Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07S3385
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: PACTO DE NÃO CONCORRÊNCIA
COMPETÊNCIA MATERIAL
CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS
Nº do Documento: SJ20080213033854
Data do Acordão: 02/13/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
1.Visando a cláusula de não concorrência limitar o exercício da liberdade de trabalho do trabalhador, após a cessação do contrato de trabalho, e tendo em conta a coligação existente entre essa cláusula e a execução do próprio contrato de trabalho, é indiscutível que a alegada violação de cláusula de não concorrência configura uma questão emergente de relação de trabalho subordinado, pelo que os tribunais do trabalho são competentes para dela conhecer, nos termos do disposto na alínea b) do artigo 85.º da LOFTJ.
2.Apesar da declaração de cessação do contrato de trabalho pelo trabalhador ter reportado os seus efeitos a partir do dia 31 de Outubro de 2004, o certo é que a relação factual de trabalho cessou em 15 de Outubro de 2004, data até quando o réu exerceu as respectivas funções, sendo que a empregadora no atinente acerto de contas, a que respeita o recibo emitido com data de 13 de Outubro de 2004, processou as remunerações e descontos devidos com referência a 15 de Outubro de 2004, o que evidencia que a extinção factual do vínculo laboral em questão se concretizou nessa precisa data.
3. Assim, em 21 de Outubro de 2005, data da instauração da acção, já havia decorrido o prazo de prescrição de um ano, estando prescrito o direito que a empregadora fez valer invocando violação do dever de confidencialidade.
Decisão Texto Integral:


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Em 21 de Outubro de 2005, no Tribunal do Trabalho de Cascais, com o pedido de citação urgente, MPI – SERVIÇOS DE CONSULTADORIA, L.da, intentou acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra PB, pedindo a condenação do réu a pagar-lhe: a) € 24.939,89, a título de indemnização por violação do dever de confidencialidade, acrescidos de juros de mora à taxa legal contados desde a data da citação até integral e efectivo pagamento; b) € 15.635,10, a título de indemnização por violação do dever de não concorrência, acrescidos de juros de mora à taxa legal contados desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.

Alegou, em síntese, que o réu foi admitido ao seu serviço para exercer as funções de consultor, com a categoria de técnico de recursos humanos, com início em 4 de Junho de 2001, tendo sido estipulada uma limitação de actividade, expressa na cláusula 10.ª do contrato de trabalho, com uma duração de 12 meses; por carta de 29 de Setembro de 2004, o réu fez cessar unilateralmente o contrato de trabalho, com efeitos a partir de 31 de Outubro seguinte, sendo que, após a cessação do contrato de trabalho, constituiu uma sociedade cuja actividade é similar e concorrente com a da autora, actividade que vem desempenhando desde então, tendo contactado alguns dos candidatos que a autora havia recrutado e seleccionado, com vista a colocações através dessa empresa, agindo o réu em violação do dever de não concorrência a que o mesmo se obrigou.

Acrescenta que o réu violou ainda a obrigação de confidencialidade prevista na cláusula 8.ª do contrato de trabalho, tendo procedido, antes de rescindir o contrato, ao envio de inúmera informação confidencial da autora para os seus endereços pessoais, informação alusiva a clientes e candidatos, para além de ter impresso documentos internos e confidenciais da autora, nomeadamente listas de anúncios, documentação interna relativa a clientes e inúmeros currículos e perfis pessoais de candidatos existentes na base de dados da autora, tendo utilizado essa informação, a que teve acesso e conhecimento em virtude da relação laboral com esta, para criar, de raiz, junto com os restantes sócios da Jaeson – Consultoria em Recursos Humanos, L.da, uma extensa base de dados de clientes e candidatos da empresa que constituiu.

Assim, tendo em conta as cláusulas penais contratualmente estabelecidas, o réu é responsável pelos prejuízos causados à autora pela alegada violação dos acordos de confidencialidade e de não concorrência firmados entre as partes.

O réu contestou, por excepção, alegando a incompetência, em razão da matéria, do tribunal do trabalho para apreciar os pedidos formulados e a prescrição dos créditos reclamados pela autora, e por impugnação, aduzindo, também, que deve considerar-se nula a cláusula de não concorrência constante do contrato de trabalho e devem reduzir-se os valores constantes da cláusulas 8.ª e 10.ª, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 812.º do Código Civil.

A autora respondeu, pronunciando-se pela improcedência das excepções e pedindo a condenação do réu como litigante de má fé.

No despacho saneador, julgou-se o tribunal do trabalho incompetente em razão da matéria para conhecer do pedido constante sob a alínea b), absolvendo-se, nessa parte, o réu da instância, julgou-se procedente a excepção de prescrição quanto ao crédito peticionado na alínea a), absolvendo-se, neste segmento, o réu do pedido, e entendeu-se não haver razões para condenar as partes como litigantes de má fé.
2. Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação, que a Relação julgou procedente, revogando a decisão recorrida e julgando improcedentes a alegada excepção dilatória de incompetência material do tribunal do trabalho para conhecer do pedido de indemnização por violação do dever de não concorrência e a invocada excepção peremptória de prescrição relativa à indemnização por violação do dever de confidencialidade, determinando a prossecução dos ulteriores termos do processo.

É contra esta decisão da Relação que o réu se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as seguintes conclusões:

«A) O Tribunal da Relação de Lisboa julgou competente o Tribunal do Trabalho de Cascais para conhecer do pedido de condenação do Ré[u] por alegada violação de dever de não concorrência, constante da cláusula 10. do contrato de trabalho, com fundamento nas alíneas b) e o) do artigo 85.º da LOFTJ;
B) A competência dos Tribunais do Trabalho em matéria cível encontra-se definida nas alíneas a) a s) que integram a previsão do artigo 85.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (LOFTJ);
C) A alínea b) do artigo 85.º da LOFTJ dispõe que os Tribunais do Trabalho são competentes para apreciar das questões emergentes de relações de trabalho subordinado que surjam durante a vigência dessa relação e ainda os que surjam nos preliminares ou na formação dessa relação;
D) A alínea o) do citado Art. 85.º da LOFTJ confere aos Tribunais do Trabalho competência para conhecer de questões, estabelecidas entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho, que sejam emergentes de relações que tenham com a relação de trabalho um laço de conexão por acessoriedade, complementaridade ou dependência e desde que o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente;
E) No caso em apreço, não existe a conexão entre os pedidos, sendo, antes, tais pedidos, independentes e autónomos entre si;
F) A alegada violação do pacto de não concorrência não se enquadra em qualquer das alíneas do artigo 85.º da LOFTJ, nomeadamente das alíneas b) e o), ao contrário do que resulta do acórdão recorrido;
G) Os Tribunais do Trabalho são materialmente incompetentes para conhecer do pedido de alegada violação do dever de não concorrência;
H) O Tribunal da Relação, ao decidir como decidiu, a questão da competência material do Tribunal do Trabalho de Cascais, interpretou e aplicou incorrectamente o disposto nas alíneas b) e o) do artigo 85.º da LOFTJ;
I) O número 1 do artigo 381.º do Código do Trabalho, em cujos termos “todos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao empregador ou ao trabalhador, extinguem-se por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”, [é] plenamente aplicável ao pedido de condenação do Réu por alegada violação do dever de confidencialidade;
J) Ao contrário do que resulta do Acórdão recorrido, não resulta da sentença, nomeadamente do elenco dos factos provados, que a cessação da prestação de trabalho em 15 de Outubro, tenha resultado da iniciativa do Réu;
K) Os factos indiciam que a cessação do contrato de trabalho dos autos resultou de acordo nesse sentido, entre Autora e Réu;
L) O Recorrente deixou de exercer funções ao serviço da [Recorrida] no dia 15 de Outubro de 2004:
M) Para efeitos de determinação das importâncias devidas ao Recorrente, pela cessação do contrato de trabalho, a Recorrida procedeu ao desconto, na respectiva remuneração, da importância de 833,87 Euros, correspondente ao alegado incumprimento de 16 dias de aviso prévio, nos termos do disposto no artigo 448.º do Código do Trabalho;
N) A Recorrida pagou ao Recorrente a importância i1íquida de 866,45 Euros, correspondente a 14 dias de trabalho prestado em Outubro de 2004;
O) Em conformidade, a Recorrida apenas efectuou o pagamento da contribuição para a Segurança Social correspondente a 14 dias de trabalho prestado no referido mês de Outubro de 2004;
P) Os factos acima enunciados em L) a O) traduzem, inequivocamente, que a cessação do contrato de trabalho do Réu ocorreu em 15 de Outubro de 2004;
Q) Ainda que a cessação do contrato, em 15 de Outubro de 2004, tivesse ocorrido por iniciativa exclusiva do Réu, no que não se concede, não pode proceder a tese da Relação.
R) A estipulação no sentido de que, em caso de incumprimento do aviso prévio, o trabalhador incorre no dever de compensar o empregador, em montante correspondente ao período de aviso em falta, apenas pode significar que, ao contrário do que seria normal, o contrato não se mantém, durante o período compreendido entre a comunicação e os seus efeitos;
S) É precisamente por fazer cessar o contrato e, consequentemente, todos seus efeitos, direitos e obrigações da partes, antes do tempo “legal”, que o trabalhador fica obrigado a compensar o empregador;
T) A tese do Acórdão recorrido pressupõe que a declaração inicial do Réu Recorrente, a respeito da produção de efeitos da rescisão do contrato prevalece sobre factos posteriores que, inequivocamente, contrariam tal declaração;
U) Sem se aceitar que a cessação do contrato em 15 de Outubro de 2004 resultou em exclusivo da vontade do Réu, a verdade é que, pela sua parte, a declaração referente à produção de efeitos da rescisão do contrato foi revogada, na medida em que, efectivamente, o contrato de trabalho cessou antes daquela data — 31 de Outubro de 2004;
V) A Autora, aqui Recorrida, retirou todos os efeitos da cessação do contrato de trabalho do Ré[u], em 15 de Outubro de 2004;
W) Ao contrário do que sustenta o acórdão recorrido, nenhum dos efeitos do contrato se manteve, entre 15 e 31 de Outubro de 2004;
X) À data da entrada da presente acção — 21 de Outubro de 2005 — já havia prescrito o direito de a Autora Recorrida reclamar quaisquer alegados direitos perante o Recorrente, decorrentes do contrato de trabalho e/ou respectivas cessação e violação;
Y) Ao decidir com[o] decidiu, revogando a decisão da 1.ª Instância, o Tribunal da Relação de Lisboa interpretou e aplicou erradamente o disposto no número 1 do artigo 381.º do Código do Trabalho, enquadrando erradamente a matéria de facto dos autos;
Z) Interpretou, ainda, a Relação, erradamente, o disposto no artigo 448.º do Código do Trabalho.
AA) Pelo que, nestes termos e nos melhores de direito, deve ser revogado o Acórdão recorrido, repr[i]stinando-se, na íntegra, a sentença da 1.ª Instância.»

A autora contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.

Neste Supremo Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto pronunciou-se no sentido de que não deve ser concedida a revista, parecer que, notificado às partes, não suscitou qualquer resposta.

3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar:

Se o tribunal do trabalho é materialmente incompetente para conhecer do pedido de pagamento da quantia enunciada na alínea b) da conclusão da petição inicial, a título de indemnização por violação do dever de não concorrência [conclusões A) a H) e AA), na parte atinente, da alegação do recurso de revista];
Se à data da instauração da presente acção «já havia prescrito o direito de a autora/recorrida reclamar quaisquer alegados direitos perante o recorrente, decorrentes do contrato de trabalho e/ou respectivas cessação e violação» [conclusões I) a Z) e AA), na parte atinente, da alegação do recurso de revista].

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II

1. O tribunal recorrido deu como provada a seguinte matéria de facto:

1) Em 4 de Junho de 2001, a autora e o réu celebraram o acordo consubstanciado no documento junto a fls. 42 a 48 dos autos, clausulando conforme consta do mesmo e, nomeadamente, que:
– a autora (aí identificada por primeiro outorgante) admite ao seu serviço o réu (aí identificado por segundo outorgante), para exercer, sob a sua autoridade e direcção, com a categoria de Técnico de Recursos Humanos, «todas as funções inerentes à sua categoria» (cláusula 1.ª);
– «Confidencialidade:
8.1 O Segundo Outorgante obriga-se a, durante a vigência do contrato de trabalho e após a sua cessação, manter confidencialidade de todos os dossiers, arquivos, documentos, dados e informações obtidos em virtude da sua relação com a Primeira Outorgante, relativos a esta (incluindo os seus colaboradores), ou a outras sociedades associadas, ou aos seus clientes, nomeadamente sobre a sua organização, actividade ou negócio, preços, serviços prestados e qualquer outro dado de natureza comercial e/ou técnica, não podendo, designadamente, extrair cópias, divulgá-los ou comunicá-los a terceiros.
8.2 O dever de confidencialidade abrange a reprodução da informação em qualquer suporte informático, ou outro, salvo se essa informação for estritamente necessária para a realização das funções inerentes ao cargo exercido pelo Segundo Outorgante.
8.3 No caso de cessação por qualquer motivo do contrato de trabalho, o Segundo Outorgante deverá devolver imediatamente à Primeira Outorgante todos os originais e/ou cópias dos dossiers, correspondência, arquivos, memorandos e outros documentos e informações que se encontrem em seu poder.
8.4 A violação, pelo Segundo Outorgante, das obrigações previstas na presente cláusula fá-lo-á incorrer na obrigação de pagar à Primeira Outorgante uma indemnização por todos os prejuízos causados, mas nunca de valor inferior a Esc. 5.000.000$00 e, caso a violação ocorra durante a vigência do contrato de trabalho, constituirá justa causa de despedimento» (cláusula 8.ª);
– «Actividades não permitidas:
9.1 Durante a vigência do contrato de trabalho, o Segundo Outorgante não poderá:
a) prestar trabalho por conta própria ou alheia ou mediante qualquer forma de intermediação directa ou indirecta em empresas que se dediquem a actividade igual ou similar à prosseguida pela Primeira Outorgante, salvo autorização expressa por escrito desta;
b) exercer durante o seu tempo de trabalho qualquer outra actividade profissional, remunerada ou não;
c) deter, de forma directa ou indirecta, qualquer participação social em sociedades que estabeleçam relações comerciais com a Primeira Outorgante e/ou a receber dessas sociedades qualquer contrapartida, em numerário ou espécie, seja a que título for;
9.2 A violação, pelo Segundo Outorgante, da obrigação prevista na presente cláusula, fá-lo-á incorrer na obrigação de pagar à Primeira Outorgante uma indemnização por todos os prejuízos causados, mas nunca de valor inferior a Esc. 5.000.000$00 e, caso a violação ocorra durante a vigência do contrato de trabalho, constituirá justa causa de despedimento” (cláusula 9.ª)
– “Actividades após a cessação do contrato:
10.1 Durante os doze meses posteriores à cessação por qualquer motivo do contrato de trabalho, o Segundo Outorgante obriga-se a, no âmbito territorial de Portugal e de Espanha, não prestar trabalho por conta própria ou alheia ou mediante qualquer forma de intermediação directa ou indirecta em empresas que se dediquem a actividade igual ou similar à prosseguida pela Primeira Outorgante, bem como na área de selecção e recrutamento de pessoal.
10.2 Durante os doze meses posteriores à cessação por qualquer motivo do contrato de trabalho e sem quaisquer limitações geográficas, o Segundo Outorgante obriga-se a:
a) não contactar e/ou contratar, directa ou indirectamente, os clientes que hajam contratado com a Primeira Outorgante nos dois anos anteriores à data da cessação do contrato de trabalho;
b) não contactar e/ou contratar, directa ou indirectamente, os candidatos constantes da base de dados da Primeira Outorgante, ou que tenham sido incluídos nessa base de dados no período de 2 anos anterior à data da cessação do contrato de trabalho;
c) não contactar para fins profissionais e/ou contratar, directa ou indirectamente, os colaboradores — antigos, actuais ou futuros — da Primeira Outorgante” (cfr. cláusula 10.ª — doc. n.º 1).
10.3 À primeira outorgante assiste a faculdade de, a todo o tempo, optar por reduzir ou eliminar o período de duração das obrigações previstas na presente cláusula, caso em que a compensação prevista no ponto 10.4 será correspondentemente reduzida ou eliminada.
10.4 Em contrapartida das obrigações previstas na presente cláusula, o Segundo Outorgante terá direito a uma compensação em montante correspondente a 25% da última remuneração-base mensal por cada mês em que se verificar o cumprimento dessas obrigações. O pagamento dessa compensação será feito integralmente no termo do período de duração das obrigações e sujeito ao cumprimento integral destas.
10.5 No caso de qualquer violação, ainda que parcial e sob qualquer forma, pelo Segundo Outorgante, das suas obrigações previstas na presente cláusula, a Primeira Outorgante terá direito a uma indemnização correspondente a dez vezes o valor da última remuneração-base” (Cláusula 10.ª);
2) O réu foi contratado pela autora para exercer as funções de Consultor, com a aludida categoria;
3) O réu enviou à autora a carta datada de 29 de Setembro de 2004, que a autora recebeu, cuja cópia consta de fls. 49 dos autos, comunicando à autora «a rescisão» do contrato referido, «com efeitos a partir do próximo dia 31 de Outubro de 2004»;
4) Está matriculada na C.R.C. de Lisboa, com o n.º 00000, de 10.11.2004, a sociedade Jaeson – Consultoria em Recursos Humanos, Lda., com sede na Avenida d...., n.º 000, 4.º andar, sendo o réu um dos seus sócios, conforme documento de fls. 50 a 52 dos autos;
5) Tal sociedade tem por objecto a actividade de «consultoria em recursos humanos, nomeadamente pesquisa, recrutamento e selecção de quadros executivos, estudos de recursos humanos, estudos salariais, avaliações de competências, estratégia de desenvolvimento de talento, consultadoria organizacional, formação, recrutamento por anúncio e consultadoria de gestão», conforme o mesmo documento;
6) O Réu exerceu as referidas funções, para a autora, até 15 de Outubro de 2004;
7) A autora, para efeitos de determinação das importâncias devidas ao réu, pela cessação do contrato de trabalho, procedeu ao desconto, na respectiva remuneração, da importância de 833,87 Euros, correspondente à falta de aviso prévio relativo à rescisão do contrato, por 16 dias, nos termos que resultam do documento junto a fls. 140 dos autos [intitulado «RECIBO DE REMUNERAÇÕES», constando do mesmo, como data de emissão, «13/10/2004»];
8) Tendo pago ao réu as quantias indicadas nesse recibo, relativo a Outubro de 2004, nomeadamente a quantia ilíquida de € 866.45, com base em 14 dias de trabalho;
9) E, de acordo com esse procedimento, relativamente ao trabalho prestado pelo réu em Outubro de 2004, a autora apenas efectuou o pagamento da contribuição para a Segurança Social correspondente a 14 dias, conforme documento junto a fls. 144 dos autos;
10) O réu foi citado para a acção no dia 26 de Outubro de 2005 — fls. 117 [facto aditado pelo Tribunal da Relação].

Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objecto de impugnação pelas partes, nem se vislumbra qualquer das situações referidas no n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil, pelo que será com base nesses factos que hão-de ser resolvidas as questões suscitadas no presente recurso.

2. Está em causa, em primeira linha, a competência material dos tribunais do trabalho para conhecer do pedido formulado na alínea b) da conclusão da petição inicial, a título de indemnização por violação do dever de não concorrência.

A decisão proferida em primeira instância considerou que os tribunais do trabalho são materialmente incompetentes para conhecer do pedido de pagamento da quantia de € 15.635,10, a título de indemnização por violação do dever de não concorrência, por tal indemnização surgir à margem do contrato de trabalho, destinando-se a cláusula 10.ª do contrato, invocada pela autora para fundamentar a obrigação do réu, a regular as relações entre as partes com referência a um período de tempo em que o contrato de trabalho já não estava em execução, inexistindo, então, qualquer vínculo de subordinação entre as partes.

Segundo a mesma decisão, o pacto de não concorrência «foi outorgado entre as partes em simultâneo com a outorga do contrato de trabalho, foi inserido no mesmo documento que titula o contrato de trabalho, sob a cláusula 10.ª […], mas não se trata de prestação tipicamente resultante de um contrato de trabalho, nem a título principal, nem acessoriamente», assim, «com referência ao pedido em causa e tendo em conta a causa de pedir invocada, a questão suscitada não emerge de acto ou facto praticado no âmbito de uma relação laboral e por causa dela», e não ocorre nenhum dos elementos de conexão previstos na alínea o) do artigo 85.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ).

Em sentido diverso, o acórdão recorrido decidiu que, «face à causa de pedir invocada, dúvidas não restam que o foro laboral, que conhece das questões emergentes de relações de trabalho subordinado, é competente para conhecer da acção, nos termos do disposto no art. 85.º, alínea b), da LOFTJ, radicando a tese defendida na sentença recorrida, numa impensável decomposição das diversas cláusulas do contrato de trabalho celebrado entre as partes e numa distinção — que a lei não faz — entre litígios surgidos durante a vigência da relação laboral e outros que só surgem depois de extinta essa relação».

O recorrente discorda, sustentando que «a alínea b) do artigo 85.º da LOFTJ dispõe que os Tribunais do Trabalho são competentes para apreciar das questões emergentes de relações de trabalho subordinado que surjam durante a vigência dessa relação e ainda os que surjam nos preliminares ou na formação dessa relação» e que «a alínea o) do citado artigo confere aos Tribunais do Trabalho competência para conhecer de questões, estabelecidas entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho, que sejam emergentes de relações que tenham com a relação de trabalho um laço de conexão por acessoriedade, complementaridade ou dependência e desde que o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente», sendo que, no caso, não existe tal conexão entre os pedidos, que são independentes e autónomos entre si, pelo que «a alegada violação do pacto de não concorrência não se enquadra em qualquer das alíneas do artigo 85.º da LOFTJ, nomeadamente das alíneas b) e o), ao contrário do que resulta do acórdão recorrido», donde os tribunais do trabalho são materialmente incompetentes para conhecer do pedido em causa.

Como é sabido, a competência do tribunal é apreciada em função dos termos em que a acção é proposta, determinando-se pela forma como o autor estrutura o pedido e os respectivos fundamentos, independentemente da apreciação do seu acerto substancial.

Face aos fundamentos da acção e ao pedido, extrai-se que os direitos que a autora pretende fazer valer — indemnização pelos prejuízos causados por violação dos acordos de confidencialidade e de não concorrência firmados entre as partes — decorrem da alegada existência de um contrato de trabalho firmado entre as partes e fundam-se em factos geradores de responsabilidade civil contratual em relação ao trabalhador faltoso (artigos 798.º e seguintes do Código Civil), por invocada violação dos deveres de não concorrência e de confidencialidade estipulados nas cláusulas 8.ª e 10.ª do contrato de trabalho em causa.

O artigo 85.º da LOFTJ dispõe, no que agora interessa, que compete aos tribunais do trabalho conhecer, em matéria cível, «das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho» [alínea b)] e «das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente» [alínea o)].

Ora, contrariamente ao alegado pelo recorrente na conclusão C) da alegação do recurso de revista, a alínea b) do artigo 85.º da LOFTJ não cinge a competência material dos tribunais do trabalho ao conhecimento «das questões emergentes de relações de trabalho subordinado que surjam durante a vigência dessa relação», antes liga essa competência às «questões emergentes de relações de trabalho subordinado».

Por outro lado, visando a cláusula de não concorrência limitar o exercício da liberdade de trabalho do trabalhador, após a cessação do contrato de trabalho, e tendo em conta a coligação existente entre essa cláusula e a execução do próprio contrato em que se encontra inserida, é indiscutível que a alegada violação de cláusula de não concorrência configura uma questão emergente de relação de trabalho subordinado, pelo que os tribunais do trabalho são competentes para dela conhecer, nos termos do disposto na alínea b) do artigo 85.º da LOFTJ.

Nesta conformidade, improcedem as conclusões A) a H) e AA), na parte atinente, da alegação do recurso de revista.

3. O recorrente alega, doutro passo, que o disposto no n.º 1 do artigo 381.º do Código do Trabalho é aplicável ao pedido de condenação do réu por violação do dever de confidencialidade e que a factualidade provada aponta, inequivocamente, no sentido de que a cessação do contrato de trabalho do réu ocorreu em 15 de Outubro de 2004, e que a autora retirou todos os efeitos da cessação do contrato de trabalho do réu, em 15 de Outubro de 2004, pelo que, à data da instauração da presente acção, já havia prescrito o direito de a autora reclamar quaisquer direitos perante o réu, decorrentes do contrato de trabalho e/ou respectivas cessação e violação.

O acórdão recorrido entendeu que, embora o réu tivesse deixado de prestar serviço à autora em 15 de Outubro de 2004, manteve-se em vigor o aviso prévio de resolução do contrato de trabalho efectuado pelo réu, com efeitos a partir do dia 31 de Outubro de 2004, portanto, «o prazo de prescrição dos créditos laborais teve como termo a quo o dia seguinte à data do final do período de pré-aviso — 31 de Outubro de 2004 —, ou seja, o dia 1 de Novembro de 2004», e uma vez que a acção foi instaurada em 21 de Outubro de 2005, sendo o réu citado em 25 de Outubro de 2005, facto que interrompe a prescrição (artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil), deve concluir-se que não ocorreu a invocada excepção peremptória.

No caso, a autora reporta o pedido de indemnização por violação do dever de confidencialidade a condutas do réu alegadamente ocorridas no período de execução do contrato de trabalho, conforme bem se extrai dos artigos 96.º a 139.º da petição inicial, configurando a invocada utilização «de informação privilegiada e confidencial relativa a clientes e candidatos da Autora e a que o réu teve acesso e conhecimento em virtude da relação laboral com esta, para criar, de raiz, juntamente com os restantes sócios da Jaeson – Consultoria em Recursos Humanos, Lda. uma extensa base de dados de clientes e candidatos da empresa que constituiu e que se dedica a actividade similar à da Autora», por si, uma situação cujos efeitos relevam, verdadeiramente, no âmbito da violação do dever de não concorrência.

Estando em causa a prescrição de crédito resultante de contrato de trabalho cessado no mês de Outubro de 2004, portanto, em data posterior à entrada em vigor do Código do Trabalho (dia 1 de Dezembro de 2003 — n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto), e considerando o disposto no n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 99/2003, aplica-se o regime jurídico aprovado por aquele Código.

Ora, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 381.º do Código do Trabalho, «todos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao empregador ou ao trabalhador, extinguem-se por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho».

Como nota MONTEIRO FERNANDES (Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, Coimbra, 2004, p. 481), «o que importa (para o início da contagem) é o momento da ruptura da relação de dependência, não o momento da cessação efectiva do vínculo jurídico, a qual, em virtude de decisão judicial que (por exemplo) declare ilícito o despedimento, pode até ser juridicamente neutralizada. O momento decisivo é, por conseguinte, aquele em que a relação factual de trabalho cessa, ainda que, posteriormente, o acto que lhe tenha posto termo venha a ser invalidado.»

Também, no mesmo sentido, ROMANO MARTINEZ (Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, p. 788) afirma que «a extinção do vínculo deve entender-se em sentido factual», e «independentemente da causa de cessação».

No caso provou-se que, em 4 de Junho de 2001, a autora admitiu o réu ao seu serviço, para exercer, sob a sua autoridade e direcção, com a categoria de técnico de recursos humanos, todas as funções inerentes a essa categoria (factos provados 1) e 2)], sendo que o réu enviou à autora a carta datada de 29 de Setembro de 2004, que a autora recebeu, comunicando-lhe «a rescisão» daquele contrato de trabalho, «com efeitos a partir do próximo dia 31 de Outubro de 2004» [facto provado 3)].

O certo é, porém, que o réu só exerceu as referidas funções para a autora, até 15 de Outubro de 2004 [facto provado 6)] e que a autora, para efeitos de cálculo das importâncias devidas ao réu, pela cessação do contrato de trabalho, procedeu ao desconto na atinente remuneração, da importância de 833,87 Euros, correspondente à falta de aviso prévio relativo à rescisão do contrato, por 16 dias, nos termos do documento junto a fls. 140, intitulado RECIBO DE REMUNERAÇÕES, emitido em 13/10/2004 [facto provado 7)], «[t]endo pago ao réu as quantias indicadas nesse recibo, relativo a Outubro de 2004, nomeadamente a quantia ilíquida de € 866.45, com base em 14 dias de trabalho» [facto provado 8)] e, relativamente ao trabalho prestado pelo réu em Outubro de 2004, «a autora apenas efectuou o pagamento da contribuição para a Segurança Social correspondente a 14 dias, conforme documento junto a fls. 144 dos autos» [facto provado 9)].

Por conseguinte, apesar da declaração de cessação do contrato de trabalho por banda do réu ter reportado os seus efeitos a partir do dia 31 de Outubro de 2004, o certo é que a relação factual de trabalho cessou em 15 de Outubro de 2004, data até quando o réu exerceu as respectivas funções, sendo que a autora no atinente acerto de contas, a que respeita o recibo de remunerações emitido com data de 13 de Outubro de 2004, processou as remunerações e descontos devidos com referência a 15 de Outubro de 2004, o que evidencia que a extinção factual do vínculo laboral em questão se concretizou nessa precisa data, e não em 31 de Outubro seguinte.

Assim, quanto ao crédito peticionado na alínea a) da conclusão da petição inicial, em 21 de Outubro de 2005, data da instauração da presente acção, já havia decorrido o prazo de prescrição de um ano, contado a partir do dia seguinte àquele em que tinha cessado o contrato de trabalho, devendo considerar-se prescrito o correspondente direito que a autora pretendia fazer valer contra o réu, o que implica, nesta parte, a absolvição do réu em relação àquele concreto pedido.

Apenas se acrescentará, porque o réu faz reportar a excepção peremptória de prescrição a todos os créditos reclamados pela autora, que tendo a primeira instância julgado os tribunais do trabalho incompetentes em razão da matéria para conhecer da alínea b) do pedido, ficou prejudicado o conhecimento daquela excepção quanto a esse pedido (artigo 660.º, n.º 2, do Código de Processo Civil); todavia, uma vez que a Relação julgou improcedente a excepção dilatória da incompetência absoluta do tribunal, deveria ter apreciado a excepção peremptória de prescrição relativa à alínea b) do pedido (artigo 715.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), o que não aconteceu.

O certo, porém, é que não foi arguida a sobredita omissão de pronúncia e que a excepção peremptória de prescrição em causa não é de conhecimento oficioso, pelo que não se pode conhecer dessa matéria na presente instância recursiva.

Termos em que procedem as conclusões I) a Z) e AA), na parte atinente, da alegação do recurso de revista, quanto à alínea a) do pedido deduzido pela autora.

III

Pelo exposto, decide-se conceder parcialmente a revista e revogar o acórdão recorrido na parte em que julgou improcedente a excepção peremptória de prescrição referente à alínea a) do pedido formulado na petição inicial, repristinando-se, nessa parte, a decisão do tribunal de primeira instância, absolvendo-se o réu do sobredito pedido, e confirmando-se, quanto ao mais, o acórdão recorrido, devendo o processo prosseguir seus termos para apreciação do pedido de indemnização por violação do dever de não concorrência deduzido na alínea b) da conclusão da petição inicial.

Custas, nas instâncias e no Supremo, por autora e réu na proporção do decaimento respectivo.

Lisboa, 13 de Fevereiro de 2008

Pinto Hespanhol (relator)
Bravo Serra
Mário Pereira