Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08B351
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PEREIRA DA SILVA
Descritores: ACORDÃO DA RELAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
FALTA DE DISCRIMINAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Nº do Documento: SJ200804170003512
Data do Acordão: 04/17/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: ORDENADA A BAIXA DO PROCESSO.
Sumário : I - Impõe-se ordenar o envio do processo ao Tribunal da Relação sempre que, por motivo, no STJ, julgado improcedente, no predito Tribunal "a quo" se tenha deixado de conhecer do objecto do recurso de apelação, "maxime" por mor de pronúncia oficiosa sobre questão como prejudicial havida (artº 731º nº 2 do CPC).
II - A ausência de discriminação, por forma clara e explícita, dos factos que a Relação devia considerar provados em contravenção ao exarado no artº 659º nº 2, "ex vi" do plasmado no artº 713º nº 2, ambos do CPC, consubstancia nulidade atípica sancionável, por aplicação directa ou extensiva, nos termos dos artºs 729º nº 3 e 730º nº 2, os dois do citado Corpo de Lei.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I. a) Por apenso à execução comum instaurada por " Banco Empresa-A, S.A." contra AA e BB, a qual corre seus termos pelo Tribunal Judicial de Ansião, registada sob o nº 320/05. 8TBBANS, deduziram as demandadas oposição, nos termos e com os fundamentos seguintes, em síntese:
"Invoca o exequente, como causa de pedir da execução, o incumprimento de dois contratos de mútuo com hipoteca".
Efectivamente:
"A 23 de Junho de 1999, a opoente e o seu marido celebraram o referido contrato 541010799188 (junto pela exequente ao seu requerimento executivo como doc. 1) dado à execução pela ora exequente.
Nesse contrato, porém, consta uma Cláusula 16ª, que sob a epígrafe SEGUROS, adianta que Faz parte integrante da garantia do presente contrato o seguro de vida aceite pela "IC" (o ora exequente), sendo esta a beneficiária,
Sendo certo que A "IC" poderá alterar ou anular os referidos seguros, pagar por conta do "Devedor" adiante mencionada e, em seu nome, receber as indemnizações em caso de sinistro.
Também a 23 de Junho de 1999, a opoente e o seu marido celebraram o contrato 563100123160 (junto pela exequente ao seu requerimento executivo como doc. 2), igualmente dado à execução pela ora exequente.
Nesse segundo contrato consta uma Cláusula 12ª, que, sob a epígrafe SEGUROS, adianta que Faz parte da garantia do presente contrato o seguro de vida aceite pela "IC" [o ora exequente], sendo esta a beneficiária,
10º
Sendo certo que A "IC" poderá alterar ou anular os referidos seguros, pagar por conta do "Devedor" adiante mencionada e, em seu nome, receber as indemnizações em caso de sinistro.

DO SEGURO DE VIDA
Como vemos,
11º
Foi celebrado como fazendo parte integrante dos contratos dados à execução um seguro de vida em que a ora exequente era a beneficiária,
12º
Seguro de vida cujas prestações eram pagas simultaneamente com a prestação à ora exequente.
13º
Por meio desse contrato, o Tomador e Beneficiário em caso de morte era a Companhia Empresa-B, SA - sociedade que adoptou, após fusão, a denominação da ora exequente,
14º
Sendo certo que as pessoas seguras eram, precisamente, o Sr. CC e a ora opoente, então casados (doc. 2).
15º
De acordo com o Certificado de Seguro (cfr. doc. 2), na alínea a) do nº 1 [Seguro Principal] relativo ao OBJECTO DAS GARANTIAS DO CONTRATO DE SEGURO, afirma-se que Em caso de Morte da Pessoa Segura ao abrigo das garantias contratuais e durante o prazo de adesão ao contrato de seguro, a Seguradora garante o pagamento do capital seguro.
Ora,
16º
Sendo certo que o Sr.CC faleceu no dia 1 de Outubro de 2004, cfr. resulta da habilitação de herdeiros requerida pela exequente decidida a fls. 62 e seguinte,
17º
Deveria ter sido dado início ao processo de pagamento da quantia segura pela Empresa-C, SA;
Efectivamente,
18º
Após o falecimento do seu marido, a ora opoente dirigiu-se, no dia 20 de Outubro de 2004, ao balcão da Empresa-A,
19º
Dando conta da trágica ocorrência.
20º
Após proceder aos pagamentos que então lhe solicitaram (doc. 3 e 4),
21º
Solicitou informações sobre o que deveria fazer para accionar o seguro.
22º
Tendo sido informada de que a notificariam para o efeito, não se devendo preocupar com mais pagamentos.
23º
Foi, assim, com alguma estranheza que a ora opoente se viu confrontada com a presente execução,
24º
Uma vez que sempre acreditou estar a cumprir o que lhe fora transmitido pela exequente."
Concluiu impetrando que seja atendida a oposição esta se considerando procedente por provada.

b) Recebida a oposição (art. 817º nº 2 do CPC), contestou-a a exequente, consoante ressuma de fls. 28, batendo-se pela justeza do decreto da improcedência daquela.
c) Elaborado despacho saneador tabelar, foi seleccionada a matéria de facto considerada como assente e organizada a base instrutória.
d) Cumprindo o demais legal, procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, prolatada tendo sido sentença que, radicada no que fls. 88 a 106 evidenciam, julgou procedente, por provada, a oposição.
e) Com o sentenciado se não tendo conformado, com êxito, apelou a exequente, já que o TRC, por acórdão de 07-09-11, decidindo "ocorrer uma situação de total falta de fundamentação para a dedução da presente oposição", por mor de tal, "absolve o Exequente do pedido nesta acção formulado (oposição à execução), com o que se revoga a sentença recorrida, assim julgando procedente a apelação."
f) É do predito acórdão que, irresignadas, trazem revista as executadas, as suas alegações, em que pugnam pelo acerto da substituição da decisão recorrida "por outra que julgue improcedente a pretensão do exequente", tendo rematado com as seguintes conclusões:

1. É pacífico na doutrina e na jurisprudência que são as conclusões apresentadas pelos recorrentes que balizam o sentido da decisão, não podendo esta ultrapassar aquelas conclusões.
2. Assim, não poderá o juiz «ad quem» deixar de pronunciar-se sobre alguma questão que lhe seja colocada, nem pode, por outro lado, ultrapassar as questões que lhe são colocadas.
3. As conclusões do apelante reportam-se apenas a prazos, a datas de vencimento, a falta de prova relativamente a comunicações, nunca pondo em causa a relação com a Companhia de Seguros, nem se referindo à necessidade da presença desta no pleito.
4. Uma vez que o Tribunal da Relação de Coimbra apreciou questões diversas das que lhe foram colocadas pelo recorrente e caindo essas questões fora do âmbito do conhecimento oficioso, o douto Acórdão, salvo o devido respeito, encontra-se ferido de nulidade, nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, uma vez que conheceu de questões de que não deveria ter conhecido.
5. Ao opor-se à execução, a ora recorrente pôs em causa, muito simplesmente, a sua legitimidade para intervir na presente acção.
6. O Tribunal da Relação de Coimbra dever-se-ia, pois, ter cingido à análise da matéria referida pelo banco recorrente nas suas alegações de recurso, sendo certo que este nunca pôs em causa a validade da relação material controvertida, tal como apresentada nos articulados.
7. De qualquer forma, sempre ocorre uma situação da total falta de fundamentação para a dedução da presente execução.
8. A ora recorrente opôs-se à execução que lhe foi instaurada pelo Banco por desconhecer o que de concreto se passara com o seguro de vida que ela e seu marido haviam contratado para fazer face ao falecimento de um deles, considerando-se parte ilegítima na presente execução.
9. Face aos os factos provados 16º e 17º, plasmados a fls. 99 na douta sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Ansião, a ora recorrente sempre desconheceu se a entidade seguradora foi interpelada para cumprir, sendo certo que o exequente nem refere se o fez.
10. A ora recorrente sempre agiu de boa-fé, tentando tomar conhecimento efectivo dos seus direitos e exercendo-os, desconhecendo o que se passava entre o Banco e a Seguradora.
11. Quem deveria figurar, como executado, na acção executiva, era a companhia de Seguros.
12. O douto Acórdão violou, assim, o disposto nos artigos 26º, 690º, nºs 1 e 2, 660º nº 2, 668º, nº 1, alínea d), todos do Código de Processo Civil.

g) Contra-alegou a exequente, defendendo a confirmação do julgado.
h) Colhidos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. O DIREITO:
1. O TRC, é tal indúbio, não conheceu das questões que, em sede de apelação, lhe foram postas pela exequente, do, enfim, conforme consignado no acórdão sob recurso, doravante, como "decisão", tão só, designado, objecto do 1º recurso instalado, aquele balizado, outrossim, pelas conclusões da alegação do recorrente - art.s 684º nº 3 e 690º nº 1 do CPC - (Corpo de Leis este a que pertencem os normativos que, sem indicação de outra fonte, se vierem a citar), o que aconteceu por ter tal havido como prejudicado (art. 660º nº 2 - 2ª parte do 1º período), ante o ditado naufrágio da oposição à execução repousante no art.817º nº 1 b) e c), fundamentação esta, em suma, sita a montante das questões vazadas na supra-citada peça processual (vide fls. 148 v. a 150).
Destarte, por tal tese - a da ausência de fundamento legal para deduzir oposição à execução, a da manifesta improcedência da mesma, mesmo que como não resolvidos, á data do decesso de CC, se devessem ter os contratos de seguro a que se alude no articulado das opoentes, sopesado o não ser parte a seguradora - sufragar, não consubstancia, em rigor, a "decisão" paradigma de nulidade por omissão de pronúncia - 1ª parte da al. d) do nº 1 do art. 668º - (cfr. acórdão deste Tribunal, de 95-03-21, in CJ/Acs. STJ-Ano III - tomo I, pp. 126 a 128), nem por pronúncia indevida - 2ª parte do último comando legal à colação chamado -, uma vez que, desde logo, não concernente ao último dos vícios de limite citados, não se trata de questão que deva considerar-se precludida com o proferir do despacho a que se reporta o art. 817º nº 2, como brota do art. 234º nº 5, antes se estando ante matéria de conhecimento oficioso (art. 664º).
Pois bem:
Como seguro temos que, com menos acerto, se fez assentar o afirmado insucesso da oposição à execução no já noticiado.
Na verdade:
Com justo amparo na lei (art. 816º), deduziram as executadas oposição à execução, de harmonia com o relatado em I. a), em resumo afirmando realidade não serem os, pela exequente, no requerimento executivo, proclamados incumprimentos contratuais.
E não o serem, adite-se, por, como válidos e eficazes, a 01-10-04, se deverem ter os contratos de seguro referidos, apesar do alegado não pagamento de prémio, e, que assim não fosse, pelo vertido nos art.s 18º a 24º da p.i., temática esta, não se olvide, nem sequer abordada na "decisão", mas, isso sim, destacado na sentença apelada, não poder "a exequente intentar a execução sem que previamente informasse a executada que o contrato de seguro tinha sido resolvido e por tal facto" ter a executada "que proceder ao pagamento das prestações em débito." - vide fls. 105.
Pelo expandido, falece, fragorosamente, em nosso entender, a tese que desaguou na procedência da apelação, sem conhecimento, por como prejudicado, reafirma-se, tal se ter havido, "do objecto do recurso interposto".
"Quid juris"?
Tal-qualmente, responde-se, afirmado no à liça já trazido aresto de 95-03-21, a situação é, em substância, idêntica à plasmada no art. 731º nº 2, a mesma consequência processual devendo ter.
Ler se pode em tal acórdão: "... o princípio geral consignado tanto para o recurso de revista (no cit. art. 731º nº 2) como para o agravo (no art. 762º nº 2 do cit. Código) é o do reenvio do processo à Relação sempre que, por qualquer motivo julgado improcedente, nela se tenha deixado de conhecer daquele objecto do recurso; esse motivo é constituído aqui pela solução dada à questão prejudicial...".
Há, pelo dilucidado, que ordenar o envio do processo ao Tribunal "a quo", em ordem ao conhecimento do objecto do recurso de apelação.

2. Uma nótula final.
No acórdão a proferir deverá, ao arrepio do sucedido com a "decisão", proceder-se à discriminação, por forma clara, explícita, da factualidade considerada como provada, para que não venha a enfermar de nulidade atípica, sancionável, por aplicação directa ou extensiva, nos termos dos art.s 729º nº 3 e 730º nº 2, consoante jurisprudência firme deste Tribunal (cfr., v.g., acórdão de 12-02-04 - Revista nº 1414/03-2ª -, in "Sumários", Nº 78, pág. 23).
Tal é, efectivamente, a decorrência da contravenção ao exarado no art. 659º nº 2, aplicável por força do art. 713º nº 2, por banda do Tribunal "a quo", não acontecida, frise-se, remissão para a matéria de facto provada na 1ª instância (art. 713º nº 6), como é vítreo.
Podendo o STJ conhecer oficiosamente de tal vício de limite do acórdão em recurso, dessa nulidade, "in casu", não lhe cabe, como tribunal de revista, uma vez aquele anulado, assumir, ele próprio, a reforma, antes ordenar a baixa do processo à Relação para aí ser fixada, com novo julgamento, nos moldes ditos,a matéria de facto (cfr. art.s 668º nº 1 b), 716º nº1, 726º, 729º nº 3 e 731º nºs 1 e 2, bem como Amâncio Ferreira, in "Manual dos Recursos em Processo Civil", 3ª Edição Revista, Actualizada e Ampliada, pp. 258 a 260).

IV. CONCLUSÃO:
Termos em que, sem necessidade de mais considerandos, se ordena a baixa do processo ao TRC, para, se possível pelos mesmos Exmºs Juízes Desembargadores, conhecimento do objecto do recurso de apelação, sem olvido do dissecado em III. 2. .
Custas pelo vencido a final.

Lisboa, 17 de Abril de 2008

Pereira da Silva (relator)
Rodrigues dos Santos
João Bernardo