Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03A3141
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: AFONSO DE MELO
Descritores: RECONVENÇÃO
Nº do Documento: SJ200312180031416
Data do Acordão: 12/18/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 8249/02
Data: 05/22/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Sumário : Na acção em que o autor pede a condenação do réu no pagamento de indemnização, por danos não patrimoniais, por ofensas ao nome e reputação, que este lhe causou em artigos que publicou num periódico, não é admissível reconvenção em que o réu pede que o autor lhe pague indemnização, por danos não patrimoniais, que lhe foram causados com a propositura da acção.
Decisão Texto Integral: Acordam do Supremo Tribunal de Justiça

"A" intentou em 15/02/1999, no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, acção em processo comum ordinário contra B, jornalista, C- Sociedade de Comunicação Independente, S.A. D, jornalista, e E, Comunicação Social, S.A. pedindo:
a) A condenação dos R.R., solidariamente, a pagarem-lhe 1 000 000 000$00 (um milhão de contos) e mais o que se liquidar em execução de sentença.
b) Se vier a entender-se que não procede o pedido de condenação de todos os R.R. em solidariedade, subsidiariamente.
1 - A condenação solidária dos RR B e C a pagarem-lhe 500 000 000$00 (quinhentos mil contos) e mais o que se liquidar em execução de sentença.
2 - A condenação solidária dos RR D e E a pagarem-lhe 500 000 000$00 (quinhentos mil contos) e mais o que se liquidar em execução de sentença.
Alegou que os jornais Independente propriedade da R. C, e E, propriedade da R. E, publicaram, da autoria respectivamente dos RR B e D, diversos artigos sobre ele e operações económicas em que participou que não eram verdadeiros e o ofenderam no seu nome e reputação, causando-lhe danos patrimoniais e morais.
O R. B contestou e pediu em reconvenção a condenação do A. a pagar-lhe 50 000 000$00, com fundamento em danos na sua imagem, bom nome e credibilidade que aquele lhe causou com a acção.
No despacho proferido a fls. 616-617, a reconvenção foi julgada inadmissível e o A. absolvido da instância, por não se verificar o requisito do art.º 274º, nº1 a), do C.P.C., em que se baseou.
Agravou o R. B.
Entretanto, a acção que já tinha terminado por transacção quanto aos RR. D e E, terminou também por acordo quanto aos outros RR (fls. 656).
A Relação julgou procedente o agravo e mandou prosseguir os autos com a continuação da audiência preliminar, que tinha sido suspensa, para se conhecer do pedido reconvencional.
Agravou o A. concluindo que foi violado o disposto no art.º 274º, nº1 a), do C.P.C.
O R. contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso, designadamente por se pretender uma interpretação restritiva sem fundamento suficiente no art.º 9º do C. Civil e contra o disposto no art.º 2º (princípio da separação dos poderes) e 20º da C.R.P., devendo consequentemente ser aquele condenado por litigância de má fé.
A Relação fixou os seguintes factos que ora interessam:
"1.O autor propôs a presente acção com processo ordinário nos termos da petição inicial que aqui se dá por reproduzida, contra o réu agravante e a sociedade C, além de contra outros cuja lide está já finda por transacção homologada por sentença;
2. Nessa petição inicial, o autor atribui ao réu agravante a autoria de artigos jornalísticos publicados no jornal "Independente" propriedade da ré C, artigos esses referentes ao autor, sem respeito pela verdade e ofensivos do seu bom nome e da reputação que atingiram gravemente a sua imagem e das empresas do seu grupo económico;
3. Na contestação do réu agravante este, além do mais, alegou ser verdadeiro o conteúdo dos artigos jornalísticos daquele;
4. E em reconvenção alegou que o autor sabendo que os artigos correspondiam à verdade, intentou a presente acção, alegando afirmações que sabia serem falsas com manifesto propósito de intimidar, desacreditar e prejudicar o réu, destruindo-o profissionalmente, com o que ofendeu a imagem, o bom nome e a credibilidade do réu agravante, pedindo, por isso, a condenação do autor no pagamento da indemnização de 50.000.000$00, ao réu agravante."
A 1ª Instância entendeu, considerando o disposto no art.º 274º, nº2 a), do C.P.C., que sendo o fundamento do pedido reconvencional a instauração da acção pelo A. e as consequências daí derivadas alegadas pelo reconvinte quanto à sua imagem, bom nome e credibilidade, não emerge aquele do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa.
A Relação entendeu que o pedido reconvencional emerge do facto jurídico que serve de fundamento à defesa.
No nosso sistema processual a reconvenção não é obrigatória mas facultativa, pelo que a sua omissão não preclude o direito de acção autónoma do réu.
E não é aberta, pois exige-se uma conexão com o objecto da acção, conexão essa determinada taxativamente ope legis nas três alíneas do nº2 do art.º 274º - citado, e não ope iudicis, como sucede no direito francês, que remete para o juiz a apreciação da existência "d´un lien suffisant" com a demanda do autor (art.º 70º do Code de Procédure Civile).
Fora dos casos de conexão previstos na lei ou dos outros requisitos processuais exigidos, o réu tem de propor acção separada da do autor.
In casu, está em discussão a conexão prevista na alínea a) do nº2 do art.º 274º, que permite a reconvenção quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à sua defesa.
O pedido reconvencional não se funda, sequer parcialmente, na mesma causa de pedir do pedido do A - primeira hipótese daquela alínea.
A segunda hipótese, como observa Lebre de Freitas, refere-se ao pedido reconvencional que se funda total ou parcialmente nos mesmos factos em que o próprio réu funda uma excepção peremptória ou com os quais indirectamente impugna os alegados na petição inicial (1).
O recorrido não deduziu qualquer excepção peremptória e, por impugnação, negou directamente a falsidade, que o A. lhe imputou, dos factos publicados no Independentemente.
Fundou a reconvenção no facto de o A. ter proposto a acção contra ele, com as consequências daí derivadas que alegou.
Assim, também não se verifica aquela segunda hipótese.
Reconvenção semelhante à que ora se discute não é uma novidade nos nossos tribunais.
Já o remoto, no tempo mas não na sua doutrina, acórdão deste Supremo de 2/03/1945, Bol. Of., ano V, nº 28, p.99, tinha decidido que não enquadrava o disposto no nº1 do art.º 279º do C.P.C. (actual alínea a) do nº2 do art.º 274º), a reconvenção, na acção onde se exigia um crédito ao réu, em que este pedia a condenação do autor na devida indemnização, por a acção o prejudicar no seu bom nome, constituindo um abuso de direito de accionar (2).
Não há aqui qualquer interpretação restritiva da lei, permitida aliás no art.º 9º, nº1, do C. Civil, com base no entendimento de que o legislador disse mais do que pretendia dizer.
Nem violação do princípio da separação dos poderes (art.º 2º da C.R.P) pois se está dentro da função jurisdicional que compete aos Tribunais (art.º 202º do C.P.P.), ou violação do direito de acesso aos tribunais (art.º 20º do C.R.P.), pois, como se disse, nos casos em que a reconvenção não é permitida o réu não perde o seu direito de acção.
Nestes termos concedem provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido para se manter a decisão da primeira instância.
Custas pelo recorrido, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.

Lisboa, 18 de Dezembro de 2003
Afonso de Melo
Fernandes Magalhães
Azevedo Ramos
------------------------
(1) Introdução Ao Processo Civil, p-172 e 173; Cód. Proc. Civil Anotado, I p. 488 e 489.
(2) A decisão do Supremo teve a concordância da Revista dos Tribunais, no ano 63º, p.169, posteriormente mantida no ano 86º, p 365.