Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3468/16.0T9CBR.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ILIDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
OFENSA DE CASO JULGADO
TÍTULO EXECUTIVO
ACÇÃO EXECUTIVA
AÇÃO EXECUTIVA
CASO JULGADO
EXTENSÃO DO CASO JULGADO
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
Data do Acordão: 10/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / CONTESTAÇÃO / EXCEÇÕES / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / EFEITOS DA SENTENÇA / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO / REVISÃO.
Doutrina:
- António Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2018, 5.ª Edição, p. 50-51;
- Antunes Varela, RLJ., 121º, 147 e ss.;
- Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 309;
- Calvão da Silva, in Estudos de Direito Civil e Processo Civil, pág. 212.
- João de Castro Mendes, in Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, p. 81 e 82;
- Lebre de Freitas, Acção Declarativa Comum, À Luz do Código de Processo Civil de 2013, Coimbra Editora, p. 41-46;
- Manuel de Andrade, Noções Elementares ao Processo Civil, p. 309 e ss., 321 e 322;
- Teixeira de Sousa, Teoria do Processo Declarativo, Coimbra Editora, 1980, p. 156 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 580.º, N.ºS 1 E 2, 581.º, 608.º, N.º 2, 619.º, N.º 1, 629.º, N.ºS 1 E 2, ALÍNEA A), ALÍNEA A), 635.º, N.º 4, 639.º, N.ºS 1 E 2, 663.º, N.º 2, 696.º, 697.º, 698.º, 699.º, 700.º, 701.º E 702.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 24-05-2018, PROCESSO N.º 2332/14.1TBALM.E1.S2, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - A admissibilidade excepcional do recurso pela via atípica prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 629º nº 2 do Código de Processo Civil não abarca todas as decisões que incidam sobre a excepção dilatória de caso julgado, mas apenas aquelas de que alegadamente resulte a “ofensa” do caso julgado já constituído.

II - Com o caso julgado, visa-se assegurar a certeza do direito e a segurança jurídica indispensáveis à vida em sociedade. Daí a vinculação ao que foi decidido, bem como a insusceptibilidade de o tribunal voltar a pronunciar-se sobre o objecto da decisão proferida.

III - A noção de caso julgado pressupõe, de acordo com o disposto no artigo 580º nº 1 do CPC, a repetição de uma causa, depois de a primeira ter sido já decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, ou seja, transitada em julgado.

IV - A finalidade do caso julgado é a de evitar que, em novo processo, o juiz possa validamente estatuir, de modo diverso, sobre o direito, situação ou posição jurídicas concretas definidas por uma anterior decisão, com desconhecimento dos bens jurídicos por ela reconhecidos e tutelados.

V - O caso julgado visa, pois, obstar a decisões concretamente incompatíveis e tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior – cf. art. 580º, nº 2 do CPC.

VI - Sendo a finalidade prosseguida pelo instituto do caso julgado uma finalidade de certeza, segurança, paz social, prevenção de litígios futuros, quanto maior for a extensão do caso julgado proveniente de certo processo, tanto maior é o rendimento do mesmo processo em certeza, segurança, etc… Aumentando o domínio da indiscutibilidade, diminui o da litigiosidade.

VII - Na essência, caracteriza-se por conferir força e total eficácia à definição já antes dada à relação controvertida, impondo a todos os tribunais quando lhes seja submetida a mesma relação o dever de acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão e de modo absoluto, com vista não só à realização do direito objectivo ou à actuação dos direitos subjectivos privados correspondentes.

VIII - O «caso julgado material» torna indiscutível, nos termos do artigo 619º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, a situação fixada na sentença transitada (res judicata pro veritate habetur), ficando a decisão sobre a relação material controvertida a ter força obrigatória dentro e fora do processo, nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, isto sem prejuízo de revisão extraordinária, ao abrigo dos artigos 696º a 702º, todos do Cód. Proc. Civil.

IX - Não pode haver dois acórdãos incompatíveis, o recorrido, (de12.04.2018) a pugnar pela existência de um título executivo contra o executado e pelo prosseguimento da execução e o anterior, (de 23.04.2013) transitado em julgado, a dizer que a execução não pode prosseguir contra o executado.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I - RELATÓRIO


No Juízo de Execução da Comarca de …, o Ministério Público, como exequente e em representação da Estado, instaurou em 27/04/2017, contra o executado AA, acção executiva para pagamento de quantia certa, com forma de processo comum sumário, reclamando o pagamento da quantia de € 17.679,35.

No requerimento executivo indicou:

“´Titulo Executivo: Sentença condenatória Judicial.”

“Valor da execução: 17.679,35.”

“Factos: os factos constam exclusivamente do título executivo”.

Com o requerimento executivo junta, pela ordem que se indica, certidão, com nota de trânsito, de um acórdão da Relação de … de 24.02.2015 (processo nº 1060/09.4TBFIG-B.C1), de uma sentença de 18.10.2011 (processo nº 1060/09.4TBFIG), do 1º Juízo do então Tribunal Judicial da Comarca da …, e de um acórdão da Relação de … de 23.04.2013 (processo nº 1060/09.4TBFIG-A.C1).


Por acórdão da Relação de … de 24.02.2015, foi confirmada a sentença recorrida que julgou totalmente improcedente a reclamação de créditos deduzida por AA, sobre a herança de BB.


Por sentença proferida em 18.10.2011, foi julgada a acção intentada pelo Ministério Público totalmente procedente e:

a) Foi declarado que inexistem herdeiros legítimos, legitimários e testamentários que sucedam hereditariamente a BB, falecida em 11 de Setembro de 2007, com última residência na Rua …, nº …, freguesia de …, concelho da Figueira da Foz.

b) Foi declarada vaga para o Estado a herança de BB constituída pelo acervo hereditário descrito em 5.2.1.1.”.

Em execução daquela sentença, foi proferido despacho em 07.12.2011 que, além do mais, ordenou a notificação pessoal de AA para, no prazo de 10 dias, “restituir à massa da herança a quantia global de € 17.679,35, sob pena da sua respectiva cobrança coerciva e de responsabilidade criminal, por crime de abuso de confiança agravado (artigo 205º nº 4 alª a) do CPP) – Cfr fls 25 vº.



 AA interpôs recurso daquele despacho e o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 23.04.2013, julgou procedente a apelação e revogou aquele despacho e a decisão nele contida.


Por despacho de 01 de Junho de 2017 foi liminarmente indeferido o requerimento executivo, nos termos do artigo 726º nº 2 do Código de Processo Civil, com o fundamento de que é manifesta a falta do título executivo, pois “ é patente que as decisões judiciais apresentadas como títulos executivos não condenam o executado no pagamento de qualquer quantia pecuniária, nomeadamente no pagamento dos €17.679,35 cuja cobrança coactiva é pretendida”.


O Ministério Público recorreu daquele despacho, pedindo a sua revogação e o prosseguimento da execução e o executado contra-alegou, pedindo a confirmação do supra mencionado despacho de indeferimento liminar.


Por acórdão da Relação de … de 12.04.2018 foi revogado o despacho de 01.06.2017, substituindo-se o mesmo por outro que ordene o prosseguimento da execução.


Não se conformando com aquele acórdão, invocando o disposto no artigo 629º nº 2 alª a) do Código de Processo Civil (ofensa de caso julgado), o executado recorreu de revista, tendo formulado as seguintes

CONCLUSÕES:

A) A presente execução é instaurada com base em decisões proferidas no âmbito do Processo de Herança Jacente n° 1060/09.4TBFIG que correu termos no Juízo Local Cível da … (J 1) e as únicas decisões que ficaram a subsistir da litigância desse processo e após diversos recursos foram:

a) A sentença de 18/10/2011, na qual se decidiu declarar-se vaga para o Estado a herança de BB constituída pelo acervo hereditário descrito em 5.2.1.1.”.

b) O acórdão da Relação de … de 23/4/2013, que revogou o despacho de 7/12/2011, o qual, aparentemente em execução desta sentença e com ela relacionada, na sequência de promoção do Mº Pº nesse sentido, havia determinado a notificação do ora recorrente para “restituir à massa da herança a quantia de €17.679,35, sob pena da sua respectiva cobrança coerciva e de responsabilidade criminal, por crime de abuso de confiança agravado (artigo 205º, nº 4, alínea a), do Código Penal)”.

B) Notificado deste despacho, o ora recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, o qual por acórdão de 23/4/2013, proferido no processo de APELAÇÃO n° 1060/09.4TBFIG-A.C1, revogou este despacho e a decisão nele contida e, pelo respectivo relator, foi feito o sumário da decisão nestes termos:

I – No processo especial de liquidação da herança vaga em benefício do Estado, regulado nos artºs 1132º a 1134º do CPC, podem surpreender-se duas fases distintas e sequenciais: uma, primeira, de natureza declarativa e outra, segunda, de natureza executiva.

II – Na primeira prevêem-se os actos e diligências processuais atinentes à declaração da herança vaga para o Estado, com vista à sucessão deste, na sua qualidade de herdeiro legítimo [artºs 2132º, 2133º, nº 1, al. e) e 2152º a 2155º, todos do Cód. Civil].

III – Na segunda regulam-se as operações da liquidação da herança já declarada vaga a favor do Estado – essencialmente traduzidas na cobrança dos créditos (dívidas activas), na venda judicial dos bens e na satisfação do passivo – por forma a que ao Estado seja adjudicado o remanescente.

IV – As duas referidas fases não se interpenetram ou sobrepõem, só fazendo sentido entrar na fase executiva depois de encerrada a fase declarativa.

V – É prematura e, por isso, não produz efeitos – não dispensando a oportuna repetição – a citação edital dos credores desconhecidos, nos termos do artº 1134º, nº 1 do CPC, feita antes de encerrada a fase declarativa, isto é, antes de a herança ter sido declarada vaga para o Estado.

VI – Não é o processo especial de liquidação da herança vaga em benefício do Estado o meio e o lugar próprios para ser feita a cobrança coerciva de dívidas activas da herança.

C) Verifica-se assim que nenhuma das referidas decisões decidiu que o ora recorrente deve-se pagar fosse o que fosse ao Estado, ou, mais exactamente, a única decisão que o fez – o despacho de 7/12/2011 – foi revogado por ilegal.

D) O Acórdão ora recorrido viola os casos julgados formados pelas decisões de 18/10/2011 (sentença transitada em julgado) e pelo acórdão da Relação de Coimbra de 23/4/2013, que revogou a sentença que intimara o ora recorrente a pagar a quantia que agora é dada à execução, pelo que o presente recurso é admissível nos termos do artº. 629º., nº. 2, al. a) do Cod. Proc. Civil, com fundamento na ofensa de caso julgado.

E) Para demonstrar que a quantia ora reclamada na execução, não é devida, juntou o ora recorrente com as suas contra-alegações o acórdão criminal do Tribunal da Comarca de Coimbra – Instância Central – Secção Criminal – J1, proferido nos autos de Processo Comum 746/11.8TAFIG, proferido em 4 de Maio de 2015, em que foi decidido que o ora recorrente fosse absolvido, juntamente com sua esposa, dos crimes de abuso de confiança agravado – o tal de que já havia sido ameaçado - e de branqueamento de que vinham acusados e relativos a diversos levantamentos feitos por si a partir da referida conta, como se alcança de cópia desse acórdão que se junta com a informação adicional de que transitou em julgado no dia 9 de Junho de 2015, mas tal documento não foi admitido pelo acórdão recorrido.

F) Fundou-se o acórdão recorrido no facto de que “tal documento não passa de uma mera cópia que não se encontra certificada, e nomeadamente quanto ao facto de tal acórdão ter ou não de transitado em julgado, e, por outro, dado que objecto do recurso tem a ver exclusivamente com a questão de saber se a sentença civil, adiante identificada, em que o exequente finda a execução está ou não dotada de força de executiva, decide-se, por manifestamente irrelevante, não admitir tal documento, devendo, em consequência, ser oportunamente desentranhado dos autos e devolver-se ao executado”.

G) Ora, legalmente impõe-se ao tribunal que notifique a parte para apresentar um documento em termos formais com os requisitos ali exigidos, ao abrigo do princípio da cooperação consagrado no artº. 7º. do Cod. Proc. Civil, pelo que deve ser revogado nessa parte o acórdão recorrido e notificada a parte para apresentar documento com os requisitos formais que o tribunal exige.

H) Mas também não pode deixar de merecer censura a circunstância de se considerar irrelevante esse documento, atento o disposto no artº. 624º., nº.1 do Cod. Proc. Civil, no qual se determina que: 1 - A decisão penal, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui, em quaisquer acções de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário; 2 - A presunção referida no número anterior prevalece sobre quaisquer presunções de culpa estabelecidas na lei civil.

I) Ora, com base nesse documento, fica estabelecida a favor do ora recorrente uma presunção legal de que não tem de restituir a quantia reclamada na presente execução, pois a quantia cuja devolução à herança é exigida corresponde aos levantamentos feitos pelo ora recorrente na conta de depósitos à ordem com o nº. 017…00, balcão de Buarcos da Caixa Geral de Depósitos.

J) É que, com se referiu, nos termos do citado acórdão do Tribunal da Comarca de … – Instância Central – Secção Criminal – J1, proferido nos autos de Processo Comum 746/11.8TAFIG, proferido em 4 de Maio de 2015, foi o ora recorrido absolvido, juntamente com sua esposa, dos crimes de abuso de confiança agravado – o tal de que já havia sido ameaçado – e de branqueamento de que vinham acusados e relativos a diversos levantamentos feitos por si a partir da referida conta, como se alcança de cópia desse acórdão que se junta com a informação adicional de que transitou em julgado no dia 9 de Junho de 2015

K) Por isso, todo o dinheiro existente nessa conta de depósitos à ordem com o nº. 017…00, balcão de … da Caixa Geral de Depósitos era dinheiro que pertencera a sua tia, mas que esta doara ao recorrente, sendo certo que essa conta foi criada para receber esse dinheiro, funcionando como pivot das restantes aplicações feita pelo ora requerente.

L) A parte das quantias de que se requer a devolução, mais exactamente as que foram levantadas pelos cheques emitidos em 10 e 11 de Setembro de 2007 – véspera e dia do falecimento de D. BB – também são expressamente referidas no douto acórdão de que ora se junta cópias, como fazendo parte dos dinheiros que foram dados pela sua tia ao ora recorrente.

M) O acórdão absolutório do ora recorrente e porque se pronunciou sobre a relação material concreta da doação do dinheiro existente ou o que passou pela conta de depósitos à ordem com o nº. 017…00, balcão de … da Caixa Geral de Depósitos, ao ora requerente por D. BB tem efeito de caso julgado material, nos termos e com os efeitos que lhe fixar para a acção cível o Código de Processo Civil, ou seja, o artº 624º desse diploma legal.

N) Por isso, o referido acórdão é muito relevante para a decisão dos presentes autos, pelo que deve ser revogado nessa parte o acórdão recorrido e mantido nos presentes autos o mencionado documento, sem prejuízo, se assim for entendido, de o ora recorrente apresentar um documento em certidão e com menção do trânsito em julgado.

O) O presente recurso baseia-se exclusivamente na consideração ou não como sentença condenatória da sentença de 18/10/2011, que foi proferida no processo de declaração de herança vaga a favor do Estado, que com o nº. 1060/09.4TBFIG, que correu termos pelo 1º. Juízo do extinto Tribunal da Comarca da ….

P) Nos termos do artº. 703º., nº 1 do Cod. Proc. Civil actual, quando conjugado com o disposto no artº. 705º., ainda do CPC, resulta determinado que as sentenças meramente declarativas – ou seja, as que se limitam a unicamente a declarar a existência ou inexistência de um direito ou de um facto - e as sentenças constitutivas – ou seja, as que autorizam uma mudança na ordem jurídica existente – não podem servir de base a execuções, pois a lei restringe essa possibilidade às sentenças condenatórias.

Q) Da doutrina e da jurisprudência citada nas presentes alegações, é assim evidente que só assume a natureza de sentença condenatória a decisão judicial (sentença, despacho ou acórdão) que expressamente determina o comportamento que se exige à pessoa que foi demandada (ainda que por via reconvencional).

R) O acórdão recorrido na falta de decisão expressa apelou ao conceito de decisão implícita por, na sentença de 18/10/2011, se elencar, entre os bens da herança, a mencionada conta de depósitos à ordem com o nº. 017…00, balcão de … da Caixa Geral de Depósitos e o seu saldo, mas, quando se quis dar andamento a essa interpretação, pelo despacho de 7/12/2011, tal despacho foi revogado pelo acórdão da Relação de … de 23/4/2013.

S) O elenco dos bens que constituem a herança não foi objecto de contraditório, pois que, como consta da sentença certificada nos presentes autos, foram citados editalmente “quaisquer interessados incertos para deduzirem a sua habilitação nos termos do artigo 1132.°, n.º 1 do C.P.C., não tendo sido deduzida qualquer habilitação (cfr. fls. 76, 79 a 81 e 88)” e foram citados editalmente “os credores desconhecidos nos termos do artigo 1134.º, n.° 1 do CP.C. (cfr. fls. 88).

T) É assim evidente que só assume a natureza de sentença condenatória a decisão judicial (sentença, despacho ou acórdão) que expressamente determina o comportamento que se exige à pessoa que foi demandada (ainda que por via reconvencional e a sentença dada à execução não contém qualquer disposição, expressa ou implícita, que permita uma execução contra o ora recorrente.

U) Ora, como bem refere o despacho de indeferimento liminar, a única sentença que pode interessar aos presentes autos é a que foi proferida em 18/10/2011, que se limitou a “declarar vaga para o Estado a herança de BB constituída pelo acervo hereditário descrito em 5.2.1.1.”.

V) A mera sentença declarativa não pode ser título executivo, como doutamente decidiu o despacho recorrido.

X) Não obsta ao que se deixa dito, o facto de o ora recorrente ouvido nos mencionados autos ter declarado que o dinheiro daquela conta era exclusivamente da falecida BB, o que era a mais pura das verdades.

Y) Porém, como consta do acórdão criminal que o acórdão ora recorrido afastou ilegalmente dos presentes autos, nomeadamente da discussão dele constante e acima transcrita, o dinheiro que consta dessa conta foi dado pela sua dona ao ora recorrente, pelo que, à data da sua morte já não fazia parte do acervo hereditário.

Z) Face ao exposto, existe uma presunção iuris tantum de que o ora requerente é o dono do dinheiro que levantou da conta de depósitos à ordem com o nº. 017…00, balcão de … da Caixa Geral de Depósitos, por ter sido dado ao ora requerente por D. BB e, por isso, não tem o ora recorrido a obrigação de devolução de qualquer dinheiro ao Estado, pois o mesmo Estado, representado pelo Ministério Público, já sabe que todo o dinheiro que existe naquela conta é do ora requerente tendo essa conta sido aberta propositadamente para o receber.

AA) Consequentemente, inexiste título executivo que suporte a presente execução.

BB) O acórdão ora recorrido é manifestamente ILEGAL, na parte em que mandou desentranhar o acórdão criminal junto pelo ora recorrente, por razões formais, que não mandou suprir e por irrelevância que não existe, violando o disposto, pelo menos, dos artigos 7º. e 264º., ambos do Cod. Proc. Civil.

CC) O acórdão ora recorrido é manifestamente ILEGAL, por considerar implícito na decisão de declaração de estar vaga a favor do Estado uma herança, o simples elencar de bens, elenco esse que não foi objecto de contraditório com terceiros, não herdeiros, os quais até têm a seu favor uma presunção legal, tudo em violação do disposto nos artº. 3º. e 624º do Cod. Proc. Civil.

DD) O acórdão ora recorrido é manifestamente ILEGAL, por fim, por considerar a existência de um título executivo, em oposição à lei, em especial ao disposto no artº. 703º., nº. 1, al. a) do CPC e à interpretação que unanimemente fazem dessa norma a doutrina e a jurisprudência.

EE) Com fundamento na violação das disposições legais citadas nas conclusões anteriores, deve ser revogado o acórdão recorrido e confirmado o despacho de indeferimento liminar, por este estar conforme à lei e à Justiça.


Notificado das alegações do recurso de revista, o Ministério Público não contra-alegou.


Colhidos os vistos, cumpre decidir.


II -FUNDAMENTAÇÃO


A) Fundamentação de facto

A matéria de facto a considerar é a que resulta do relatório que antecede.


B) Fundamentação de direito


A questão colocada e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, consiste em saber, pela invocação do disposto no artigo 629º nº 2 alª a) daquele código, se houve ofensa de caso julgado.


A revista tem por fundamento a «ofensa de caso julgado», pelo que se impõe verificar, se ocorre essa condição de admissibilidade do recurso, através da via «atípica» prevista na alínea a) do nº 2 do artigo 629º do Cód. Proc. Civil.


Cumpre decidir.

Para tal, importa considerar que “a admissibilidade excepcional do recurso não abarca todas as decisões que incidam sobre a excepção dilatória de caso julgado, mas apenas aquelas de que alegadamente resulte a “ofensa” do caso julgado já constituído, efeito que tanto pode emergir da assunção expressa de que a decisão recorrida não representa a violação de caso julgado, como do facto de ser proferida decisão sem consideração (ofensa implícita) do caso julgado anteriormente formado.

Estão, por isso, excluídas desta previsão especial as situações em que o juiz afirme a existência da excepção de caso julgado, ou se assumam os efeitos da autoridade de caso julgado emergente de outra decisão. Efectivamente, nestes casos não se verifica qualquer violação do caso julgado, antes a prevalência de outra decisão já transitada em julgado, situação que fica sujeita às regras gerais sobre a recorribilidade (artº 629º nº 1) e oportunidade da impugnação (artºs 644º e 671º)”[1].


Com o caso julgado, visa-se assegurar a certeza do direito e a segurança jurídica indispensáveis à vida em sociedade. Daí a vinculação ao que foi decidido, bem como a insusceptibilidade de o Tribunal voltar a pronunciar-se sobre o objecto da decisão proferida[2].

Efectivamente, na óptica de salvaguarda do instituto, é totalmente coerente que se admita sempre o recurso quando o caso julgado seja desrespeitado numa decisão, mas já não quando esse mesmo caso julgado tenha sido respeitado nessa mesma decisão. A anomalia não reside em os tribunais respeitarem o caso julgado, mas antes no desrespeito do caso julgado pelos tribunais. O que se espera – e o que pode ser considerado normal – é que os tribunais respeitem os casos julgados de decisões anteriores e, nessa perspectiva, o que interessa é assegurar sempre a possibilidade de reacção contra o anómalo, não contra o normal, este sim condicionado às regras gerais sobre a recorribilidade[3].

A noção de caso julgado pressupõe, de acordo com o disposto no artigo 580º nº 1 do CPC, a repetição de uma causa, depois de a primeira ter sido já decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, ou seja, transitada em julgado.

A este propósito, de acordo com a lei, considera-se repetida a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir - artigo 581º do CPC.

Os conceitos de sujeitos, pedido e causa de pedir encontram-se plasmados nesse dispositivo legal, conforme resulta do artigo 498º CPC, exigindo esta norma como requisitos legais do caso julgado a coexistência de uma tríplice identidade: a identidade de sujeitos, do pedido e da causa de pedir.

Entendemos que tal identidade deve ser apreciada em concreto e cumulativamente, devendo, para o efeito, atender-se:

a) À identidade dos sujeitosmatéria na qual não se vislumbra, regra geral, dificuldades de maior, dando a lei por verificada tal identidade sempre que se constate que as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.

b) À identidade do pedido devendo ter-se presente que a lei enuncia a existência dessa identidade quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.

Esclarecendo esta asserção refere Teixeira de Sousa que:

«O pedido individualiza-se por dois elementos: um elemento material, que é a pretensão processual e que lhe fornece o conteúdo; um elemento funcional, que é a forma de tutela jurídica pretendida e que lhe atribui a função. Assim, são pedidos distintos não só os que comportam diferentes pretensões processuais, como os que possuem diversa função processual. Deste modo, o pedido pode ser definido como a função processual requerida para uma individualizada pretensão processual» [4].

Por sua vez, Manuel de Andrade ensina que «os limites dentro dos quais opera a força do caso julgado são traçados pelos elementos identificativos da ac­ção em que foi proferida a sentença: as partes, o pedido e a causa de pedir. Mais rigorosamente se dirá que são traçados pelos elementos identificadores da relação ou si­tuação ju­rídica substancial definida pela sentença: os su­jeitos, o objecto e a fonte ou título constitutivo».[5]

Para o mesmo Autor o “pedido é a enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendida pelo autor" e a causa de pedir “é o acto ou facto jurídico (documento, contrato, testamento, facto ilícito, etc.) donde o autor pretende ter derivado o direito a tutelar; o acto ou facto jurídico que ele aduz como título aquisitivo desse direito”[6].

c) Temos por fim a identidade da causa de pedir. Essa identidade existe quando a pretensão deduzida nas duas acções proceda do mesmo facto jurídico concreto – simples ou complexo – que é invocado pelo autor como fundamento da sua pretensão deduzida em juízo.

Isto é: o facto ou conjunto de factos concretos articulados pelo autor e dos quais dimanarão o efeito ou efeitos jurídicos que, através do pedido formulado, aquele pretende ver juridicamente reconhecidos.

No plano funcional ou operacional a causa de pedir é o elemento que, com o pedido, identifica a pretensão da parte e que, por isso, ajuda a decidir a procedência desta (mediante a prévia averiguação da sua existência, da sua validade, da sua eficácia, etc.).

Constitui, assim, um elemento definidor do objecto da acção[7].

A nossa lei consagra a teoria da substanciação, segundo a qual o objecto da acção é o pedido, definido através de certa causa de pedir, que se reconduz aos factos de onde emerge o direito do autor[8].

A causa de pedir tem, portanto, de ser concretizada ou determinada, consistindo em factos ou circunstâncias concretas e individualizadas, não carecendo forçosamente de ser qualificada juridicamente - embora o deva ser - bastando ao autor narrar factos, cabendo ao julgador a respectiva e necessária qualificação jurídica.

Há ainda que realçar a finalidade deste instituto jurídico:

- A de, através do instituto do caso julgado, se evitar que, em novo processo, o juiz possa validamente estatuir, de modo diverso, sobre o direito, situação ou posição jurídicas concretas definidas por uma anterior decisão, com desconhecimento dos bens jurídicos por ela reconhecidos e tutelados.

O caso julgado visa, pois, obstar a decisões concretamente incompatíveis e tem por fim evitar que o Tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior – cf. art. 580º, nº 2 do CPC.

No caso dos autos, a presente execução é instaurada com base em decisões proferidas no âmbito do Processo de Herança Jacente n° 1060/09.4TBFIG que correu termos no Juízo Local Cível da Figueira da Foz (J 1).

Como bem refere o recorrente, as únicas decisões que ficaram a subsistir da litigância desse processo e após diversos recursos foram:


I - A sentença de 18.10.2011, proferida no processo 1060/09.4TBFIG (fls 11 a 23).

Nessa acção intentada pelo Ministério Público, foi pedido que seja declarada vaga a favor do Estado a herança de BB, falecida em 11.09.2007. Pediu ainda que se proceda a liquidação do acervo hereditário da falecida BB.

Alegou que a mesma faleceu sem ter deixado descendentes, ascendentes ou outros parentes sucessíveis e testamento ou qualquer outra disposição de última vontade.


Aquela sentença julgou a acção totalmente procedente e:

a) Foi declarado que inexistem herdeiros legítimos, legitimários e testamentários que sucedam hereditariamente a BB, falecida em 11 de Setembro de 2007, com última residência na Rua …, nº …, freguesia de …, concelho da Figueira da Foz.

b) Foi declarada vaga para o Estado a herança de BB constituída pelo acervo hereditário descrito em 5.2.1.1.”.


Na sequência dessa sentença e ao abrigo do disposto no artigo 1134º nº 1 do CPC então em vigor (actual artº 940º), AA veio reclamar créditos, tendo a respectiva acção sido julgada improcedente, não se julgando verificado o crédito reclamado sobre a herança de BB. O reclamante interpôs recurso de apelação, que foi julgado improcedente por acórdão da Relação de … de 24.02.2015.


Em execução daquela sentença, foi proferido despacho em 07.12.2011 que, além do mais, ordenou a notificação pessoal de AA para, no prazo de 10 dias, “restituir à massa da herança a quantia global de € 17.679,35, sob pena da sua respectiva cobrança coerciva e de responsabilidade criminal, por crime de abuso de confiança agravado (artigo 205º nº 4 alª a) do CP) – Cfr fls 25 vº.


Por sentença proferida em 04.05.2015 no processo crime 746/11.8TAFIG (fls 75 a 85), transitada em julgado a 09.06.2015, o arguido e sua esposa CC foram absolvidos do crime de abuso de confiança na forma continuada e do crime de branqueamento.

Atento o disposto no artigo 624º nº1 do CPC, no qual se determina que:

1 - A decisão penal, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui, em quaisquer acções de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário.

2 - A presunção referida no número anterior prevalece sobre quaisquer presunções de culpa estabelecidas na lei civil.

Como bem refere o ora recorrente, com base nesse documento, fica estabelecida a favor do recorrente uma presunção legal de que não tem de restituir a quantia reclamada na presente execução.

Com efeito, a quantia cuja devolução à herança é exigida corresponde aos levantamentos feitos pelo ora recorrente na conta de depósitos à ordem com o nº. 017…00, balcão de … da Caixa Geral de Depósitos.

Nessa sentença crime absolutória ( fls 82 e vº) escreveu-se lapidarmente o seguinte:

Em súmula, o arguido AA, corroborado pela sua esposa, refere que após o falecimento do coronel seu tio, a esposa deste, passou a viver grande parte do tempo em sua casa, na …e que após ter sido enganada pelo coronel DD, o qual, após o falecimento do seu tio, passou a ser quem tratava dos negócios de BB, o passou a fazer de forma permanente, tendo nessa altura tomado a iniciativa de doar todo o dinheiro que tinha ao arguido AA. Refere que na sequência de tal decisão da sua tia, efectuou diversas operações bancárias e que manteve sempre a tia como titular de tais contas, por consideração por esta, sabendo que ficava encarregue de fazer todos os pagamentos inerentes aos cuidados da sua tia, mas  também que aquele dinheiro lhe pertencia, na sequência da doação feita por esta e que também já havia sido manifestada pelo seu tio, em vida deste, por saber que os arguidos eram os familiares mais próximos e que certamente ficariam a tomar conta da esposa, na velhice desta. E foi precisamente isso que aconteceu e que foi confirmado pela restante prova testemunhal. A tia dos arguidos passou a viver em permanência em casa dos arguidos, sendo estes que tratavam de todos os assuntos inerentes aos “dinheiros”, tendo o arguido efectuado algumas operações bancárias de rentabilização do dinheiro, também numa clara assunção de que agia perante o dinheiro como uti dominus, dispondo do mesmo e da sua rentabilidade como se tosse seu, tendo razões para assim o considerar. Por outro lado, não resulta minimamente demonstrado que o arguido tenha engendrado qualquer esquema para fazer desaparecer o dinheiro, o mesmo manteve-se sempre no sistema bancário português, titulado por contas do próprio, pelo que, também por aqui, não se vislumbra que o arguido tenha actuado por forma a esconder a existência ou a proveniência de tal dinheiro, como facilmente se percebe do modo como tais operações surgem retratadas nos elementos bancários coligidos. Também é evidente que se o arguido AA pretendesse que se perdesse o rasto a tais valores teria procedido a levantamentos em numerário, retirando-os do circuito bancário português, como muitas vezes acontece relativamente a dinheiro proveniente de actividade ilícita. Por último e relativamente à movimentação bancária ocorrida nos dias que antecederam a morte da tia dos arguidos, os mesmos são compreensíveis, nos termos que o arguido acabou por admitir, uma vez que pretendia eximir-se a eventuais obrigações fiscais dai decorrentes ou a que se considerasse que os montantes existentes nas contas cotituladas não lhe pertenciam por inteiro, como ele considerava”.


Por isso, e ainda na senda das alegações do recorrente, “todo o dinheiro existente nessa conta de depósitos à ordem com o nº. 017…00, balcão de … da Caixa Geral de Depósitos era dinheiro que pertencera a sua tia, mas que esta doara ao recorrente, sendo certo que essa conta foi criada para receber esse dinheiro, funcionando como pivot das restantes aplicações feita pelo ora requerente. Acresce que, parte das quantias de que se requer a devolução, mais exactamente as que foram levantadas pelos cheques emitidos em 10 e 11 de Setembro de 2007 – véspera e dia do falecimento de D. BB – também são expressamente referidas no douto acórdão de que ora se junta cópias, como fazendo parte dos dinheiros que foram dados pela sua tia ao ora recorrente.

Deste modo, o acórdão absolutório do ora recorrente e porque se pronunciou sobre a relação material concreta da doação do dinheiro existente ou o que passou pela conta de depósitos à ordem com o nº. 017…00, balcão de … da Caixa Geral de Depósitos, ao ora requerente por D. BB tem efeito de caso julgado material, nos termos e com os efeitos que lhe fixar para a acção cível o Código de Processo Civil, ou seja, o artº 624º desse diploma legal”.


II – O acórdão da Relação de … de 23.04.2013, proferido no processo 1060/09.4TBFIG-A.C1 (fls 11 a 23).

Notificado do despacho de 07.12.2011, o ora recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Relação de …, o qual por acórdão de 23.4.2013, proferido no processo n° 1060/09.4TBFIG-A.C1, revogou este despacho e a decisão nele contida encontrando-se o mesmo assim sumariado:

“I – No processo especial de liquidação da herança vaga em benefício do Estado, regulado nos artºs 1132º a 1134º do CPC, podem surpreender-se duas fases distintas e sequenciais: uma, primeira, de natureza declarativa e outra, segunda, de natureza executiva.

II – Na primeira prevêem-se os actos e diligências processuais atinentes à declaração da herança vaga para o Estado, com vista à sucessão deste, na sua qualidade de herdeiro legítimo [artºs 2132º, 2133º, nº 1, al. e) e 2152º a 2155º, todos do Cód. Civil].

III – Na segunda regulam-se as operações da liquidação da herança já declarada vaga a favor do Estado – essencialmente traduzidas na cobrança dos créditos (dívidas activas), na venda judicial dos bens e na satisfação do passivo – por forma a que ao Estado seja adjudicado o remanescente.

IV – As duas referidas fases não se interpenetram ou sobrepõem, só fazendo sentido entrar na fase executiva depois de encerrada a fase declarativa.

V – É prematura e, por isso, não produz efeitos – não dispensando a oportuna repetição – a citação edital dos credores desconhecidos, nos termos do artº 1134º, nº 1 do CPC, feita antes de encerrada a fase declarativa, isto é, antes de a herança ter sido declarada vaga para o

Estado.

VI – Não é o processo especial de liquidação da herança vaga em benefício do Estado o meio e o lugar próprios para ser feita a cobrança coerciva de dívidas activas da herança”.


Assim, temos:

· No acórdão recorrido, proferido em 12.04.2018, foi revogado o despacho de indeferimento liminar da execução, proferido em 01.06.2017, substituindo-se o mesmo por outro que ordene o prosseguimento da execução, entendendo-se que a sentença de 18.10.2011, proferida no processo 1060/09, constitui título executivo.

Como já se referiu, naquele despacho foi “ liminarmente indeferido o requerimento executivo, nos termos do artigo 726º nº 2 do Código de Processo Civil, com o fundamento de que é manifesta a falta do título executivo, pois “ é patente que as decisões judiciais apresentadas como títulos executivos não condenam o executado no pagamento de qualquer quantia pecuniária, nomeadamente no pagamento dos €17.679,35 cuja cobrança coactiva é pretendida”.

· O acórdão de 23.04.2013 revogou o despacho de 07.12.2011 e a decisão nele contida que, na sequência da sentença de 18.10.2011, além do mais, ordenou a notificação pessoal de AA para, no prazo de 10 dias, “restituir à massa da herança a quantia global de € 17.679,35, sob pena da sua respectiva cobrança coerciva e de responsabilidade criminal, por crime de abuso de confiança agravado (artigo 205º nº 4 alª a) do Código Penal).

Nesse acórdão de 23.04.2013 entendeu-se que, “ não é o processo especial previsto nos artigos 1132º a 1134º[9] o indicado para nele o Ministério Público diligenciar judicialmente pela cobrança coerciva das dívidas activas da herança, a qual passa pela propositura, no tribunal competente, das acções adequadas a tal finalidade. Com efeito, os eventuais devedores da herança - que não são nem, nessa qualidade, podem ser partes na acção especial dos artigos 1132º a 1134º - caso não paguem voluntariamente as dívidas, têm de ser judicialmente condenados em acções contra si intentadas, onde possam defender-se plenamente”.


Ora, no caso dos autos, o acórdão que se pretende impugnar (12.04.2018), bem como a decisão da 1ª instância que revogou (01.06.2017), não respeitou, segundo alega o recorrente, o caso julgado anterior constituído no acórdão de 23.04.2013, no âmbito do qual teria sido já decidido revogar a decisão de 07.12.2011, que intimou o recorrente a pagar a quantia de € 17.679,35, que agora é dada à execução.


Deste modo, foi aberta a porta de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, através da via «atípica» prevista na alínea a) do nº 2 do artigo 629º do Cód. Proc. Civil, havendo, assim, que decidir se, afinal, há ou não caso julgado material, por incidir sobre a própria relação material controvertida, ou seja, sobre os direitos substantivos litigados.


“ Sendo a finalidade prosseguida pelo instituto do caso julgado uma finalidade de certeza, segurança, paz social, prevenção de litígios futuros, quanto maior for a extensão do caso julgado proveniente de certo processo, tanto maior é o rendimento do mesmo processo em certeza, segurança, etc… Aumentando o domínio da indiscutibilidade, diminui o da litigiosidade[10].

Na essência, caracteriza-se por conferir força e total eficácia à definição já antes dada à relação controvertida, impondo a todos os tribunais quando lhes seja submetida a mesma relação o dever de acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão e de modo absoluto, com vista não só à realização do direito objectivo ou à actuação dos direitos subjectivos privados correspondentes[11]. Quer dizer, o «caso julgado material» torna indiscutível, nos termos do artigo 619º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, a situação fixada na sentença transitada (res judicata pro veritate habetur), ficando a decisão sobre a relação material controvertida a ter força obrigatória dentro e fora do processo, nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, isto sem prejuízo de revisão extraordinária, ao abrigo dos artigos 696º a 702º, todos do Cód. Proc. Civil.


Como consequência disso, o acórdão de 12.04.2018 que revoga o despacho de 01.06.2017 e ordena o prosseguimento da execução no montante de € 17.679,35, viola o caso julgado formado pelo acórdão de 23.04.2013, que revogou a decisão de 07.12.2011, que intimara o recorrente a pagar a quantia de € 17.679,35, que agora é dada à execução.


Uma outra achega se nos afigura relevante e que diz respeito à inexistência do título executivo, questão jurídica fulcral e que foi o motor de todo este processo.

 Nos termos do artigo 703º nº1 do NCPC:

1 - À execução apenas podem servir de base:

a) As sentenças condenatórias;

(…).

O artigo 705º nº 1 do mesmo CPC determina que:

1 - São equiparados às sentenças, sob o ponto de vista da força executiva, os despachos e quaisquer outras decisões ou actos da autoridade judicial que condenem no cumprimento duma obrigação.


Ora, a sentença dada à execução não contém qualquer disposição que permita uma execução contra o recorrente; a mesma não decidiu que o ora recorrente devesse pagar fosse o que fosse ao Estado. Mais concretamente, a única decisão que o fez – o despacho de 7.12.2011 – foi revogado pelo acórdão de 23.04.2013.

 Por isso, inexiste qualquer título executivo que suporte a presente execução.


Não podemos, pois, ter dois acórdãos incompatíveis, o recorrido, (de12.04.2018) a pugnar pela existência de um título executivo contra o executado e pelo prosseguimento da execução e o anterior, (de 23.04.2013) transitado em julgado, a dizer que a execução não pode prosseguir contra o executado.



Deste modo, havendo ofensa de caso julgado, não pode prosseguir a execução, devendo o acórdão recorrido ser revogado, confirmando-se o despacho de indeferimento liminar de 01.06.2017.


III - DECISÃO

Atento o exposto, concede-se provimento à revista e revoga-se o acórdão recorrido.

Sem custas, por delas estar isento o Ministério Público.


Anexa-se o sumário do acórdão a que se referem os artigos 663º nº 7 e 679º, ambos do Código de Processo Civil.


Lisboa, 18 de Outubro de 2018


Ilídio Sacarrão Martins (Relator)

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Olindo Geraldes

__________

[1] António Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2018, 5ª edição, págs. 50-51.
[2] Varela, Bezerra e Nora, in Manual de Processo Civil, pág. 309; e Calvão da Silva, in Estudos de Direito Civil e Processo Civil, pág. 212.
[3] Ac. STJ de 24.05.2018, Proc.º nº 2332/14.1TBALM.E1.S2, in www.dgsi.pt/jstj
[4] Cf. “Teoria do Processo Declarativo”, Coimbra Editora, 1980, págs. 156 e segts;.
[5] “Noções Elementares ao Processo Civil”, págs. 309 e segts.
[6] Ibidem, págs. 321 e 322.
[7] Cf. Antunes Varela, in RLJ., 121º, 147 e segts.
[8] Lebre de Freitas, Acção Declarativa Comum, À Luz do Código de Processo Civil de 2013, Coimbra Editora, 41-46.
[9] Actuais 938º a 940º.
[10] João de Castro Mendes, in Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, págs. 81 e 82.
[11] Ac STJ de 24.05.2018, já citado.