Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1148/06.3TTPRT.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: SOUSA PEIXOTO
Descritores: CONTRATO DE DOCÊNCIA
QUALIFICAÇÃO DO CONTRATO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/03/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
1. O que decisivamente releva para a qualificação do contrato é a forma como, na prática, o mesmo foi executado e não o nome que as partes lhe atribuíram, quando este tenha sido reduzido a escrito, mas essa denominação não pode ser absolutamente desconsiderada, no geral, devendo mesmo, em certos casos, ser-lhe atribuída uma especial relevância.

2. É o que acontece quando o contrato é celebrado entre uma Fundação (ré) e um Mestre em Direito (autor), com largos anos de docência universitária e basta obra jurídica publicada, nos termos do qual este passou a exercer funções docentes num Instituto Superior universitário àquela pertencente.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

1. Relatório
Em 19 de Julho de 2006, AA propôs, no Tribunal do Trabalho do Porto, a presente acção declarativa contra a Fundação Bissaya-Barreto, pedindo que o despedimento de que foi alvo por parte da ré seja declarado ilícito e que a ré fosse condenada a pagar-lhe diversas prestações pecuniárias, a título de indemnização de antiguidade, de retribuição dos meses de Agosto e Setembro dos anos de 2003 e de 2004, de subsídios de férias e de Natal referentes aos anos de 2002, 2003, 2004 e 2005, de indemnização por danos patrimoniais (estes a liquidar) e não patrimoniais e de retribuições intercalares.

Em síntese, o autor alegou que foi admitido ao serviço da ré em Setembro de 2002, para exercer funções docentes no Instituto Superior Bissaya Barreto, em regime de contrato de trabalho por tempo indeterminado, apesar dos contratos celebrados com a ré terem sido denominados de prestação de serviço, tendo sido por ela ilicitamente despedido em 31.7.2005.

Subsidiariamente, o autor pediu que, na hipótese de se considerar que o contrato de trabalho era a termo, a cláusula 6.ª (referente ao termo do contrato) fosse declarada nula e a ré condenada a pagar-lhe as retribuições que ele teria auferido até 30.9.2007, uma vez que o contrato devia ter a duração de cinco anos, ou até ao trânsito da sentença, se aquela data ocorrer antes, bem como as demais prestações peticionadas no pedido principal a título de retribuição dos meses de Agosto e Setembro dos anos de 2003 e de 2004, de subsídios de férias e de Natal referentes aos anos de 2002, 2003, 204 e 2005, de indemnização por danos patrimoniais (estes a liquidar) e não patrimoniais.

A ré contestou impugnando a natureza laboral do vínculo contratual estabelecido com o autor, alegando que o autor sempre exerceu as suas funções docentes em regime de contrato de prestação de serviço.

Na 1.ª instância, a acção foi julgada totalmente improcedente e a ré foi absolvida de todos os pedidos, por se ter entendido que o contrato mantido entre as partes era de prestação de serviço e não de trabalho subordinado.

O autor apelou da sentença, impugnando a qualificação jurídica atribuída ao contrato que vigorou entre as partes e também as respostas dadas aos quesitos 5.º, 7.º, 15.º e 16.º, mas o Tribunal da Relação do Porto julgou improcedente a impugnação da matéria de facto e, embora com um voto de vencido, confirmou a decisão recorrida.

Mantendo o seu inconformismo, o autor interpôs recurso de revista, concluindo as respectivas alegações da seguinte forma:

1. A factualidade apurada nos autos justifica a conclusão de que o Recorrente e a Recorrida estavam vinculados por um contrato de trabalho ao qual a recorrida pôs termo, unilateralmente, sem motivo e sem precedência de processo disciplinar.
2. O raciocínio decisório está inquinado por um pré-juízo que, embora inadvertidamente, determinou uma opção valorativa apriorística acerca do vínculo havido entre as partes.
3. Apesar de isso ter sido enfatizado na apelação, o acórdão recorrido não atribuiu o devido significado às respostas dados aos quesitos 1°, 2°, 3° e 4° da base instrutória, já que, face a tais respostas e ao disposto nos n.os 1 e 2 do art. 17° do "regime do pessoal docente" (cfr. fls. 24 a 27), tendo sido dada como provada a contratação do Recorrente como assistente e em tempo parcial, ficou logo definida a natureza do vínculo, que é a de contrato de trabalho, estando prejudicada a hipótese de prestação de serviço.
4. No iter decisório, quando ainda enunciava a linha divisória entre contrato de trabalho e prestação de serviço, o acórdão recorrido, a fls. 806, de modo abrupto, prematuro, apriorístico e acrítico, assumiu a sua adesão aos documentos de fls. 49 a 51 e de fls. 52 a 54, em especial a sua epígrafe, declarando que o teor desses documentos "quadra" com a prestação de serviços.
5. Assim procedendo, ao dar prevalência ao nomen em detrimento da substância, nesse prematuro momento, o acórdão recorrido traçou aí o destino da apelação.
6. Daí em diante, como resulta da leitura do resto do acórdão, todo o raciocínio se desenvolveu como se apenas estivesse em causa confirmar uma premissa enunciada a fls. 806 («O que quadra com o contrato de prestação de serviços»).
7. Assim se explica que o acórdão recorrido tenha desvalorizado sucessivamente os inúmeros indícios que apontam para a existência de um contrato de trabalho e, em contrapartida, tenha enfatizado os pouquíssimos indícios que poderiam apontar para um contrato de prestação de serviço.
8. Acresce que, sempre condicionado pelo dito pré-juízo, o acórdão recorrido não deu importância ao facto de o documento de fls. 52 a 54 fixar em 31/07/2004 o seu limite temporal e, apesar disso, o Recorrente ter continuado a prestar a sua actividade para a Recorrida durante mais um ano lectivo (2004/2005), até 31 de Julho de 2005.
9. Durante esse ano lectivo, o Recorrente prestou a sua actividade sob a autoridade e direcção da Recorrida, sujeito às directivas e instruções desta, cumprindo os horários lectivos por esta definidos, cumprindo os calendários de exame por esta fixados, sujeito à avaliação do seu desempenho, sujeito ao controle de assiduidade feito pela Recorrida e sujeito ao respectivo poder disciplinar, isto é, em termos típicos de um contrato de trabalho, o que confirma a subordinação jurídica do Recorrente face à Recorrida e, assim, a existência de contrato de trabalho.
10. A conduta da Recorrida, como resulta dos factos provados, foi ilícita, injustificada e inesperada, causando ao Recorrente danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito e sempre justificariam a condenação da Recorrida em conformidade, nos termos peticionados.
11. Mostra-se violado o disposto no art. 1.º do DL n.º 49 408, de 24/11/1996 (LCT), em vigor à data do início da relação contratual (actualmente, art. 11° do Código do Trabalho, com referência ao art. 12°) e ainda o disposto nos arts. 2°, 3°, 9°, 12°, 17°, 19° e 22° do "regime do pessoal docente" do Instituto Superior Bissaya Barreto (cfr. fls. 24 a 27), bem assim o art. 496° do Código Civil.

A ré contra-alegou defendendo o acerto da decisão recorrida.

A Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se pela procedência do recurso, em parecer a que as partes não reagiram.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2. Os factos
Os factos dados como provados na 1.ª instância e que a Relação manteve inalterados são os seguintes:

2.1. A ré é o órgão instituidor do Instituto Superior Bissaya Barreto (adiante designado por ISBB), o qual é um estabelecimento de ensino superior particular, que tem sede em Coimbra e exerce a respectiva actividade no âmbito do ensino superior universitário. (A))
2.2. Uma das licenciaturas ministradas no ISBB é a licenciatura em Direito, cujo início ocorreu no ano lectivo de 2000/2001, sendo então director científico do curso o Senhor Professor Doutor Ferrer Correia. (B))
2.3. No início de Setembro de 2002, o autor – que aguardava a discussão pública da sua dissertação de mestrado, discussão realizada em 08/11/2002, perante um júri integrado pelos Senhores Professores Doutores Miguel Teixeira de Sousa, João Calvão da Silva e Manuel Henrique Mesquita (que presidiu ao júri e foi orientador da tese) – foi convidado para ir leccionar para o ISBB. (D))
2.4. O convite referido em 2.3. foi para que o autor assumisse a regência da disciplina de Direito Processual Civil I, que iria ser ministrada pela primeira vez na licenciatura nesse ano lectivo 2002/2003. (1.º)
2.5. O primeiro contacto tendente à contratação do autor foi feito pelo Senhor Professor Doutor Manuel Henrique Mesquita, professor da Faculdade de Direito de Coimbra e também do ISBB, que actuou com o conhecimento e mediante solicitação do Senhor Professor Doutor Ferrer Correia, bem assim do Presidente do Conselho Directivo do ISBB, Senhor Professor Doutor Fernandes de Carvalho. (E))
2.6. Em Outubro de 2002, o autor foi contratado pela Ré para exercer funções docentes no ISBB, na licenciatura em Direito que aí era ministrada, funções que exerceu durante três anos lectivos consecutivos, entre Outubro de 2002 e 31 de Julho de 2005. (C))
2.7. O ISBB contratou o autor como docente, tendo em vista o início do 3.º ano da licenciatura em Direito e a necessidade de confiar a regência de Direito Processual Civil I a docente com, pelo menos, o grau de mestre na área. (2.º)
2.8. Tendo em vista a iminente obtenção do título de mestre, o autor foi contratado com a categoria de assistente. (3.º)
2.9. Na ocasião, o autor, além de exercer advocacia, também era docente noutra Universidade, e as suas funções docentes no ISBB foram contratadas em regime de tempo parcial, tendo uma carga horária semanal de 5 horas (3 de aulas teóricas e 2 de aulas práticas). (resposta ao 4.º)
2.10. Com data de 18/09/2002, a então Ex.ma Secretária-Adjunta do ISBB, Dr.ª BB, sob a epígrafe “Contrato de trabalho”, enviou ao autor a carta cuja cópia consta a fls. 34, que aqui se dá por reproduzida, solicitando-lhe elementos para a “elaboração do contrato de trabalho para prestação de serviço docente no Instituto Bissaya Barreto”, o que este satisfez. (resposta ao 6.º)
2.11. Autor e ré assinaram o denominado contrato de prestação de serviços, datado de 1/10/2002, junto a fls. 49 a 51, que aqui se dá por reproduzido. (S))
2.12. A Secretária-Adjunta do ISBB apresentou ao autor, já assinado pelo Exmo. Presidente da ré, o documento referido em 2.11. (resposta ao 13.º)
2.13. Tal documento, datado de 01/10/2002, foi elaborado na sequência da entrega, pelo Autor, dos elementos solicitados pelos serviços do ISSB no documento cuja cópia consta a fls. 34, e com vista à elaboração do “contrato de trabalho de prestação de serviço docente”. (14.º)
2.14. O autor iniciou as suas funções docentes propriamente ditas, dando a primeira aula teórica, no dia 10/10/2002. (11.º)
2.15. O autor obteve o grau de mestre em Novembro de 2002, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, tendo apresentado uma dissertação intitulada “A fase do saneamento em processo civil”, na área de especialização em ciências jurídico-processuais. (EE))
2.16. Logo que obteve o título de mestre, o autor entregou nos serviços competentes do ISBB o respectivo documento comprovativo. (F))
2.17. O autor cumpria o horário e calendário escolar definidos, sujeito a controlo de assiduidade e pontualidade (assinando em todas as aulas uma folha de presença que lhe era apresentada por uma funcionária que percorria as salas), actuando sujeito às estipulações dos órgãos competentes e sujeito a um regime de avaliação do seu desempenho. (resposta ao 7.º)
2.18. O autor tinha a obrigação de disponibilizar semanalmente (como disponibilizou) um período de tempo destinado a atendimento de alunos, com vista a esclarecer dúvidas ou a prestar esclarecimentos, período de tempo esse que estava afixado em local próprio, para conhecimento de todos os interessados. (8.º)
2.19. O autor estava obrigado a escrever o sumário de cada aula e a entregar o respectivo documento na secretaria académica do ISBB, sumário esse, entretanto, disponível no sítio do ISBB (www.isbb.pt). (12.º)
2.20. Considerando o seu horário semanal no ano lectivo de 2002/2003, a remuneração mensal do autor era de 1.000 euros [ (50 € x 5) x 4 = 1.000 €], sendo que o seu pagamento se processava por transferência bancária, sujeito aos descontos relativos ao IRS e à segurança social, o que era discriminado nos recibos de vencimento, sendo ainda que tais recibos referiam expressamente a categoria do autor como assistente. (G))
2.21. O número de horas de leccionação serviu como critério para definir o valor da remuneração mensal, sendo que o autor recebeu esse mesmo valor nos meses em que não leccionou tantas aulas ou não leccionou aula alguma, designadamente nas épocas de exame, como sucedeu nos meses de Julho de 2003, 2004 e 2005. (resposta ao 10º)
2.22. A ré garantiu junto de uma companhia de seguros os acidentes de trabalho que vitimassem eventualmente o autor, situação que passou a ser referida nos recibos de vencimento do autor. (H))
2.23. A ré pagava ainda ao autor despesas de deslocação entre o Porto e Coimbra (ida e volta), ora reembolsando-o do preço bilhete do comboio Alfa em 1ª categoria e das corridas de táxi entre a estação e o ISBB (foi o que sucedeu no ano lectivo 2002/2003), ora entregando-lhe esse mesmo valor, quando o autor se deslocava em viatura própria (foi o que sucedeu nos dois anos lectivos seguintes). (I))
2.24. Foi atribuído ao autor um gabinete, que este poderia usar para trabalhar e para receber alunos, no âmbito do referido serviço de atendimento. (J))
2.25. Foi-lhe também disponibilizado um serviço de webmail. (L))
2.26. A situação do autor como docente da licenciatura em direito do ISBB era assumida e publicitada por diversos meios, designadamente em prospectos destinados a divulgar o curso e na página do sítio do ISBB (www.isbb.pt). (M))
2.27. Por convite do respectivo presidente, Senhor Professor Doutor Ferrer Correia, o autor passou a integrar o Conselho Científico do Departamento em que se inseria a licenciatura em Direito, participando em reuniões para as quais foi convocado pelo próprio presidente. (N))
2.28. Para além de ter leccionado a disciplina de Direito Processual Civil I ao longo de todo o ano, tanto as aulas teóricas como as práticas, o autor elaborou e corrigiu as provas escritas de frequência, de exame final e de recurso, realizou vigilâncias de provas escritas, participou em júris das provas orais, sendo que as datas das provas, tanto escritas como orais, eram definidas pelos serviços competentes do ISBB, impondo-se ao autor. (O))
2.29. Nos dois anos lectivos seguintes, de 2003/2004 e 2004/2005, o autor, além de continuar a reger a disciplina de Direito Processual Civil, passou também a leccionar as aulas práticas da disciplina de Direito Processual Civil II, ministrada no 2.º semestre do 4.º ano da licenciatura. (P))
2.30. A regência dessa disciplina foi confiada ao Senhor Professor Doutor Manuel Henrique Mesquita, que ministrava as aulas teóricas, enquanto o autor leccionava as duas horas práticas semanais, em observância das indicações superiores do referido regente da disciplina. (Q))
2.31. Nos anos de 2003/2004 e 2004/2005, no 2.º semestre, o horário semanal do autor passava de 5 para 7 horas, e a sua remuneração mensal, à luz do critério das horas de leccionação, passava de € 1.000,00 para € 1.400,00. (R))
2.32. O autor participou em júris de orais, incluindo de disciplinas de que não era docente. (16ºA)
2.33. O autor prestava a sua actividade nas instalações da ré, usando para o efeito material fornecido pela ré, designadamente o material didáctico (o quadro e material para nele escrever), os livros de sumários, as folhas dos enunciados das provas escritas, as folhas nas quais os alunos prestavam provas escritas, as folhas de presença a assinar pelos alunos nas provas escritas, as folhas onde eram afixadas as classificações atribuídas aos alunos. (17.º)
2.34. Autor e ré assinaram ainda o denominado contrato de prestação de serviços, datado de 1/10/2003, junto a fls. 52 a 54, que aqui se dá por reproduzido. (T))
2.35. A mesma Secretária-Adjunta do ISBB solicitou ao autor que assinasse o documento mencionado em 2.34., que também lhe foi apresentado já subscrito pelo Ex.mo Presidente do Conselho de Administração da ré. (resposta ao 18.º)
2.36. Este documento é em tudo semelhante ao anterior, apenas com a particularidade de referir também a disciplina semestral de Direito Processual Civil II e de a limitação temporal estar fixada entre 01/10/2003 e 31/07/2004. (U))
2.37. Apesar de esse segundo documento fixar em 31/07/2004 o seu limite temporal, o autor garantiu a realização dos exames escritos e orais de Direito Processual I e Direito Processual Civil II da época de recurso, realizados em Setembro de 2004. (V))
2.38. Entrou-se em mais um ano lectivo (2004/2005), que também decorreu com normalidade, nos moldes habituais, de Outubro de 2004 em diante. (X))
2.39. O autor cessou a docência que teve durante algum tempo na Universidade Moderna do Porto. (resposta ao 19.º)
2.40. O autor tem aprofundado o seu estudo na área do direito processual civil, estando empenhado em progredir na carreira. (resposta ao 20.º)
2.41. Foi porque tinha um vínculo com a ré, que o autor, em finais de Junho de 2005, rejeitou um convite expresso do Instituto Politécnico do Porto, mais precisamente para assumir a regência de disciplinas na área do direito processual civil no curso de Solicitadoria ministrado pela Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Felgueiras. (resposta ao 21.º)
2.42. Apesar de ter sido aliciado para ingressar numa Escola pública, o autor recusou o convite, o que se ficou a dever ao facto de estar vinculado ao ISBB e à ré por um contrato que pretendia honrar. (resposta ao 22.º)
2.43. Entretanto, aquela Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Felgueiras tratou de contratar quem ocupasse o lugar que o autor não quis aceitar. (23.º)
2.44. Datada de 20/7/2005, a ré, sob a epígrafe “Rescisão de contrato”, comunicou ao autor que «não é intenção da Fundação Bissaya-Barreto renovar o contrato com V. Ex.ª para o ano lectivo 2005/2006, pelo que as funções docentes que exerce no Instituto Superior Bissaya Barreto cessarão no dia 31 de Julho de 2005», conforme documento de fls. 55 que aqui se dá por reproduzido. (Z))
2.45. Perante a carta referida em 2.44., o autor sentiu um profundo choque. (resposta ao 24.º)
2.46. O choque foi tanto maior quanto nada fazia supor que a ré o iria fazer. (25.º)
2.47. Ao ser confrontado com essa situação, que o afastou do ISBB e até o impediu de realizar os exames de recurso aos seus alunos em Setembro de 2005, o autor sentiu-se ultrajado e humilhado. (26.º)
2.48. O autor ficou muito incomodado e preocupado pela sorte dos seus alunos, principalmente os de Direito Processual Civil I (cujas aulas teóricas e práticas eram asseguradas em exclusivo pelo autor), que em Setembro imediato, na época de recurso, se veriam confrontados com algum docente que os iria avaliar sem os conhecer e sem estar por dentro da matéria leccionada ao longo do ano lectivo. (27.º)
2.49. O autor sentiu-se impotente para evitar o desconforto e a desagradável surpresa com que, no regresso das férias, esses alunos seriam confrontados. (28.º)
2.50. O autor sentiu-se desconsiderado e desrespeitado, o que foi fonte de desânimo e abatimento. (resposta ao 29.º)
2.51. O autor passou por momentos de abatimento e irritabilidade, tudo fruto do desencanto de que se viu tomado face à postura da ré. (30.º)
2.52. A ré não pagou ao autor retribuição relativa aos meses de Agosto e Setembro de 2003 e aos meses de Agosto e Setembro de 2004. (AA))
2.53. O autor nunca recebeu da ré subsídios de férias nem de Natal. (BB))
2.54. O autor é um docente universitário com uma carreira consistente e reconhecida, iniciada em 1990. (CC))
2.55. Ao longo destes anos, para além de continuar a leccionar na Universidade Portucalense, já leccionou na Universidade Moderna do Porto (durante cerca de seis anos). (DD))
2.56. O autor tem publicados alguns trabalhos na área do direito processual civil, designadamente:
– “O novo processo civil”, Almedina, 2006 (em co-autoria, vai na 7.ª edição);
– “A fase do saneamento do processo antes e após a vigência do novo código de processo civil”, Almedina, 2003;
– “Reconvenção”, publicado no Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. LXX, 1994;
– “Acções e incidentes declarativos na dependência da execução”, Themis, Ano V, n.º 9, Lisboa 2004;
– “Reflexões sobre a nova acção executiva”, Sub Judice, Justiça e Sociedade, n.º 29, Outubro/Dezembro, Coimbra 2004. (FF)
2.57. Ao longo destes anos, o autor tem proferido palestras e conferências em diferentes Universidades e tem participado em inúmeros colóquios, a convite, por exemplo, da Ordem dos Advogados e do Conselho Superior da Magistratura. (GG))
2.58. Em todas as ocasiões, o autor sempre recebeu as mais elevadas manifestações de apreço por quem o convidou e sempre sentiu que a sua prestação era reconhecida e elogiada. (HH))

Os factos referidos não foram objecto de impugnação no recurso de revista e não padecem dos vícios previstos no art.º 729.º, n.º 3, do CPC, que, a existirem, imporiam a remessa oficiosa do processo ao tribunal recorrido para supressão dos mesmos.

Será, pois, como base naquela factualidade que o mérito do recurso há-de ser apreciado.

3. O direito
Sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, e que no caso sub judice se não vislumbram, o objecto do recurso restringe-se às questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das respectivas alegações (artigos 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1, do CPC).

No caso em apreço, compulsadas as conclusões do recorrente, constata-se que são duas as questões por ele suscitadas: a qualificação jurídica do contrato e o direito a indemnização por danos não patrimoniais. Serão, pois, essas as questões sobre que nos iremos debruçar.

3.1 Da qualificação jurídica do contrato
Como já foi dito no ponto 1., “Relatório”, a razão de ser do presente litígio prende-se com a divergência existente entre as partes relativamente à qualificação jurídica do vínculo contratual que entre elas foi estabelecido e que perdurou desde Outubro de 2002 até 31 de Julho de 2005, nos termos do qual o autor exerceu funções docentes no Instituto Superior Bissaya Barreto, à ré pertencente.

Segundo o autor, aquele vínculo reveste as características de um contrato de trabalho subordinado sem termo e como tal deve ser qualificado, correspondendo a sua cessação unilateral por parte da ré a um despedimento ilícito, por não ter sido precedida de processo disciplinar.

Por sua vez, segundo ré, trata-se de um contrato de prestação de serviço.

Na decisão recorrida – tal como tinha sucedido na 1.ª instância –, entendeu-se que os factos provados não eram suficientes para concluir pela existência do contrato de trabalho, com base na seguinte argumentação:
«Pretende o autor que celebrou com a ré contrato de trabalho e esta que se tratou de contrato de prestação de serviços. Refira-se antes de mais que a sentença recorrida se mostra devidamente fundamentada, tendo feito correcta aplicação da lei aos factos (art. 713, n.º 5).
A título de complemento refere-se o seguinte:
Como resulta do art. 1, do DL 49408, de 24.11.1969 (LCT), “Contrato de Trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta”.
Por seu turno, de acordo com o preceituado no art. 1154, do Código Civil, contrato de prestação de serviços “é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho, intelectual ou manual, com ou sem retribuição.” Constituem modalidades de prestação de serviços, o mandato, o depósito e a empreitada (art. 1155, do mesmo diploma legal), bem como a chamadas prestações de serviços atípicas, como é caso das prestações de serviços desenvolvidas por profissionais liberais. (1) .
A distinção entre contrato de trabalho e prestação de serviços reside no plano teórico, na prestação da actividade e na consecução de determinado resultado. Nas expressivas palavras de INOCENCIO GALVÃO TELLES (2), haverá contrato de trabalho “quando alguém se obriga para com outrem, mediante retribuição, a fornecer-lhe o próprio trabalho nas suas energias criadoras, e não concretamente o resultado ou os resultados dele. Promete-se a actividade na sua raiz, como processo ou instrumento posto dentro dos limites mais ou menos largos à disposição da outra parte para a realização dos seus fins; não se promete este ou aquele efeito a alcançar mediante o emprego de esforços como a transformação ou o transporte de uma coisa, o tratamento de um doente, a condução de um litígio judicial…
Neste último caso[,] encontraremos o contrato de prestação de serviço, que exprime o carácter concreto da actividade prometida que é olhada no seu resultado e não em si, como energia laboradora que a outra parte orienta em conformidade com o seu fim.”
Refere ainda o ilustre Autor:
“Mas como se pode verdadeiramente saber se se promete o trabalho ou o seu resultado? Todo o trabalho conduz a algum resultado e este não existe sem aquele. O único critério legítimo está em averiguar se a actividade é ou não prestada sob a direcção da pessoa a quem ela aproveita que dela é credora. Em caso afirmativo promete-se o trabalho em si, porque à outra parte competirá ainda que em termos bastantes ténues dirigi-lo, encaminhando-o para a consecução dos resultados que se propõe. O trabalho integra-se na organização da entidade patronal, é um elemento ao serviço dos seus fins, um factor de produção quando se trata de uma empresa económica. Na outra hipótese promete-se o resultado do trabalho, porque é o prestador de serviço que, livre de toda a direcção alheia sobre o modo de realização da actividade como meio, a orienta por si, de maneira a alcançar os fins esperados. Se está em causa uma empresa, o empresário é no primeiro caso o credor do trabalho, no segundo o credor. O trabalho é além de subordinado, aqui autónomo. A subordinação ou autonomia é que permite em última análise extremar a locatio operarum ou o contrato de trabalho e a locatio operis ou o contrato de prestação de serviço.”
A distinção tem-se operado com base na prestação de meios e na prestação de resultado, realçando-se ainda que o contrato de trabalho é por natureza oneroso e o de prestação de serviços pode sê-lo ou não. Para além disso, a actividade tem de ser prestada “sob a autoridade e direcção” do empregador, o que significa que a actividade do trabalhador é heterodeterminada, sendo exercida com base na subordinação jurídica do trabalhador relativamente ao empregador.
Apesar de se não desconhecer que têm sido propostos outros critérios para operar a distinção contratual em causa, como sejam o do risco empresarial (3), a inserção numa estrutura organizativa alheia, a dependência económica, a propriedade dos instrumentos do trabalho, o carácter continuado da actividade, e de muitos autores entenderem que a noção de subordinação que preside ao contrato de trabalho está em crise (4) , a doutrina maioritária e a jurisprudência continuam a recorrer à “subordinação jurídica”,(5) como critério diferenciador do contrato de trabalho versus contrato de prestação de serviços.(6)
Mas, sendo a subordinação jurídica um conceito jurídico-conclusivo, face às situações concretas da vida, enriquecidas pela sua natural complexidade, nem sempre é tarefa fácil operar a referida distinção. E essas dificuldades agravam-se nos casos das profissões liberais, bem como nas hipóteses de actividades exercidas com elevado grau de autonomia técnica, que, como é sabido, não constituem óbice à qualificação da respectiva situação jurídica no âmbito laboral.
No caso vertente, as partes celebraram dois contratos, que se mostram juntos a fls. 49 a 54. Aí clausularam o seguinte:
“ CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
OUTORGANTES:
Primeiro: FUNDAÇÃO BISSAYA BARRETO, Instituição de Utilidade Pública (Diário do Governo, III série de 26-11-58), registada na Direcção Geral da Acção Social com o n.º 38/84 das Fundações de Solidariedade Social, contribuinte n.º ..., com sede na Quinta dos Plátanos, Bencanta, em Coimbra, representada pelo Senhor Presidente do Conselho de Administração, N...J...G...V...N....
Segundo: AA Licenciado em Direito pela Universidade Portucalense Infante D. Henrique, residente na Rua Diogo Cão, 1266 - ..., Dtº. 4200-259 Porto, portador do Bilhete de Identidade n.º ..., emitido em 08.11.1999, pelo Arquivo de Identificação do Porto, N.I.F. ....
Entre os ora Outorgantes é celebrado, com aceitação recíproca, o presente Contrato de Prestação de Serviços de Docência, ao abrigo do disposto no artigo 1154.0 do Código Civil, que se regerá nos termos das cláusulas que se seguem:
Primeira: O presente contrato de prestação de serviços é celebrado de acordo com os parâmetros legalmente exigidos para o exercício de funções dos Docentes do Ensino Superior.
Segunda: O SEGUNDO OUTORGANTE obriga-se a prestar ao PRIMEIRO, os serviços como Docente no Instituto Superior Bissaya-Barreto, sito em Bencanta, Coimbra, durante o período a que corresponde o ano lectivo de 2002/2003, em disciplinas da sua área de formação, sendo acordado para o presente ano lectivo a docência da disciplina de Direito Processual Civil 1 de acordo com o horário previamente estabelecido entre os Contraentes.
Terceira: O SEGUNDO OUTORGANTE, no âmbito do presente contrato, obriga-se a exercer as actividades inerentes à leccionação da supra referida disciplina, designadamente: a preparação fiscalização e correcção de testes, frequências e exames de primeira e segunda época e ainda de época especial caso haja necessidade, bem como o preenchimento dos livros de termos e demais documentos.
Quarta: O SEGUNDO OUTORGANTE prestará, os seus serviços exercendo as inerentes funções de acordo com as suas competências e capacidades académicas, comprometendo-se desde já, a participar em todas as reuniões, para as quais seja convocado, com outros docentes e membros dos órgãos de direcção do PRIMEIRO OUTORGANTE, que visem a coordenação de resultados pedagógicos a alcançar.
Quinta: O SEGUNDO OUTORGANTE obriga-se a comunicar ao PRIMEIRO, a acumulação das suas funções com outras desempenhadas em estabelecimentos de ensino superior públicos ou privados.
Sexta: O PRIMEIRO E SEGUNDO OUTORGANTES acordam que o presente contrato produz efeitos a partir do dia 01 de Outubro de 2002, cessando os mesmos no dia 30 de Setembro de 2003.
Sétima: Os honorários convencionados para a retribuição dos serviços prestados pelo SEGUNDO OUTURGANTE são no valor de €/Hora Lectiva: 50 € (cinquenta euros).
Este valor está sujeito às retenções e aos descontos legais.
Oitava: O SEGUNDO OUTORGANTE aceita que na remuneração a que alude a cláusula anterior estejam incluídas a correcção dos testes de avaliação, vigilâncias em frequências e exames, reuniões com outros docentes e demais actividades conexas.
Nona: A qualquer dos Contraentes é facultada a possibilidade de denunciar o presente contrato, independentemente de motivação, sendo no entanto, obrigatório que tal renúncia revista a forma escrita, em correio registado com aviso de recepção, sempre com a antecedência mínima de noventa dias.
Décima: Acordam o PRIMEIRO e SEGUNDO OUTORGANTES que caso se verifique a falta do aviso prévio estabelecido na cláusula anterior, o contraente em falta pagará ao outro, a título de indemnização, o valor integral dos honorários respeitantes ao período em falta.
Décima-Primeira: O PRIMEIRO E SEGUNDO OUTORGANTES obrigam-se a cumprir integralmente os termos do presente contrato.
Décima-Segunda: No caso do incumprimento do agora estabelecido no presente contrato aceitam as partes, para dirimir qualquer litígio daí emergente, ser competente o Tribunal da Comarca de Coimbra, com renúncia a qualquer outro.
Coimbra, 01 de Outubro de 2002
…”
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
OUTORGANTES:
Primeiro: FUNDAÇÃO BISSAYA BARRETO, Instituição de Utilidade Pública (Diário do Governo, III série de 26-11-58), registada na Direcção Geral da Acção Social com o n.º 38/84 das Fundações de Solidariedade Social, contribuinte n. ° ..., com sede na Quinta dos Plátanos, Bencanta, em Coimbra, representada pelo Senhor Presidente do Conselho de Administração, N...J...G...V...N....
Segundo: AA Licenciado em Direito pela Universidade Portucalense Infante D. Henrique, residente na Rua Diogo Cão, 1266 - 2.º. Dtº. 4200-259, Porto, portador do Bilhete de Identidade n.º ..., emitido em 08.11.1999, pelo Arquivo de Identificação do Porto, N.I.F. ....
Entre os ora Outorgantes é celebrado, com aceitação recíproca, o presente Contrato de Prestação de Serviços de Docência, ao abrigo do disposto no artigo 1154.º do Código Civil, que se regerá nos termos das cláusulas que se seguem:
Primeira: O presente contrato de prestação de serviços é celebrado de acordo com os parâmetros legalmente exigidos para o exercício de funções dos Docentes do Ensino Superior.
Segunda: O SEGUNDO OUTORGANTE obriga-se a prestar ao PRIMEIRO, os serviços como Docente no Instituto Superior Bissaya-Barreto, sito em Bencanta, Coimbra, durante o período a que corresponde o ano lectivo de 2003/2004, em disciplinas da sua área de formação, sendo acordado para o presente ano lectivo a docência da disciplina de Direito Processual Civil 1 (Anual) e Direito Processual Civil II, na Licenciatura em Direito (Semestral) de acordo com o horário previamente estabelecido entre os Contraentes.
Terceira: O SEGUNDO OUTORGANTE, no âmbito do presente contrato, obriga-se a exercer as actividades inerentes à leccionação da supra referida disciplina, designadamente: a preparação fiscalização e correcção de testes, frequências e exames de primeira e segunda época e ainda de época especial caso haja necessidade, bem como o preenchimento dos livros de termos e demais documentos.
Quarta: O SEGUNDO OUTORGANTE prestará, os seus serviços exercendo as inerentes funções de acordo com as suas competências e capacidades académicas, comprometendo-se desde já, a participar em todas as reuniões, para as quais seja convocado, com outros docentes e membros dos órgãos de direcção do PRIMEIRO OUTORGANTE, que visem a coordenação de resultados pedagógicos a alcançar.
Quinta: O SEGUNDO OUTORGANTE obriga-se a comunicar ao PRIMEIRO, a acumulação das suas funções com outras desempenhadas em estabelecimentos de ensino superior públicos ou privados.
Sexta: O PRIMEIRO E SEGUNDO OUTORGANTES acordam que o presente contrato produz efeitos a partir do dia 01 de Outubro de 2003, cessando os mesmos no dia 31 de Julho de 2004.
Sétima: Os honorários convencionados para a retribuição dos serviços prestados pelo SEGUNDO OUTURGANTE são no valor de € Hora Lectiva: 50 € (cinquenta euros).
Este valor está sujeito às retenções e aos descontos legais.
Oitava: O SEGUNDO OUTORGANTE aceita que na remuneração a que alude a cláusula anterior estejam incluídas a correcção dos testes de avaliação, vigilâncias em frequências e exames, reuniões com outros docentes e demais actividades conexas.
Nona: A qualquer dos Contraentes é facultada a possibilidade de denunciar o presente contrato, independentemente de motivação, sendo no entanto, obrigatório que tal renúncia revista a forma escrita, em correio registado com aviso de recepção, sempre com a antecedência mínima de noventa dias.
Décima: Acordam o PRIMEIRO e SEGUNDO OUTORGANTES que caso se verifique a falta do aviso prévio estabelecido na cláusula anterior, o contraente em falta pagará ao outro, a título de indemnização, o valor integral dos honorários respeitantes ao período em falta.
Décima-Primeira: O PRIMEIRO E SEGUNDO OUTORGANTES obrigam-se a cumprir integralmente os termos do presente contrato.
Décima-Segunda: No caso do incumprimento do agora estabelecido no presente contrato aceitam as partes, para dirimir qualquer litígio daí emergente, ser competente o Tribunal da Comarca de Coimbra, com renúncia a qualquer outro.
Coimbra, 01 de Outubro de 2003 ”.
Da leitura dos contratos acima transcritos verifica-se que as partes apelidaram os mesmos de prestação de serviços. Através desses contratos ficou o autor obrigado a prestar ao réu os serviços de docente da disciplina de processo civil, nos períodos ali consignados, de acordo com um horário previamente estabelecido entre os contraentes, mais tendo sido ajustado entre as partes que seriam devidos honorários ao autor no valor de 50 Euros por cada hora lectiva, tendo-se ainda o autor obrigado a exercer as actividades inerentes à leccionação, bem como a participar em todas as reuniões para as quais seja convocado que visem a coordenação dos resultados pedagógicos a alcançar. O que quadra com o contrato de prestação de serviços.
Como diz MENEZES CORDEIRO, é na vontade das partes que reside a “legitimidade última para considerar um certo contrato como de trabalho, aplicando-lhe o competente regime”(7) , ou ao invés, como refere PEDRO FURTADO MARTINS, “não há contrato de trabalho se as opções das partes implicam a prestação com autonomia de serviços” (8). À semelhança do que escreveu JOÃO DE CASTRO MENDES, e vem sendo há muito entendido, quando nos situamos perante problemas qualificativos, como é o caso, “o negócio é o que for, não o que a parte ou partes disserem ser”(9) o que significa que, embora a qualificação assente na interpretação da vontade das partes, essa vontade deverá ser apurada não apenas segundo os termos em que a mesma foi manifestada no contrato, mas tal como ela resulta do modo como o contrato foi concretamente executado entre as partes. Neste sentido, são particularmente expressivas as palavras de JÚLIO GOMES (10), quando o mesmo refere que «… a interpretação da vontade real das partes é sempre o pressuposto da qualificação. Simplesmente o que é decisivo não é a vontade declarada no contrato, mas sim a vontade real tal como esta decorre da execução da relação». E, citando MIGUEL RODRIGUES PINERO, refere ainda o mesmo autor, que «a qualificação não prescinde da vontade das partes, mas antes dá primazia à vontade real tal como esta se manifesta pela execução do contrato sobre a vontade declarada ou até sobre a vontade real inicial». (11) Como refere também JOANA NUNES VICENTE, (12) “no plano lógico a disciplina jurídica do contrato é sempre uma consequência da qualificação e não tanto uma premissa da mesma. A subordinação cumpre-se no momento executivo do contrato. Materialmente aquilo que corresponde ao trabalho subordinado é a realização de uma qualquer actividade que outrem pode determinar e modificar unilateralmente na fase executiva da prestação”.
Deste feita, deverá ponderar-se os termos em que foi executada a prestação do autor, para que se possa concluir qual o tipo de contrato a que se vinculou.
Assim, e seguindo de perto a doutrina do Acórdão do STJ de 28.06.2006, “o que verdadeiramente caracteriza o contrato de trabalho e o que realmente o distingue do contrato de prestação de serviço é o modo como a actividade é exercida. Assim, se ela for prestada sob a autoridade e direcção da outra parte, isto é, sob as ordens, orientações e fiscalização da outra parte, estaremos perante um contrato de trabalho (desde que, evidentemente, a mesma seja remunerada). Se a actividade for prestada em regime de autonomia, estaremos perante um contrato de prestação de serviço.
Acontece, porém, que essa diferenciação nem sempre é fácil, pois há situações em que a subordinação jurídica do trabalhador não transparece em todos os momentos da vida da relação o que dá uma aparência de autonomia, quando a razão de ser dessa aparente autonomia pode estar na tecnicidade das próprias tarefas ou nas aptidões profissionais do trabalhador e na correspondente autonomia (técnica) com que as mesmas são exercidas.
Aliás, como diz MAZZONI[-], citado por Monteiro Fernandes[-] “quanto mais o trabalho se refina e assume carácter intelectual, mais difícil é estabelecer uma nítida diferenciação, porque a subordinação tende a atenuar-se cada vez mais, na relação de trabalho subordinado, e a avizinhar-se daquela genérica supervisão, por parte do empregador, que se encontra também na relação de trabalho autónomo e que corresponde a um direito do comitente.”
É ao trabalhador que compete alegar e provar a existência do contrato de trabalho, se a pretensão por ele formulada em juízo assentar naquele pressuposto (art. 342, n.º 1, do Código Civil) e, na dúvida, a sua pretensão terá de ser julgada improcedente.
“E a prova da subordinação jurídica poderá ser feita directamente demonstrando que recebia ordens e instruções sistemáticas no decurso da sua actividade, o que não é fácil quando a actividade em questão, como é o caso, for exercida com grande autonomia técnica. Nessa situação, a subordinação jurídica terá de ser provada através da alegação e prova de factos que no modelo prático em que o conceito de subordinação em estado puro se traduz a ela andam associados. Isto porque, como diz Monteiro Fernandes (6), “a subordinação não comporta, em regra, a mera subsunção (...) é um conceito-tipo que se determina por um conjunto de características; daí o uso de um “método tipológico” baseado na procura de indícios que são outras tantas características parcelares do trabalho subordinado, ou, melhor, de acordo com o modelo prático em que se traduz o conceito de subordinação em estado puro”.
Será com base nos indícios recolhidos que iremos proceder à qualificação do contrato, não através de um juízo subsuntivo, mas através de um mero juízo de aproximação entre dois modelos analiticamente considerados (o da situação concreta e o do modelo típico da subordinação), juízo esse que será também um juízo de globalidade, levando em conta que cada um dos indícios recolhidos, tomados de per si, tem um valor muito relativo que pode variar de caso para caso e que não existe nenhuma fórmula que pré-determine o doseamento necessário dos índices de subordinação.
Os indícios de subordinação que habitualmente são referidos pela doutrina e pela jurisprudência são os seguintes: os internos, por exemplo, o local onde a actividade é exercida, a existência de horário de trabalho, a propriedade dos instrumentos de trabalho, o tipo de remuneração, o direito a férias remuneradas, o pagamento de subsídio de férias e de Natal, o recurso a colaboradores, o regime de faltas, o regime disciplinar, a repartição do risco e a integração na organização produtiva; os externos, designadamente, a exclusividade da prestação, o tipo de imposto pago pelo prestador da actividade, a sua inscrição na Segurança Social e a sua filiação sindical
Mas importa ter presente que a existência daqueles indícios não é só por si suficiente para concluir no sentido da subordinação, uma vez que muitos desses índices também aparecem no contrato de prestação de serviço, não por força do contrato em si, mas por força das estipulações contratuais acordadas entre as partes” (itálicos nossos).
No âmbito de actividades levadas a cabo com autonomia técnico-científica, nos termos referidos por JOANA NUNES VICENTE, (13) como é também o presente caso (docente universitário), aquilatar da verificação da subordinação jurídica implica fazer apelo a «aspectos externos à própria relação, que remetem forçosamente para as condições organizativas e de carácter administrativo que a enquadram e, como tal para formas de subordinação atenuadas».
O autor leccionou no réu – IBB – que se integra no ensino superior particular e cooperativo e a que são aplicáveis as normas constantes do DL 16/94, de 22 de Janeiro (alterado pela Lei 37/94, de 11 de Novembro e pelo DL 94/99, de 23 de Março).
É nesse contexto legal que devem igualmente ser ponderados os apontados índices de subordinação.
No caso vertente, apurou-se que o autor exercia a docência e as tarefas à mesma ligadas em instalações da ré, mediante o pagamento de determinada importância (Euros 50 por cada hora de leccionação), bem como utilizava os utensílios para esse efeito postos à sua disposição pela ré, cumpria um horário e calendário escolar definidos, sujeito ao controlo da assiduidade e pontualidade, pagando-lhe a ré as deslocações (vd. factos provados números 2.17, 2.20, 2.21, 2.23, 2.24, 2.33). Ora, se é certo que esses elementos podem configurar tópicos da subordinação jurídica, por dizerem respeito a instalações e a utensílios pertencentes ao empregador, como acontece no contrato de trabalho, bem como se reportam à retribuição calculada em função do tempo de trabalho e à existência de um horário de trabalho, também ele característico da relação (típica) laboral, elementos esses aliados, ainda, ao controlo da assiduidade e pontualidade do autor, que também se verificam no contrato de trabalho para que se possa aferir do cumprimento dos respectivos deveres por parte do trabalhador, tais indícios diluem-se, porém, ao considerarmos que estamos perante uma actividade de docência (no âmbito do ensino superior particular e cooperativo) que, pela própria natureza das coisas, não pode deixar de acontecer daquela maneira. Na verdade, não é concebível que as aulas sejam ministradas e os alunos sejam recebidos, no âmbito das questões ligadas à leccionação, em instalações que não pertençam à própria instituição de ensino. Assim como se não concebe que num espaço de ensino os materiais e instrumentos para esse efeito não pertençam à respectiva Escola, que desse modo assegura as condições materiais para a aprendizagem dos seus alunos e deixa a sua “marca” junto dos mesmos.
As exigências de pontualidade prendem-se, a nosso ver, com a organização e coordenação das aulas, pois não se vê como seria possível a uma instituição de ensino superior, como a ré, funcionar dentro dos parâmetros e exigências legais a que se encontra adstrita, bem como perante o corpo de alunos de que primordialmente depende em termos económicos, se não houvesse algum controlo sobre a assiduidade e pontualidade dos docentes. Quanto ao modo como era determinada a retribuição (por horas de leccionação) ele não permite concluir pela existência de contrato de trabalho, uma vez que assim também acontece no âmbito do contrato de prestação de serviços. E também pode ocorrer o pagamento de despesas no âmbito do contrato de prestação de serviços.
Apurou-se ainda que o autor, para além de ter leccionado a disciplina de Direito Processual Civil I ao longo de todo o ano, tanto nas aulas teóricas como as práticas, elaborou e corrigiu as provas escritas de frequência, de exame final e de recurso, realizou vigilâncias de provas escritas, participou em júris das provas orais, sendo que as datas das provas, tanto escritas como orais, eram definidas pelos serviços competentes do ISBB, impondo-se ao autor. Participou em júris de orais, incluindo de disciplinas de que não era docente e tinha a obrigação de disponibilizar semanalmente (como disponibilizou) um período de tempo destinado a atendimento de alunos, com vista a esclarecer dúvidas ou a prestar esclarecimentos, período de tempo esse que estava afixado em local próprio, para conhecimento de todos os interessados. Bem como a escrever o sumário de cada aula e a entregar o respectivo documento na secretaria académica do ISBB, sumário esse, entretanto, disponível no sítio do ISBB (vd. factos provados números 2.18, 2.19, 2.28 e 2.32).
Todas as tarefas que cabiam ao autor se podem compreender por força do domínio especifico em que a sua actividade se inseria – a leccionação num estabelecimento de ensino superior [–] e podem perfeitamente ter lugar quer esteja em causa um contrato de trabalho ou um contrato de prestação de serviços, como, aliás, resulta do Regime de Pessoal Docente vigente na ré (fls. 24 e seguintes).
É certo que a ré garantiu junto de uma companhia de seguros os acidentes de trabalho que vitimassem eventualmente o autor, situação que passou a ser referida nos recibos do seu vencimento, o que poderia inculcar a existência de um contrato de trabalho. Acontece, porém, que o facto de ter sido outorgado um seguro dessa natureza, não chega para que se conclua pela existência de um contrato de trabalho, pois é apenas um indício, e externo, sendo que os próprios trabalhadores autónomos ou independentes podem celebrar contrato de seguro. (14).
No presente caso o autor não recebia nem subsídio de férias nem subsídio de Natal, prestações sociais típicas do trabalho subordinado. Tão pouco se vislumbrando que o mesmo estivesse sujeito ao poder disciplinar da ré, ou que esta exercesse autoridade para controlar a actividade desenvolvida pelo autor.
Deste modo, tendo as partes celebrado contratos que denominaram de prestação de serviço, cujas cláusulas se ajustam a esse tipo contratual, e não provando o autor factos suficientemente reveladores de que se verificasse uma situação de subordinação jurídica do mesmo em relação à ré, não pode afirmar-se a existência de contrato de trabalho.(15) Não constitui obstáculo a esta conclusão a circunstância de o autor ter desenvolvido a sua função de docente no ano lectivo de 2004/2005, pois embora sem sujeição a escrito, os termos em que se desenvolveram tais funções não sofreram alteração.
Tudo para se concluir no sentido do não provimento do recurso.» (fim de transcrição)

O autor, aceitando embora como bom o recurso ao chamado método tipológico e aos chamados indícios, para resolver a questão da qualificação do contrato, discorda da decisão recorrida, por entender que a mesma não valorizou devidamente todos os indícios contidos na matéria de facto, pois teria dado demasiada relevância aos indícios que apontam no sentido da inexistência da subordinação jurídica, não valorizando de igual modo os indícios que depõem a favor da existência da dita subordinação, olvidando mesmo alguns desses indícios.

Reapreciada a questão, não vemos razões para alterar a decisão recorrida, cuja fundamentação, no essencial, inteiramente subscrevemos.

Acrescentaremos apenas que a questão da qualificação do contrato tem de ser aferida, como implicitamente o fez a Relação, à luz do regime jurídico do contrato individual de trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969 (LCT), uma vez que o contrato em causa teve início em Outubro de 2002, antes, portando, da entrada em vigor, em 1 de Dezembro de 2003, do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, não resultando da matéria de facto provada que o exercício das funções docentes ao serviço da ré tenha sofrido qualquer alteração ou modificação ao longo do tempo em que essa prestação se manteve.

E diremos, ainda, que o ónus de alegar e provar que as ditas funções eram exercidas em regime de subordinação jurídica recaía sobre o autor, nos termos do art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil, uma vez que, no contexto da acção, aquela subordinação é, inquestionavelmente, um facto constitutivo dos direitos invocados pelo autor.

Com efeito, baseando-se os pedidos formulados pelo autor na existência de um alegado contrato de trabalho sem termo, celebrado com a ré em Outubro de 2002, e sendo a subordinação jurídica o elemento que verdadeiramente caracteriza o contrato de trabalho e o distingue de outros contratos afins, como seja, o contrato de prestação de serviço, cabia ao autor alegar e provar os factos necessários que permitissem ao tribunal concluir pela existência da referida subordinação e, consequentemente, pela existência do contrato de trabalho.

E se é certo que alguns indícios apontam claramente no sentido da existência da subordinação jurídica (os descontos para a segurança social, o contrato de acidentes de trabalho - factos 2.20 e 2.22), outros há que também apontam manifestamente em sentido contrário (a denominação dada aos dois contratos escritos que o autor subscreveu, o facto da retribuição ser paga em função do número de horas e o facto de nunca ter recebido subsídios de férias nem de Natal, sem que conste a existência de qualquer reclamação por parte do autor contra o não pagamento daqueles subsídios - factos 2.11, 2.20, 2.21, 2.34 e 2.53).

Os outros indícios (o facto do autor cumprir o horário e o calendário escolar definidos pela ré, o facto de estar sujeito a controlo de assiduidade e pontualidade, actuando sujeito às estipulações dos órgãos competentes e sujeito a um regime de avaliação de desempenho, o facto de, semanalmente, o autor estar obrigado a disponibilizar, como disponibilizou, um período de tempo para atendimento dos alunos, o facto de estar obrigado a escrever o sumário de cada aula e a entregá-lo na secretária académica, o facto de lhe ter sido atribuído um gabinete que ele podia usar para trabalhar e para receber os alunos, o facto de lhe ter sido disponibilizado um serviço webmail, o facto de, a convite do respectivo presidente, ter passado a integrar o Conselho Científico do Departamento onde se inseria a licenciatura em Direito, o facto de ter elaborado e corrigido provas escritas de frequências, de exame final e de recurso, o facto de ter realizado vigilâncias de provas escritas, de ter participado em júris de provas orais, incluindo disciplinas de que não era docente, e de as datas das provas serem definidas pela ré, o facto prestar a sua actividade nas instalações da ré, usando para efeito material fornecido pela ré – factos 2.17. 2.18. 2.19, 2.24, 2.25, 2.27, 2.28, 2.32, 2.33) que, em abstracto, poderiam abonar a existência da subordinação jurídica, não assumem, no caso concreto, qualquer significado, atenta a natureza das funções que eram exercidas pelo autor.

Com efeito, independentemente da existência, ou não, da subordinação jurídica, as funções docentes prestadas pelo autor teriam necessariamente de ser levadas a cabo nas instalações da ré e dentro do calendário e horário escolar por ela estabelecidos, sendo que o atendimento aos alunos, a vigilância de exames escritos, bem como a participação em júris de provas orais e a participação em reuniões são, notoriamente, tarefas inerentes à própria actividade docente.

Por outro lado, o facto de o autor ter passado a integrar o Conselho Científico do Departamento também nada acrescenta relativamente à natureza do vínculo contratual existente entre as partes, não só por se tratar de um órgão de natureza científica, mas também pelo facto de tal integração não ter sido imposta ao autor, tendo resultado, antes, de um convite que lhe foi feito pelo presidente daquele órgão.

E também não assume especial significado, para os efeitos referidos, o facto de ao autor ter sido atribuído um gabinete e o facto de ele dispor de um serviço webmail, sendo que o gabinete também se destinava ao atendimento dos alunos e que o webmail não é uma ferramenta de trabalho específica do contrato de trabalho.

E o mesmo acontece relativamente ao facto de o autor ter rejeitado um convite que lhe foi feito pelo Instituto Politécnico do Porto, para aí exercer funções docentes, pelo facto de estar vinculado ao Instituto pertencente à ré, por contrato que pretendia honrar (facto 2.43), pois, como é óbvio, o facto em questão nada diz acerca da natureza do contrato que entre as partes existia, até porque se ignora qual era o tipo de contrato que o autor iria celebrar com o Instituto Politécnico do Porto.

Alguma relevância poderia ser atribuída ao facto do autor estar sujeito às estipulações dos órgãos competentes e de estar sujeito a um regime de avaliação de desempenho.

Porém, no que toca à avaliação de desempenho ela é perfeitamente compatível com a contrato de prestação de serviço, uma vez que um mau desempenho pode constituir fundamento para a não renovação do contrato e fundamento até para a sua resolução.

Por sua vez, no que concerne às estipulações, trata-se de um termo demasiado vago que não permite ajuizar se as estipulações em causa eram realmente uma emanação do poder de direcção de que, no contrato de trabalho, o empregador é titular, ou se, pelo contrário, não passavam de meras orientações gerais sobre o modo como o autor devia prestar o serviço para que foi contratado, orientações essas que são perfeitamente compatíveis com contrato de prestação de serviço.

O recorrente alega que o acórdão recorrido devia ter reconhecido como indiciadora da existência de um contrato de trabalho a factualidade referida nos n.os 2.3, 2.4, 2.5, 2.7, 2.10, 2.25. 2.26, 2.27, 2.29, 2.30, 2.31, 2.37, 2.38, 2.41, 2.42 e 2.46.

Sobre a factualidade referida nos pontos 2.25 e 2.27 já nos pronunciámos e, sobre a referida nos outros pontos, não vislumbramos que os factos neles contidos assumam relevância para a qualificação do contrato.

Em prol da sua tese, o recorrente também chama à colação os factos 2.8.e.2.9, ou seja, o facto do autor ter sido contrato como assistente e em regime de tempo parcial.

Para o recorrente, “[e]ste é um ponto nuclear, cuja relevância o acórdão recorrido não descortinou”, por entender que o n.º 2 do art.º 17.º do regime do pessoal docente do Instituto Superior Bissaya Barreto, devidamente interpretado, leva à conclusão de que a contratação em regime de tempo parcial só é compatível com a figura do contrato de trabalho. Se o recorrente foi contratado como assistente em regime de tempo parcial, ficou prejudicada a hipótese, diz o recorrente, de ser contratado em regime de prestação de serviço, já que este último regime respeita a um tertium genus de contratação, não cumulável com qualquer dos outros dois (contrato de trabalho a tempo integral e contrato de trabalho a tempo parcial).

Não tem razão, todavia, o recorrente.

Com efeito, o art.º 17.º do “Regime do pessoal docente”, que integra os Estatutos do Instituto Superior Bissaya Barreto, publicados no D.R., II Série, de 14.19.1996, juntos a fls. 18 e seguintes dos autos, limita-se a dizer que “[o] pesoal docente do Instituto exerce as suas funções em regime de tempo integral ou em regime de tempo parcial” (n.º 1) e que “[p]ara além dos regimes previstos no número anterior, poderá o ISBB convidar, nos termos do artigo 8.º, docentes em regime de prestação de serviço, quando circunstâncias assim o justifiquem” (n.º 2) (16) .

Da conjugação do disposto no n.º 1 e no n.º 2 daquele artigo não resulta que o contrato de prestação de serviços não possa ser a tempo parcial, entendendo-se, como tal, a prestação de serviço sem horário completo. Aliás, se a expressão em regime de tempo parcial contida no facto 2.9 tivesse o sentido que o recorrente lhe pretende dar, a mesma teria de ser dada como não escrita ao abrigo do disposto no art.º 646.º, n.º 4, do CPC, por contender directamente com o thema decidendum da presente acção.

O recorrente também faz apelo ao regime de faltas que consta do artigo 22.º do “Regime do pessoal docente” (nos termos do qual o pessoal docente está obrigado a comunicar, podendo estas ser consideras justificadas ou não, implicando, em alguns casos, a perda da retribuição e constituindo as injustificadas infracção disciplinar grave quando atinjam determinado número ou quando tenham sido alegados motivos de justificação comprovadamente falsos), para, com base nisso, concluir que o autor estava sujeito ao poder disciplinar e ao poder de direcção da ré.

Mas tal argumento também não merece acolhimento, pois, como é lógico, embora, para efeitos remuneratórios, o regime de comunicação e de justificação das faltas seja aplicável a todo o pessoal docente, independentemente da natureza do contrato que os vincula à ré, o mesmo já não sucede relativamente aos efeitos disciplinares, uma vez que tais efeitos só podem ocorrer quando o contrato tenha natureza laboral, estando evidentemente excluídos quando o contrato for de prestação de serviços que é uma forma de contratação expressamente prevista e admitida no “Regime do pessoal docente”.

Por último, diremos que o facto de o autor ter iniciado a sua actividade docente ao serviço da ré, em Outubro de 2002, ao abrigo de um contrato escrito que as partes denominaram de CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS”, onde claramente se diz que tal contrato é celebrado ao abrigo do disposto no artigo 1154.º do Código Civil, para vigorar de 1.10.2002 até 30.9.2003, e de, em 1.10.2003, ter celebrado com ré um outro contrato que também apelidaram de “CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS”, contendo igual referência ao artigo 1154.º do C.C., para vigorar de 1.10.2003 até 31.7.2004, não pode, no caso em apreço, deixar de assumir especial relevância para ajuizar da real vontade das partes no que diz respeito à natureza do vínculo contratual que entre si pretenderam estabelecer.

É que, embora o que decisivamente releva, para a qualificação do contrato, seja o modo como, na prática, o contrato foi executado e não o nome que as partes lhe atribuíram, quando este tenha sido reduzido a escrito, a verdade é que essa denominação não pode ser absolutamente desconsiderada, no geral, devendo mesmo, em certos casos, ser-lhe atribuída uma especial relevância.

A situação em apreço nos autos é um desses casos, uma vez que o autor era Mestre em Direito, fora advogado, era um docente universitário com uma carreira consistente e reconhecida, iniciada em 1990, tendo leccionado já em diversas Universidades, era autor de diversas obras jurídicas, tinha proferido, ao longo dos anos, palestras e conferências em diferentes Universidades e tinha participado em inúmeros colóquios, recebendo sempre as mais elevadas manifestações de apreço por quem o convidou (factos 2.9, 2.15, 2.54, 255, 2.56, 2.57 e 2.58).

O recorrente alega que o acórdão recorrido não deu importância ao facto do segundo dos contratos referidos ter como seu limite temporal o dia 31 de Julho de 2004, e ao facto de, apesar disso, o autor ter continuado a prestar a sua actividade para a ré durante mais um ano lectivo (2004/2005), mas, como é óbvio, trata-se de um argumento que, no contexto da factualidade dada como provada, não tem qualquer relevância para a qualificação do contrato, uma vez que o contrato de prestação de serviço não está sujeito à forma escrita e dos factos provados não decorre que a actividade docente do autor, no último ano lectivo, tenha sido prestada em regime de subordinação.

Concluindo, diremos que a factualidade dada como provada não permite afirmar com o grau de certeza que a boa aplicação do direito exige que o autor, no exercício das suas funções docentes, estivesse sujeito às ordens, direcção e fiscalização da ré, o que é suficiente para que o recurso seja julgado improcedente, no que à qualificação do contrato e às consequências jurídicas que da sua cessação unilateral, por parte da ré, poderiam resultar.

3.2 Dos danos não patrimoniais
Na petição inicial, o autor pediu que a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 20.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais que o despedimento de que foi alvo por parte de ré lhe teria causado.

No que diz respeito aos danos, provou-se o que consta dos factos 2.45 a 2.51 inclusive, mas as instâncias nem sequer se pronunciaram sobre aquele pedido, uma vez que não deram como provado o contrato de trabalho.

Apesar disso, no recurso de revista o autor alega que, mesmo tratando-se de um contrato de prestação de serviço, a ré devia ser condenada em indemnização por danos morais, nos termos do art.º 496.º do C.C., pelo facto da ré não ter dado o aviso prévio que consta das cláusulas 9.ª e 10.ª dos documentos de fls. 49 a 51 e de fls. 52 a 54, que mais não são do que os dois contratos de prestação de serviço assinados pelas partes.

Tal como o autor, agora, coloca a questão, dela não se pode conhecer, por extravasar a competência material dos Tribunais de Trabalho, face à solução dada à qualificação do vínculo contratual questionado.

4. Decisão
Nos termos expostos, decide-se julgar improcedente o recurso.
Custas pelo autor.

Lisboa, 3 de Fevereiro de 2010
Sousa Peixoto (Relator)
Sousa Grandão
Pinto Hespanhol
___________________
(1) Crf. Pais de Vasconcelos, Contratos Atípicos, Coimbra, 1996, pág. 207 e seguintes.
(2) Contratos Civis, BMJ 83, pág. 165 e seguintes.
(3) Critério esse que está no origem da posição sustentada por António Lopes Batalha, “A Alienabilidade no Direito Laboral”, Edições Universitárias Lusófonas, pág. 156 e seguintes.
(4) Como nos dá conta Júlio Gomes, Ob. Cit. pág. 101 e seguintes.
(5) Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13.ª Edição, pág. 136, define-a como a “relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem”
(6) Assim, Júlio Gomes, Ob Cit. pág. 129 e seguintes.
Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, Almedina, pág. 306, que considera que para haver subordinação jurídica “basta a possibilidade de dar ordens, mesmo que só quanto a aspectos da actividade laboral.”
Bernardo da Gama Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, Verbo, pág. 288, segundo este autor, “o trabalhador vincula-se a prestar um certo tipo de actividade e mais se sujeita a que ela seja concretamente determinada pela escolha da entidade patronal”.
António Jorge da Motta Veiga, Lições de Direito do Trabalho, Lisboa 1995, pág. 356.
E, entre muitos outros, os Acórdãos do STJ de 29.11.06 (processo 06S1960) e de 28.06.2006 (processo 06S900), bem como o Acórdãos da Relação do Porto de 14.04.2008 (processo 0744340), todos in www.dgsi.pt
(7) Manual de Direito do Trabalho, Coimbra, 1991, pág. 536.
(8) A Crise do Contrato de Trabalho, RDES, ano XXXIX, pág. 357.
(9) Direito Civil Teoria Geral, Vol. III, AAFDL; 1979, pág. 353.
(10) Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, pág. 138.
(11) Ob.Cit.. pág. 139.
(12) A Fuga à Relação de Trabalho (típica): em torno da simulação e da fraude à lei; Coimbra, 2008, pág. 136 e seguintes.
(13) Ob. Cit. pág. 234.
(14) Art. 3, da Lei 100/97, de 13.10.E Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2.ª Edição Almedina, pág. 27.
(15) Nesse sentido o Acórdão do STJ de 29.11.2006 (processo 06S1960).
(16) O art.º 8.º insere-se no capítulo que trata da admissão do pessoal e refere-se ao recrutamento por convite que a par do concurso é uma das formas de recrutamento.