja o de condenação do embargado a indemnizá-los pelos prejuízos sofridos.
Com efeito, o que resulta da dinâmica processual envolvente é que o pedido formulado pelos embargantes no procedimento de embargos de executado foi o de extinção da acção executiva ou a extinção da obrigação exequenda.
O que nas instâncias é designado por pedido principal e por pedido subsidiário formulado pelos embargantes é a causa de pedir bifronte de falta de título executivo ou a compensação de crédito da sua titularidade derivado de responsabilidade civil contratual indemnizatória no confronto com o exequente embargado.
As partes na acção executiva - e nos embargos de executado - são as mesmas, ou seja, os ora recorrentes e o ora recorrido (artigo 498º, nº 2, do Código de Processo
Civil).
Há, na espécie, identidade parcial de causa de pedir, porque os recorrentes invocaram, a título de extinção da obrigação exequenda nos embargos de executado, aqui a título subsidiário, e na acção declarativa de condenação, o incumprimento pelo recorrido de um contrato de financiamento ou de mútuo e os prejuízos dele derivados (artigo 498º, nº 4, do Código de Processo Civil).
Mas não há identidade de pedido, porque nos embargos de executado os recorrentes não formularem contra o embargado qualquer pedido de condenação, limitando-se a pedir a extinção da execução ou a extinção do crédito invocado pelo embargado.
Não se verificam, por isso, os pressupostos da excepção dilatória do caso julgado a que a lei se reporta.
Acresce que o conteúdo da sentença de homologação do referido acto de desistência tem, dados os respectivos termos, não obstante a sua referência normativa, de ser entendido como mera extinção da instância relativa ao procedimento de embargos de executado.
Com efeito, nela se limitou o juiz a declarar a validade da desistência e a declarar a extinção do direito que os embargantes pretendiam fazer valer, sem referência alguma à relação jurídica material controvertida.
A menção normativa na mencionada sentença, a que acima se fez referência, é insusceptível de obnubilar a própria afirmação dos embargantes no sentido da cessação os termos deste processo.
Por isso, a referida sentença só assumiu efeitos sobre a relação processual em causa, ou seja, não tem eficácia sobre a relação jurídica material controvertida, pelo que a sua força obrigatória se cinge à acção executiva em que foram deduzidos os embargos de executado (artigo 672º do Código de Processo Civil).
Dada a estrutura do referido acto de desistência e a natureza do procedimento em que ocorreu, o efeito extintivo que operou circunscreveu-se à faculdade de fazer valer naquele procedimento as excepções de preenchimento abusivo da livrança e de compensação.
Em consequência, a eficácia da mencionada sentença, ou seja, o caso julgado formal que dela derivou, é insusceptível de relevar como excepção dilatória na acção declarativa de condenação em causa.
A conclusão é, por isso, no sentido de que se não verificam na espécie os fundamentos da excepção dilatória de caso julgado a que se reporta o artigo 494º, nº 1, alínea i), do Código de Processo Civil.

6.
Vejamos finalmente a síntese da solução para o caso espécie decorrente da dinâmica processual envolvente e da lei.
São aplicáveis à execução e aos embargos as pertinentes normas do Código de Processo Civil Revisto na versão que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1997, isto é, com exclusão do novo regime decorrente da reforma que entrou em vigor no dia 15 de Setembro de 2003.
Os embargos de executado não comportam, dada a sua estrutura e finalidade no
confronto com a acção executiva, a invocação de compensação com eventual direito de crédito decorrente de relação jurídica material consubstanciada em incumprimento contratual.
Nos embargos de executado à acção executiva e na acção declarativa de condenação em confronto não há identidade de pedido formulado.
A sentença homologatória do acto de desistência do pedido formulado nos embargos apenas produz efeito de caso julgado formal e, consequentemente, não se estende à acção declarativa de condenação em causa.
Não ocorre, por isso, na espécie, a excepção dilatória de caso julgado em que a decisão de absolvição da instância do recorrido se baseou.

Procede, por isso, o recurso
Vencido, é o recorrido responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).


IV
Pelo exposto revogam-se o acórdão recorrido e a sentença proferida no tribunal da primeira instância, e determina-se que o processo prossiga nos seus termos legalmente previstos, e condena-se o recorrido no pagamento das custas respectivas.

Lisboa, 11 de Julho de 2006.
Salvador da costa
Ferreira de Sousa
Armindo Luís