Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
046334
Nº Convencional: JSTJ00038639
Relator: FERNANDES MAGALHÃES
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE
ELEMENTOS DA INFRACÇÃO
APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO TEMPO
REGIME CONCRETAMENTE MAIS FAVORÁVEL
CUMPLICIDADE
MEDIDA DA PENA
CRIME DE PERIGO
Nº do Documento: SJ199506070463343
Data do Acordão: 06/07/1995
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T CIRC ANADIA
Processo no Tribunal Recurso: 783
Data: 11/19/1993
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
PROVIDO PARCIAL.
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/SOCIEDADE / CRIM C/PESSOAS / TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: DL 430/83 DE 1983/13/12 ARTIGO 23.
DL 15/93 DE 1993/01/22 ARTIGO 21 N1.
CP95 ARTIGO 2 N4 ARTIGO 21 ARTIGO 72.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1994/11/03 IN CJSTJ ANOII T3 PÁG227.
ACÓRDÃO STJ DE 1990/10/25 IN BMJ N400 PÁG345.
ACÓRDÃO STJ DE 1990/07/11 IN BMJ N399 PÁG.222.
Sumário : I - Tendo o tráfico de estupefacientes sido praticado quando vigorava o DL 430/83, de 13-12, mas tendo, entretanto sido publicado e entrado em vigor o DL 15/93, de 22-01, na sucessão das duas leis o julgador, de acordo com o n. 4 do art. 2 do CP, terá de fazer o cômputo da situação do arguido perante cada uma daquelas leis, optando, depois, por aplicar, em bloco, o regime concretamente mais favorável; no crime em causa é o regime estabelecido mais recentemente já que, além do mais, prevê para o ilícito em causa uma pena que varia entre os 4 e os 12 anos de prisão - art. 21, n. 1 - enquanto que o primeiro regime fixa para o crime a pena de 6 a 12 anos de prisão - art 23, n. 1.
II - Na determinação da medida da pena deverão ser tidos em conta os critérios constantes do art. 72 do CP, designadamente quando se atendeu à culpa do agente e às circunstâncias do caso, designadamente, o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução e a gravidade das suas consequências, os motivos determinantes do crime, a conduta anterior e posterior do agente em relação aos factos, às necessidades de prevenção geral e especial, bem como a contribuição do agente para a descoberta de outros traficantes ou qualquer outra circunstância que lhe atenue a culpa.
III - O tráfico de estupefacientes é um crime formal de perigo comum que se consuma até com a simples detenção da droga, desde que não se prove que se destine só ao seu consumo pelo detentor, sendo bem sabido que o crime em causa tem implícita como regra o móbil do lucro.
IV - Só é punido como cúmplice de um delito quem, dolosamente, auxiliar a sua prática, material ou moralmente, sendo que, quanto ao tráfico de estupefaciente, é seu cúmplice aquele que, voluntária e conscientemente, colabora, ainda que com intenção de obter droga para seu consumo, com um traficante na recepção de droga que sabidamente este destinava ao narcotráfico.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

A, B, C, D e E vieram interpor recurso do Acórdão do Tribunal Colectivo de fls. 3176 e seg., que os condenou, bem como a outros arguidos, e que absolveu vários outros arguidos.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
Vejamos antes do mais a matéria de facto provada, e com interesse para os ditos recursos.
1 - Desde finais de 1989 que o A se fixou na zona de Anadia de forma permanente, apenas interrompida com a pena de prisão em Espanha, desde 29-09-90 e 04-03-91, depois de se ter encontrado com 2 kg. de haxixe que havia ido buscar a Algeciras, para onde foi transportado pelo F, pois, eram conhecidos da Bélgica, onde foram emigrantes.
2 - Durante o cumprimento dessa pena, conheceu indivíduos de origem sul-americana que se encontravam também a cumprir penas por actividades ligadas ao tráfico de estupefacientes, entre eles um G e um H, que introduziam cocaína e haxixe no território nacional, designadamente através de I, com quem o A tinha estado detido em Coimbra.
3 - Assim, e depois de regressar ao território nacional, o A estabeleceu ligação com os seus conhecidos, designadamente, o B, o J, o K, o E, o "GU" e o L, bem como com outros que foi conhecendo.
4 - Ao A eram entregues por espanhóis, quantidades daqueles produtos, deslocando-se até à zona de Anadia utilizando veículos automóveis em que os transportavam, designadamente depois de os prepararem para a distribuição.
5 - Outras vezes, ia abastecer-se à zona de Lisboa - Costa da Caparica e aeroporto - transportando ou recorrendo aos serviços de outros para tais operações, a fim de poder satisfazer a procura de dependentes da zona centro onde operava: Bairrada, Coimbra e Aveiro.
6 - Inicialmente, o A instalou-se em casa do J em Malapasta, Anadia, onde armazenava quer a cocaína, quer o haxixe que recebia para distribuição, umas vezes contra pagamento, outras à consignação.
7 - Na sequência de desentendimentos entre ambos, o A transferiu-se para casa do B na E.N. n. 1 na Curia, Anadia, onde recebia telefonemas, entregas e contactos, local onde se manteve até à sua detenção em 24 de Agosto de 1992.
8 - De entre os seus principais fornecedores, destacaram-se o I e os espanhóis M, N, O e P que também tinha conhecido na prisão de Punto II, Cadiz, bem como o G.
9 - Assim, o A passou a ser conhecido no meio e a ser procurado, quer por consumidores, quer por vendedores de cocaína e haxixe, actividade que levou a cabo desde essa altura até à sua detenção, a qual lhe permitiu auferir lucros.
10 - No dia da sua detenção - 21-08-92 - havia o A recebido 30,8 gr. de cocaína, que destinava a venda e que lhe foram apreendidas.
11 - Em 27-04-92 foi detido em Pombal Q, o "foug", com duas barras integrando folhas, flores e frutos, compactados por prensagem e em que a resina da planta serve de ligante e que têm origem na "cannabis sativa, L", com 255 gr. cada uma, que ele havia adquirido ao A, que se transportava na moto Jamalra LO-43-05, a quem pagou 150000 escudos em dinheiro, tendo a transacção ocorrido em Coimbra, na zona do Loreto em 24-04-92.
12 - Tal negócio foi o último realizado entre ambos devido à captura do "foug".
13 - Este conhecera entre Abril e Dezembro de 1991, adquirindo-lhe nessa altura 1/2 kg. de haxixe por 140000 escudos que pagou em dinheiro, negócio levado a cabo na zona de Grada, Anadia, altura em que o A se transportava no veículo de matrícula italiana PA-620556.
14 - Em dia indeterminado do início de 1992, através do telemóvel 0676751695 pertencente ao A, o "foug" marca com ele um encontro, que veio a ocorrer durante a noite na zona de Anadia, e no Renault 21 daquele que forneceu cerca de 1,5 kg. de haxixe, por cerca de 150000 escudos que o "foug" pagou com um cheque da C. C. Agrícola Mútuo de Figueiró dos Vinhos.
15 - Depois dessa transacção o A forneceu-lhe cerca de 1,5 kg. do mesmo produto, sendo ainda recebidos 2 cheques da CCAM de Figueiró dos Vinhos de 500000 escudos cada um.
16 - Em Fevereiro de 1992 o "foug" recebeu do A quantidade não apurada (2 mãos cheias) de cocaína que acabou por deitar fora, pelo menos em parte, quando se julgou perseguido por elementos policiais.
17 - Em princípios do ano de 1992 a troco da cocaína o "foug" vendeu ao K uma moto Honda CR-500 vermelha, pelo valor de 200000 escudos, recebendo 20 gr. daquele produto.
18 - Em Agosto de 1992 o A recebeu quantidade não apurada de haxixe que ficou armazenada em casa do B.
19 - 5 kg. desse produto foram apreendidos pela P.J. em Sta Apolónia, Lisboa ao A e ao B, dentro do Renault 21, PH-19-17, propriedade do primeiro.
20 - Em Julho/92 em busca na residência do B foi apreendido meio sabonete de haxixe, sendo ainda encontradas 130 gr., 273 gr. e 22.5 gr. do mesmo produto.
21 - Em dia não apurado de Agosto de 1992, o B, com o C dirigiu-se ao aeroporto de Lisboa, onde o R lhes fez entrega de 50 gr. de cocaína, recebendo o C quantidade não apurada de haxixe para consumo próprio.
22 - Em Fevereiro de 1992 o J deslocou-se com o A ao aeroporto de Lisboa para receber 2 kg de cocaína que transportaram para Anadia para a sua residência, onde ficou guardada até ser distribuída por consumidores.
23 - Para além disso guardou em sua casa 5 kg. de haxixe pertença do A.
24 - Estes factos ocorreram entre finais de 1991 e a data da saída do A para casa do B.
25 - Depois disso o J passou a contactar o R, recebendo dele quantidades não apuradas de cocaína para seu consumo e haxixe que vendia, como forma de pagamento da cocaína, procedendo ao depósito das quantias conseguidas em conta do fornecedor no BCP, cujo n. aquele lhe dera.
26 - Um dos seus clientes era o L.
27 - Durante o Verão de 1991 o "Gú" vendeu em Coimbra na casa de um tal S cerca de 5/6 gr. de cocaína que adquirira ao D, na altura a residir na Curia.
28 - Nos primeiros dias de Maio/91 e depois de contactado pelo A o "Jú" recebe cerca de 400 gr. de cocaína, disso dando conhecimento ao D que lhe propôs fazerem a sua venda em Espinho.
29 - Para o efeito foram àquela cidade, tendo o "Jú" alugado o veículo ... em Sangalhos.
30 - O "Jú" entregara ao A o cheque n. 326749 de 2600000 escudos, datado de 10-05 para garantir o pagamento da cocaína, e que veio a dar para pagamento de um automóvel a "T", em Malaposta, Anadia.
31 - O D ficou com a cocaína ludibriando o "Jú", não lhe pagando.
32 - Em 18-01-93, dia em que a P.J. estava a fazer busca na residência do "Jú", deslocou-se aí o U, a quem aquele vendeu heroína por um número de vezes indeterminado.
33 - Em finais de 1991 o E toma conhecimento com o A.
34 - Em meados de 1992 com um tal D'Jaile, que vivia em casa do K, transportou para S. Pedro de Moel 300 gr. de heroína para um tal ... residente junto ao farol-
35 - Em meados de 1992 o E apoderou-se de 36 gr. de cocaína e 4 doses de heroína que estavam num VW-Golf que o V alugara em Sangalhos, pertença do A e por este deixados naquele veículo, o que fez depois de trocarem de viaturas, seguindo o A e o V na "Jamalca".
36 - Após cumprimento da pena o K regressa à zona de Anadia e conhece o A.
37 - Na altura da sua detenção tinha em seu poder 1,81 gr. de cocaína.
38 - O seu principal cliente era o "Gú", a quem abasteceu de cocaína, designadamente em 1992.
39 - Em 20-01-93 o L tinha em seu poder 0,950 gr. de heroína.
40 - Quando foi ao aeroporto com o B e o C tomou conhecimento da finalidade da viagem.
41 - Recebia também contactos telefónicos do G após a prisão do A e do B.
42 - Aquando da sua detenção tinha em seu poder 0,982 gr. de haxixe.
43 - Que se destinava ao seu consumo exclusivo.
44 - Todos os arguidos sabiam que as actividades deles descritas eram proibidas.
45 - Com as mesmas os arguidos A, B, E, K, L e D visavam obter lucros rápidos.
46 - Foi assim que o A adquiriu, entre outros, os seguintes bens:
- o automóvel Alfa Romeo por 3580000 escudos.
- o Renault turbo e um R. 5 Turbo.
- a mota Jamalca entregando 1798000 escudos.
- um barco de receio CB emissor receptor, pagando 2477000 escudos.
- os electrodomésticos de fls. 1043.
- um telemóvel para mais fácil contacto para os seus negócios.
47 - Foram-lhe apreendidos 205000 escudos, 10000 escudos, 351000 pesetas e 500 francos franceses.
48 - A sua actividade permitiu-lhe frequentar hotéis e adquiriu por trespasse o restaurante "A Patusca" em Anadia por 2000 contos, que pagou em dinheiro.
49 - Efectuou depósitos diversos em instituições de crédito a operar no mercado nacional, possuindo contas bancárias, designadamente, no BCP, BANIF, BCI, BTA, CCAM de Anadia e C.G.D. .
50 - O K adquiriu uma Jamalca e o Fiat.
51 - O E tinha em seu poder um revólver "Rhomer", com as características de fls. 1570.
52 - E o C a "Browning", com as de fls. 1570.
53 - Detinham essas armas sem licenças e manifesto.
54 - Bem sabiam que as suas condutas eram proibidas.
55 - O B tem um filho de 6 anos e encontra-se separado de facto.
56 - O E tem uma filha de 6 anos.
57 - O C tem dois filhos menores e a sua mulher trabalhava no restaurante do casal, que adquiriu contraindo um empréstimo que anda a pagar.
Enumerados assim os factos provados encaremos agora cada um dos recursos de per si.
I

Recurso do arguido A.
Na sua motivação concluiu ele o seguinte:
1 - O Tribunal de Círculo de Anadia invocou como suporte legal para a apreensão de bens adquiridos através da actividade delituosa do arguido A os arts. 35 dos DL 430/83 e 15/93.
2 - Tal fundamentação constitui erro de direito, pois:
a) não se fez em matéria de bens o conjunto dos dois diplomas de modo a optar-se por um ou por outro, consoante fosse mais favorável ao arguido.
b) Aplicou-se simultaneamente o mesmo artigo dos dois diplomas violando o art. 2 C. Penal.
c) O art. 35 do DL 15/93 só estatui para os bens utilizados na prática criminosa que possam tornar a vir a ser utilizados ou constituam crime para a ordem pública e não para aqueles adquiridos com os lucros dessa mesma actividade. Por outro lado os bens apreendidos não constituem pela sua natureza perigo para a ordem pública (p. ex. electrodomésticos).
d) O fundamento legal correcto para apreensão dos ditos bens deveria ter sido o art. 36 do DL 15/93.
3 - Flui de motivação do Acórdão a importância do depoimento do arguido A para a descoberta da verdade material neste e noutros processos relativos ao tráfico de estupefacientes pelo que:
a) A dosimetria penal foi feita contra lei expressa - art. 31 DL 15/93.
b) Não se fez uso de atenuação especial prevista no mesmo, contra o que fluía da própria motivação, o que acarreta contradição entre os fundamentos e a pena aplicada.
c) Nos termos dos arts. 31 referido e 74 CP o limite máximo da pena não deveria ultrapassar os 8 anos.
4 - Termos em que deve ser provido o recurso, devolvendo-se os bens apreendidos e atenuando-se especialmente a pena por aplicação dos ditos preceitos e outros, e de todo o modo anular-se o julgamento para se proferir novo Acórdão que elimine a injustiça cometida contra ele recorrente arguido.
Face ao assim referido por este recorrente há apenas que acentuar como nota prévia que ele aceita que os factos praticados aconteceram no domínio do DL 430/83 de 13-12, tendo, entretanto, sido publicado o DL 15/93 de 22-01.
Como, aliás, também salienta que na sucessão de duas leis penais o juiz terá de fazer o cômputo da situação do arguido perante cada uma delas optando depois por aplicar, em bloco, o regime mais favorável.
Ora do Acórdão recorrido resulta claramente que foi feita a opção pela lei nova, e tanto assim que o arguido foi condenado pela prática em autoria material de um crime p. e p. pelo art. 21 n. 1 do DL 15/93 de 20-02, na pena de 9 anos de prisão, afastando-se a incriminação pelo art. 23 n. 1 do DL 430/83 de 13-12 em relação à qual foi achada uma pena de 12 anos de prisão.
Como diz o Ministério Público o Acórdão recorrido ponderou que era aplicável a lei nova e só por mera referência e como nota de reforço citou o art. 35 do DL 430/83 de 13-12 a propósito dos bens aprendidos, sendo certo que, quiçá, por erro de simpatia se referenciou o art. 35 do DL 15/93 de 22-01 também, quando o correcto é o art. 36 deste último, que fundamenta a apreensão dos ditos bens do recorrente.
E é essa correcção que se fará sem obviamente se tornar necessário algo mais, "maxime" a anulação do julgamento pretendida pelo arguido.
Resta agora ver a temática da pena concreta aplicada ao arguido.
Entendemos que nesta parte nenhuma censura nos merece o Acórdão recorrido dado que se tiveram em conta os critérios constantes do art. 72 do Código Penal.
Com efeito, nele se atendeu à culpa do agente e às circunstâncias do caso, designadamente o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução e gravidade das suas consequências, os motivos determinantes do crime e a conduta anterior e posterior ao facto.
Ponderando toda a matéria fáctica provada a seu respeito, e vendo a sua gravidade objectiva e subjectiva dos factos, apresenta-se acentuada a ilicitude, como o é o grau de culpa do arguido, indiferente aos malefícios da droga, às terríveis consequências do seu consumo contando apenas o desejo do lucro avultado.
Nestes casos a par do fim da retribuição, sem dúvida que as necessidades de prevenção geral e especial são prementes e assim foi bem ponderada a pena concreta aplicada ao arguido.
Anote-se que este tem uma actividade criminal que se arrasta por vários locais, e como se refere na motivação do Acórdão recorrido a seu respeito, conhecendo profundamente os meandros do tráfico de estupefacientes no nosso país, sem que isso signifique que se tenha provado que ele tenha contribuído para a descoberta de outros traficantes.
Tal significa que não há a por ele apontada contradição na determinação da medida concreta da pena que no seu dizer olvidou o disposto no art. 31 do DL 15/93 e a atenuação especial da pena aí prevista.
Não há contradição entre os fundamentos da motivação nesta parte e a pena que lhe foi aplicada, pois além do mais, se alude singelamente a que ele diz que apontou grandes traficantes e canais de entrada de droga no país às autoridades... .
Assim, e em conclusão, improcedentes se consideram as conclusões do recorrente.
II

Recurso do arguido B.
Formulou ele na sua motivação as conclusões seguintes, em resumo:
1 - Deve ser-lhe reduzida a pena de 7 anos e 6 meses de prisão que lhe foi aplicada como autor de um crime p. e p. pelo art.21 n. 1 do DL 15/93 de 20-02, por não servir os fins da sua aplicação e prevenção, revelando desproporção com a pena mais grave e com outras penas aplicadas mais brandas e até suspensas - violação dos princípios constitucionais de proporcionalidade e da igualdade e desconsideração pela lei penal, designadamente pelo art. 72 do Cód. Penal.
2 - Os factos que sustentam tal conclusão constam do processo, deles não resultando que obteve qualquer lucro efectivo com a sua conduta e está pobre.
3 - E, assim, aqueles impõem, por aplicação dos art. 27 al. b) e c) do DL 430/83 e 24 al. b) e c) do DL 15/93, penas sem agravação ainda em obediência aos princípios de proporcionalidade e igualdade, tanto mais que colaborou na descoberta da verdade e ao tempo era consumidor de droga.
Delimitado como está em tais termos o objecto do seu recurso a questão fundamental a decidir nele é o saber se há dosimetria penal excessiva.
Ora quanto a isso entendemos que não merece o Acórdão recorrido a censura pretendida pelo recorrente.
Com efeito, como decorre da análise do processo o recorrente aceitou que o A se transferisse para sua casa e aí fizesse a sua sede de traficante de droga que ele bem conhecia, pois, até a ambos foram apreendidos pela Polícia Judiciária 5 kg. de haxixe, dentro de um Renault 21 ..., propriedade do A, lidando também com cocaína (vejam-se os ns. 7, 18, 19, 20 e 21 da matéria provada).
Esta sua conduta é objectiva e subjectivamente grave, sendo de todo inaceitável a afirmação ingénua por ele feita de que não é crime ter relações com uma pessoa mesmo que seja criminosa, para daí concluir que nessa parte nada de censurável fez ... .
Não se deve também olvidar que o crime por que o recorrente foi condenado é um crime formal de perigo comum que se consuma até com a simples detenção da droga (cfr. Ac. deste STJ de 11-07-90, BMJ 399, 222), desde que se não prove que se destina só a consumo.
Por outro lado, como é bem sabido o tráfico de droga tem implícita como regra a intenção, o móbil do lucro.
Cabe, assim, aqui destacar que os delitos de perigo abstracto se baseiam em uma suposição legal de que determinados modos de comportamento são geralmente perigosos para o objecto protegido; a perigosidade de acção não é aqui elemento do tipo, mas somente o fundamento para a existência da disposição legal; assim o juiz não deve comprovar se o perigo realmente ocorreu no caso em espécie ou não (Johannes Wessels, Direito Penal, Parte Geral, pág. 9).
E cabe aqui a referência, uma vez mais, do bem jurídico protegido pelas disposições que prevêem o tráfico de droga - saúde e integridade física dos cidadãos, saúde pública, protecção da própria humanidade, que vai deste modo sendo destruída na sua base, e até protecção da liberdade do cidadão, como dizem alguns em alusão implícita à dependência que a droga gera.
E deste modo as penas devem revestir-se de certa severidade nestes casos, como o é o caso "sub judice", e como o é a conduta do arguido que se mostrou e mostra perfeitamente ou diferente a tudo isso, não vendo mal em nada ... .
Tendo em conta as necessárias retribuição e prevenção geral e especial e o mais constante do art. 72 do Cód. Penal como critérios de determinação concreta de uma pena, está correcta a pena aplicada ao recorrente, improcedendo assim todas as conclusões do seu recurso.
III

Recurso do arguido C.
Na sua motivação formula este arguido as seguintes conclusões, em resumo:
1 - Os factos que lhe são imputados não podem constitui-lo como cúmplice de um crime p. e p. pelos arts. 23 n. 1 e 27 g) do DL 430/83 e 21 n. 1 DL 15/93 e 27 n. 2 e 74 n. 1 b) C. Penal.
2 - Com efeito só é punido como tal quem dolosamente e por qualquer forma presta auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso, o que não foi o seu caso.
3 - Assim deve ser isento de pena nessa parte ou ser-lhe imposta simples admoestação.
4 - Quanto ao crime de detenção de arma proibida deverá ser condenado apenas em pena de multa.
5 - Violou o Acórdão recorrido os arts. 355 n. 1 e 27 C. Penal, 23, 27 e 36 DL 480/83 e 21 e 40 do DL 15/93 devendo, por isso, ser alterado em conformidade com o supra referido.
Encarando primeira questão, posta pelo recorrente, dir-se-á que o art. 27 do Código Penal estatui que é punível como cúmplice quem dolosamente e por qualquer forma presta auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso.
E a primeira nota a salientar face a este preceito legal é que o actual Código Penal estabeleceu um conceito de cumplicidade, pelo menos do ponto de vista objectivo, muito mais vasto em extensão que o anterior, já que não refere formas vinculadas de actuação ou a essencialidade do auxílio.
Por isso, para que se verifique cumplicidade basta que ultrapasse o estádio de uma participação de execução.
Assim a conduta do arguido recorrente integra a figura da cumplicidade (cfr. Ac. deste STJ de 03-11-94, Ac. do STJ, CJ. II, 3, pág 227, em que também se refere que quando na citada disposição legal se estabelece como elemento básico da cumplicidade a prestação, por qualquer forma, de auxílio material ou moral é porque, sem dúvida, quis afastar qualquer forma vinculada de conduta e bem assim a essencialidade do auxílio para a prática do facto doloso. Bastará, pois que o auxílio material ou moral venha a facilitar o facto do autor, devendo acrescentar-se, ainda, que este auxílio, para ser cumplicidade, não poderá ultrapassar o estádio de uma participação na execução por outrem de um crime - Prof. Figueiredo Dias, Sumários, pág. 85).
Ora o que se extrai da conduta do arguido é que com ela, ele auxiliou um projecto criminoso que previamente conhecia, embora tal projecto se pudesse realizar por outro modo.
Como se decidiu no Ac. deste Supremo Tribunal de 25-10-90, BMJ 400/345, "aquele que, voluntária e conscientemente, colabora, ainda que com intenção de obter droga para seu consumo, com um traficante na recepção de droga que sabidamente este destinava ao narco-tráfico, é cúmplice no crime de tráfico de estupefaciente".
A cumplicidade em tal tráfico, ainda que em última análise se vise a obtenção de droga para consumo próprio, não se afasta só pela ponderação de semelhante finalidade.
A conduta criminosa como a do arguido recorrente no caso "sub judice" projecta-se muito para para além dessa finalidade principal, pois, implica também a aceitação da finalidade visada pelo comportamento do autor.
Assim não se pode dizer que a finalidade exclusiva do recorrido haja sido estupefaciente para uso pessoal, pois, que necessariamente quis também o narco-tráfico por parte de outro co-arguido.
Censura alguma merece deste modo quanto a esta parte o Acórdão recorrido, como o não merece no que concerne ao crime p. e p. pelo art. 260 C. Penal em que foi condenado na pena de 12 meses de prisão.
Esta pena está perfeitamente de harmonia com a jurisprudência deste Tribunal e com os critérios previstos no art. 72 do C. Penal que nos dispensámos de repetir.
Improcedem assim as conclusões da motivação do recorrente.
IV

Recurso do arguido D.
Formula ele na sua motivação as seguintes conclusões, em resumo:
1 - O Acórdão que o condenou em 6 anos e 6 meses de prisão como autor de um crime p. e p. pelo art. 21 n. 1 do DL 15/93 de 13-12 fê-lo sem que para tal tivesse suficiente matéria de facto provada e capaz de sustentar uma decisão tão gravosa.
2 - Violou aquele os direitos constitucionais elementares, como seja, os princípios de igualdade, de justiça e da proporcionalidade art. 13 e 18 n. 1 e n. 2 da CRP, nas penas aplicadas aos arguidos.
3 - não valorou devidamente a atenuante a seu favor da confissão integrar e sem reservas dos factos prestada nos termos do art. 344 CPP, violando o art. 72 do C. Penal.
4 - Deve a sua pena ser reduzida para 3 anos de prisão.
Delimitado o objecto do recurso pelo assim alegado torna-se claro que a questão fulcral e única a decidir nele é o da dosimetria penal, que aquele considera excessiva.
E, na verdade, assim acontece, como também defende o Ministério Público na 1ª instância e o Exmo Procurador Geral junto deste Supremo Tribunal.
Mais uma vez se faz apelo aos critérios presentes no art. 72 do Cód. Penal para fixação concreta da pena e a gravidade um pouco menor do que a dos outros já referidos arguidos condenados com penas superiores, faz com que entendamos que se lhe deve aplicar uma pena de 5 anos de prisão.
Um pouco menor o grau de culpa e de ilicitude no que concerne à sua apontada conduta, cujos pormenores já foram descritos, e que nos dispensamos de transcrever de novo, apontam para aquela pena, pois, de outro modo se violariam os princípios de igualdade, justiça e proporcionalidade também já referidos - cfr. arts. 13 e 18 CRP.
V

Recurso do arguido E.
Formulou ele na sua motivação as seguintes conclusões, em resumo:
1 - O Acórdão que o condenou em 6 anos e 6 meses de prisão pelo crime p. e p. pelo art. 21 n. 1 do DL 15/93 de 13-12, em 15 meses de prisão pelo crime p. e p. pelo art. 260 C. Penal, e em cúmulo jurídico em 7 anos e 3 meses de prisão fê-lo sem que para tal tivesse suficiente matéria de facto provada e capaz de sustentar uma decisão tão gravosa.
2 - Violou aquele os direitos constitucionais elementares, como seja, os princípios de igualdade, de justiça e de proporcionalidade - art. 13 e 18 01-02 CRP, nas penas aplicadas aos arguidos.
3 - Não valorou o ser primário e bem comportado e colaborante com a Polícia Judiciária no decurso das investigações, violando o art. 72 do C. Penal.
4 - Deve a sua pena ser reduzida para 5 anos de prisão.
Torna-se aqui necessário dizer antes de tudo que este Supremo Tribunal não pode sindicar nos termos queridos pelo recorrente - cfr. art. 127 CPP onde se refere que a prova é apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção da entidade competente - a decisão do Tribunal Colectivo em termos de matéria provada, fora dos casos expressos na lei, cfr. também o art. 410 do mesmo Código.
Todavia isto não invalida que se tenha tal Tribunal mostrado excessivo nas penas aplicadas ao arguido, fazendo uma valoração menos correcta da sua conduta, como o acentua também o Ministério Público na 1ª instância e o Exmo Procurador Geral junto deste Tribunal.
De novo se referem os critérios do art. 72 C. Penal, e a gravidade um pouco menos do que a dos outros já falados arguidos condenados com penas mais elevadas faz com que entendamos que se lhe deve aplicar quanto ao crime p. e p. pelo art 21 n. 1 do DL 15/93 de 13-12 uma pena de 5 anos de prisão.
Por outro lado, entendemos também que pelo crime p. e p. pelo art. 260 C. Penal deve ser condenado apenas em 12 meses de prisão - cfr. igual pena imposta ao arguido C.
Nessa conformidade em cúmulo jurídico deve ser condenado
na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.

Decisão:

1- Nega-se provimento aos recursos dos arguidos A, B e C.
2 - Dá-se parcial provimento ao recurso do arguido D e, altera-se a decisão recorrida condenando-se o mesmo na pena de 5 anos de prisão pelo crime p. e p. pelo art. 21 n. 1 do DL 15/93 de 20-02.
3 - Dá-se parcial provimento ao recurso do arguido E e altera-se a decisão recorrida condenando-se o mesmo na pena de 5 anos de prisão pelo crime p. e p. pelo art. 21 n. 1 do DL 15/93 de 20-02, na pena de 12 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.
4 - Mantem-se em tudo o mais a decisão recorrida e a aplicação da Lei 15/94 de 11-05 será apreciada na 1ª instância como vem sendo entendimento deste Supremo Tribunal.
5 - Condena-se cada um dos recorrentes A, B e C em 6 Ucs e 1/3 desta quantia de procuradoria, e cada um dos recorrentes D e E em 3 Ucs e 1/3 desta quantia de procuradoria, e em 7500 escudos de honorários, cada um dos arguidos recorrentes, a favor do seu defensor oficioso.
Lisboa, 7 de Junho de 1995.
Fernandes Magalhães,
Vaz Santos,
Costa Figueirinhas,
Pedro Marçal.