Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2020/22.5PAALM.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: RECURSO PER SALTUM
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
MEDIDA CONCRETA DA PENA
ILICITUDE
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 02/15/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :
I - O art. 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, consagra o tipo fundamental do crime de tráfico de estupefacientes, pressupondo na elevada pena abstrata de 4 a 12 anos de prisão, a prática de atos de significativo relevo, ou seja, uma ilicitude de assinável dimensão.
II - Embora o arguido não tenha sido condenado pelo tráfico de estupefacientes agravado pelas situações descritas nas als. b) e h) do art. 24.º do DL n.º 15/93 de 22-01, não pode deixar de se realçar que no período de cerca de três anos (início de 2020 até 14-12-2022), abasteceu de produtos estupefacientes, pelo menos 201 indivíduos e procedeu à sua entrega, designadamente, no interior e nas proximidades de estabelecimentos de ensino universitário, o que eleva claramente a ilicitude da conduta.
III - Estando em causa três tipos de estupefacientes: canábis (em sumidades e haxixe), por um lado, e LSD e MDMA, por outro, que integram, respetivamente, as Tabelas I-C e II-A anexas ao DL n.º 15/93, de 22-01, e sendo prementes as exigências de prevenção especial de socialização e muito elevadas são as exigências de prevenção geral no crime de tráfico de estupefacientes, a pena de 5 anos e 6 meses de prisão aplicada ao arguido respeitou as finalidades da punição e os critérios legais de proporcionalidade na determinação da medida da pena.
Decisão Texto Integral:

Proc. n.º 2020/22.5PAALM.S1


Recurso Penal


*


Acordam, em Conferência, na 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça


I - Relatório


1. Nos presentes autos, que correm termos no Juízo Central Criminal de ... – J... ., do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento, em processo comum com intervenção do Tribunal Coletivo, o arguido AA, devidamente identificado nos autos, imputando-se-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, alínea h), com referência às Tabelas I-C e II-A, do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22/01.


2. Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Coletivo, por acórdão proferido a 31 de outubro de 2023, decidiu julgar a acusação parcialmente procedente, por provada e, em consequência, absolver o arguido AA da prática em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, alínea h), do Decreto-lei nº 15/93 de 22/01, com referência às tabelas anexas I-C e II-A e, condenar o mesmo arguido, pela prática em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.21.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 15/93 de 22/01, com referência às tabelas anexas I-C e II-A, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.


3. Inconformado com o acórdão dele interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa o arguido AA, concluindo a sua motivação do modo seguinte (transcrição):


1. O Tribunal a quo decidiu doutamente condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1, do Decreto-lei nº 15/93 de 22/01, com referência às tabelas anexas I-C e II-A, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.


2. O recorrente discorda da pena aplicada pelo tribunal a quo porque se afigura, na sua modesta opinião e salvo devido respeito, por excessiva e desproporcionada face ao ilícito praticado e tendo em consideração as condições pessoais do arguido, com a consequente indevida apreciação dos preceitos legais aplicáveis ao caso vertente.


3. A respetiva condenação na pena de cinco anos e seis meses de prisão colide com as normas legais penais, processuais e constitucionais aplicáveis in casu, bem como a jurisprudência, afrontando, assim, os princípios da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das penas (artigo 18.º, n.º 2, da CRP).


4. O Tribunal recorrido formou a sua convicção com base na valoração crítica e conjunta dos meios de prova produzidos e examinados em audiência de julgamento (artigo 127º do Código de Processo Penal), no essencial, com recurso à prova documental constante dos autos, declarações do arguido e testemunhas.


5. Para efeitos de aferição da medida da pena, o recorrente, apela a elementos que serviram de base à motivação de facto do Tribunal recorrido e que no seu entender contribuem para uma distinta apreciação dos factos dados como provados permitindo estabelecer uma pena inferior à que foi fixada pelo Tribunal a quo, sempre com respeito à medida da culpa e correspondente medida da pena, a saber: Qualidade do produto estupefaciente em causa (haxixe); “Tráfico de rua” de venda direta e sem recursos sofisticados; Idade do arguido à data da prática dos factos (22 e 23 anos); Contexto familiar propício à sua reinserção social longe do local da prática dos factos; Relatório social.


6. No tocante ao contexto propício à reinserção social do arguido e longe do local da prática dos factos atente-se na Motivação da Decisão do Tribunal a quo, “Nas declarações da testemunha BB, mãe do arguido, a qual de forma sentida afirmou que o arguido viveu consigo, em sua casa, até 2018, altura em que a testemunha emigrou para a Suíça, ficando os seus dois filhos – o arguido e a sua irmã dois anos mais velha – a viverem em casa da testemunha, sendo que ela quem pagava as despesas da casa. Depois da testemunha ter emigrado, a relação com o arguido tornou-se mais conflituosa, o arguido fazia-lhe exigências de dinheiro para frequentar festas, bloqueava-a, tendo comportamentos difíceis de lidar. O arguido não tinha horários, para ele “não havia regras, nem limites”. Posteriormente, em 2019, o arguido saiu de sua casa, para ir viver com um amigo numa casa em ..., havendo períodos que o arguido não falava com a mãe. Antes da testemunha emigrar, o arguido chegou a trabalhar no McDonald’s e no Continente. Actualmente, o arguido está receptivo a ir viver com a testemunha para França onde esta se encontra agora emigrada”.


7. Em sede do Relatório Social aponta-se para as suas conclusões nas quais se considera a possibilidade de aplicação de uma pena ao arguido consentânea com seu cumprimento em liberdade, “Ainda assim, e caso venha a ser condenado, consideramos estarem reunidas as condições mínimas necessárias para o cumprimento, por parte de AA das regras e obrigações normalmente associadas a uma pena na comunidade, eventualmente sujeita a um plano de intervenção, focado em objetivos associados à promoção da consciência crítica e identificação dos fatores de risco da prática criminal, na manutenção do afastamento a contextos e elementos conotados com o consumo e trafico de estupefacientes, na procura de alternativas formativas ou de atividade laboral, e no tratamento à dependência aditiva em equipa de saúde especializada” (sublinhado nosso).


8. A qualidade do produto estupefaciente em causa não se enquadra no segmento das chamadas drogas duras. É de salutar importância a sua distinção para efeitos da respetiva gravidade, medida da culpa e correspondente medida da pena. Apesar de o legislador não ter instituído a distinção entre drogas duras e leves, ao nível da sociedade existe uma perceção dessa qualificação e classificação, sendo médica e cientificamente reconhecido que os efeitos das ditas drogas duras (a cocaína e, principalmente, a heroína) são bem mais perniciosos, nomeadamente pela habituação e dependência que provocam.


9. “Aliás, no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 15/93 assume-se expressamente o propósito de dar um passo no sentido de uma certa gradação de perigosidade das substâncias, reordenando-as em novas tabelas e daí extraindo efeitos no tocante às sanções. Mais se refere que a gradação das penas aplicáveis ao tráfico tendo em conta a real perigosidade das respetivas drogas afigura-se ser a posição mais compatível com a ideia de proporcionalidade, havendo, pois, que atender à inserção de cada droga nas tabelas anexas, o que constitui indicativo da respetiva gradação, pois a organização e colocação nas tabelas segue, como princípio, o critério da sua periculosidade intrínseca e social. O que, todavia, não implica necessária adesão à distinção entre drogas duras e leves.”


10. Face ao ilícito perpetrado, ponderando em conjunto os factos e personalidade do arguido, tendo em conta a gravidade dos factos e as exigências de prevenção geral, bem como as exigências de prevenção especial (ausência de registo criminal) e os efeitos previsíveis da pena a aplicar no comportamento futuro do arguido, entende-se que a aplicação de uma pena de cinco anos de prisão satisfaz todas as necessidades de prevenção que in casu se verificam, aquilatando-se, assim, da possibilidade de suspensão da pena prisão aplicada ao arguido.


11. Conclui o recorrente que face à matéria de facto dada como provada pelo tribunal a quo não resta tão-somente a possibilidade de aplicação da pena de prisão imposta pela douta decisão recorrida ao arguido, ora recorrente, sendo de boa e salutar ponderação sobre a sua necessidade, adequação e proporcionalidade e à luz da gravidade e censurabilidade do comportamento do arguido, e salvo melhor e douto entendimento, a condenação do arguido numa pena de prisão no máximo de cinco anos e consequente suspensão da execução da pena de prisão, com regime de prova.


12. Conclui-se, assim, pelo juízo de prognose favorável relativamente à ressocialização do arguido e ao cumprimento da pena aplicada inserido na comunidade, acompanhada de regime de prova, não podendo deixar ser relevante para tal apreciação o facto de o arguido se encontrar preso preventivamente à ordem dos presentes autos há mais de um ano, tendo manifestado arrependimento e interiorizado o desvalor de ação das suas condutas.


13. Analisando todas as circunstâncias que depõe a favor do arguido, ora recorrente, constata-se que este tem condições para estar plenamente integrado na sociedade, com a possibilidade de um emprego estável longe das zonas em que se verificaram os comportamentos ilícitos, e com o suporte familiar que lhe permita encarar a sua ressocialização de forma adequada e duradoura.


14. Também deverá ser tida em consideração a postura exemplar do recorrente em reclusão, tendo completado a sua formação académica ao nível do 12.º ano, e, doutro modo, constata-se que não tem averbado no seu Certificado de Registo Criminal qualquer condenação, o que faz antever que o período de um ano em que esteve privado da liberdade foi suficiente para que o mesmo não volte a delinquir.


15. Estamos perante um jovem adulto de 24 anos de idade que dispõe de valências académicas para encarar o futuro com comportamentos conformes e adequados ao Direito, tendo presente que o período longo que se avizinha em reclusão no estabelecimento prisional trará os efeitos nefastos, gravosos e penosos, consequência de um ambiente, infelizmente, inadequado e impróprio à sua futura ressocialização.


16. O recorrente discorda da pena aplicada pelo tribunal a quo porque se afigura excessiva e desproporcionada face ao ilícito praticado e às condições pessoais do arguido, tendo o tribunal a quo, em conformidade, e, ao decidir da forma que decidiu, violado o disposto nos artigos 40.º, 47.º, 50.º, 53.º, 70.º e 71.º do Código Penal, artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa e artigo 21.º da Lei 15/93, de 22 de janeiro.


17. Pelo que se conclui que existe uma resolução forte de o recorrente não incorrer novamente nestes comportamentos, sendo, ainda, manifesto, que existe um circunstancialismo tendente à realização de um juízo de prognose favorável, no que concerne a uma redução, não só da graduação da pena de prisão que lhe foi aplicada pelo Tribunal a quo, mas também pela possibilidade da suspensão da execução da pena de prisão, com regime de prova, justificando-se esta opção, tendo em conta que as exigências de prevenção especial que serão moderadas, tudo na justa e proporcional medida da culpa e da pena.


18. Por último, entende o recorrente que face à matéria de facto dada como provada pelo tribunal a quo, deverá ser reduzida a pena de prisão aplicada ao arguido, entendendo-se por adequada e proporcional a pena de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução, com regime de prova a definir e com acompanhamento pelos Serviços de Reinserção Social, concebendo-se como razoável um juízo de prognose positiva no sentido de que a censura do facto e a ameaça da prisão caso haja incumprimento do plano ou reincidência serão suficientes para que o arguido não volte a delinquir, realizando-se, assim, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.


4. O Ministério Público, junto do Juízo Central Criminal de ..., respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):


1ª – Não merce qualquer reparo a pena aplicada ao arguido na exata medida em que foi fixada;


2ª – Contra o Recorrente militam severamente o elevado grau de ilicitude dos factos, o seu censurável modo de execução, o tipo de substâncias canábis em resina e sumidades, LSD e MDMA cedidas a um número considerável de indivíduos com quem contactava pelas redes sociais, enviando-lhes o “menu” dos produtos que tinha disponíveis e respetivos preços de acordo com a qualidade e quantidade dos mesmos, indo ao encontro dos mesmos para fazer a entrega do produto, fazendo assim “entregas ao domicílio”, a atuação com dolo direto de intensidade acentuada, os muito reprováveis sentimentos manifestados no cometimento do crime, as fortes exigências de prevenção geral e as não despiciendas necessidades de prevenção especial;


3ª – Na determinação da medida concreta da pena o tribunal fez adequada aplicação dos critérios contemplados no artº 71.º n.ºs 1, e 2, do C.P. e ponderou judiciosamente as finalidades das penas consagradas no artº 40.º nº 1, do mesmo código, pelo que a pena de cinco anos e seis meses de prisão deverá ser mantida;


4ª – Para o caso de a pena de prisão vir a ser reduzida para medida não superior a cinco anos (hipótese que não se admite e apenas por dever de ofício se equaciona), não deverá haver lugar à suspensão da respectiva execução;


5ª – Com efeito, a ausência de antecedentes criminais não pode ser erigida em critério exclusivo ou preponderante do recurso ao instituto da suspensão da execução da pena, por traduzir tão-só o comportamento conforme ao direito exigido e esperado de qualquer cidadão;


6ª – Perante as circunstâncias do crime cometido e a personalidade assim revelada – e na falta de qualquer outra circunstância que possa valorada em benefício do Recorrente para além da sua primariedade – é de concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão nunca satisfariam adequada nem suficientemente as prementes exigências de protecção do bem jurídico violado e as sensíveis necessidades de reintegração do agente na sociedade.


Termos em que deverá ser negado provimento ao recurso interposto e ser mantido na íntegra o douto acórdão recorrido.


5. Por despacho de 12 de dezembro de 2023, a Ex.ma Juíza de Direito admitiu o recurso interposto pelo arguido, não para o Tribunal da Relação, mas para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto 432.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal.


6. O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Supremo Tribunal emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.


7. Cumprido o contraditório, não foi apresentada resposta pelo arguido.


8. Colhidos os vistos, cumpre decidir.


II - Fundamentação


9. A matéria de facto apurada e respetiva motivação constantes do acórdão recorrido é a seguinte (transcrição):


2.1.1 – Factos Provados:


1 – Pelo menos desde o início de 2020 até 14 de Dezembro de 2022 (data em que foi detido), que o arguido AA, sem estar autorizado pelas entidades oficiais competentes, cedia a terceiros a troco de dinheiro canábis em sumidades, canábis em resina, MDMA e LSD, as quais adquiria a indivíduos cuja identidade não se logrou apurar, na zona de ... e na ....


2 – Inicialmente o arguido vendia os produtos estupefacientes no interior da casa onde residia, sita na zona do ..., em …, tendo posteriormente passado a fazer entregas ao domicílio, maioritariamente na zona … e na linha de ..., bem como noutros locais à escolha dos indivíduos que o contactavam para o efeito.


3 – Para o efeito, nas redes sociais WhatsApp e Facebook Messenger, com os perfis “AA”, “AA” e “AA” pelos números .......81, .......04 e .......34, o arguido enviava aos seus potenciais clientes mensagens escritas com as substâncias estupefacientes que dispunha para venda, dando-lhes a conhecer o respectivo preçário consoante a natureza do produto, a qualidade e respectivo peso, os quais também contactavam o arguido por essa via, fazendo-lhe as encomendas da quantidade, natureza e qualidade que queriam, as quais o arguido entregava no local combinado com esses indivíduos.


4 – No exercício desta actividade, o arguido vendia produto estupefaciente, consoante os pedidos recebidos, a vários indivíduos, nomeadamente:


- .......90 (CC);


- .......13 (DD);


- .......54 (EE);


- .......58 (FF);


- .......40 (GG - HH);


- .......63 (II - JJ);


- .......58 (KK - LL);


- .......13 (MM);


- .......87 (NN);


- .......77 (OO – PP);


- .......78 (QQ);


- ........73 (RR);


- .......62 (SS);


- .......45 (TT);


- .......29 (UU);


- ..........49 (VV);


- .........94 (WW);


- .......18 (XX);


- .......08 (YY);


- .......32 (ZZ);


- .......35 (AAA);


- .......07 (BBB);


- .......36 (CCC);


- .......09 (DDD);


- .......79 (EEE);


- .......24 (FFF);


- .......99 (GGG);


- .......04 (HHH);


- ......25 (III);


- .......36 (JJJ);


- .......95 (KKK);


- .......48 (LLL);


- .......22 (MMM);


- .......69 (NNN);


- .......25 (OOO);


- .......26 (PPP);


- .......97 (QQQ);


- .......58 (RRR);


- ........74 (SSS);


- ........88 (TTT);


- .......47 (UUU);


- .......36 (VVV);


- .......61 (WWW);


- .......87 (XXX);


- .......77 (YYY);


- .......25 (ZZZ);


- .......40 (AAAA);


- .......82 (BBBB);


- .......17 (CCCC);


- .......76 (DDDD);


- .......53 (EEEE);


- .......29 (FFFF);


- .......88 (GGGG);


- .......66 (HHHH);


- .......03 (IIII);


- .......53 (JJJJ);


- .......41 (KKKK);


- .......92 (LLLL);


- .......09 (MMMM);


- .......38 (NNNN);


- .......88 (OOOO);


- .......14 (PPPP);


- .......91 (QQQQ);


- .......14 (RRRR);


- ......19 (SSSS);


- .......33 (TTTT);


- .......24 (UUUU);


- .......48 (VVVV);


- .......12 (WWWW);


- .......30 (XXXX);


- .......22 (YYYY);


- .......66 (ZZZZ);


- .......63 (AAAAA);


- ..........00 (BBBBB);


- .......61 (CCCCC);


- .......09 (DDDDD);


- .......62 (EEEEE);


- .......33 (FFFFF);


- .......97 (GGGGG);


- .......57 (HHHHH);


- ........96 (IIIII);


- .......18 (JJJJJ);


- ......09 (KKKKK);


- .......22 (LLLLL);


- .......06 (MMMMM 2);


- .......42 (Amiga NNNNN);


- .......60 (OOOOO);


- .......76 (PPPPP);


- .......35 (QQQQQ);


- .......01 (RRRRR);


- .......05 (SSSSS);


- .......04 (TTTTT);


- .......05 (UUUUU);


- .......81 (VVVVV);


- .......97 (WWWWW);


- .......31 (XXXXX);


- .......57 (NNNNN);


- .......72 (YYYYY);


- .......56 (ZZZZZ);


- .......80 (AAAAAA);


- .......68 (BBBBBB);


- .......95 (CCCCCC);


- .......98 (DDDDDD);


- .......88 (EEEEEE);


- .........44 (FFFFFF);


- .......76 (GGGGGG);


- .......19 (SSSS);


- .......95 (HHHHHH);


- .......11 (IIIIII);


- .......50 (JJJJJJ);


- .......73 (KKKKKK);


- .......58 (LLLLLL);


- .......71 (MMMMMM);


- .......84 (NNNNNN);


- ..........86 (OOOOOO);


- ..........88 (PPPPPP);


- ........91 (QQQQQQ);


- .......10 (XXXX);


- .......62 (RRRRRR);


- .......40 (SSSSSS);


- .......34 (TTTTTT);


- .......30 (UUUUUU);


- .......13 (VVVVVV);


- .......38 (TTT);


- .......34 (WWWWWW);


- .......86 (XXXXXX);


- .......85 (YYYYYY);


- .......85 (ZZZZZZ);


- .......71 (AAAAAAA);


- .......23 (BBBBBBB);


- .......06 (CCCCCCC);


- .......66 (DDDDDDD);


- .......95 (EEEEEEE);


- .......25 (FFFFFFF);


- .......25 (GGGGGGG);


- .......81 (HHHHHHH);


- .......04 (IIIIIII);


- .......64 (JJJJJJJ);


- .......26 (KKKKKKK);


- ......81 (LLLLLLL);


- .......44 (MMMMMMM);


- .......03 (NNNNNNN);


- .......66 (OOOOOOO);


- .......86 (PPPPPPP);


- .......22 (QQQQQQQ);


- .......86 (RRRRRRR);


- .......87 (SSSSSSS);


- .......11 (TTTTTTT);


- .......62 (UUUUUUU);


- .......18 (VVVVVVV);


- .......37 (LLL);


- .......33 (WWWWWWW);


- .......62 (XXXXXXX);


- .......58 (YYYYYYY);


- .......10 (ZZZZZZZ);


- .......77 (AAAAAAAA);


- .......23 (BBBBBBBB);


- .......15 (CCCCCCCC);


- .......41 (DDDDDDDD);


- .......96 (EEEEEEEE);


- .......48 (FFFFFFFF);


- .......18 (GGGGGGGG);


- .......58 (HHHHHHHH);


- .......34 (IIIIIIII);


- .......49 (JJJJJJJJ);


- .......72 (KKKKKKKK);


- .......34 (LLLLLLLL);


- .......89 (MMMMMMMM);


- .......70 (NNNNNNNN);


- .......69 (OOOOOOOO);


- .......99 (PPPPPPPP);


- .......57 (QQQQQQQQ);


- .......67 (RRRRRRRR);


- .......07 (SSSSSSSS);


- .......18 (TTTTTTTT);


- .......68 (UUUUUUUU),


- .......86 (VVVVVVVV);


- .......55 (WWWWWWWW);


- .......53 (XXXXXXXX);


- .......38 (YYYYYYYY);


- .......62 (ZZZZZZZZ);


- .......50 (AAAAAAAAA);


- .......39 (BBBBBBBBB);


- .......63 (NNNNN);


- .......28 (CCCCCCCCC);


- .......15 (DDDDDDDDD);


- .......32 (EEEEEEEEE);


- .......04 (FFFFFFFFF);


- .......57 (GGGGGGGGG);


- .......13 (HHHHHHHHH);


- .......22 (IIIIIIIII);


- .......89 (DDDD);


- .......94 (DDDD);


- .......23 (JJJJJJJJJ);


- .......44 (KKKKKKKKK);


- .......15 (LLLLLLLLL);


- .......64 (MMMMMMMMM);


- .......64 (NNNNNNNNN);


- .......03 (OOOOOOOOO);


- .......55 (PPPPPPPPP); e


- .......01 (RR).


5 – Algumas vezes, por indicação dos indivíduos que o contactavam, bem como por o arguido se encontrar na proximidade desses locais, o arguido procedia à entrega dos produtos estupefacientes na zona da ..., em … no interior e/ou na proximidade da Faculdade … e da Faculdade …; do Polo Universitário ... e da Faculdade …, bem como da Faculdade …, o que ocorreu nas vendas que efectuou a II, OO, TT, UUU, XXXX, QQQQQQQQQ, UUUUUU, CCCCCCC, FFFFFFF, GGGGGGG, OOOOOOO, XXXXXXX, ZZZZZZZ, BBBBBBBB, CCCCCCCC, DDDDDDDD, EEEEEEEE, LLLLLLLL, NNNNNNNN, OOOOOOOO, PPPPPPPP, RRRRRRRR e MMMMMMMMM.


6 – O arguido tinha nesta actividade a sua única fonte de rendimentos.


NUIPC 214/21.0...:


- No dia 15/05/2021, cerca das 04:00 horas, na Praça ..., no ..., o arguido detinha e transportava consigo no veículo VW Polo Branco, de matrícula ..-TJ-.., no interior de uma mochila da marca Eastpak rosa, 134,000 gramas de canábis em sumidades, suficiente para a preparação de 292 (duzentas e noventa e duas) doses individuais.


8 – O arguido destinava a substância estupefaciente referida em 7) à cedência a terceiros a troco de dinheiro.


9 - E ainda, dentro de uma bolsa de cintura azul da marca Eastpak, o arguido detinha a quantia de €1.370,00 (mil trezentos e setenta euros), dividida em 6 notas de €50,00 (cinco euros), 14 notas de €20,00 (vinte euros), 76 notas de €10,00 (dez euros) e 6 notas de €5,00 (cinco euros).


10 - Dinheiro que o arguido obteve com a venda de produto estupefaciente.


NUIPC 2020/22.5...:


11 - No dia 14/12/2022, cerca das 19:20 horas, na Av. ..., no ..., em ..., o arguido detinha e transportava consigo, no interior de uma mochila Eastpak de cor rosa:


- 1 (um) saco com 304,000g de canábis em sumidades, suficiente para a preparação de 668 (seiscentas e sessenta e oito) doses individuais;


- 1 (um) saco com 397,000g de canábis em sumidades, suficiente para a preparação de 1127 (mil, cento e vinte e sete) doses individuais;


- 1 (um) saco com 384,000 g de canábis em sumidades, suficiente para a preparação de 1205 (mil, duzentas e cinco) doses individuais;


- 5 (cinco) placas de canábis em resina com 475,000 g, suficiente para a preparação de 1814 (mil, oitocentas e catorze) doses individuais;


- 1 (uma) placa de canábis em resina com 94,821 g, suficiente para a preparação de 356 (trezentas e cinquenta e seis) doses individuais;


- 6 (seis) pedaços de canábis em resina com 196,021 g, suficiente para a preparação de 756 (setecentas e cinquenta e seis) doses individuais; e


- 2 (duas) balanças digitais.


12 - O arguido detinha ainda no interior de uma bolsa de cintura azul, também da Eastpak, vários comprimidos e fragmentos com 87,325g de MDMA, suficiente para a preparação de 77 (setenta e sete) doses individuais; e €140,00 (cento e quarenta euros) em notas do Banco Central Europeu.


13 - O arguido destinava as substâncias referidas em 11) e 12) à cedência a terceiros a troco de dinheiro, e quantia monetária havia sido obtida com a venda de produto estupefaciente.


14 - Ao agir da forma descrita o arguido quis e representou, sem que para tal estivesse autorizado por entidade competente, adquirir, transportar e deter, produto cuja natureza estupefaciente conhecia, com o propósito conseguido de o ceder a terceiros a troco de dinheiro, o que fez, em vários locais, entre os quais, no interior e próximo de estabelecimentos de ensino.


15 - O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e ciente que a sua conduta era proibida e punida por lei penal, tendo capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.


- Mais se provou:


16 – O arguido não tem antecedentes criminais registados.


17 - O arguido é o filho mais novo da união dos progenitores, que passaram a residir numa casa adquirida, localizada na zona de .... O progenitor era funcionário da PT e a progenitora exercia as funções de operária na fábrica I...... - Industrias Eletromecânicas, S.A. Durante a primeira infância, o arguido faz referência a uma dinâmica pautada por conflitos entre os progenitores, cuja separação ocorreu quando perfez 6 anos de idade, e uma vez que os pais se encontravam a atravessar um período de instabilidade financeira e de indisponibilidade emocional, o arguido e a sua irmã foram integrados no agregado dos avós paternos, que residiam na zona de ..., no …. Ambos os progenitores vieram a reorganizar os seus agregados, tendo o arguido e a irmã reintegrado o agregado da progenitora e a residir na Praceta ..., ..., ....


18 - O arguido frequentou a escola em idade própria, cujo percurso inicial decorreu no …, tendo concluído o 4º ano na Escola Básica das ..., na .... Ainda a nível escolar revelou ser um aluno com capacidades, tendo transitado regularmente do 2º para o 3º Ciclos de escolaridade. Com a transição para o ensino secundário, sentiu pela primeira vez dificuldade em responder positivamente nas avaliações das matérias escolares, não tendo concluído o ensino secundário. Ainda veio a frequentar o ensino profissional, mas desmotivado, desistiu do curso de técnico de vendas. Foi contexto do grupo de pares, e ainda no meio escolar, que iniciou o consumo regular de estupefacientes (haxixe).


19 - O aumento das dificuldades económicas na família coincidiram com o atingir da maioridade e o fim da participação dos avós paternos na sua educação. Assim, o arguido, terá manifestado junto da progenitora, a motivação para enquanto estudante, iniciar uma actividade profissional, tendo passado pelo exercício de funções temporárias e indiferenciadas na área da restauração e em armazéns, em locais próximos da área de residência.


20 - Foi no contexto de convívio com amigos em saídas lúdicas que intensificou e diversificou o consumo de drogas (haxixe, cocaína e MDMA).


21 - No ano de 2017, AA foi constituído arguido, como autor material na forma consumada da prática de um crime de consumo de estupefaciente, à ordem do processo n.º 396/17.5..., tendo no contexto do instituto da suspensão provisória do processo pelo período de 5 meses, cumprido a injunção de prestar 60 horas de serviço de interesse público (processo já findo).


22 - Entre 2019 e 2020, com o aumento das dificuldades económicas na família e com a imposição das restrições da situação pandémica, a progenitora optou por emigrar, inicialmente para a Suíça, e posteriormente para França, tendo o arguido e a irmã, ambos maiores de idade, permanecido a residir na casa de família, localizada na ..., na morada acima referida.


23 - O arguido progressivamente distanciou-se do apoio e contacto com os familiares (progenitora e irmã), que deixaram de conhecer como organizava o seu quotidiano, a nível de horários e actividades escolares ou laborais.


24 - À data da instauração do presente processo, a 14 de Dezembro de 2022, o arguido permanecia, por períodos alternados, na casa da progenitora, na casa de amigos e de namoradas, que lhe proporcionavam apoio temporário, a nível de alojamento e alimentação. Terminado o apoio ou o relacionamento com os pares, também viveu em quartos arrendados e na rua (pernoitando em estações/carruagens), por não pretender regressar a casa, uma vez que estava incompatibilizado com a irmã.


25 - O arguido mantinha o quotidiano desorganizado, não trabalhava e intensificou o consumo de drogas, sendo o tempo livre dedicado ao convívio com pares, frequentando locais entre … e …, conotados com o trafico e o consumo de estupefacientes.


26 - No presente, a progenitora reorganizou a sua vida pessoal e afetiva, encontrando-se a viver em França, na zona de ..., e a explorar uma lavandaria. A irmã do arguido, tem vida organizada, residindo com o actual companheiro, encontrando-se ambos inseridos a nível socioprofissional.


27 - O arguido encontra-se preso preventivamente no Estabelecimento Prisional de ..., desde 16 de Dezembro de 2022, sendo um recluso com comportamento adaptado e adequado ao meio prisional, sem registo de processos disciplinares, a frequentar o Processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências, aparentando estar abstinente.


28 - A nível do raciocínio sociomoral AA manifesta capacidade de compreender o desvalor da tipologia de crimes em causa, revela alguma facilidade de descentração/compreensão do dano na óptica das vítimas, todavia, só mais recentemente, após a sua prisão, aparenta maior consciência de que deve iniciar o trabalho individual de reflexão crítica sobre o seu comportamento.


2.1.2 – Factos Não Provados:


a) A maioria dos indivíduos a quem o arguido cedia produto estupefaciente eram estudantes universitários.


2.2 – Motivação da decisão de facto:


No apuramento da factualidade julgada provada, o Tribunal formou a sua convicção com base na valoração crítica e conjunta dos meios de prova produzidos e examinados em audiência de julgamento (artigo 127º do Código de Processo Penal). Assim, o tribunal fundou a sua convicção:


NUIPC 2020/22.5...:


No Auto de Notícia por Detenção a fls. 3 e 4.


No Auto de Apreensão a fls. 5.


Na fotografia a fls. 11.


Nos documentos a fls. 139 a 142.


No exame a fls. 152 e 153 (produto estupefaciente).


No relatório a fls. 168 a 180 e 186 a 263.


No exame a fls. 315 a 321 e cd’s a fls. 321A (telemóvel).


NUIPC 214/21.0... (inquérito apenso):


No Auto de Notícia por Detenção a fls. 3 a 7.


No Auto de Apreensão a fls. 12 e nas fotografias a fls. 24 a 36.


No exame a fls. 144 (produto estupefaciente).


No exame a fls. 158 a 162 e cd a fls. 164 (telemóvel).


Nas declarações do arguido AA, o qual em sede de primeiro interrogatório judicial em 15/05/2021 (NUIPC 214/21.0...) (artigo 141º, nº 4, alínea b), do Código de Processo Penal) (fls. 47 a 55), as quais foram reproduzidas em sede de audiência de julgamento (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 5/2023 de 09/06, publicado no Diário da República nº 111/2023, série I de 2023/06/09), admitiu que levava consigo o produto estupefaciente apreendido na sua posse em 15/05/2021 (cfr. Auto de Apreensão a fls. 12), firmando que tinha adquirido o referido produto na zona de ..., o qual destinava parte para vender a terceiros e boa parte para o seu consumo. É consumidor de haxixe desde há cerca de quinze anos, consumindo entre cinco a dez gramas de produto estupefaciente por dia, gastando por dia, em média, €25,00 a €50,00.


Os €1.370,00 (mil, trezentos e setenta euros) eram seus, sendo €600,00 a €700,00 da venda de produto estupefaciente, e o remanescente era proveniente de uns biscates que havia feito.


Mais referiu que a mãe o expulsou de casa há cerca de um ano e seis meses, pois era desarrumado, frequentava festas e não trabalhava. Esteve um período como sem abrigo e por vezes dormia em casa de amigos. Agora, vive num quarto, pagando pelo mesmo €350,00 (trezentos e cinquenta euros) mensais. O seu pai vive no …, não tendo relação com o mesmo. Tem uma namorada com quem se relaciona há cerca de dois anos, que estuda na Faculdade ….


Nas declarações do arguido AA, o qual em sede de primeiro interrogatório judicial em 15/12/2022 (NUIPC 2020/22.5...) (artigo 141º, nº 4, alínea b), do Código de Processo Penal) (fls. 30 a 49), as quais foram reproduzidas em sede de audiência de julgamento (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 5/2023 de 09/06, publicado no Diário da República nº 111/2023, série I de 2023/06/09), admitiu que levava consigo o produto estupefaciente apreendido na sua posse em 14/12/2022 (cfr. Auto de Apreensão a fls. 5), o qual tinha acabado de comprar a um fornecedor na ..., junto ao Mc Donald’s, denominado “RRRRRRRRR”, com o qual contactava através de uma aplicação na internet. Não era a primeira vez que ia ao encontro deste indivíduo para lhe adquirir produto estupefaciente, tendo ido ter com o mesmo cerca de quatro vezes. Ia comprar produto estupefaciente para ele e para os amigos e para os amigos dos amigos, vivendo disto, tendo entre dez a quinze pessoas a quem vendia.


Desde Junho de 2022 foi, pelo menos, quatro vezes comprar droga ao “RRRRRRRRR”. Ao início recolhia dinheiro dos amigos e vinha comprar o produto, distribuindo depois pelos seus amigos. Posteriormente passou a vir buscar o produto e pagava depois. A primeira vez adquiriu ao “RRRRRRRRR” placas de haxixe e erva no valor de €1.200,00 a €1.300,00, sendo que na segunda vez comprou droga por montante equivalente a tal quantia. As quantidades que adquiriu foram sempre crescendo, mas a vez que adquiriu maior quantidade foi em 14/12/2022.


Começou a vender droga desde o início de 2020 (Janeiro, Fevereiro ou Março) (desde a covid), vendas que intensificou em 2021.


Levava com ele as balanças digitais (para pesar a droga de “acordo com as necessidades de cada um”), os sacos de plástico com respiradores e o MDMA, sendo que as pastilhas partidas já as tinha e pelas restantes ia pagar €4,00 (quatro euros) por cada uma.


Para pagamento do produto estupefaciente que lhe foi apreendido, pagou ao “RRRRRRRRR”, por parte da mesma, a quantia de €1.100,00 (mil e cem euros) e o restante pagaria depois. Recolheu os 1.100,00 (mil e cem euros) de amigos para ir adquirir a droga, os quais lhe tinham “encomendado” o produto. Desconhece quanto pagaria pelo remanescente, mas seriam cerca de €4.000,00 (quatro mil euros). O produto que lhe foi apreendido valeria cerca de €6.000,00 (seis mil euros), sendo esta a vez que recebeu mais produto do referido indivíduo.


O MDMA também era para ceder a terceiros.


Os €140,00 (cento e quarenta euros) eram produto de uns biscates que havia feito.


Desde 2019 que está incompatibilizado com a família e em 2020 a sua mãe expulsou-o de casa. Foi sem abrigo e andou a dormir nos comboios da “Fertagus”


Em sede de julgamento o arguido AA afirmou que:


Os factos descritos nos pontos 7) a 9) correspondem à verdade. Foi abordado numa operação Stop, deslocando-se da zona de ... para … pois tinha ido buscar o produto estupefaciente a ... e ia-o entregar a …. Por este transporte ia auferir alguma quantia e uma quantidade de produto estupefaciente, mas não sabe quanto. Os €1.370,00 (mil, trezentos e setenta euros) era dinheiro que lhe entregaram para ele, igualmente, transportar, conjuntamente com o produto estupefaciente. O veículo automóvel em que circulava era de um seu amigo, mas tinha-o comprado pelo valor de €5.700,00 (cinco mil e setecentos euros), tendo dado €350,00 (trezentos e cinquenta euros) de entrada e estando-lhe a pagar €100,00 (cem euros) por semana.


Confrontado com a contradição das declarações ora prestadas com as anteriormente prestadas em sede de interrogatório judicial afirmou que alguém lhe encomendou tal produto, mas desconhece quanto ia pagar, nem cobrar pelo mesmo. Quanto ao dinheiro apreendido na sua posse, parte era proveniente da venda de estupefaciente e parte de biscates que fazia.


Quanto aos factos descritos em 11) e seguintes da acusação, estava a transportar tais produtos, tendo ido buscá-los à ... e ia entregá-los a …. Por este transporte ia auferir parte da canabis que transportava e dinheiro, não sabendo, contudo, quanta droga, nem quanto dinheiro iria receber, sendo que o produto que iria auferir iria vender a uns seus amigos.


Em Fevereiro ou Março de 2020 acabou com uma sua namorada e começou a vender produto estupefacientes e pontualmente fazia “transportes” para financiar o seu consumo, auferindo produto estupefaciente que vendia a terceiros. Vendia a amigos que tinha em …, dirigindo-se a casa dos mesmos, a jardins e por vezes às imediações da Faculdade …, em …. Os seus amigos sabiam que o arguido era consumidor e contactavam-no pessoalmente e por WhatsApp.


Confirmou que a carta a fls. 307 foi escrita por si.


Mais referiu que, do ponto 4) da acusação apenas admite ter vendido produto estupefaciente a SSSSSSSSS, TT, FFF, PPP, YYY, FFFF, HHHH, WWWW e AAAAA, confirmando, contudo, ser contactado pela rede social WhatsApp com os perfis “AA” e “AA” (facto 6) da acusação).


Por último, referiu que em Dezembro de 2022 consumia haxixe, cocaína e MDMA, vivendo desta sua actividade.


Finda a produção da prova o arguido prestou novas declarações nos autos, afirmando que aquando do primeiro processo ficou com uma dívida tendo tido esta conduta para pagar a referida dívida.


Mais referiu que quer mudar de vida, pretendendo ir para França viver com a mãe, onde o padrasto lhe vai dar uma oportunidade de trabalho.


Nas declarações da testemunha QQQQQQQQQ, a qual de forma isenta e credível afirmou que conheceu o arguido na Faculdade …, em …, onde a testemunha estudava, sendo que o arguido não era estudante da referida faculdade, mas tinham amigos em comum. A testemunha é consumidora de “erva” e de pólen, tendo conhecido o arguido quando frequentava o 1º ou 2º ano do curso na faculdade. A testemunha e o arguido tinham amigos em comum, tendo-lhe adquirido erva e pólen no café e pode ter acontecido ter-lhe adquirido no bar da faculdade, sendo que por vezes fumavam juntos. Contactava o arguido por WhatsApp ou mensagem e adquiriu-lhe produto estupefaciente durante dois ou três anos, comprando-lhe €10,00 a €15,00 de cada vez, sendo que a testemunha consumia esporadicamente. Confirmou ter recebido a mensagem a fls. 254 e 255.


Mais referiu desconhecer o teor da carta a fls. 307, a qual nunca recebeu, não conhecendo a namorada do arguido.


Nas declarações da testemunha TTTTTTTTT, professor e músico, o qual afirmou conhecer o arguido por terem amigos em comum. A testemunha consome haxixe e erva, gastando €5,00 a €10,00 por mês nos seus consumos, não tendo memória de ter adquirido produto estupefaciente ao arguido.


Mais referiu desconhecer o teor da carta a fls. 307, a qual nunca recebeu, não tendo memória da mensagem a fls. 254 e 255.


Nas declarações da testemunha BB, mãe do arguido, a qual de forma sentida afirmou que o arguido viveu consigo, em sua casa, até 2018, altura em que a testemunha emigrou para a Suíça, ficando os seus dois filhos – o arguido e a sua irmã dois anos mais velha – a viverem em casa da testemunha, sendo que ela quem pagava as despesas da casa. Depois da testemunha ter emigrado, a relação com o arguido tornou-se mais conflituosa, o arguido fazia-lhe exigências de dinheiro para frequentar festas, bloqueava-a, tendo comportamentos difíceis de lidar. O arguido não tinha horários, para ele “não havia regras, nem limites”. Posteriormente, em 2019, o arguido saiu de sua casa, para ir viver com um amigo numa casa em ..., havendo períodos que o arguido não falava com a mãe. Antes da testemunha emigrar, o arguido chegou a trabalhar no McDonald’s e no Continente. Actualmente, o arguido está receptivo a ir viver com a testemunha para França onde esta se encontra agora emigrada.


Da conjugação de todos estes elementos probatórios e tendo presente que o arguido em sede de julgamento apresentou várias versões dos factos, as quais foi alterando à medida que ia sendo questionado pelo tribunal e que são contrárias, inclusive, ao que este anteriormente tinha afirmado em sede de primeiro interrogatório judicial, atentos os demais elementos dos autos, designadamente a natureza e quantidade de produto estupefaciente apreendido na sua posse e o exame aos telemóveis a este apreendidos, onde são profícuas conversas de WhatsApp mantidas pelo arguido com indivíduos que o contactavam para adquirir produto estupefaciente, o tribunal fundou a sua convicção:


Quanto aos factos provados descritos em 7), 8) e 14), os mesmos decorreram do Auto de Notícia a fls. 3 a 7, do Auto de Apreensão a fls. 12 e do exame a fls. 144, todos do NUIPC 214/21.0..., bem como nas declarações prestadas pelo arguido em sede de primeiro interrogatório judicial em 15/05/2021, o qual admitiu que na referida ocasião detinha o referido produto estupefaciente, o qual destinava à venda a terceiros.


Relativamente aos factos provados descritos em 11), 12), 13) e 14), os mesmos decorreram do Auto de Notícia a fls. 3 e 4, do Auto de Apreensão a fls. 5, na fotografia a fls. 11 e do exame a fls. 152 e 153, bem como nas declarações prestadas pelo arguido em sede de primeiro interrogatório judicial em 15/12/2022, o qual admitiu que na referida ocasião detinha o referido produto estupefaciente, o qual teria o valor de cerca de €6.000,00 (seis mil euros) e pelo qual tinha entregue, como principio de pagamento, €1.100,00 (mil e cem euros), o qual destinava à venda a terceiros.


Das conversações pelo WhatsApp mantidas pelo arguido, constantes dos exames aos dois telemóveis a estes apreendidos - exame a fls. 315 a 321 e cd’s a fls. 321A e exame a fls. 158 a 162 e cd a fls. 164 do NUIPC 214/21.0... – resulta que:


Do exame a fls. 158 a 162 e cd a fls. 164 do NUIPC 214/21.0... (telemóvel apreendido a fls. 15/05/2021) resulta que o arguido inicialmente vendia produto estupefaciente no interior da sua residência, situada na zona do ..., em ..., contudo teve problemas com o senhorio (vide conversação a fls. 231 e 232, datada de 10/04/2021, onde o arguido diz “Meteram um papel a dizer “drug sale” na porta da minha casa” “E fizeram uma queixa anónima ao senhorio”, “E disseram que chamavam os homens”), pelo que este começou a fazer as entregas de produto estupefaciente ao domicilio (vide conversação a fls. 234 onde o arguido diz “E agr tou a pensar fazer entregas ao domicílio”), maioritariamente na zona … e na linha de ..., bem como noutros locais à escolha dos indivíduos que o contactavam para o efeito. Tal como referiu o arguido numa conversação mantida com AAA, uma das suas clientes, “Eu vou ter onde quiseres que te encontre”.


O arguido tinha um “menu” onde discriminava os vários produtos estupefacientes de que dispunha e os respectivos preços consoante a quantidade, natureza e qualidade, conforme conversação a fls. 254 e 255, datada de 22/04/2021, a qual enviava às pessoas que o contactavam, a qual como intróito dizia:


“Entregas ao domicílio


Segunda a sexta das 15 às 21 na área metropolitana de …/….


DISCLAIMER: poderá ser pedido um valor adicional para pagar a entrega dependendo da zona requerida.


Zonas complicadas não são permitidas (Bairros sociais onde possam dar banhadas ou com alta presença dos homens, peco desculpa pela discriminação, mas é para minha própria segurança).


Pela vossa falta de consideração, quem tiver queixas quanto ao serviço (nomeadamente o tempo que eu demoro a ir ter convosco) escrevam a queixa num papel e enfiem no cu.


Faço isto para melhorar a minha vida não a vossa e a próxima pessoa que se queixar leva block (tenho mais de 100 contactos pra atender por semana, tenham isso em consideração.”


O volume de “negócio” decorre do número de indivíduos que contactavam o arguido, os quais decorrem das conversas de WhatsApp mantidas pelo mesmo, sendo que tal é igualmente referido pela conversação a fls. 260, de 22/04/2021, onde o arguido, falando com MMM, um dos seus clientes, diz “Ya mano. Fds tenho mais de 100 pessoas por semana a pagarem. E normal eu ter que demorar. Disse a … que so amanha eq dava e bloqueou me. Tive outros dois a queixarem se bwe e pq e tal demoraste bwe. Fds não sou uma loja com apoio ao cliente tou sozinho nisto.”


Do exame a fls. 315 a 321 e cd’s a fls. 321A (telemóvel apreendido ao arguido em 14/12/2022) decorre que o arguido nesta altura já residia na zona da ..., na margem … e continuava a sua actividade de venda de produtos estupefacientes, contactando e sendo contactado pelas redes sociais, designadamente pelo WhatsApp, enviando aos seus clientes o referido “menu” com os produtos disponíveis para venda, qualidade e preço, combinando com os referidos indivíduos os locais onde se encontraria com eles, na sua maioria em …, com especial incidência para a zona do ..., num estabelecimento denominado “P.. .........”; na zona do ..., num estabelecimento denominado “A..... . ......”; na zona da ..., onde está localizada a Faculdade …; e na zona da ..., com especial incidência para a Faculdade ….


Igualmente, no seu telemóvel o arguido tinha várias fotografias de produto estupefaciente, designadamente canabis resina e sumidades (fls. 168 verso a 180).


Assim, perante as declarações do arguido que admitiu em sede de primeiro interrogatório judicial que se dedicava a esta actividade desde o início do ano de 2020, conjugado com o teor das conversações mantidas pelo arguido, constantes dos exames aos dois telemóveis a este apreendidos, bem como da quantidade de estupefaciente apreendida nas duas ocasiões em posse do arguido, o tribunal deu como provados os factos descritos em 1), 2), 3), 4) e 14).


Do depoimento da testemunha DD, que admitiu que o arguido lhe vendeu produto estupefaciente, o qual este lhe pode ter entregue no bar da Faculdade … em …, local onde há data a testemunha estudava, bem como das referidas conversações resulta, igualmente, que algumas vezes, em número não concretamente apurado, por indicação dos indivíduos que o contactavam, bem como por o arguido se encontrar na proximidade desses locais, o arguido procedia à entrega dos produtos estupefacientes na zona da ..., em ..., no interior e/ou na proximidade da Faculdade … e da Faculdade …; do Polo Universitário … e da Faculdade …, bem como da Faculdade …, o que ocorreu nas vendas que efectuou a II, OO, TT, UUU, XXXX, QQQQQQQQQ, UUUUUU, CCCCCCC, FFFFFFF, GGGGGGG, OOOOOOO, XXXXXXX, ZZZZZZZ, BBBBBBBB, CCCCCCCC, DDDDDDDD, EEEEEEEE, LLLLLLLL, NNNNNNNN, OOOOOOOO, PPPPPPPP, RRRRRRRR e MMMMMMMMM (facto provado descrito em 5)).


Por outro lado, do teor da carta a fls. 307, a qual o arguido admitiu ter escrito e entregue à sua namorada UUUUUUUUU, resulta que este:


- Solicita que se contactassem as testemunhas VVVVVVVVV, TTTTTTTTT e WWWWWWWWW - com os números de telemóvel aí referidos, às quais o arguido cedia produtos estupefacientes, atentas as conversações mantidas com os mesmos pelo WhatsApp -, para que não comparecessem em tribunal ou “aparecerem e negarem que me conhecem ou que alguma vez me compraram alguma coisa. Pedir por favor como se tivesse desesperado e não façam ameaças”;


- Avisar o XXXXXXXXX (pessoa a que também cedia produto estupefaciente) “que tem 2 semanas para entregar os 200 paus se não passa para 300. Chatear até a mãe dele para pagar. Senão pagar os 300 passa para 500 e se ele não pagar também, quando sair vou-lhe bater rijo até pagar 1000 paus. É bom que ele fuja do país com os 200 paus”;


- Dizer ao SS e ao TTT (pessoas a quem este cedia produtos estupefacientes atentas as conversações mantidas com estes) que os números deles estão registados no processo;


- O do YYYYYYYYY (pessoa a quem este cedia produtos estupefacientes atentas as conversações mantidas) também mas acho que é o antigo;


- Avisar o TT, LLL, AAA, BBB, CCC, DDD, JJJ, KKK, OOO, PPP, RRR, SSS, VVV, YYY, BBBB, DDDD, JJJJ, LLLL, XXXX (pessoas a quem este cedia produtos estupefacientes atentas as conversações mantidas com estes) que os números estão no processo;


Ou seja, não só tal missiva confirma estes indivíduos como clientes do arguido, como o arguido tentou, mesmo detido, que eles fossem avisados e que faltassem à verdade para não o incriminar.


Do número elevado de contactos mantidos pelo arguido, dos quais se percebe que se seguiam transacções de produtos estupefacientes, o qual publicitava a sua “actividade” de “Segunda a sexta das 15 às 21 na área metropolitana de …/…”, não tendo o arguido qualquer trabalho ou profissão, é manifesto que esta era a sua única fonte de rendimento (facto provado descrito em 6)), tendo o dinheiro a este apreendido nas duas ocasiões origem na venda de produto estupefaciente (factos provados descritos em 9), 10) e 13)).


Quanto ao facto provado descrito em 15), a consciência da natureza penal dos factos corresponde ao conhecimento que qualquer cidadão possui e que o arguido necessariamente não podia deixar de ter, considerando a natureza dos factos que praticou, a sua idade e experiência de vida.


No que concerne aos antecedentes criminais o tribunal baseou-se no teor do Certificado de Registo Criminal junto a fls. 333 e, relativamente à situação pessoal e profissional do arguido, o tribunal teve em conta o teor do relatório social elaborado pela DGRSP junto a fls. 340 a 343, e no depoimento abonatório da testemunha BB, mãe do arguido. (factos provados em 16) a 28))


Relativamente ao facto julgado não provado descrito em a), o tribunal inquiriu apenas uma testemunha que adquiriu produto estupefaciente ao arguido – QQQQQQQQQ -, a qual há data era estudante universitária. Contudo, mais nenhuma testemunha estudante universitária foi inquirida, bem como das conversações de WhatsApp existentes nos autos não podemos concluir que maioria dos clientes do arguido eram estudantes universitários, senso certo que em apenas 23 (vinte e três) dos indivíduos a quem vendia as transacções eram junto a faculdades, nos termos dados como provados em 5), desconhecendo o tribunal, inclusive, se estes seriam todos estudantes pois o local escolhido para a entrega do estupefaciente transacionado era da conveniência do arguido e dos referidos indivíduos.”


*


10. O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação. (Cf. entre outros, os acórdãos do STJ de 19-6-96 1 e de 24-3-1999 2 e Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6.ª edição, 2007, pág. 103). São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar (artigos 403.º e 412.º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das de conhecimento oficioso.


No caso dos autos, face às conclusões da motivação do arguido AA são duas as questões a decidir:


- Se a pena de prisão de 5 anos e 6 meses que lhe foi aplicada deve ser reduzida para uma pena não superior a 5 anos de prisão; e


- Se essa pena deve ser suspensa na sua execução, com sujeição a regime de prova .


11. Apreciando


11.1. Previamente ao conhecimento do objeto do recurso, impõe-se fazer uma breve consideração sobre a competência do Supremo Tribunal de Justiça para o conhecimento do recurso, na medida em que o arguido o dirigiu ao Tribunal da Relação Lisboa, mas a Ex.ma Juíza de Direito, no despacho de 12 de dezembro de 2023, ao admitir o recurso interposto decidiu que seria remetido para o Supremo Tribunal de Justiça, como remeteu, ao abrigo do disposto no art.432.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal


O atual Código de Processo Penal, na sua versão originária, estabelecendo como pedra de toque para a determinação da competência do tribunal de recurso a natureza do tribunal recorrido, atribuía a competência ao Tribunal da Relação para conhecer das decisões de tribunais singulares e a competência ao Supremo Tribunal de Justiça para conhecer das decisões dos tribunais coletivos e do júri.


Perante as críticas desta solução legislativa, no que respeita ao recurso direto para o Supremo Tribunal de Justiça para conhecer das decisões dos tribunais coletivos e do júri, na medida em que eliminaria a garantia de recurso relativamente à reapreciação da matéria de facto por um tribunal de recurso, foram introduzidas alterações no regime dos recursos pela Lei n.º 59/98 de 25 de agosto e pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, estabelecendo-se novas vias de recurso para a Relação e para o STJ.


A Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, alterou o texto da alínea c), n.º1, do art.432.º do C.P.P. e aditou-lhe n.º2.


O art.432.º do Código de Processo Penal, que consigna taxativamente os casos em que tem lugar recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, passou a estabelecer, designadamente, o seguinte:


«1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:


(…)


c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito;


(…)


2 - Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º.».


A revisão do Código Penal de 2007, em função do estabelecido no n.º 2 do artigo 432.º do CPP, evidencia claramente a obrigatoriedade do recurso per saltum, desde que o recorrente tenha em vista a reapreciação de pena aplicada em medida superior a 5 anos de prisão e vise exclusivamente a reapreciação da matéria de direito.


A Relação passou a só ter competência para o conhecimento do recurso de pena aplicada em medida superior a 5 anos de prisão se o recorrente, ao provocar a reapreciação do caso penal, quiser abranger a própria matéria de facto.


Mais recentemente, a Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro, aditou ao final da alínea c), n.º1, do art.432.º do C.P.P., a expressão «…ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º», ampliando os fundamentos do recurso per saltum, dos acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo de 1.ª instância com a alegação de existência de erro-vícios e/ou nulidade insanável da decisão.


No caso em apreciação, o objeto do recurso é um acórdão condenatório, proferido por um tribunal coletivo, em que foi aplicada ao recorrente uma pena de 5 anos e 6 meses de prisão – e a essa dimensão se deve atender para definir a competência material –, pelo que, estando em equação uma deliberação final de um tribunal coletivo, visando o recurso apenas o reexame de matéria de direito (circunscrita à redução da medida da pena de prisão e eventual suspensão da sua execução), cabe efetivamente ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer do recurso.


Conclui-se, assim, que o recurso interposto pelo arguido é direto, per saltum, sendo o Supremo Tribunal de Justiça, e não o Tribunal da Relação, o competente para o conhecer, nos termos do art.432.º, n.ºs 1, alínea c) e 2, do Código de Processo Penal.


11.2. Da medida da pena aplicada


O recorrente AA sustenta que a pena de 5 anos e 6 meses de prisão, que lhe foi aplicada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.21.º do DL n.º 15/93, é excessiva e desproporcionada face ao ilícito praticado e às suas condições pessoais, pelo que terá o Tribunal a quo violado o disposto nos artigos 40.º, 47.º, 70.º e 71.º do Código Penal, o art.21.º do DL n.º 15/93 e o disposto nos artigos 18.º, n.º2 e 32.º da Constituição da República Portuguesa, ao aplicar-lhe.


Apresenta para o efeito e no essencial, os seguintes argumentos: (i) a qualidade do produto estupefaciente em causa (haxixe) não se enquadra no segmento das drogas duras e os atos que praticou integram-se no “tráfico de rua”, de venda direta de estupefacientes, sem recurso a meios sofisticados; (ii) à data dos factos tinha 22/23 anos de idade, confessou a maior parte dos factos que praticou, demonstrou arrependimento, não tem antecedentes criminais, tem uma postura exemplar em reclusão e completou a sua formação académica ao nível do 12.º ano; (iii) do segmento do depoimento da testemunha BB, sua mãe, que consta da motivação de facto do acórdão recorrido e das conclusões do relatório social, resulta que existe um contexto familiar propício à reinserção social do ora recorrente longe do lugar da prática dos factos.


11.2.1. Vejamos se assim é, tendo em consideração, particularmente, os princípios e normas afloradas pelo recorrente.


Como afloramento do Estado de Direito Democrático, consagrado no art.2.º da C.R.P., a última parte do n.º 2 do art.18.º da Lei Fundamental, estabelece pressupostos materiais para a restrição, legítima, de direitos, liberdades e garantias, através do chamado princípio da proporcionalidade.


Doutrinariamente, este princípio vem sendo desdobrado em três sub-princípios: princípio da necessidade ou da exigibilidade ( as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); e proporcionalidade em sentido estrito ou da racionalidade (não poderão adotar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).3.


O princípio da proporcionalidade em sentido estrito ou critério de justa medida, está estritamente ligado ao princípio da necessidade da pena criminal e, em face deste a pena criminal será constitucionalmente admissível se for necessária, adequada e proporcional.


Dúvidas não há, pois, que na determinação da medida concreta da pena deve respeitar-se, como bem refere o recorrente, o princípio da proporcionalidade.


Já o art.32.º da Constituição da República Portuguesa, que consagra o princípio geral sobre garantias de defesa e direito ao recurso, não se vislumbra em que termos poderá ter sido violado pelo Tribunal a quo, tanto mais que o ora recorrente não concretiza em que termos terão sido violadas garantias de processo criminal.


O art.21.º, n.º 1 do DL n.º 15/93, pelo qual o arguido foi condenado, consagra o tipo fundamental do crime de tráfico de estupefacientes, pressupondo na elevada pena abstrata de 4 a 12 anos de prisão, a prática de atos de significativo relevo, ou seja, uma ilicitude de assinável dimensão.


É no Código Penal que se traça o sistema punitivo geral.


Do art.70.º, deste Código Penal, resulta que na escolha da pena se deve dar preferência à pena não privativa da liberdade, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.


Como critério de determinação da medida da pena estabelece o art.71.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, que esta é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele.


Em termos muito sucintos, a culpa traduz um juízo de censura, ou desaprovação, que é suscetível de se revelar maior ou menor sendo, por natureza, graduável e dependendo sempre das circunstâncias concretas em que o agente desenvolveu a sua conduta. Traduz um juízo de exigibilidade determinado pela vinculação de cada um a conformar-se pela atuação de acordo com as regras estipuladas pela ordem jurídica superando as proibições impostas.


O requisito de que sejam levadas em conta, na determinação da medida concreta da pena, as exigências de prevenção, remete para a realização in casu das finalidades da pena, que de acordo com o art.40.º, n.º1, do Código Penal, são a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.


O objetivo último das penas é a proteção, o mais eficaz possível, dos bens jurídicos fundamentais.


Esta proteção implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo primordialmente para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva ou de integração).


A prevenção geral radica no significado que a “gravidade do facto” assume perante a comunidade, isto é, no significado que a violação de determinados bens jurídico-penais tem para a comunidade e visa satisfazer as exigências de proteção desses bens na medida do necessário para assegurar a estabilização das expectativas na validade do direito.


Já a reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.


É a prevenção geral positiva que fornece uma moldura de prevenção dentro de cujos limites podem e devem atuar considerações de prevenção especial.


Por respeito à eminente dignidade da pessoa a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa (art.40.º, n.º 2 do C.P.), designadamente por razões de prevenção, pelo que a culpa é o limite inultrapassável de quaisquer considerações preventivas, fornecendo o limite máximo da pena.


Os fatores previstos no artigo 71º, do Código Penal, que relevam para a determinação da medida da pena, quer pela via da culpa, quer pela da prevenção, podem dividir-se, na lição de Figueiredo Dias4, em: “1. Fatores relativos à execução do facto”, esclarecendo que: Toma-se aqui a “execução do facto” num sentido global e complexo, capaz de abranger “o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente”, “a intensidade do dolo ou da negligência” e ainda “os sentimentos manifestados na preparação do crime e os fins e os motivos que o determinaram(...”.);2) Fatores relativos à personalidade do agente”, em que inclui: a) Condições pessoais e económicas do agente; b) Sensibilidade à pena e suscetibilidade de ser por ela influenciado; e c) Qualidades da personalidade manifestadas no facto; e “3) Fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto”, esclarecendo que no que respeita à vida anterior ao facto há que averiguar se este surge como um episódio ocasional e isolado no contexto de uma vida de resto fiel ao direito, que poderá atenuar a pena ou se existem condenações anteriores, que poderão servir para agravar a medida da pena. Relativamente à conduta posterior ao facto importa averiguar se o arguido procedeu ou envidou esforços no sentido de reparar as consequências do crime e qual foi o seu comportamento processual.


Como expende Maria João Antunes, podem ser agrupados nas alíneas a), b), c) e e), parte final, do n.º 2 do art.71.º, do Código Penal, os fatores relativos à execução do facto; nas alíneas d) e f), os fatores relativos à personalidade do agente; e na alínea e), os fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto. 5


11.2.2. Feitas estas considerações de âmbito geral, retomemos o caso concreto.


O acórdão recorrido, depois de verter os princípios que respeitam à determinação da medida da pena, consignou em concreto e com relevo para a determinação da medida da pena (transcrição):


“O grau de ilicitude mostra-se de média gravidade atenta a quantidade e qualidade de produto de estupefaciente apreendido e os meios empregues nesta actividade ilícita.


No que concerne à culpa, a mesma molda-se pelo dolo directo pois o arguido agiu livre e conscientemente, representando o facto que preenche um tipo de crime, e actuando com a intenção de o realizar (artigo 14º, n.º 1, do Código Penal).


No caso em apreço pontificam, por um lado as prementes exigências de prevenção geral, decorrentes da proliferação de comportamentos idênticos aos assumidos pelos arguidos.


Como sabemos o tráfico de droga constitui hoje, nas sociedades desenvolvidas, um dos factores que provoca maior perturbação e comoção social, tanto pelos riscos (e incomensuráveis danos) para bens e valores fundamentais como a saúde física e psíquica de milhares de cidadãos, especialmente jovens, como pela exploração das dependências que gera lucros subterrâneos, alimentando economias criminais, que através de reciclagem contaminam a economia legal.


O reconhecimento do fenómeno e da comoção social que provoca, faz salientar a necessidade de acautelar as finalidades de prevenção geral na determinação das penas como garantia da validade das normas e de confiança da comunidade, mas, do mesmo passo, não podem ser descuradas as finalidades de reinserção dentro do modelo de prevenção especial.


Quanto às razões de prevenção especial temos que o arguido tem actualmente 24 (vinte e quatro) anos de idade, tendo 22 (vinte e dois) e 23 (vinte e três) anos aquando da prática dos factos, e não tem antecedentes criminais registados.


A conduta do arguido decorreu entre o início de 2020 a 14 de Dezembro de 2022 (data em que foi detido), tendo procedido à venda de produtos estupefacientes – canabis em resina e sumidades, LSD e MDMA – a um número considerável de indivíduos com quem contactava pelas redes sociais, enviando-lhes o “menu” dos produtos que tinha disponíveis e respectivos preços de acordo com a qualidade e quantidade dos mesmos, indo ao encontro dos mesmos para fazer a entrega do produto, fazendo assim “entregas ao domicílio”.


Por outro lado, o arguido foi abordado em duas ocasiões tendo com ele produto estupefaciente, concretamente:


- No dia 15/05/2021, cerca das 04:00 horas, na Praça ... da ..., no ..., com 134,000 gramas de canábis em sumidades, suficiente para a preparação de 292 (duzentas e noventa e duas) doses individuais; e


- No dia 14/12/2022, cerca das 19:20 horas, na Av. ..., no ..., em ..., um total de 1.085,00 gramas de canábis em sumidades, suficiente para a preparação de um total de 3.000 (três mil) doses individuais; 765,842 gramas de canábis em resina, suficiente para a preparação de 2926 (dois mil, novecentos e vinte e seis) doses individuais; e 87,325g de MDMA, suficiente para a preparação de 77 (setenta e sete) doses individuais.


Igualmente, aquando da sua primeira detenção em 15/05/2021 foi aplicada ao arguido a medida de coação de apresentações semanais no OPC competente na área da sua residência, as quais não foram suficientes para afastar o arguido da prática de ilícitos, designadamente da venda de produtos estupefacientes, a qual manteve e intensificou pois em 14/12/2022 foi-lhe apreendido produto estupefaciente em maior quantidade, sendo certo que em algumas das conversações por ele mantidas, quando contactado por indivíduos para lhe adquirirem produto, dizia estar na esquadra.


Em sede de julgamento o arguido apresentou declarações contraditórias, que foi alterando à medida que foi questionado pelo tribunal perante as incoerências das suas declarações, face às anteriormente prestadas em sede de primeiro interrogatório judicial, procurando sempre minimizar e desvalorizar a mesma, não demonstrando arrependimento, nem auto-censura pela sua conduta.


Em termos socioeconómicas, o arguido é consumidor de canabis, cocaína e MDMA e aquando destes factos vivia desta sua actividade, tendo-se progressivamente distanciado do apoio e contacto com a mãe e a irmã, que deixaram de conhecer como este organizava o seu quotidiano, a nível de horários e actividades escolares ou laborais.


À data da instauração do presente processo, a 14 de Dezembro de 2022, o arguido permanecia, por períodos alternados, na casa da progenitora, na casa de amigos e de namoradas, que lhe proporcionavam apoio temporário, a nível de alojamento e alimentação. Terminado o apoio ou o relacionamento com os pares, também viveu em quartos arrendados e na rua (pernoitando em estações/carruagens), por não pretender regressar a casa, uma vez que estava incompatibilizado com a irmã.


O arguido mantinha o quotidiano desorganizado, sem trabalhar e intensificou o consumo de drogas, sendo o seu tempo livre dedicado ao convívio com pares, frequentando locais conotados com o trafico e o consumo de estupefacientes.


O arguido encontra-se preso preventivamente no Estabelecimento Prisional de ..., desde 16 de Dezembro de 2022, sendo um recluso com comportamento adaptado e adequado ao meio prisional, sem registo de processos disciplinares, a frequentar o Processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências, aparentando estar abstinente.


Assim, tudo ponderado, atentas as razões de prevenção geral e especial supra referidas o tribunal tem por adequado e proporcional condenar o arguido na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.”.


11.2.3. Acompanhamos, no essencial, a lógica argumentativa da decisão.


Divergimos apenas, parcialmente, no que respeita aos “fatores relativos à execução do facto”, quanto ao grau de ilicitude do crime de tráfico de estupefacientes, por cremos que se situa acima da média, dentro do tipo fundamental.


Na verdade, embora o arguido AA não tenha sido condenado pelo tráfico de estupefacientes agravado pelas situações descritas nas alíneas b) e h), do art.24.º do DL n.º 15/93 de 22 de janeiro - respetivamente, se «as substâncias ou preparações foram distribuídas por grande número de pessoas» e/ou se «a infração tiver sido cometida em instalações de serviços de tratamento de consumidores de droga, de reinserção social, de serviços ou instituições de ação social, em estabelecimento prisional, unidade militar, estabelecimento de educação, ou em outros locais onde os alunos ou estudantes se dediquem à prática de atividades educativas, desportivas ou sociais, ou nas suas imediações», não pode deixar de se realçar que no período de cerca de três anos (início de 2020 até 14-12-2022), abasteceu de produtos estupefacientes, pelo menos 201 indivíduos e procedeu à sua entrega, designadamente, no interior e nas proximidades de estabelecimentos de ensino universitário, o que eleva claramente a ilicitude da conduta.6


O produto estupefaciente que distribuiu não foi apenas haxixe, como alega, pois estão em causa três tipos de estupefacientes: canábis (em sumidades e haxixe), por um lado, e, LSD e MDMA, por outro, que integram, respetivamente, as Tabelas I-C e II-A anexas ao DL n.º 15/93, de 22 de janeiro.


Importa não desvalorizar, também, o tráfico de canábis, pois este não tem o carácter menosprezável do ponto de vista criminal que frequentemente se pretende atribuir-lhe. A ideia que atualmente se quer generalizada de que o consumo de cannabis não tem efeitos perniciosos nem gera dependência, não tem fundamento científico. Neste sentido, consigna-se no «Relatório Europeu sobre Drogas – 2020», do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (EMCDDA)», que “a canábis tem hoje um peso significativo nas admissões a tratamento de toxicodependência”.


A canábis gera apetências gradativamente mais exigentes, sendo frequentemente referida por consumidores de estupefacientes, como uma fase de acesso ou de iniciação a estupefacientes mais perniciosas para a saúde.


No que respeita à execução do crime, se é correta a alegação de que os meios utilizados na venda dos estupefacientes não foram particularmente sofisticados, ainda assim exigiam já, por parte do arguido, o acesso intenso a redes sociais para publicitação do “menu” e subsequente venda dos produtos estupefacientes, bem o recurso a meios de transportes adequados a fazer entregas ao domicílio numa grande área geográfica, como é a zona … e a ….


Quanto à gravidade das consequências do crime, não pode deixar de considerar-se razoavelmente elevada, tendo em conta a quantidade e natureza dos produtos estupefacientes que entraram no circuito comercial de venda e as quantidades não despiciendas de produto que só não entraram nesse circuito porque foram apreendidas ao arguido nos dias 15/5/2021 e 14/12/2022.


Tendo o arguido/recorrente atuado, nos termos descritos, durante cerca de 3 anos, com o propósito de obter rendimentos à custa do prejuízo da saúde dos terceiros consumidores, impõe-se concluir que agiu não só com dolo direto, mas intenso.


A motivação que o determinou a essa conduta foi obtenção de rendimentos, sendo mesmo essa atividade ilícita a sua única fonte de rendimentos.


Nos «Fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto», que integram a alínea e), n.º2 do art.71.º do Código Penal, anotamos que o arguido AA beneficia da ausência de antecedentes criminais, embora tenha já anteriormente mantido um contacto com o sistema judicial em 2017 (ponto n.º 21 dos factos provados).


Beneficiando da confissão parcial dos factos, tem esta circunstância pouco ou nenhum relevo, na medida em consta da fundamentação da matéria de facto do acórdão recorrido e da determinação da medida da pena que o arguido foi apresentando declarações contraditórias, que foi alterando perante as suas incoerências.


A invocação do arrependimento pela prática dos factos não pode ser tida em conta, uma vez que não consta dos factos provados, sendo expressamente afastada no acórdão recorrido.
A postura do arguido no Estabelecimento Prisional, desde 16 de dezembro de 2022, não é “exemplar”, mas, sim, a conduta adequada, normal, a quem se encontra na situação de privação de liberdade, por lhe ter sido decretada a prisão preventiva.



Não consta dos factos provados que o arguido completou a sua formação académica ao nível do 12.º ano, mas, sim, que não completou o ensino secundário e encontra-se a frequentar o processo de reconhecimento, validação e certificação de competências.


Aparenta estar abstinente de drogas, de que era consumidor à data dos factos e que, em certa medida, contribui para a desestruturação da sua vida bem descrita na factualidade dada como provada nos pontos n.ºs 24 e 25 do acórdão recorrido.


Por fim, no que respeita aos “fatores relativos à personalidade do agente”, não cremos que o apelo do recorrente AA às suas condições pessoais, tenham relevância para alterar a pena fixada na decisão recorrida.


Efetivamente, foi o arguido, que à data dos factos tinha 22/23 anos de idade, quem se distanciou do seu contexto familiar e prescindindo do apoio familiar manteve uma vida desorganizada, ligada ao consumo de canábis, cocaína e MDMA e à venda de canábis, LSD e MDMA.


Dos factos provados ( ponto n.º 28) resulta que o arguido “aparenta maior consciência de que deve iniciar o trabalho individual de reflexão crítica sobre o seu comportamento”. Ou seja, o arguido tem ainda pela frente um trabalho de reflexão e interiorização crítica do desvalor da sua conduta ilícita levada a cabo durante cerca de 3 anos.


A esta conclusão não obsta o segmento de depoimento da mãe do arguido indicado pelo recorrente, nem as alegadas conclusões do relatório social, que não constam da factualidade do acórdão recorrido.


Conjugando a personalidade do arguido AA, com o quadro das circunstâncias em que atuou, entendemos, tal como o acórdão recorrido, que são prementes as exigências de prevenção especial de socialização.


Muito elevadas são as exigências de prevenção geral no crime de tráfico de estupefacientes, pela forte ressonância negativa na consciência social das atividades que os consubstanciam, em particular quando está em causa o tráfico de produtos estupefacientes durante largo período de tempo e em quantidades significativas, pelo que se justifica reforçar a ideia da validade dos bens jurídicos inerentes à norma violada.


Perante estes elementos objetivos relevantes para a culpa e para a prevenção, entendemos que se situa também em nível alto a culpa do arguido.


Em suma, as circunstâncias que o recorrente invoca para atenuação da sua responsabilidade criminal, ou improcedem por não terem fundamentação nos factos dados como provados no acórdão recorrido, ou pouca ou nenhuma relevância têm para essa atenuação, como atrás se esclareceu.


Concluímos, deste modo, que o procedimento judicial de fixação do quantum da pena de prisão aplicada ao arguido, em 5 anos e 6 meses de prisão, numa moldura de 4 a 12 anos de prisão, respeitou as finalidades da punição e os critérios legais de proporcionalidade na determinação da medida da pena.


Não merecendo censura a medida da pena aplicada, decide este Supremo Tribunal manter a mesma.


12. Da suspensão da execução da pena


Os pressupostos da suspensão da execução da pena vêm enunciados no art.50.º, n.º1 do Código Penal.


Nos termos deste preceito legal, «O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.».


O pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão é apenas que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos. Já o pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o Tribunal conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.


No caso concreto, pressuposto da suspensão da pena de prisão pretendida pelo recorrente, nos termos dos artigos 50.º, n.ºs 1 e 2 e 52.º do Código Penal, era a redução da pena de prisão para medida não superior a 5 anos.


Tendo em conta que foi mantida a pena em que o arguido AA foi condenado neste processo em medida superior a 5 anos de prisão, não se mostra verificado o pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão.


Assim, por falta, desde logo, de verificação deste primeiro pressuposto, fica prejudicada a necessidade de apuramento de existência do pressuposto material desta pena de substituição não detentiva e, consequentemtente, mais não resta que negar provimento a esta questão.


Não se verificando a violação de qualquer das normas ou princípios invocados pelo recorrentes, mais não resta que negar provimento ao recurso.


III - Decisão


Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e confirmar o acórdão recorrido.


Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UCs (art.513º, nºs 1 e 3, do C. P.P. e art.8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).


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(Certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.ºs 2 e 3 do C.P.P.).


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Lisboa, 15 de fevereiro de 2024


Orlando Gonçalves (Juiz Conselheiro Relator)


Vasques Osório (Juiz Conselheiro Adjunto)


Jorge Gonçalves (Juiz Conselheiro Adjunto)


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1. Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.↩︎

2. Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.↩︎

3. Crf. Gomes Canotilho e Vital Moreira , in “Constituição da República Portuguesa anotada”, Vol. I, Coimbra Editora, 2007, pág. 392, e Jorge Miranda - Rui Medeiros, in Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I , Coimbra Editora, 2005, pág. 162.↩︎

4. Cfr. “Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime”, Editorial Notícias, pág. 245 a 255.↩︎

5. Cf. “ Consequências Jurídicas do Crime”, Lições para os alunos da FDC, Coimbra, 2010-2011.↩︎

6. O arguido não foi acusado pelo tráfico agravado da al. b), do art.24.º do DL n.º 15/93 e, no que respeita à al. h), do mesmo tipo penal, consignou o acórdão recorrido: “Estes locais eram acordados entre o arguido e os referidos indivíduos, por indicação dos indivíduos que o contactavam, bem como por o arguido se encontrar na proximidade desses locais, contudo, não podemos concluir deste facto que a maioria da actividade do arguido se dirigia a estudantes universitários, nem que o mesmo fizesse a maioria das suas entregas em tais locais, de forma a disseminar os produtos estupefacientes por si transacionados na comunidade universitária, pelo que não podemos concluir pela agravação da ilicitude da sua conduta, razão pela qual o arguido vai absolvido da prática do crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelo artigo 24º, alínea h), do Decreto-lei n.º 15/93 de 22/01, de cuja prática vinha acusado.↩︎