Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
002307
Nº Convencional: JSTJ00003916
Relator: SALVIANO DE SOUSA
Descritores: DIREITOS DO TRABALHADOR
RETRIBUIÇÃO
PRINCIPIO DA IGUALDADE
TRABALHO IGUAL SALARIO IGUAL
CONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: SJ199003010023074
Data do Acordão: 03/01/1990
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N395 ANO1990 PAG396
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 4663/88
Data: 03/01/1989
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB.
Legislação Nacional: CONST82 ARTIGO 10 N1 A ARTIGO 13 ARTIGO 17 ARTIGO 60 N1 A.
Sumário : I - O artigo 60 da Constituição, objectivando a reafirmação, no tocante a direitos dos trabalhadores, do principio de igualdade expresso no seu artigo 13, estabelece os principios fundamentais a que deve obdecer a retribuição do trabalhador: a) ela deve ser conforme a quantidade de trabalho (duração e intensidade), a natureza do trabalho (sua dificuldade, penosidade ou perigosidade) e a qualidade do trabalho (conhecimentos, pratica e capacidade). b) a trabalho igual em quantidade, natureza e qualidade deve corresponder salario igual, proibindo-se desde logo a discriminação entre trabalhadores.
II - Assim, a Constituição, impondo a igualdade de tratamento, fixa criterios segundo os quais sera permitida uma diferenciação desse tratamento. Deste modo, para ser constitucionalmente legal uma diferenciação, necessario se torna uma justificação conforme os criterios ali objectivamente fixados.
III - Não entra em todos estes principios qualquer consideração sobre diferente grau academico.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
A e B, identificados nos autos, instauraram, pelo Tribunal de Trabalho de Cascais, acção emergente de contrato de trabalho contra:
C - EP, pedindo a declaração de nulidade das clausulas do ACT de 1978 e 1979 e respectivos anexos II que se referem aos efeitos salariais da sua reintegração na empresa Re e ainda condenação desta a reconhecer aos Autores as categorias e salarios reclamados, bem como a pagar-lhes as diferenças salariais devidas no periodo compreendido entre Agosto de 1977 e Dezembro de 1979.
A Re contestou por excepção e por impugnação.
Na decisão final, o Meretissimo Juiz julgou a acção procedente e ordenou a Re: a integrar o Autor A na rede geral e na carreira dos Quadros Tecnicos da CP, desde 1/1/77, com a atribuição dos escalões e promoções dai decorrentes e ainda no pagamento das correspondentes diferenças salariais; a pagar ao Autor B, desde a mesma data, as diferenças salariais não pagas embora reconhecidas pela Re conforme documento de fls. e a integrar o Autor B no escalão 8 do RC com a decorrente carreira no quadro tecnico pratico com efeitos a partir de 1/1/82, promovendo-o e pagando-lhe em conformidade com tal regulamento.
A Re apelou da sentença, que veio a ser inteiramente confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
Recorreu de revista a Re para este Supremo Tribunal, formulando, em suas doutas alegações as conclusões seguintes:
- O Engenheiro Tecnico A, porque não possui a licenciatura em Engenharia não podia ter sido integrado na Carreira dos Engenheiros nem nos escalões de vencimento proprios dela;
- Ao Sr. B, porque o acesso a categoria "honorifica de Tecnico Pratico" dependia de escolha ou concurso curricular em que a Re tinha a ultima palavra e nem a uma coisa nem a outra foi submetido não lhe podia ter sido atribuida a categoria pretendida;
- Ao decidir-se como se decidiu na 1. instancia como no Tribunal da Relação, violaram, pelo menos, o Anexo B do Acordo Colectivo de Trabalho dos Ferroviarios de 1972, aplicavel por força dos sucessivos ACTS posteriormente publicados.
Os Autores contra-alegaram, pugnando pela confirmação do douto acordão recorrido.
Neste tribunal, o ilustre Procurador Geral Adjunto e de parecer que deve ser negada a revista.
Tiveram visto nos autos os Exmos Conselheiros Adjuntos.
Cumpre decidir.
MATERIA DE FACTO:
E a seguinte a materia de facto assente pelas instancias;
- A partir de 1 de Janeiro de 1977 os funcionarios da Sociedade Estoril SARL afectos a exploração da linha ferrea de Cascais, foram integrados na ora Re.
- O Autor A estava classificado pela Re como Director de Departamento, na linha de Cascais, auferindo, desde Agosto de 1977, o vencimento mensal de 30800 escudos, o qual passou a ser de 33000 escudos mensais a partir da entrada em vigor do ACT de 1979.
- A partir da entrada em vigor do ACT de 1979, os Chefes de Serviço e os Chefes de Sector diplomados passaram a auferir o salario mensal de 25000 escudos.
- So apos a integração referida na Re da extinta Sociedade do Estoril, SARL, passou a haver distinção entre pessoal diplomado e não diplomado na Linha de Cascais.
- São identicas as responsabilidades dos chefes de serviço e de sector quer sejam ou não diplomados.
- Para alem do Autor A desempenhavam funções de Directores de Departamento na Sociedade Estoril mais quatro pessoas com funções de identica responsabilidade e igual vencimento, os quais foram integrados na rede geral da Re, Eng. C, Dr. D, Eng. E e F .... respectivamente nos escalões 3, 4, - IV e 2, reportando-se as datas de 1/1/77 quanto aos dois primeiros e 20/08/77 quanto ao ultimo.
- O Autor A, a data de integração da Sociedade Estoril na Re tinha o grau academico de engenheiro tecnico.
- Os outros directores de departamento tinham nessa data os seguintes graus academicos: Eng. C - licenciado em Engenharia; Eng. E - Eng. Tecnico; F dos Santos - curso comercial; Dr. D - licenciado em direito.
- O Eng. E auferiu vencimento pelo escalão 4 desde 1/1/77 ate 31/12/78 e a partir desta data pelo escalão 2/3 e pelo escalão 3 desde 1/1/80.
- O autor B desempenha e sempre desempenhou funções que, na rede geral, são desempenhadas por licenciados em engenharia ou tecnicos praticos de engenharia.
- O Autor B e reconhecido como tendo capacidade e conhecimentos praticos de nivel medio possuindo o curso de mecanotecnia da Escola Industrial Marques de Pombal, o curso de construtor civil da Escola Machado de Castro, o curso de mediador orçamentista de construção civil e demais descritos no quesito 14, sempre tendo obtido altas classificações.
- Tal capacidade e conhecimento pratico são reconhecidos pela respectiva chefia.
- Ha na rede geral ex-chefes de sector da Sociedade Estoril integrados na carreira de Tecnicos Praticos, vencendo pelo escalão 8 desde 1/1/82.
- O acesso a Carreira de Tecnico Pratico e determinada na pratica da Re designadamente pela capacidade de um trabalhador sem habilitações de nivel superior, exercer funções que, em principio, competiriam a um trabalhador com formação academica superior ao nivel de licenciatura ou bacharelato.
O DIREITO:
A questão "sub-judice" relaciona-se com o principio "para trabalho igual salario igual", insito na Constituição da Republica Portuguesa, que no seu artigo 60 estabelece:
"Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, territorio de origem, religião, convicções politicas ou religiosas, tem direito: a) A retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o principio de que para trabalho igual salario igual, de forma a garantir uma existencia condigna".
Objectiva-se neste dispositivo a reafirmação, no tocante a direitos dos trabalhadores, do principio de igualdade expresso no artigo 13 da nossa Lei Fundamental.
Tal principio, como observam GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA, "não e apenas um principio de disciplina das relações entre o cidadão e o Estado (ou equiparados), mas tambem uma regra do estatuto social dos cidadãos, um principio de conformação e de qualificação da posição de cada cidadão na colectividade" (Constituição da Republica Portuguesa Anotada, segunda edição 148).
O direito a retribuição do trabalho (artigo 10, n. 1, a)) reveste natureza analoga aos direitos, liberdades e garantias enunciados no titulo II da Constituição (artigo 17).
O conteudo juridico-constitucional do principio de igualdade na ordem constitucional portuguesa abrange as seguintes dimensões: proibição do arbitrio, proibição de discriminação e obrigação de diferenciação.
Aquele artigo 60 da Constituição da Republica Portuguesa, no seu n. 1, a), estabelece os principios fundamentais a que deve obedecer a retribuição do trabalho: a) ele deve ser conforme a quantidade do trabalho (duração e intensidade), a natureza do trabalho (sua dificuldade, penosidade ou perigosidade) e a qualidade do trabalho (conhecimentos, pratica e capacidade); b) a trabalho igual em quantidade, natureza e qualidade deve corresponder salario igual, proibindo-se desde logo as discriminações entre trabalhadores.
A Constituição, impondo a igualdade de tratamento, fixa os criterios objectivos segundo os quais sera permitida uma diferenciação desse tratamento. Deste modo, para ser constitucionalmente legal uma diferenciação, necessario se torna uma jurisdição conforme os criterios ali objectivamente fixados.
Sobre o mesmo principio de "a trabalho igual salario igual", escreve MONTEIRO FERNANDES (Noções Fundamentais... I vol., 3. ed., 89):
"Pode considerar-se pacifico o entendimento de que, na linha do aludido principio, uma identica remuneração deve ser correspondida a dois trabalhadores que ocupam postos de trabalho iguais, ou seja, exerçam tarefas qualitativamente coincidentes, em identica quantidade (duração), na mesma organização produtiva. Por outras palavras: salario igual em paridade de funções, entendendo-se por esta expressão, em simultaneo, a identidade de natureza das tarefas e a igualdade do tempo de trabalhos. Não entra em todos estes principios qualquer consideração sobre o diferente grau academico.
Como resulta da materia de facto assente pelas instancias, (no caso presente), a diferenciação na integração e qualificação não se justifica perante os criterios objectivos definidos na Constituição.
Não tem cabimento a posição da recorrente ao por em causa a integração do Autor A na Carreira dos Tecnicos Licenciados e a integração do Autor B na categoria de Tecnico Pratico.
Em relação ao primeiro, a propria recorrente integrou na carreira dos Quadros Tecnicos quem não era licenciado e não e legitimo que ela não queira aceitar quanto ao Autor A o que aceitou e reconheceu a outros trabalhadores em posição identica. Como se viu, nada impede que a Carreira dos Engenheiros inclua tecnicos não licenciados em Engenharia.
Quanto ao Autor Jose B, a materia de facto assente demonstra que ele deve ser integrado como decidiram as instancias. Alias, e a propria recorrente quem, nas suas alegações, a folhas 115, verso, reconhece: "O Snr, B ja e hoje Tecnico Pratico - e com todo o merito".
Improcedem, por conseguinte, todas as conclusões do recurso.
Pelo exposto, acorda-se negar a revista.
Custas pela recorrente.
Salviano de Sousa,
Cura Mariano,
Mario Afonso.