Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
11766/18.1T8LSB-B.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃOJSTJ000
Relator: LUIS ESPÍRITO SANTO
Descritores: INSOLVÊNCIA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
PRESSUPOSTOS
IDENTIDADE DE FACTOS
REVISTA EXCECIONAL
REJEIÇÃO DE RECURSO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Data do Acordão: 03/15/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA.
Sumário :

I - Para que se possa considerar verificada a oposição de acórdãos exigida pelo artigo 14º, nº 1, do CIRE, é necessário que exista identidade do núcleo factual essencial de cada uma das decisões em confronto, de forma poder concluir-se que, transposto o entendimento do acórdão fundamento para a situação apreciada no acórdão recorrido, este mereceria necessariamente uma solução oposta àquela que foi proferida e em sentido favorável ao ora recorrente.

II – Não se verifica contradição de julgados quando no acórdão fundamento a censura dirigida à decisão de 1ª instância, no sentido de que não poderia ter havido lugar à dispensa da audiência do requerido, nos termos do artigo 12º, nºs 1 e 2, do CIRE, tem por base a omissão da tomada em consideração da informação prestada nos autos (concretamente pela própria requerente na petição inicial da insolvência) quanto à notificação do filho do devedor, na sede da empresa da qual ele era sócio, para informar qual era a residência ou paradeiro do pai (o que permitiria fazer uma última tentativa para o citar pessoalmente) e, como se afirma no aresto “e tão pouco, concluindo-se pela inviabilidade de citar o devedor a curto prazo, não se ordenou a citação do filho em substituição do pai, ao abrigo do nº 2 do artigo 12º, o que de acordo com a informação prestada pela requerente da insolvência era possível e não oferecida dificuldade alguma”, enquanto que no acórdão recorrido não existe qualquer notícia da identificação ou paradeiro de um familiar do requerido que devesse ser contactado com vista a poder fornecer o paradeiro daquele, ou ser citado em sua substituição nos termos do artigo 12º, nº 2, do CIRE, o que significa que não há aqui verdadeira e concretizada notícia de familiar do requerido – a contactar “sempre que possível”, conforme diz o preceito – que permitisse prosseguir a diligência que, nessas hipotéticas circunstâncias, teria sido então censuravelmente omitida pelo tribunal a quo.

III - Na primeira situação era perfeitamente possível contactar o filho do requerido que tinha paradeiro certo e definido (perfeitamente localizável porque trabalhava na sede da sociedade); na segunda não há referência alguma séria à localização da mãe (cujo nome se desconhece) do ora recorrente, não se compreendendo como, após tantas e tão aturadas diligências que foram desenvolvidas, ainda se impusesse, com equilíbrio e razoabilidade, a busca de alguém que não se sabe quem é, nem onde tem paradeiro.

V - Pelo que não há lugar ao conhecimento do objecto do recurso que, nessa medida, se julgará findo, nos termos gerais dos artigos 652º, nº 1, alínea b), e 679º do Código de Processo Civil.

Decisão Texto Integral:

Revista nº 11766/18.1T8LSB-B.L1.S1.


Acordam, em Conferência, os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Sessão).

Foi proferido, em 1ª instância, despacho datado de 7 de Fevereiro de 2023, nos seguintes termos:

“Por sentença proferida em 6 de Dezembro de 2018 foi decidido, para além do mais:

“1 – Declarar a insolvência de AA, residente na Avenida ... ... (art.º 36º, al. b)”;

Consta dessa mesma decisão que:

“Tentada a citação pessoal do requerido, a mesma não se mostrou possível, pelo que foi dispensada a respectiva audiência, nos termos do disposto no art.º 12.º do CIRE, com os fundamentos de facto e de direito melhor explanados no despacho de 25/10/2018”.

Interposto recurso de apelação foi proferido o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, em Conferência, datado de 6 de Setembro de 2022, que, concordando com a decisão singular de 16 de Dezembro de 2021 julgou improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.

Interpôs a requerente recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto no artigo 672º, nº 1º, alínea c), do Código de Processo Civil, apresentando as seguintes conclusões:

1- O douto Acórdão recorrido validou a decisão do Tribunal de 1ª Instância a qual decretou a insolvência do recorrente tendo dispensado a audiência do Recorrente.

2- Mais ratificou a posição tomada no que concerne a este ponto, não obstante haver notícia nos autos de que o Recorrente tem mãe, que se deslocava com frequência à morada dos autos.

3- Não se conhecendo o paradeiro do Recorrente, haveria que promover diligências tendentes à localização da sua mãe.

4- O princípio regra a observar nesta sede é o do contraditório, plasmado nos artºs 3º do CPC e 17º e 29º do CIRE.

5 - Nesse contexto a disciplina do artº 12º do CIRE, corresponde a uma exceção, ou “um desvio ao fundamental princípio do contraditório” que “deve ser considerada somente nos estritos termos em que a lei a aceita” (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Vol I, p.105, Quid Iuris Sociedade Editora, Lisboa 2005).

6- Tal desvio é delimitado pelo nº2 correspondente, o qual estabelece que “nos casos referidos no número anterior, deve sempre que possível, ouvir-se um representante do devedor, ou na falta deste, o seu cônjuge ou um seu parente, ou pessoa que com ele viva em união de facto”.

7- Como decidiu o Tribunal da Relação do Porto, por Acórdão de 12/12/2013:

“a redação da norma não deixa dúvidas quanto a tratar-se de um dever e não de uma faculdade deixada ao poder discricionário do juiz. A única condicionante é que seja possível ouvir o representante ou parente do devedor. Sendo possível ouvi-las, o juiz não pode deixar de determinar a audição destas pessoas (e isto independentemente de saber a que título e qual o âmbito de intervenção consentido a estas pessoas que é algo que a norma não esclarece devidamente). O que significa, necessariamente, que o juiz tem de determinar diligências com vista a localizar estas pessoas e, apurando a sua existência e localização, tem de ordenar que as mesmas sejam citadas/notificadas nos moldes em que o seria o próprio devedor, se não estivesse ausente no estrangeiro ou em parte incerta”.

8- Já recentemente o mesmo Tribunal veio a produzir o seguinte aresto:

“I- A norma do artº 12º do CIRE, ao permitir a dispensa de audiência do devedor e mesmo a sua citação, é uma exceção aplicável apenas quando as diligências para citação determinem um atraso anormal do processado, e II- Mesmo quando se entenda não haver mais diligências a realizar para a citação do devedor, sempre haverá que dar cumprimento ao disposto no artº 12º nº2 do mesmo artigo, ou seja a audição do seu representante, ou, na falta deste, o seu cônjuge ou um seu parente, ou pessoa que com ele viva em união de facto, sendo que se trata de um dever e não de uma faculdade deixada ao poder discricionário do Juiz, concluindo III- Omitindo a audição de qualquer das pessoas supra referidas, quando a mesma se mostrava possível, leva a que a dispensa de audição do devedor (mesmo que efetivamente desconhecido o seu paradeiro) determinada nesse contexto, enferme de falta de requisitos legais, cometendo-se o vício de falta de citação que gera a nulidade dos atos processuais subsequentes” (Acórdão de 28.10.2021, processo nº 3168/20.6T8AVR-D.P1).

9- O Acórdão recorrido contraria em termos prático aquela linha jurisprudencial.

10-Havendo notícia sobre a mãe do Recorrente, nada foi feito para a identificar ou localizar, nem se justificou essa omissão.

11-Tais elementos seriam passíveis de obtenção pela consulta das bases de dados oficiais, sem que tal resultasse numa demora excessiva da tramitação do processo.

12-O entendimento decorrente da douta decisão em exame, resulta, igualmente na frustração dos princípios constitucionais da tutela jurisdicional efetiva e do processo equitativo plasmados no artº 20º da CRP.

Pelo exposto, deve ser dado provimento ao presente Recurso de Revista, revogando-se a douta sentença recorrida, com as legais consequências.

O Recorrente juntou, nos termos do artº 672º nº2 c), cópia do Acórdão fundamento com o qual o Acórdão Recorrido se encontra em oposição.

Notificado o recorrente nos termos e para os efeitos do artigo 665º, nº 1, do Código de Processo Civil, veio o mesmo referir:

- O douto despacho versado aponta a inexistência de similitude de quadro factual entre o douto Acórdão em crise e o Acórdão fundamento;

- Isto porque no caso dos autos não haverá qualquer notícia do paradeiro de um familiar do Recorrente e naquele constava a localização de um filho;

- Ora, no presente processo, havia notícia de que a mãe do Recorrente se dirigia com frequência à sua morada;

- Assim, por requerimento de 24/09/2018, o Requerente da insolvência alegou que “É habitual a presença da mãe do requerido no prédio, em visita ao imóvel onde o requerido habita com o referido BB”;

- A obtenção da identificação da mãe do Recorrente e a sua morada é viável com mera consulta à base de dados dos serviços de identificação civil, de acesso fácil à secretaria judicial, como prevê o artº 236º do CPC;

- Deste modo, por forma simples e sem demora acrescida no prosseguimento dos autos seria possível localizar a mãe do Recorrente;

- E esta, será a questão essencial na aplicação dada pelo Acórdão fundamento ao disposto no artº 12º nº2 do CIRE;

- Sustentando nessa linha que “o juiz tem de determinar diligências com vista a localizar estas pessoas e, apurando a sua existência e localização, tem de ordenar que as mesmas sejam citadas/notificadas”.

- Ou seja, a natureza excecional conferida à disciplina do artº 12º nº1 do CIRE não poderá ser delimitada, tão somente, pelas situações em que no processo já está definida a identidade e localização do paradeiro de um familiar do requerido.

- No Acórdão recorrido que confirmou a douta sentença proferida e salvo o devido respeito, foi entendido o contrário, dispensando-se tais diligências de apuramento da identidade e localização do paradeiro da mãe do Recorrente, cuja existência se encontrava evidenciada nos autos.

Apreciando liminarmente da admissibilidade da presente revista:

Veio a recorrente interpor revista excepcional ao abrigo do disposto no artigo 672º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil.

Antes de mais, cumpre salientar que o presente recurso se encontra subordinado ao regime especial consignado no artigo 14º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (vulgo CIRE).

Acontece que não se verifica, na situação sub judice, a contradição de julgados apontada pela recorrente, não havendo lugar à admissibilidade da revista excepcional (afastada pela especialidade deste regime em matéria recursória).

Com efeito, para que se possa considerar a oposição de acórdãos exigida pelo artigo 14º, nº 1, do CIRE, seria necessário que se verificasse identidade do núcleo factual essencial de cada uma das decisões em confronto, de forma poder concluir-se que, transposto o entendimento do acórdão fundamento para a situação apreciada no acórdão recorrido, este mereceria necessariamente uma solução oposta àquela que foi proferida e em sentido favorável ao ora recorrente.

Tal não sucede na situação sub judice.

Com efeito, é essencialmente dissemelhante o quadro factual nuclear em cada um dos arestos referidos (o acórdão fundamento e o acórdão recorrido).

No acórdão fundamento verifica-se que:

- na petição inicial da insolvência a credora requerente identificou o requerido como residente em determinada morada, indicando igualmente que o seu filho poderia ser contactado na sede da sociedade em que era sócio;

- ordenada a citação do requerido, foi expedida carta para a sua citação com referência a essa mesma morada;

- a qual veio devolvida ao remetente, tendo o distribuidor postal assinalado como motivo a quadrícula “endereço insuficiente”;

- notificada dessa devolução, a requerente insistiu que era essa a residência do requerido constante das bases de dados e requereu a citação por intermédio de agente de execução, o que foi deferido;

- O agente de execução lavrou certidão negativa, na qual mencionou: “deslocou-se à morada indicada nos autos para a realização da diligência (…) onde se verifica que a morada correcta é Rua…esquerdo, traseiras. Porém, não foi possível concretizar a mesma porquanto no local já não se encontrava a residir o mesmo. Segundo informação dos vizinhos daquela habitação, os proprietários (…) encontram-se a residir em França e que aquela habitação esteve arrendada a várias pessoas, que desconhecem a identificação, mas que actualmente ninguém reside. (…) No local não é conhecido o nome do requerido, desconhecendo-se o seu paradeiro. Não foi assim possível proceder à citação do requerido, porquanto o mesmo já li não reside”.

- notificada desta certidão, a requerente insistiu que a morada onde foi tentada a citação que constava como residência do requerido nas bases de dados e foi indicada pelo próprio em juízo quando meses atrás foi ouvido como testemunha num processo judicial, reiterou a informação relativa ao filho do requerido constante da petição inicial e terminou requerendo a dispensa da audiência do requerido.

- por despacho foi ordenado: “averigue-se na base de dados da morada do requerido; solicite ao OPC competente que averigue e informe, em cinco dias, do paradeiro do requerido, cônjuge ou pessoa que com ele viva em união de facto ou parente próximo”.

- Em cumprimento do ordenado oficiou-se à GNR de ... solicitando a informação pretendida e indicando a residente do requerido como sendo (…).

- A informação da GNR nada trouxe de útil.

- De seguida foi proferido despacho no qual se decidiu: “Face à impossibilidade de citação do requerido, ou de pessoa prevista no nº 2 do artigo 12º do CIRE, ao abrigo do nº 1 do mesmo normativo, dispensa-se a audiência do devedor”.

No acórdão recorrido, a factualidade relevante é a seguinte:

- o requerimento inicial deu entrada em juízo no dia 17 de Maio de 2018.

- no dia 14 de Junho de 2018 foi ordenada a citação pessoal do Requerido para, querendo, e no prazo de 10 dias, deduzir oposição e oferecer os meios de prova.

- em 22 de Junho de 2018 foi tentada a citação do Requerido através do envio de carta registada com aviso de recepção.

- não foi possível a entrega da carta ao Requerido, por este se estar ausente, razão pela qual foi deixado aviso, identificando o Tribunal “a quo”, permanecendo durante oito dias à sua disposição no posto dos CTT de ....

- a carta não foi levantada, pelo que foi devolvida ao Tribunal, no dia 6 de Julho de 2018.

- frustrada a citação via postal, no dia 18 de Julho de 2018, foi ordenada a consulta às bases de dados para que, obtidas eventuais novas moradas, o Requerido fosse citado em conformidade, mais se ordenando, confirmando-se a mesma morada, a citação através de contacto pessoal de funcionário de justiça, considerando a natureza urgente dos autos.

- realizadas as pesquisas às bases de dados apurou-se a mesma morada indicada.

- tentada uma vez mais, por oficial de justiça, a citação não foi levada a efeito, pois, conforme certidão negativa de 31 de Julho de 2018, dirigindo-se à morada do Requerido, em dias e horas diferentes, após várias insistências na campainha da porta, ninguém atendeu ou abriu a porta e, encetadas diligências junto da vizinhança, não se encontrou ninguém que pudesse confirmar a identidade e domicilio do devedor.

- no dia 8 de Agosto de 2018, foi ordenada a notificação da Requerente para, em 5 dias, esclarecer se o recorrente, efectivamente, residia na morada indicada ou se porventura estaria em gozo de férias ou qualquer outra informação que pudesse indicar o paradeiro do devedor.

- no dia 5 de Setembro de 2018 veio certidão negativa do oficial de justiça que se deslocou à morada do Requerido e constatou que ali residia um indivíduo, de nome BB, de nacionalidade ..., suposto arrendatário do imóvel, tendo o mesmo informado que o Requerido vivia em Inglaterra ou em ....

- no dia 17 de Setembro de 2018 foi ordenada a notificação a requerente para, no prazo de 2 dias, esclarecer se possuía qualquer tipo de contacto telefónico ou de correio electrónico do Requerido.

- mais se ordenou o apuramento, junto da Ordem dos Advogados e da Direcção-Geral dos Impostos, do domicílio do Requerido.

- por ofício datado de 3 de Outubro de 2018, a Ordem dos Advogados veio informar que, à data da suspensão da inscrição do Requerido como Advogado, o seu domicilio profissional estava registado na morada indicada nos autos, assim como também a Autoridade Tributária comunicou a mesma morada.

- no dia 8 de Outubro de 2018 foi ordenada a consulta à base de dados do IMTT, mas ali não constava indicação de qualquer morada do Requerido.

- em 17 de Dezembro de 2018, veio o Requerido (apelante) juntar aos autos Procuração Forense a favor do seu Exmº Advogado, onde indica como sua morada a indicada no requerimento inicial e onde foram feitas todas as tentativas de citação.

Ora, no acórdão fundamento a censura dirigida à decisão de 1ª instância, no sentido de que não poderia ter havido lugar à dispensa da audiência do requerido, nos termos do artigo 12º, nºs 1 e 2, do CIRE, teve por base a omissão da tomada em consideração da informação prestada nos autos (concretamente pela própria requerente na petição inicial da insolvência) quanto à notificação do filho do devedor, na sede da empresa da qual ele era sócio, para informar qual era a residência ou paradeiro do pai (o que permitiria fazer uma última tentativa para o citar pessoalmente) e, como se afirma no aresto “e tão pouco, concluindo-se pela inviabilidade de citar o devedor a curto prazo, não se ordenou a citação do filho em substituição do pai, ao abrigo do nº 2 do artigo 12º, o que de acordo com a informação prestada pela requerente da insolvência era possível e não oferecida dificuldade alguma”.

E conclui o acórdão fundamento:

“Resulta, portanto, que havia nos autos informação da existência de um filho do devedor e indicação do local onde este podia ser contactado para se saber do paradeiro do pai e/ou para o citar em substituição do devedor nos termos do nº 2 do artigo 12º do CIRE. E resulta que não foram feitas diligências para contactar o filho do devedor, designadamente através da GNR fornecendo-lhe para o efeito a indicação da sede da empresa de que este é sócio e onde podia ser contactado pelos respectivos agentes”.

Ou seja, tendo o próprio requerente da insolvência fornecido, repetidamente, a localização do filho do devedor, junto do qual teria sido perfeitamente possível tentar obter a localização do seu pai, o tribunal não atentou, como devia, nesta informação, não prosseguindo a diligência que, perante estas circunstâncias, naturalmente se impunha.

Ou seja, nos termos do artigo 12º, nº 2, do CIRE, seria plenamente possível obter junto de parente próximo do devedor a localização deste e tal não foi sequer esboçado.

Foi esta a razão principal para o provimento concedido ao recurso do devedor no acórdão fundamento, com a consequente anulação de todo o processado posterior à prolação do despacho recorrido.

Ora, nada disto se verifica no acórdão recorrido, onde não existe qualquer notícia da identificação ou paradeiro de um familiar do requerido que devesse ser contactado com vista a poder fornecer o paradeiro daquele, ou sem citado em sua substituição nos termos do artigo 12º, nº 2, do CIRE.

Não há nos presentes autos qualquer verdadeira e concretizada notícia de familiar do requerido – a contactar “sempre que possível”, conforme diz o preceito – que permitisse prosseguir uma diligência que tivesse sido censuravelmente omitida pelo tribunal a quo.

No acórdão recorrido não foi cometido pelo juiz a quo, portanto, o erro que no acórdão fundamento se aponta à respectiva decisão de 1ª instância.

O que significa que, aplicada a ratio decidendi do acórdão fundamento ao acórdão recorrido, não é de forma alguma possível concluir que a decisão deste seria diferente e antagónica àquela que foi prolatada, favorecendo a pretensão do ora recorrente.

Logo, inexiste contradição de julgados nos termos e para os efeitos do artigo 14º, nº 1, do CIRE.

Relativamente ao alegado pelo recorrente quando foi notificado nos termos e para os efeitos do artigo 655º, nº 1, do Código de Processo Civil:

Insiste-se em que o núcleo factual constante dos dois arestos em confronto (acórdão recorrido e acórdão fundamento) é dissemelhante.

No acórdão fundamento é óbvio que se descurou uma diligência essencial que teria, com elevada probabilidade, permitido a citação do requerido: a notificação do filho deste que foi expressamente indicado como permanecendo regularmente na sede da empresa de que era sócio, sendo lógico que tivesse sido tentada essa elementar diligência.

No acórdão recorrido, foram inúmeras as diligências desenvolvidas para a localização do requerido e na residência indicada o dito “BB” não fez (segundo o que consta dos autos e em especial dos factos relatados pelas instâncias) referência à “mãe do requerido” (sendo a que mera referência a “passar habitualmente num determinada local” é absolutamente vaga e imprecisa, não correspondente a um paradeiro localizável).

Ao mesmo tempo, notificada a requerente da insolvência para fornecer elementos com vista à possibilidade de citação do requerido, esta não forneceu qualquer informação útil, designadamente o paradeiro da mãe do requerido (não constituindo obrigação do tribunal indagar, em abstracto, da identificação dos familiares do requerido).

Trata-se, portanto, de uma diferença objectiva e essencial que permite num dos casos (acórdão fundamento) considerar incorrectamente cumprido o disposto no artigo 12º do CIRE e noutro (o acórdão recorrido) não.

Na primeira situação era perfeitamente possível contactar o filho do requerido que tinha paradeiro certo e definido (devidamente localizado como trabalhando na sede da sociedade); na segunda não há referência alguma séria à localização da mãe (cujo nome se desconhece) do ora recorrente, não se compreendendo como, após tantas e tão aturadas diligências que foram desenvolvidas, ainda se impusesse, com equilíbrio e razoabilidade, a busca de alguém que não se sabe quem é, nem onde tem paradeiro.

Pelo que não haverá lugar ao conhecimento do objecto do recurso que, nessa medida, se julgará findo, nos termos gerais dos artigos 652º, nº 1, alínea b), e 679º do Código de Processo Civil.

Pelo exposto:

Julga-se findo o presente recurso de revista, não havendo lugar ao conhecimento do seu objecto, nos termos dos artigos 652º, nº 1, alínea b), e 679º do Código Civil”.

Reclamou o recorrente para a Conferência, nos termos do artigo 652º, nº 3, do Código de Processo Civil.

Apreciando do mérito da reclamação:

Não assiste razão ao reclamante.

As situações versadas nos dois acórdãos em confronto, conforme se assinala na decisão reclamada, são dessemelhantes, não se verificando identidade na respectiva ratio decidendi.

Logo, inexiste a contradição de julgados que permite, em termos excepcionais, a admissibilidade da presente revista, a qual se encontra subordinada ao regime previsto no artigo 14º, nº 1, do CIRE.

Concorda-se, assim e inteiramente, com o despacho reclamado, para cujos fundamentos se remete.

Não há, portanto, lugar ao conhecimento do objecto do recurso que, nessa medida, se julgará findo, nos termos gerais dos artigos 652º, nº 1, alínea b), e 679º do Código de Processo Civil, conforme decidido na decisão singular, soçobrando consequentemente a presente reclamação.

Pelo exposto, acordam, em Conferência, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) em indeferir a reclamação apresentada nos termos do artigo 652º, nº 3, do Código de Processo Civil, mantendo-se a decisão singular reclamada, julgando-se consequentemente findo o presente recurso e não se conhecendo do respectivo objecto, nos termos do artigo 652º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 679º do mesmo diploma legal.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs.

Lisboa, 15 de Março de 2023.

Luís Espírito Santo (Relator)

Ana Resende

Maria José Mouro

V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.