Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
25776/19.8T8LSB.L1-A.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: GRAÇA AMARAL
Descritores: INSOLVÊNCIA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
REQUISITOS
RECURSO DE REVISÃO
LACUNA
FUNDAMENTOS
PROVA DOCUMENTAL
DOCUMENTO SUPERVENIENTE
PRINCÍPIO DA NOVIDADE
NULIDADE
OBRIGAÇÃO DE INFORMAÇÃO
PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
NATUREZA JURÍDICA
TRANSAÇÃO JUDICIAL
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA
Data do Acordão: 02/15/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: REVISTA IMPROCEDENTE.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :

I - O regime restritivo de recurso ao STJ estabelecido no artigo 14.º, do CIRE, tem por pressuposto estar assegurado “o segundo grau de jurisdição”. Tal restrição, determinada pelo requisito específico da oposição de acórdãos, não é avocada nas situações em que o tribunal da Relação não funcione como tribunal de recurso, mas tenha intervenção como uma 1.ª instância.

II - Não se encontra condicionada à verificação de oposição de acórdãos a admissibilidade do recurso interposto para o STJ do acórdão proferido pelo tribunal da Relação, que indeferiu o recurso extraordinário de revisão do acórdão dessa mesma Relação que havia confirmado a sentença homologatória de um plano de recuperação.

III - O fundamento do recurso de revisão previsto na alínea c) do artigo 696.º do CPC, exige a presença de dois requisitos de verificação cumulativa: a novidade (objectiva e subjectiva) do documento (não ter sido apresentado no processo no qual foi proferida a decisão, quer por não existir, quer por a parte não poder dele dispor) e a suficiência do mesmo (ser susceptível de levar a uma alteração do decidido objecto de revisão, impondo decisão mais favorável.

IV - Os valores da segurança e certeza inerentes à figura do caso julgado impedem que o recurso extraordinário de revisão possa constituir meio jurídico de garantir uma segunda oportunidade para prova de factos pré-alegados. Consequentemente, o documento a que alude a alínea c) do citado artigo 696.º do CPC, terá de se reportar à demonstração ou a impugnação de factos pré-alegados pelas partes, ou adquiridos para o processo; não, para a prova de factos novos.

V - Não se verifica o requisito novidade do documento, na sua vertente subjectiva, se resultar evidenciado no processo que a parte só se dispôs a obtê-lo após o trânsito em julgado da decisão objecto de revisão.

VI - O fundamento do recurso de revisão previsto na alínea d) do artigo 696.º do CPC, não se encontra dependente dos requisitos novidade ou suficiência exigidos pela alínea c) do artigo 696.º do CPC.

VII - Configurando-se o PER, na sua génese, numa proposta contratual aceite por uma maioria de credores, que envolve a constituição, modificação ou extinção de direitos, numa lógica de concessões recíprocas, traduzindo, por isso, uma convergência de vontades, assume plena configuração na figura do negócio jurídico celebrado ao abrigo da autonomia privada e, nessa medida, com cabimento na noção de transacção definida no artigo 1248.º, do CC.

VIII - A natureza negocial, ainda que híbrida, do plano especial de revitalização consente que lhe sejam aplicáveis, com as necessárias adaptações, as regras atinentes aos vícios dos negócios jurídicos; como tal, não lhe está arredada a aplicação da alínea d) do artigo 696.º do CPC.

IX – A prestação de informações inexactas prestadas pela devedora no âmbito das negociações que precedem a celebração do acordo no âmbito de um processo especial de revitalização, não tem a virtualidade de determinar a nulidade do plano de revitalização, mas apenas o alcance indemnizatório nos termos definidos no n.º13 do artigo 17.º-D do CIRE.

Decisão Texto Integral:



Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça,

I – Relatório

1. No âmbito do Processo Especial de Revitalização em que é devedora Orey Antunes, SA. (designada nos autos por “SCOA”), foi proferida, em 25-07-2020, sentença homologatória do plano de revitalização que, objecto de apelação interposta pela Caixa Geral de Depósitos, SA, foi confirmada por acórdão proferido, em 03-12-2020, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que transitou em julgado em 29-12-2020[1].

2. Em 02-03-2022, a Caixa Geral de Depósitos veio interpor recurso extraordinário de revisão daquele acórdão, ao abrigo do disposto no artigo 696.º, alíneas c) e d), do Código de Processo Civil (doravante CPC).

3. Por acórdão proferido, em 06-09-2021, pelo tribunal da Relação de Lisboa e nos termos do artigo 699.º, n.º1, do CPC, foi indeferido o referido recurso de revisão por inexistência de fundamento para o efeito.

4. Inconformada, a Recorrente vem recorrer deste acórdão para o STJ, formulando as seguintes conclusões (transcrição):

I. O presente recurso vem interposto do douto Acórdão da Relação de Lisboa que, com sustento no art.º 699.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, decidiu indeferir o recurso de revisão interposto pela CGD.

II. O referido recurso de revisão, assentou, essencialmente, nos fundamentos/requisitos encerrados nas al. c) e d) do art.º 696.º do Código de Processo Civil.

III. A Douta Relação entendeu que nenhum dos requisitos se encontrava preenchido, considerando que nem o documento apresentado pela Recorrente era novo e suficiente, e, por outra banda,

IV. Se o documento não assumia as referidas características então é certo que falecia por inerência o fundamento de nulidade do PER, que teria por base de prova aquele mesmo documento.

V. Além do exposto, a Douta Relação sempre consideraria como não preenchido o dito fundamento da al. d) do art.º 696.º do CPC uma vez que considera que o plano de recuperação não é equiparável a uma transação.

VI. Merece censura toda a decisão da Douta Relação de Lisboa, em especial porque, em sentido avesso à unânime jurisprudência, considerou que o plano de recuperação não configura uma transação.

VII. É esta a questão de direito que se encontra em total e manifesta discordância com outros julgados, pelo menos 15 acórdãos.

VIII. Dispõe o art.º 14.º do CIRE que “No processo de insolvência (…) não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686.º e 687.º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme.” (negrito e sublinhado nosso)

IX. Estamos, pois, perante uma garantia absoluta de recorribilidade sempre que se verifique uma situação de oposição de julgados, como sucede.

X. A Douta Relação de Lisboa entende que o PER não tem uma estrutura adversarial, que o plano apresentado pelo devedor e votado favoravelmente pelos credores não configura o terminus de um litígio “mediante recíprocas concessões”, até porque, pode prosseguir em caso de incumprimento e que vincula mesmo os credores que não deram o seu voto favorável ao plano, o que, no seu entendimento, é de todo incompatível com a figura contratual da transação e conclui assim pelo indeferimento do recurso de revisão por falta de preenchimento dos pressupostos do art.º 696.º, alínea d) do CPC.

XI. A contrariar este entendimento juntou-se o Acórdão-fundamento que refere inequivocamente no seu sumário que “O plano de insolvência e o plano de recuperação no PER têm a natureza de negócio processual, ou seja, de uma transacção.”.

XII. A par do mui Douto Acórdão-Fundamento e bem assim da jurisprudência dominante, a Recorrente entende que, enquanto manifestação de vontade das partes que é, o PER tem naturalmente de assumir-se como um negócio jurídico, em regra, extintivo de determinadas obrigações.

XIII. Trata-se de um acordo de vontades que, depois de aprovado e homologado, repercute na esfera jurídica dos visados.

XIV. Como contrato atípico que é, tem de característico a circunstância de se impor, dentro dos limites admitidos na lei, a todos os credores – sua vertente vinculativa;

XV. Entre os vários tipos de negócios processuais encontram-se: a desistência, a confissão e a transação, cujas partes no negócio serão necessariamente as partes na ação.

XVI. No que respeita à transação, esta assume-se claramente como o negócio jurídico processual que legitimou e suportou o recurso de revisão interposto pela Recorrente e que foi indeferido, o que, face à jurisprudência enunciada bem como ao Acórdão-Fundamento, não deveria ter sucedido!

XVII. E, enquanto contrato que é, a transação encontra-se, pois, sujeita ao regime dos negócios jurídicos (artigos 217.º e ss. do Código Civil) e, em especial, à disciplina jurídica dos Contratos (artigo 405.º do Código Civil).

XVIII. Impõe-se, portanto, a procedência desta Revista e o consequente deferimento do recurso de revisão com base no fundamento previsto na al. d) do art.º 696.º do CPC.

XIX. Acresce que, quanto à falta de admissão do documento para efeitos de preenchimento desta al. d) do art.º 696.º do CPC, ignorou a Douta Relação que os pedidos ou fundamentos formulados pela Recorrente eram simples, cumulados e independentes (não subsidiários), e assim sendo, o dito relatório [prova documental], para efeitos de verificação do cumprimento dos termos desta alínea d) do art.º 696.º do CPC, não exige os requisitos da novidade e suficiência.

XX. Com respaldo no texto do Douto Acórdão-Fundamento, quem pretenda ver declarada a nulidade do PER enquanto negócio jurídico tem duas opções: ou a ação de anulação/declaração de nulidade via comum ou o recurso de revisão.

XXI. Em qualquer destes dois cenários, competirá à Parte provar os factos que alega por via de quaisquer documentos ou outros meios de prova admitidos mas sendo certo que sem imposição de limites quanto aos requisitos [novidade e superveniência] que são especifica e unicamente exigidos apenas pela al. c) do art.º 696.º do CPC.

XXII. Portanto, o documento junto pela Recorrente, de forma independente para cada requisito do art.º 696.º do CPC, teria, neste caso [verificação da al. d), 696.º CPC], de ser apreciado como meio de prova idóneo às conclusões apresentadas pela Recorrente quanto à nulidade do plano de recuperação, sendo que não dependia das características da novidade e suficiência, outrossim impostas apenas e tão-só para a al. c) do art.º 696.º do CPC.

XXIII. Impõe-se, pois, que seja julgada procedente a presente revista por verificação da oposição de julgados, e admitida a revisão por nulidade de transação, devendo o relatório da D... ser apreciado para efeitos de prova de tudo quanto se aduziu a este respeito, em concreto o abuso de direito da Devedora.

XXIV. A lei estatui os limites gerais da autonomia privada no conteúdo do negócio jurídico (artigo 280.º do Código Civil) bem como no exercício de direito subjetivo, por excesso manifesto dos limites impostos pelo fim económico do direito (artigo 334.º do Código Civil).

XXV. Um plano aprovado em desconformidade com os Princípios Orientadores da Recuperação Extrajudicial de Devedores (Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2011) bem como dos princípios primordiais de qualquer negociação, a boa-fé e a transparência, tem se de entender como um plano inadmissível, por eivado de abuso do direito.

XXVI. Estão em causa questões que se subsumem ao verdadeiro interesse público têm de ser acauteladas pelo poder judicial.

XXVII. No caso, a Devedora agiu em termos apodicticamente ofensivos da Justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar a Recorrente, já que,

XXVIII. Através deste PER, a Devedora pretendeu impor uma recuperação limitada ao falso valor que (conscientemente) atribuiu à garantia de penhor associada ao crédito da Recorrente.

XXIX. A Devedora atuou em manifesto abuso de direito, primeiramente, na modalidade de exceptio doli, já que não agiu de forma honesta nem como uma “pessoa” de bem e violou o mais básico dever de honeste agere, demitindo-se de agir de boa fé e na busca de uma solução construtiva que satisfizesse todos os envolvidos e não apenas os seus interesses próprios.

XXX. Além do exposto, como decorrência do princípio de confiança que incutiu à maioria dos seus credores, a Devedora agiu igualmente em abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.

XXXI. Está em causa um conceito de confiança subjetiva que se sustentou de forma objetiva nos termos e condições de um plano todo ele contaminado pela má-fé da Devedora, que, em seu proveito, alterou e omitiu factos relevantes para a decisão que se impunha aos Credores.

XXXII. Ao agir desta forma, entende-se que a Devedora fez deste processo um uso manifestamente reprovável e socialmente censurável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, o seu enriquecimento às custas dos Credores de boa-fé, em total desrespeito pelo fim social e económico que rege um procedimento desta natureza, atuação esta que redunda em abuso de direito, ferindo de nulidade todo o PER.

XXXIII. A SCOA sempre soube que a única forma de cumprir o plano seria através do recebimento de eventuais dividendos, tanto que essa informação consta dos próprios mapas previsionais apresentados no PER.

XXXIV. Ainda assim, de forma não séria, fez por iludir os seus Credores e, salvo o devido respeito, também o Douto Tribunal a quo.

XXXV. O próprio teor do relatório de contas de 2019 realça o real objetivo da SCOA, que é o de “liquidar os passivos da Companhia e entregar os ativos da Companhia em espécie aos acionistas evitando um processo desnecessário de venda dos ativos e mantendo o valor dos bens.

XXXVI. Os factos alegados pela Recorrente e suportados no relatório da D... junto, impõem uma decisão contrária àquela que vigora, a qual se requer seja revogada e substituída por outra, em prol da salvaguarda da necessidade de fazer prevalecer o valor da Justiça.

XXXVII. No que concerne ao fundamento de revisão a que alude a alínea c) do art.º 696.º do Código de Processo Civil, para que se considere preenchido tem de revestir dois requisitos cumulativos: a novidade e a suficiência.

XXXVIII. No caso, o documento apresentado pela Recorrente é novo porque manifestamente superveniente – na medida em que era impossível a sua obtenção em fase processual útil -, além de que assume suficiência por ser capaz de demonstrar que as valorizações relativas à participação da H... – a defendida no PER e a constante das contas oficiais do O... – respeitam exatamente ao mesmo período, 2019, ou seja, são contemporâneas!

XXXIX. Portanto, o que defende nesta sede recursiva é que não se mostra aceitável que o um ativo que a própria SCOA avalia em mais de 7 de milhões, convenientemente já depois da homologação do PER em primeira instância, seja propositadamente desvalorizado no contexto do seu PER com o fito de conseguir justificar que o cenário da recuperação era o ideal, sendo esta a clamorosa situação de injustiça que se pretende ver revertida.

XL. A avaliação ora realizada pela D... não poderia ter ocorrido, claramente, em 2020 uma vez que o elemento essencial – o conhecimento das contas oficiais do O..., Sociedade participada da Devedora que detém diretamente a H... - não existia àquela data, nem era exigível à Recorrente.

XLI. Tanto mais quando, em termos processuais, tendo o recurso de apelação sido interposto em agosto de 2020 (e as contas de outubro de 2020), a Recorrente estava impedida de juntar quaisquer documentos ao processo.

XLII. A suficiência de qualquer documento, para efeitos de admissibilidade da revisão, não pode nunca radicar – e muito menos cingir-se - àquela que é a sua natureza, sendo certo que, em lado algum, a lei impõe que seja apresentado um documento com força probatória plena.

XLIII. Portanto, à luz do disposto no art.º 696.º, al. c) do CPC, o que se impõe é aferir se um determinado documento particular - no caso concreto, o relatório da D... – pode ou não afastar a eficácia probatória do outro documento que lhe está em contraponto, ou seja, o relatório da E..., sendo que, no caso, é indubitável que sim, servindo de contra-prova ao relatório da E..., nos termos e para os efeitos do art.º 346.º do CC.

XLIV. A Douta Relação fez uma errada interpretação e aplicação da lei ao caso concreto, já que o recurso de revisão interposto pela Recorrente deveria ter sido admitido por existência de documento “novo” e “suficiente”, tal como imposto pela al. c) do art.º 696.º do CPC.

XLV. Admitido o documento, será então possível verificar que existe uma falsa valorização dos ativos feita pela Devedora, com especial realce para a empresa operacional H....

XLVI. Esta falsa valorização prejudica nitidamente a ora Recorrente, colocando-a numa situação bastante mais desfavorável, já que vê ser-lhe imposta a redução dos seus créditos em função do falseado valor atribuído à sua garantia.

XLVII. O sacrifício que envolve a reestruturação de empresas, do ponto de vista geral, não se compadece com atitudes abusivas por parte dos Devedores.

XLVIII. A SCOA adulterou - de forma consciente - a verdade dos factos em prol dos seus interesses próprios, descuidando os interesses dos seus Credores e, em concreto, da ora Recorrente.

XLIX. Desta feita, impõe-se que a decisão em crise seja revogada e substituída por outra que julgue procedente o recurso de revisão e recuse a homologação do plano”.

5. Em contra-alegações a Recorrida pronuncia-se pela inadmissibilidade da revista e pela não admissibilidade do recurso extraordinário de revisão. Invoca ainda a inconstitucionalidade do entendimento sufragado no despacho do tribunal a quo no que se reporta ao prazo concedido no recurso. Concluiu, nesse sentido (transcrição):

A. A Recorrente interpôs o presente recurso de revista, ao abrigo do artigo 14.º, n.º 1 do CIRE, da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 06.09.2022, na qual este tribunal indeferiu o recurso de revisão que a Recorrente apresentou com o intuito de reverter a decisão de homologação do PER.

B. Não só este recurso de revista é inadmissível, por não estarem verificados os pressupostos de admissibilidade do mesmo, assim como o próprio recurso de revisão é, também ele, inadmissível e, em qualquer caso, sempre improcedente.

Vejamos,

E. Têm os tribunais superiores entendido89 que no âmbito do recurso de revista previsto no art.º 14, n.º 1 do CIRE, não é admissível a apresentação como acórdão fundamento de decisões singulares de tribunais superiores, dada a natureza simplificada de tais decisões.

F. Este entendimento pode – e deve – ser transposto também nas situações em que a decisão da qual se quer recorrer é ela própria uma decisão singular, com base nos mesmos fundamentos, acrescido de um argumento de ordem literal, dado que o artigo 14.º, n.º 1 do CIRE indica que só são recorríveis os acórdãos (e já não decisões).

G. O tribunal a quo, no seu despacho de 10.11.2022, indicou que a decisão da qual a Recorrente interpôs recurso era equivalente a uma decisão de indeferimento liminar, tendo daí retirado os seus efeitos, mas não todos, pois, em face do que acima se viu, esta decisão equivalente a uma decisão de indeferimento liminar não pode ser considerada um acórdão recorrível, para efeitos do artigo 14.º, n.º 1 do CIRE.

Prosseguindo,

I. A questão fundamental de direito com a qual a Recorrente motivou o seu recurso, para efeitos do artigo 14.º, n.º 1 do CIRE, foi de saber se o PER pode, ou não, ser considerado uma transação, dado que o tribunal a quo decidiu que o plano de recuperação não podia ser considerado uma transação para efeitos da alínea d) do artigo 696.º do CPC e no acórdão fundamento apresentado por aquela é referido que o PER deve ser considerado uma transação.

J. Acontece que, no acórdão objeto do presente recurso, é referido, a título subsidiário, que o plano de recuperação não é uma transação, sendo que o argumento principal apresentado pelo tribunal a quo para considerar inadmissível o recurso de revisão, ao abrigo da alínea d) do artigo 696.º do CPC, foi o de que tal recurso tinha sido motivado com base num documento que não reúne os requisitos exigidos por lei para fundamentar um recurso de revisão.

K. Assim sendo, a divergência entre o acórdão objeto de recurso e o acórdão fundamento não mais é do que uma divergência quanto a um argumento subsidiário apresentado pelo tribunal a quo no âmbito da sua fundamentação, não assumindo, deste modo, o necessário de carácter de essencialidade, pois, como o próprio Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes indica “É irrelevante a contradição que respeitar apenas a um argumento suplementar, ainda que contrário à resposta oportunamente uniformizada pelo Supremo. Nesta linha, Teixeira de Sousa aponta para a necessidade de se tratar de fundamento que condicione ‘de forma essencial e determinante a decisão proferida’”90 (realce nosso).

L. Assim, também por não revestir do necessário carácter de essencialidade a divergência quanto à questão fundamental de direito deve o recurso de revista da Recorrente ser considerado inadmissível.

Prosseguindo,

M. Ainda no âmbito dos pressupostos de admissibilidade do artigo 14.º, n.º 1 do CIRE, tem entendido, tanto a doutrina, como a jurisprudência, que a oposição entre acórdãos que releva neste âmbito, é uma oposição frontal e expressa, não podendo a mesma ser

implícita ou apenas pressuposta.

N. Ora, o acórdão fundamento trata de um caso em que se decide que o juízo cível é o juízo materialmente competente para julgar de uma ação de anulação de um PER, com base em simulação, sendo que, aquando da sua fundamentação para justificar essa decisão, o tribunal disse que o PER deveria ser considerado uma transação, tendo a Recorrente aproveitado esta simples referência para demonstrar que existe uma divergência entre tal acórdão da Relação de Coimbra e a decisão agora objeto do presente recurso.

O. Como se afigura evidente, é apenas ilusório considerar-se que estas duas decisões são opostas entre si, para efeitos do artigo 14.º, n.º 1 do CIRE, dado que na decisão que é objeto do presente recurso em momento algum foi discutido qual o juízo compete para julgar de uma ação de anulação de um PER, sendo, deste modo, apenas implícita a oposição entre estes dois acórdãos.

P. Aliás, no limite, a divergência que existe é entre os fundamentos de um dos acórdãos e a decisão do outro, e não propriamente entre as decisões dos acórdãos, pois enquanto que a decisão do acórdão objeto do presente recurso é a de que o recurso de revisão deve ser indeferido, a decisão do acórdão fundamento é a de que o juízo cível é materialmente competente para julgar de uma ação de anulação de um PER, com base em simulação.

Q. Assim, também por este motivo, deve o recurso de revista da Recorrente ser considerado inadmissível.

Quanto ao recurso de revisão,

R. A Recorrente interpôs o recurso de revisão com base em dois fundamentos distintos (alínea c) e d) do artigo 696.º do CPC), tendo ambos os fundamentos sido considerados inadmissíveis, e desta decisão a Recorrente interpôs agora este recurso e em cumprimento do artigo 14.º, n.º 1 do CIRE apresentou um acórdão fundamento que estivesse em oposição com a decisão da qual estava a recorrer.

S. Sem prejuízo do que já se disse quanto a essa alegada oposição, o certo é que esse acórdão fundamento não apresenta qualquer ponto de contacto com o fundamento da alínea c), daí que a admitir-se o recurso de revista – o que não se concede – este apenas pode recair sobre o fundamento da alínea d) do artigo 696.º, dado que quanto ao fundamento do recurso de revisão constante na alínea d) do artigo 696.º não foram manifestamente cumpridos os requisitos necessários constantes do artigo 14.º, n.º1 do CIRE, para se recorrer de tal parte da sentença.

T. Ainda assim, por mero dever de patrocínio, vai-se aqui expor por que razão não deve o recurso de revisão ser considerado admissível, para efeitos de tal alínea.

Vejamos,

U. Um recurso de revisão é um recurso extraordinário que apenas deve ser considerado admissível em casos extremos, dado que se está a recorrer de uma decisão que já transitou em julgado, não podendo, como bem se pode perceber, lançar mão deste tipo de recurso com leviandade.

V. Para o efeito da alínea c) do artigo 696.º, a Recorrente apresenta um relatório da D... que foi elaborado a pedido daquela e a qual incide sobre o plano aprovado e homologado, com especial enfoque na valorização de ativos.

W. Ora, muito embora este documento seja objetivamente superveniente, pois foi elaborado após o trânsito em julgado da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, este relatório é construído com base em informações que a Recorrente já poderia ter tido conhecimento caso tivesse solicitado durante o decurso do PER, ou seja, apenas por não ter atuado de modo diligente é que não obteve tais informações.

X. Para além disso, as novas informações a que a Recorrente teve acesso, não são sequer determinantes nas conclusões avançadas pelo relatório junto, não devendo por isso ser considerado admissível a junção deste relatório para efeitos do artigo 696.º, al. c) do CPC, sendo de sufragar por inteiro a decisão do tribunal a quo quanto a este aspeto.

Y. Para além disto, a própria natureza do relatório apresentado não é apta a fundar o recurso de revisão, pois, para efeitos do artigo 696.º, al. c) do CPC, o documento a apresentar deve tratar-se de uma declaração de verdade ou de ciência, pelo que deve ser um documento em sentido estrito91 e no caso trata-se de um relatório de uma consultora que foi elaborado a pedido da Recorrente.

Z. Veja-se que a admitir-se que os recursos de revisão podiam ser admitidos com base em documentos técnicos elaborados a pedido de alguma das partes, então estava encontrada a solução para se interpor, sucessivamente, recursos de revisão, dado que bastaria à parte vencida ir apresentando novos documentos técnicos, como são os pareceres e o relatório agora apresentado.

AA. Mas mais, este relatório nunca teria a apetência de modificar a decisão que constitui objeto de tal recurso de revisão (sendo este um outro requisito constante da al. c) do artigo 696.º do CPC), não só pela sua natureza de documento particular, o qual, como bem se sabe, não só não é um meio de prova com força plena, como é, aliás, um meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador, BB. Como também pelos outros meios de prova constantes no processo, desde logo, o relatório elaborado pela E... que foi apresentado pela aqui Recorrida.

CC. A Recorrente também fundamentou o seu recurso de revisão na alínea d) do artigo 696.º do CPC, tendo invocado, para este efeito, que o PER que tinha sido homologado era nulo, por alegado abuso de direito, sendo o abuso de direito sustentado com base no relatório da D... que tinha sido junto.

DD. Visto que o PER, segundo a Recorrente, é uma transação, estavam preenchidos todos os pressupostos para o recurso de revisão, ao abrigo do artigo 696.º, al. d) do CPC.

EE. Antes de mais, se o relatório que foi junto não pode fundamentar o pedido de revisão da sentença por não se poder considerar que este é um novo documento para efeitos da alínea c) do 696.º do CPC, então não se pode aceitar, sob pena de se criar uma incongruência no regime do recurso de revisão, que a Recorrente já possa utilizar tal documento para efeitos da alínea d) do artigo 696.º do CPC.

FF. Para mais, não se pode entender o PER como uma transação para efeitos da alínea d) do artigo 696.º do CPC, pois, o PER não tem subjacente qualquer litígio, enquanto a transação tem sempre como pressuposto uma determinada conflitualidade, à qual visa por termo ou, então, preveni-la.

GG. Deste modo, também não se pode considerar como verificados os fundamentos de admissibilidade do recurso de revisão, caso entenda-se, o que não se aceita, que o próprio recurso de revista é admissível.

Quanto ao entendimento (inconstitucional) do prazo para contra-alegar

HH. Tem sido sustentado na doutrina que o direito a um processo equitativo, expressamente consagrado no artigo 20.º, n.º 4 da CRP, está diretamente relacionado com o princípio do contraditório, dado que um processo apenas se afigura equitativo se as partes tiverem efetivamente a possibilidade de apresentar os seus argumentos, de facto e de direito,

II. Ao invés, um qualquer regime que apenas aparenta conceder tais prerrogativas às partes, mas que, no plano material, as condições que lhes são impostas não são adequadas a poderem exercer essas mesmas prorrogativas, deve ser considerado inconstitucional, por violação daquele direito.

JJ. No despacho de 10.11.2022, o tribunal a quo decidiu que a Recorrida deveria ser notificada dos termos do recurso de revisão e do recurso de revista e apresentar, no espaço de 15 dias, contra-alegações a ambos os recursos caso assim o quisesse.

KK. A fixação deste prazo está diretamente relacionada com o facto de se estar perante um processo de insolvência, o qual é um processo urgente e os prazos para contestar em processos urgentes são de 15 dias (art. 638.º, n.º 1 do CPC).

LL. Acontece que no âmbito de recurso de revisão, de acordo com o artigo 699.º, n.º 2 do CPC, o recorrido tem 20 dias para contra-alegar, sendo que esta norma deve ser considerada como especial em face do artigo 638.º, n.º1 do CPC, dado que estamos perante um recurso extraordinário.

MM. Em face da decisão do tribunal a quo, a Recorrida ficou numa situação caricata: se tivesse sido admitido o recurso de revisão, teria usufruído do prazo de 20 dias, de acordo com o artigo 699.º, n.º 2 do CPC, mas como o recurso de revisão não foi aceite e, nessa sequência, foi apresentado um recurso de revista, nos termos do artigo 14.º, n.º1 do CIRE, a Recorrida deixou de ter 20 dias para passar a ter 15 dias, para contra-alegar a dois recursos distintos: o recurso de revisão e o recurso de revista – o que a Recorrida não aceita desde já.

NN. Esta interpretação que o tribunal a quo faz do artigo 638.º, n.º 1 do CPC – ou seja, no âmbito de um processo de insolvência no qual se recorre, ao abrigo do artigo 14.º, nº.1 do CIRE, de uma decisão de indeferimento de um recurso de revisão, tem o recorrido o prazo de 15 dias, conforme estatui o art, 638.º, n.º 1 do CPC, para vir responder aos dois recursos – é manifestamente inconstitucional, pois viola o princípio do contraditório, que é uma decorrência do direito ao processo equitativo, previsto no art. 20.º, n.º 4 do CPC.

OO. Mas mais, existe uma flagrante violação do princípio da igualdade, pois aqueles que não viram o recurso de revisão da parte contrária ser indeferido liminarmente têm 20 dias para responder a tal recurso; já aqueles que viram o tribunal rejeitar o recurso de revisão, terão, caso seja interposto recurso desse indeferimento, apenas 15 dias para responder ao recurso de revisão e ao recurso de revista.

PP. Assim, deve considerar-se que o entendimento do douto tribunal, no seu despacho de 06.09.2022, é inconstitucional, por violação do seu direito ao processo equitativo, na vertente do princípio do contraditório, assim como violador do princípio da igualdade.”.

II – APRECIAÇÃO DO RECURSO

De acordo com o teor das conclusões das alegações (que delimitam o âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de conhecimento oficioso – artigos 608.º, n.º2, 635.º, n.4 e 639.º, todos do CPC), mostra-se submetida à apreciação deste tribunal a seguinte questão:
Ø Da admissibilidade do recurso extraordinário de revisão: preenchimento dos pressupostos invocados

1. Da admissibilidade da revista (questão prévia)

A Recorrente interpôs revista do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação que indeferiu o recurso extraordinário de revisão, invocando os artigos 14.º, n.º 1, 2ª parte, do do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), 697.º, n.º 6, ex vi do artigo 17.º do CPC, alegando ocorrer oposição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão proferido pelo tribunal da Relação de Coimbra de 07-04-2016 (acórdão-fundamento) relativamente à questão da natureza jurídica (enquanto transacção processual) do plano de recuperação.

Defende a Recorrida a inadmissibilidade da revista face à inverificação dos requisitos específicos de recorribilidade previstos no artigo 14.º do CIRE, por:

- não ocorrer oposição frontal de acórdãos (a divergência da questão revelar-se apenas implícita e não se reportar à questão essencial que constituiu a resolução do litígio)[2];

- a decisão recorrida, equivalendo a uma decisão de indeferimento liminar, não ter cabimento no artigo 14.º, do CIRE.

Tendo presente o que dispõe o n.º 6 do artigo 697.º do CPC, nos termos do qual, as decisões proferidas em processo de revisão admitem os recursos ordinários a que estariam originalmente sujeitas no decurso da ação em que foi proferida a sentença a rever, considerando que a decisão a rever respeita a sentença homologatória de um PER, a apreciação dos pressupostos da admissibilidade do recurso interposto terá de ser feita como se o acórdão recorrido tivesse sido proferido no âmbito dos autos principais, ou seja, os autos de revitalização.

Conforme tem vindo a ser pacificamente entendido neste tribunal[3], o regime especial de recursos previsto no artigo 14.º, do CIRE[4], tem aplicação aos processos especiais de revitalização, pelo que, a admissibilidade dos recursos nesse âmbito tem de ser aferida à luz desse regime especial de recurso restritivo, que tem subjacente uma finalidade de celeridade, sem deixar de ser assegurado o segundo grau de jurisdição; nessa medida, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça apenas se justifica para serem ultrapassados os conflitos jurisprudenciais do segundo grau de jurisdição.  

Uma vez que o regime restritivo de recurso ao STJ estabelecido no artigo 14.º, do CIRE, tem por pressuposto estar assegurado “o segundo grau de jurisdição”, tal restrição (através do requisito específico da oposição de acórdãos) é avocada nas situações em que o tribunal da Relação funcione como 2.ª instância, ou seja, enquanto tribunal de recurso; não, quando a sua intervenção se encontre assumida como uma 1.ª instância.

No caso, embora esteja em causa um recurso extraordinário de revisão, o seu objecto é idêntico ao dos autos principais, uma vez que através dele se pretende a alteração da decisão de homologação do PER, ou seja, por via dele visa-se alcançar a não homologação do PER pretendida pela Recorrente no âmbito do processo especial de revitalização. Importa, por isso, compaginar o disposto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 697.º do CPC, com o artigo 14.º, do CIRE (onde não se encontram previstas as situações em que o tribunal da Relação conheceu do objecto do processo em 1.ª instância).

Assim sendo, tendo a decisão recorrida sido proferida pelo tribunal a quo enquanto decisão em 1.ª instância (independentemente de constituir uma decisão colegial), há que garantir à Recorrente o duplo grau de jurisdição, que sempre lhe assistiria nos termos do referido artigo 14.º do CIRE. Nessa medida, não pode deixar de se considerar que a admissibilidade do recurso de revisão interposto para este Supremo Tribunal não se encontra sujeita ao requisito específico exigido por aquele artigo 14.º, isto é, condicionada à verificação de oposição de acórdãos, carecendo, pois, de cabimento para o conhecimento do respectivo objecto indagar se, no caso, ocorre uma efectiva contradição entre o acórdão recorrido e o indicado acórdão-fundamento.

               

2 .Da admissibilidade do recurso extraordinário de revisão:
O recurso de revisão tem por finalidade a destruição do caso julgado formado numa acção[5], e justifica-se pela “necessidade de corrigir anomalias graves do processo, não obstante se ter verificado já o trânsito em julgado da decisão recorrida. (…) desta situação vai resultar uma nova faceta do conflito entre os dois interesses fundamentais representados pela certeza e segurança jurídica e pela necessidade de justiça[6].
Configurando-se, assim, como um mecanismo jurídico de excepção à intangibilidade do caso julgado, “não pode basear-se em alegações inconsistentes, infundadas e levianas, próprias da parte que não se conformou com a decisão definitiva sobre o mérito da causa e procura, por essa via, encontrar mais uma instância de recurso[7].
Com a interposição do recurso de revisão a Recorrente visa colocar em crise a decisão de homologação do plano especial de revitalização, por considerar que o documento que fez juntar aos autos impõe, por si só, uma decisão de não homologação.
Defende, ainda, que o plano especial de revitalização constitui, para todos os efeitos, uma transação, devendo ser declarado nulo, nos termos do disposto na alínea d) do artigo 696.º do CPC.
Invoca, por isso, os fundamentos previstos nas alíneas c) e d) do artigo 696.º do CPC:
(…) c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida;
d) Se verifique nulidade ou anulabilidade de confissão, desistência ou transação em qe a decisão se fundou.

2.1 Da verificação do fundamento previsto na alínea c)
Relativamente a este pressuposto refere Abrantes Geraldes que “(…) o acesso ao recurso de revisão apenas pode ser permitido nos casos em que não tenha sido objetiva ou subjetivamente possível à parte apresentar o documento em tempo de interferir no resultado declarado na decisão revidenda, o que convoca, além do mais, a possibilidade conferida pelo art. 662.º, n.º 1, de junção de documentos supervenientes em sede de recurso de apelação.[8]
No mesmo sentido, o STJ tem vindo a considerar que a apresentação de documento só será admissível quando o mesmo, por si só e sem o apelo a demais elementos de prova, seja capaz de destruir o juízo probatório realizado em sede da decisão revidenda, impondo uma decisão mais favorável ao recorrente, sempre que este não tenha podido fazer uso dele por desconhecimento da sua existência, ou pela sua objectiva inexistência.
Este fundamento exige, assim, a presença de dois requisitos de verificação cumulativa: a novidade do documento (não ter sido apresentado no processo no qual foi proferida a decisão, quer por não existir, quer por a parte não poder dele dispor) e a suficiência do mesmo (ser susceptível de levar a uma alteração do decidido objecto de revisão, impondo decisão mais favorável)[9].
Tem vindo a ser igualmente entendido por este tribunal, que tal documento se reporte à demonstração ou a impugnação de factos pré-alegados pelas partes, ou adquiridos para o processo (não podendo visar a prova de factos novos), que tenham sido essenciais para a decisão de mérito colocada em crise e imponham a sua alteração[10], sendo de rejeitar o recurso sempre que da prova de um facto ou da sua exclusão não resulte, por si só, uma decisão mais favorável ao recorrente.
O fundamento do presente recurso de revisão assenta na junção de um relatório elaborado pela consultora D..., alegadamente com incidência crucial no plano aprovado, do qual a Recorrente retira uma valorização não considerada da participação da H..., por desconhecimento quando do proferimento da sentença de homologação do PER.
Refere a Recorrente que, beneficiando de um penhor sobre as acções da O..., a aprovação do PER configura uma decisão, para si, mais desfavorável, porquanto, num cenário de insolvência, ser-lhe-ia possível receber o valor equivalente ao seu crédito com recurso ao produto da venda das mencionadas acções.
Está, assim, em causa a demonstração do valor das participações sociais detidas pela devedora e cujo valor, conforme passaremos a justificar, a ora Recorrente, já em Junho de 2020, colocava em crise.
Sobre esta matéria, o acórdão recorrido pronunciou-se nos seguintes termos:
a) quanto à novidade do documento:

“(…) estamos perante um documento elaborado na sequência de expressa solicitação da recorrente, em momento posterior ao trânsito em julgado do acórdão proferido, sendo inequívoca a sua superveniência (objetiva), datando o relatório de fevereiro de 2022, sendo certo que o requerimento de interposição de recurso data de 02-03-2022, ou seja, o recurso foi interposto cerca de um mês da data em que a recorrente teve conhecimento desse documento.

Esse relatório técnico, em face da tramitação do PER é, pois, objetivamente superveniente, mas a aferição do requisito novidade não pode quedar-se por aí, em face da conformação do recurso feita pela própria recorrente, sendo que a jurisprudência dos tribunais superiores também não se queda por essa análise de primeira aparência.

O que resulta dos autos, mormente do confronto entre o requerimento de interposição de recurso e as vicissitudes processuais anteriormente ocorridas, é que o aludido documento, apresentado pela recorrente para fundamentar a revisão, consubstancia um estudo feito pela consultora D..., um parecer ou uma “análise crítica”, estudo este que só agora a CGD solicitou – e adiante voltaremos a essa matéria –, quando, manifestamente, o podia/devia ter feito em momento anterior, durante a tramitação do PER, tendo em vista a comprovação do circunstancialismo por si alegado e já em discussão nessa fase.

Efetivamente, no requerimento apresentado pela CGD em 18-06-2020, em que a credora indicou votar desfavoravelmente o plano apresentado pela devedora em 05-06-2020, peticionando que o tribunal profira decisão de não homologação, a credora alegou, para fundar a sua pretensão, no caso de o plano vir a merecer aprovação da maioria dos credores, que:- Ocorreu “uma nítida violação do princípio da boa fé e da transparência na atuação da Devedora” merecedora da “sua imediata não homologação oficiosa por parte deste Douto Tribunal” (art. 39.º); durante o período das negociações “vários foram os pedidos da Requerente que ficaram sem resposta, designadamente variada documentação relativa à Devedora e às entidades por si participadas” (art. 42).º negociações que “ na ótica da Requerente”, “por parte de Devedora não tiveram o real intuito de ser produtivas e de acomodar os interesses da CGD mas tão-só os da SCOA” (art. 43.º), contando esta “com a aprovação do plano por via dos créditos subordinados e do Novo Banco/A...” (art.45.º). A Devedora pretende “impor aos seus credores um sacrifício excessivo e desmedido por forma a alcançar os seus interesses próprios” (art. 49.º), “estabelecendo condições demasiado gravosas para os credores” (art. 51.º), “quando a revitalização da Devedora não é sequer uma hipótese viável” (art. 52.º) sendo que “o único intuito da Devedora parece ser “limpar” crédito” (art. 67.º) – cfr. os arts. 34.º a 88.º.
(…) Em sede de PER era, obviamente, relevante a averiguação da situação das participadas, com reflexos na aferição da medida do valor do ativo da devedora, até para analisar do acerto da posição sustentada pela CGD e não se vislumbram razões para a recorrente não ter procedido a essa investigação e avaliação, solicitando a intervenção coadjuvante das entidades que tivesse por pertinente, em ordem a apresentar, no momento processualmente oportuno, o estudo que só agora apresenta, tanto mais que, lendo o relatório apresentado pela D..., se conclui com linearidade que a avaliação efetuada nesse relatório o podia ter sido, claramente, em 2020, com os elementos que o processo fornecia e em face do Plano apresentado e do relatório da E..., aludindo a D... ao método de avaliação seguido pela E... (método dos múltiplos de transação), sugerindo outros e concluindo em conformidade.
O documento em causa podia/devia ter sido apresentado em momento anterior, finda a fase das negociações e aquando da audição dos credores quanto ao plano apresentado (art. 17.º-F, nºs 2 e 3 do CIRE), juntando tal elemento probatório com o articulado em que solicitou a não homologação do plano, tendo em conta as regras alusivas ao ónus de prova enunciadas no art. 342.º do Cód. Civil, preceito cuja aplicação deve ser feita tendo em conta as especificidades do processo de recuperação.
Assim, compete à empresa que se apresenta e dá início ao PER o ónus de alegação e prova do circunstancialismo em que fundamenta o pedido de recuperação e do circunstancialismo que justifica o conteúdo específico do plano apresentado, ponderando as estipulações constantes do mesmo – é nesse âmbito que se circunscreve a apresentação pela devedora do relatório da E..., como prova de natureza documental –, como compete aos credores que deduzem pedido de não homologação e que impugnam esse circunstancialismo e/ou alegam factos impeditivos, modificativos ou extintivos juntar os elementos de prova pertinentes tendo em vista comprovar essa alegação. Saliente-se que tendo em atenção os (curtíssimos) prazos aí assinalados, a prova a oferecer pelos intervenientes é, necessariamente, em princípio, de natureza documental.
Conclui-se, pois, que o documento da autoria da D..., atenta a data em que foi produzido (fevereiro de 2022) e tendo por referência o trânsito da decisão cuja revisão se pretende (final de 2020), é objetivamente superveniente, mas podia ter sido apresentado em momento anterior, na fase processual devida, finda a fase das negociações e aquando da audição dos credores quanto ao plano apresentado (art. Art. 17.º-F, nºs 2 e 3 do CIRE), o que não aconteceu porquanto a recorrente não cuidou/diligenciou nesse sentido, juntando tal elemento probatório com o articulado em que solicitou a não homologação do plano.
No contexto assinalado, esse documento não pode servir de suporte à instauração do recurso de revisão com base no normativo convocado pela recorrente (alínea c) do art. 696.º) sob pena de se subverter a ratio do recurso de revisão, que é extraordinário, exatamente porque coloca em crise um princípio fundamental, de estabilidade do sistema, que é o caso julgado; não se destina a colmatar ou suprir falhas dos intervenientes no cumprimento de ónus e deveres que impendem sobre si, maxime facultando-lhes uma nova oportunidade de carrear para o processo elementos probatórios de natureza documental que, por sua exclusiva responsabilidade, não foram apresentados no momento devido.
Ao contrário do que propugna a recorrente, afigura-se-nos que o documento em causa não preenche, pois, o requisito aludido.
É certo que a recorrente tenta enquadrar temporalmente a solicitação da elaboração da avaliação feita pela D....
Assim, o argumento espelhado nas alegações de recurso é que a recorrente solicitou a elaboração desse relatório porque teve conhecimento de circunstancialismo tido por relevante para a defesa da sua posição, circunstancialismo que também apelida de “novo”. Atente-se à explanação constante das alegações, que antecedem a conclusão de que “[o] presente recurso deve ser admitido, por legal e tempestivo.

O que daqui resulta é que só muito tardiamente a recorrente decidiu aceder a dados registais alusivos à subsidiária O..., a saber, relatórios de contas da sociedade, sendo certo que não se vislumbram razões para não o ter feito anteriormente, pelo menos no final do ano (de exercício) de 2020, uma vez que os elementos em causa se mostravam acessíveis desde 01-10-2020 [ 22 ] [ 23 ]. Atenta a tramitação do processo na fase de recurso, a que supra se aludiu, a recorrente já não estava em tempo de apresentar os documentos respetivos, documentos que ora juntou sob os nºs 3, 4, 5, 6 e 7 (art. 651.º, nº1), mas a verdade é que, novamente, se tivesse usado da diligência devida, há muito teria acesso a esses elementos.

Afigura-se-nos que a explicitação feita tem em vista, verdadeiramente, a salvaguarda do cumprimento da exigência prevista na parte final do nº2 do art. 697.º, quanto ao prazo de 60 dias aí consagrado: a recorrente contabiliza o prazo para a interposição de recurso com base no termo inicial correspondente a 3 de fevereiro de 2022, data em que recebeu a comunicação reportada no documento nº ..., documento que junta como “prova adicional do novo documento”. Trata-se de uma comunicação do liquidatário de outra sociedade do grupo (Orey Financial IFIC), datada de 01-02-2022 – sendo que a comunicação foi enviada por carta expedida na mesma data, como se constata da primeira página do documento [ 25 ]. Saliente-se que a recorrente não indica quando acedeu aos dados registais que apresenta, resultando do seu requerimento que o terá feito apenas após 03-02-2022.

Saliente-se, aliás, que as referências feitas pela D... a esses elementos são parcas, resultando desse relatório que constituíram apenas um dos elementos de informação a que atenderam [ 26 ] e tiveram uma relevância que, afigura-se-nos, foi perfeitamente secundária na formação das conclusões a que chegou [ 27 ], o que perpassa de todo o enunciado do relatório; pode seguramente afirmar-se, perante o teor do relatório da D... que, mesmo sem esses dados alusivos à O..., as conclusões a que chegaria seriam as mesmas.
Em suma, desde 01-10-2020 estava ao alcance da recorrente a obtenção dos elementos alusivos às contas anuais da sociedade OREY CAPITAL PARTNERS TRANSPORTS AND LOGISTICS S.C.A. SICAR (exercícios de 2015 a 2019) pelo que se só obteve tais elementos em 2022, porque efetuou diligências na sequência da referida comunicação, só depois solicitando a elaboração do relatório da autoria da D..., que ora apresenta, conclui-se que não usou da diligência exigível, não podendo considerar-se, ao contrário do que a recorrente parece entender, que a situação assinalada é de molde a justificar a solicitação desse relatório apenas no momento atual, em 2022.”.
b) quanto à suficiência do documento:

A rejeição do recurso impõe-se, ainda, porquanto se entende que também não se mostra verificado o outro requisito assinalado, alusivo à suficiência do documento junto.

O documento apresentado configura um relatório realizado por uma consultora, em área da sua atividade e com base nos específicos conhecimentos que possui – nessa medida com alguns pontos de contatos com a prova pericial (art. 388.º do Cód. Civil) –, procedendo a D... a uma análise de cariz técnico, emitindo o seu parecer, análise que também incidiu sobre o relatório apresentado pela E..., sugerindo a aplicação de outros parâmetros de avaliação para além daquele firmado no relatório da E....

Estamos perante documento de natureza particular (art. 362.º do Cód. Civil) que, não se questionando a genuinidade da autoria, como seguramente é o caso, não tem força probatória plena quanto aos factos que se destina a comprovar, atentas as suas caraterísticas (art. 376.º do Cód. Civil) [ 28 ]; aliás, lendo esse relatório, concluiu-se com linearidade que nunca o tribunal podia emitir qualquer juízo quanto à valorização da H... exclusivamente com base nesse documento.

Assim sendo, esse documento, por si só, nunca seria suscetível de fundar o recurso de revisão.
Tudo em ordem a concluir, quanto ao fundamento do recurso de revisão a que alude a alínea c) do art. 696.º, que não há motivo para a revisão, justificando-se o indeferimento do recurso (art. 699.º nº1).
O acórdão recorrido, fazendo uma análise detalhada dos elementos constantes dos autos de revitalização, concluiu pela não verificação dos requisitos novidade e suficiência exigíveis neste âmbito, por considerar que a Recorrente podia ter obtido o documento e, ainda que assim não fosse, o mesmo não se mostrava suficiente para, por si só, alterar o desfecho dos autos.
Vejamos.
Em primeiro lugar e como se mostra justificado pelo acórdão, não há dúvida de que, no caso, se encontra evidenciado o necessário requisito da pré-alegação já que, a factualidade que a Recorrente fez ressurgir através deste recurso, havia sido por si invocada quando do requerimento apresentado em 18-06-2020[11].
Relativamente ao requisito da novidade, a data da elaboração do relatório da D... não permite qualquer dúvida quanto à superveniência objectiva do documento. Porém, o mesmo não acontece, como decidido pelo tribunal a quo, quanto a considerá-lo subjetivamente superveniente.
Conforme fizemos salientar, os valores da segurança e certeza inerentes à figura do caso julgado impedem que o recurso extraordinário de revisão possa constituir meio jurídico de garantir uma segunda oportunidade para prova de factos pré-alegados.
Como se encontra consistentemente justificado na decisão recorrida, independentemente de a Recorrente apenas ter tomado conhecimento das contas da O... após o trânsito em julgado da decisão revidenda, os elementos do processo principal mostram que o valor das participações constituiu questão suscitada, revelando, nessa medida, que a Recorrente não se encontrava impedida de, por sua iniciativa, solicitar a avaliação das mesmas.
Por outro lado, sem se colocar em causa que as contas oficiais possam constituir elemento relevante para a avaliação do valor de mercado das mencionadas participações, o certo é que, por si só, não podem ser consideradas como elemento determinante ou essencial. De outro modo, mal se compreenderiam as projecções que a própria Recorrente avançou, no decurso do processo de revitalização quanto ao valor de mercado das mencionadas participações.
Assim sendo, perante as dúvidas da Recorrente quanto ao valor atribuído às participações, não podemos deixar de concluir que a mesma podia e devia ter solicitado a sua avaliação, designadamente através de documentação adicional, de forma a demonstrar o que já havia sido por si invocado.
Considerando que o requisito novidade a que alude a alínea c) do artigo 696.º do CPC, diz respeito a uma superveniência objectiva e subjectiva (no sentido de que tem de dizer respeito a documento não existente ou não conhecido determinado por motivos não imputados ou imputáveis à parte), verificando-se que a parte só se dispôs a obter tal documentação após o trânsito em julgado da decisão não pode pretender a revisão da mesma sob pena do comprometimento da segurança jurídica do caso julgado.
Acresce que, tal como considerado pelo tribunal recorrido, não se verifica ainda o requisito da suficiência entendida nos termos em que se impõe para o efeito: “como exigência de que o documento apresentado disponha, por si só, de total e completa suficiência probatória, no sentido de que, se esse documento tivesse sido tomado em consideração pelo tribunal que proferiu a decisão revidenda, essa decisão nunca poderia ter sido aquela que foi – e isto sem apelar a outros meios de prova, sejam eles documentais, testemunhais ou periciais –, por constituir prova plena de um facto inconciliável com a decisão a rever.”[12] .
Na verdade, trata-se de um relatório elaborado pela consultora D..., a pedido da Recorrente, que assume a natureza de documento particular, a ser apreciado livremente e que não demonstra, de forma inequívoca, que, à data da aprovação do PER, era inviável que as participações da devedora tivessem o valor ali mencionado.
Aliás, a ausência de força probatória inequívoca acaba por ser assumida pela própria Recorrente ao afirmar que “o documento vem é provar que se tivesse sido possível de obter e/ou juntar ao PER em fase oportuna, que foi impossível, a decisão de homologação possivelmente teria sido de recusa da homologação” – (realce e sublinhado nosso).
A mera possibilidade não é, pois, condição suficiente para determinar a admissibilidade do recurso de revisão.
Por outro lado, no que especificamente diz respeito ao valor das acções, importa realçar um dado que vem resultando da experiência e acaba por redundar numa realidade quase incontornável: a venda de activos em cenário de insolvência ocorre, em regra, por valores muito abaixo do valor de mercado. Consequentemente, ainda que se mostrasse plenamente seguro ser outro o valor de mercado das participações sociais em análise, nada garantia que fosse esse o efectivo valor a ter em linha de conta em termos de venda de activos e, com isso, a conclusão que a Recorrente retira: que beneficiaria da insolvência.
Tal como concluído pelo acórdão recorrido, o documento em causa não contém uma força probatória para, por si só, abalar as bases em que se fundou a decisão revidenda no que se reporta à efectiva realidade da situação financeira da devedora à data da homologação do PER.
Falecem, pois, nesta parte, as conclusões do recurso, por não se verificar o fundamento de admissibilidade de revisão previsto na alínea c) do artigo 696.º do CPC, em que a Recorrente se sustentou.

2.2 Da verificação do fundamento previsto na alínea d) - (revisão com fundamento na nulidade do PER)

O fundamento de revisão ínsito na alínea d) do artigo 696.º do CPC (invalidade da confissão, desistência ou transacção), deve ligar-se directamente ao disposto no art. 291.º que abre ao interessado duas possibilidades de uso alternativo: instauração de acção para declaração da invalidade ou interposição de recurso de revisão em que sejam invocados os factos reveladores da nulidade ou anulabilidade ”.[13],
Invoca a Recorrente como fundamento do presente recurso de revisão a nulidade do PER por abuso do direito, por considerar que o mesmo é, manifestamente, inviável e por a devedora ter omitido informações das quais decorrem que o cenário da insolvência seria mais favorável aos credores.
O tribunal a quo concluiu pela inverificação do fundamento previsto na alínea d) do artigo 696.º do CPC, alicerçado na inconsideração do documento em que a Recorrente sustentou a invocação daquele pressuposto. Para além disso, fez referência, ainda que subsidiariamente, à inviabilidade de aplicação, no caso, do pretendido fundamento, atenta a posição jurídica em que se coloca relativamente à natureza jurídica do PER.
Refere o acórdão a tal respeito:

No caso, a recorrente suporta igualmente esta alegação invocando as “conclusões” do relatório da D..., como à evidência resulta das alegações de recurso [ 31 ]. Assim sendo, não sendo viável atender-se ao documento aludido, falece o pressuposto em que a recorrente suporta o fundamento invocado.

Independentemente do exposto e em fundamentação subsidiária, sempre se dirá que se entende não poder reconduzir ou equiparar a um contrato de transação, com a delimitação que resulta dos citados preceitos e para os efeitos assinalados, isto é, como suscetível de suportar um recurso de revisão, o ato pelo qual, no processo especial de revitalização (PER), o devedor apresenta um plano de recuperação e os credores, em número correspondente à maioria legalmente exigida, dão a sua adesão por via do voto favorável.

Assim, o PER não tem, afigura-se, uma estrutura adversarial [ 32 ], daí que não possa considerar-se que o devedor tem o direito à recuperação, que exerce por via da instauração do processo, e que os credores sejam os intervenientes contra os quais litiga, em ordem a concluir-se que o plano apresentado pelo devedor e votado favoravelmente pelos credores configura o terminus de um litígio “mediante recíprocas concessões”.

Com o contrato de transação as partes chamam a si a regulação do litígio que as opõe, extinguindo-se a instância na sequência da transação realizada e com a prolação da sentença homologatória da transação, (arts. 277.º, alínea d), 283.º, nº2 e 284.º), substituindo-se, nessa medida, ao juiz na definição dos direitos e deveres recíprocos [ 33 ], pondo termo a um processo judicial o que aqui, claramente, não acontece, tanto assim que o processo pode prosseguir em caso de incumprimento (art. 17.º-F, nº12 do CIRE, na redação vigente à data) [ 34 ], sendo certo que o processo vincula mesmo os credores que não deram o seu voto favorável ao plano – como aqui aconteceu com a CGD –, o que é de todo incompatível com a figura contratual da transação; a circunstância de estamos perante um processo marcadamente de cariz negocial, como resulta do texto da lei e é evidenciado uniformemente pela doutrina e jurisprudência, não significa que possa considerar-se estarmos perante um contrato de transação, ainda que de natureza especial, em ordem a afirmar-se, como a recorrente pretende, que está abrangido, por isso, pela previsão do art. 696.º, alínea d). (destaque e sublinhado nosso).
Em suma, também quanto a este fundamento do recurso de revisão se entende que não há motivo para a revisão, justificando-se o indeferimento do recurso (art. 699.º nº1).”
Relativamente ao fundamento previsto na alínea d) do artigo 696.º do CPC, a doutrina tem vindo, pacificamente, a entender que “o recorrente pode, no próprio recurso extraordinário de revisão, invocar directamente a invalidade da confissão, desistência ou transacção (art. 301-1) em que a sentença revidenda se fundara, tendo, na fase rescindente, de provar os factos que consubstanciam tal invalidade[14].
Em nosso entendimento, de algum modo não inteiramente coincidente com a posição sustentada pelo tribunal recorrido, está em causa um fundamento de revisão autónomo, que não se encontra dependente dos requisitos novidade ou suficiência exigidos pela alínea c) do artigo 696.º do CPC.
Nessa medida, importará apenas aferir se, em face da alegação da Recorrente e da prova que juntou, existem elementos suficientes que tornem viável a declaração de nulidade do PER.
Para isso, cabe ainda chamar à colação a questão de saber se o PER se encontra abrangido pela ratio da referida norma, ou seja, se pode ser considerado uma transacção para efeitos de revisão de sentença homologatória.
A jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça tem vindo, de forma reiterada, a considerar que “o plano de revitalização do devedor, à semelhança do plano de insolvência, traduz-se num autêntico negócio jurídico, numa espécie de transação (v. Gisela Teixeira Jorge Fonseca, A natureza jurídica do plano de insolvência, in Direito da Insolvência, Estudos, Coordenação Rui Pinto, p.. 122) e, nesta medida, resolve-se num verdadeiro contrato. O que tem de característico é a circunstância de se impor, dentro dos limites admitidos na lei, a todos os credores, a despeito de poder eventualmente representar a vontade de apenas alguns deles.”[15].
Como se salientou no acórdão de 09-06-2021 (nota 15), “o facto de o processo especial de revitalização ser um instrumento de natureza essencialmente negocial, privatística portanto, não significa que todo o seu desenvolvimento decorra à margem da intervenção do Tribunal, sem qualquer interferência do Juiz, como parece inculcar a jurisprudência em confronto, o que resulta inequivocamente do nº 1 do artigo 17º-F do CIRE, o qual prevê que aquando da conclusão das negociações, com aprovação unânime, ou não, o plano deverá ser remetido ao Tribunal «para homologação ou recusa da mesma pelo juiz», o que impõe a verificação do cabal cumprimento de todos os pressupostos materiais e formais.”.
Trata-se, assim, de “um processo negocial extrajudicial do devedor com os credores, com a orientação e fiscalização do administrador judicial provisório, focalizado na obtenção de um acordo para a revitalização da empresa, permitindo que esta regularize os seus compromissos para com os seus credores de forma preventiva, isto é, antes de entrar numa situação irreversível de insolvênciaI”[16].
Gisela Fonseca considera que “não vemos razão para nos afastarmos da anterior qualificação do plano de insolvência como uma figura de cariz contratual e processual, semelhante à transacção. (…) sendo o plano de insolvência um negócio jurídico de auto-composição do litígio que emerge da situação de insolvência do devedor, com a mediação ou conciliação do administrador da insolvência e homologação judicial, susceptível de produzir efeitos processuais e obrigacionais tal como se verifica na transacção.”.[17]
Refere ainda a mesma autora que “a inexistência de entraves à equiparação do plano de insolvência à figura da transacção, permite ao plano comungar da mesma natureza jurídica da transacção, a qual se reflecte numa natureza dual (AA), simultaneamente processual, por permitir a extinção do litígio existente entre as partes, e contratual, na medida em que o acordo estabelecido regula a relação jurídica entre as partes envolvidas no processo através do possível estabelecimento de concessões recíprocas; Apenas uma visão dualista do plano de insolvência e a sua recondução à figura da transacção possibilitam responder à problemática da sua natureza jurídica, permitindo ao intérprete-aplicador alcançar verdadeiramente a complexidade desta peça central do direito da insolvência português.”.
Tiago Soares da Fonseca considera, igualmente, que “não obstante o potencial litígio e a reciprocidade das concessões, o plano de recuperação será igualmente, nessas circunstâncias, uma transação sui generis: o litígio é eventual; a sua celebração não pressupõe o consentimento de todos os envolvidos (art. 17.°-F/3 e 6 do CIRE); o escopo da figura, ainda que pondo termo a um litígio, é a revitalização do devedor (art. 17.°-A do CIRE); por fim, o regime aplicável é o dos artigos 17.°-A e seguintes do CIRE.”[18].
Partilhamos deste entendimento.
Na verdade, o PER não deixa de corresponder a uma proposta contratual aceite por uma maioria de credores que envolve a constituição, modificação ou extinção de direitos, numa lógica de concessões recíprocas, traduzindo, por isso, uma convergência de vontades, que tem plena configuração na figura do negócio jurídico celebrado ao abrigo da autonomia privada e, nessa medida, com cabimento na noção de transacção definida no artigo 1248.º, do Código Civil (CC).
Realce-se que a circunstância de o PER não se encontrar sujeito ao princípio da eficácia relativa dos contratos (cfr. artigo 406.º, n.º 2, do CC), não esvazia a sua natureza contratual determinada pela sua génese: composto por uma proposta – plano –, cuja elaboração foi precedida de negociações e aceite pela maioria de credores necessária para a sua aprovação.
Nesse sentido refere Catarina Serra “o principal efeito da decisão de homologação o é que o plano de recuperação homologado vincula a empresa e os credores mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações. O plano de recuperação converte-se, assim, num instrumento contratual atípico, dotado de características que não estão ao alcance da autonomia privada – num contrato com “eficácia reforçada”. É a lei que opera esta transformação: ela restringe a liberdade individual e subordina-a à vontade colectiva ou da maioria ou, por outras palavras, substitui a regra do consentimento individual, típica dos contratos, pela regra do consentimento colectivo.”[19].
A questão que se coloca é pois a de saber se as especificidades que caracterizam a natureza negocial do PER inviabilizam a aplicabilidade da norma contida na alínea d) do artigo 696.º do CPC. Não se vislumbra que possa ocorrer qualquer obstáculo nesse sentido, atento o facto de o PER, no seu processo de formação, conforme referido, consubstanciar um encontro de vontades juridicamente relevantes (embora alcançado no âmbito de um processo especial), podendo, nessa medida, padecer de vícios geradores da sua nulidade ou anulabilidade.
Entendemos, por isso, que a natureza negocial, ainda que híbrida, do plano especial de revitalização consente que lhe sejam aplicáveis, com as necessárias adaptações, as regras atinentes aos vícios dos negócios jurídicos; como tal, não lhe está arredada a aplicação da alínea d) do artigo 696.º do CPC.
Todavia, contrariamente ao pugnado pela Recorrente e conforme passaremos a justificar, não se mostra configurado, no caso, o alegado vício que atinge validade do PER.
A Recorrente concluiu pela existência de uma falsa valorização dos activos (pelo falseado valor atribuído à sua garantia) que imputa à devedora porquanto, refere, que a mesma adulterou – de forma consciente – a verdade dos factos em prol dos seus interesses próprios, descuidando os interesses dos seu Credores e, em concreto, da ora Recorrente. Sustenta-se para o efeito no documento que junta – relatório elaborado pela consultora D....
E se é certo que, neste âmbito, por força do supra concluído quanto à insuficiência da força probatória daquele documento (em termos de o mesmo, por si só, não permitir concluir que a situação financeira evidenciada no PER não correspondia à realidade), não se descortina a existência de uma efectiva inexactidão dos valores constantes do PER, o equívoco em que a Recorrente incorre está em considerar que uma eventual prestação de informações inexactas no âmbito das negociações que precedem a celebração do acordo tem a virtualidade de determinar a sua invalidade (nulidade). Trata-se de posicionamento que não tem em devida conta o que dispõe o artigo 17.º-D, n.º13, do CIRE, onde se preceitua que a “empresa, bem como os seus administradores de direito ou de facto, no caso de aquela ser uma pessoa coletiva, são solidária e civilmente responsáveis pelos prejuízos causados aos seus credores em virtude de falta ou incorreção das comunicações ou informações a estes prestadas, correndo autonomamente ao presente processo a ação intentada para apurar as aludidas responsabilidades.”[20].
Por conseguinte, a prestação de informações falsas ou inexactas no âmbito do PER não poderia ser causa da nulidade deste, mas apenas determinar a sua eventual não homologação.
Acresce que, configurando a sentença homologatória uma condição de eficácia do plano[21], não contendendo com a sua validade intrínseca, igualmente não se vislumbra qualquer fundamento para a nulidade invocada.
Improcedem, assim, na sua totalidade, as conclusões do recurso

III – Decisão

Nestes termos, acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente a revista.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 15-02-2023

Graça Amaral (Relatora)

                                                                                                           Maria Olinda Garcia

                                                                                                              Ricardo Costa

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).

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[1] Cfr. certidão emitida em 20-01-2021, constante dos autos principais.
[2] Por o acórdão recorrido, na sua fundamentação, ter sustentado, a título subsidiário, para a inadmissibilidade do recurso de revisão, a natureza não contratual do PER. Nesse sentido, a divergência entre os acórdãos reportar-se-ia a um fundamento não essencial, mas meramente suplementar ou subsidiário.
[3] Cfr. acórdãos de 05-07-2022 (Proc. n.º 1975/21.1T8STB.E1.S1) e de 15-03-2022 (Processo n.º 112/21.7T8STB.E1.S1), acessíveis através das Bases Documentais do ITIJ.
[4] De acordo com o qual a admissibilidade do recurso de revista depende da demonstração, pelo recorrente, de que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686.º e 687.º do Código de Processo Civil.
[5] Acórdão do STJ de 14-07-2020 (Processo n.º1090/07.0TVLSB.L1.S1-B), acessível através das Bases Documentais do ITIJ.
[6] José João Baptista, Dos Recursos (em Processo Civil), SPB Editores, 2004, 7.ª edição, p. 137.
[7] Acórdão de 05-05-2020, proferido no âmbito do Processo n.º 2178/04.5TVLSB-E.L2.S1 (não publicado nas bases de dados disponíveis).
[8] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, 2.ª edição, Almedina, p. 426.
[9] Cfr. neste sentido e entre outros, acórdãos do STJ, de 29-06-2017 (Processo n.º 90/13.6T2VGS.P1.S1), de 14-01-2021 (Processo n.º 663/09.1TVLSB.S1) e de 29-09-2022 (Processo n.º 325/17.0T8VNG.P1-A.S1), acessíveis através das Bases Documentais do ITIJ.
[10] Acórdão de 24-05-2018 (Processo 412/12.7TBBRG-C.S1), acessível através das Bases Documentais do ITIJ.
[11]189. Este plano tem o intuito de evitar o inevitável: a insolvência da Devedora.
190. Cenário que, ao contrário do que nos quer fazer crer a Devedora, até poderia ser mais favorável a todos os credores, senão veja-se,
191. A SCOA detém várias participações sobre várias Sociedades.
192. Entre estas participações, e com especial relevo, está a O....
193. Como bem demonstra a Devedora, a O... é a detentora do fundo S..., que por sua vez é o detentor das Sociedades que supostamente geram cash e têm perspetiva de crescimento (L... e H...);
194. Ou seja, são, no fundo, as únicas sociedades do grupo capazes de gerar rendimento.
195. Ora, esta participação no capital social da O... é ativo da SCOA, valorizado pela avaliação positiva dos seus negócios subjacentes, ou seja, dos resultados das participadas inferiores.
196. Aliás, se em 2016 10% da participação da H... valiam e foram vendidos por € 645.000,00 – cfr. informação do relatório e contas de 2017 junto como Doc.... e relatório disponibilizado pela E... – então é certo que 42% não valem certamente entre € 200.000,00 a € 800.000,00, ou será crível que valham?
197. É que, de acordo com a Devedora ou o mercado, das duas uma, o valor da participação integral do S... na H... era, naquela altura, e por meio de um simples cálculo aritmético, de € 2.709.000,00!!
198. Mais de 2 MILHÕES DE EUROS! Em 4 anos depreciou em tamanha proporção?
Qual a justificação?
199. Ou a participação está avaliada de acordo com parâmetros errados ou então as empresas operacionais em quem a Devedora tanto acredita para efeitos de distribuição de dividendos estão abaixo dos níveis de solvabilidade, o que inviabiliza nitidamente o plano.
200. Qual das duas será?
201. A verdade é que, ao contrário do que se impunha, esta participação sobre a O... não foi avaliada pela SCOA,
202. Sendo certo que a mesma terá de ter valor, até pelo que se disse acima (valorização da participação em função do valor de mercado das suas participadas).
203. Se assim é, tudo aponta que a referida participação pode valer mais que a soma dos 10% de capital de todos os credores que a SCOA se propõe pagar.
204. Sendo certo que esta não é a única participação detida pela Devedora, logo há ativo a apreender para a massa insolvente e que, liquidado, é suscetível de melhor acautelar os interesses dos Credores.
205. O valor das participações aqui em causa só será efetivamente conhecido se as mesmas forem colocadas no mercado.
206. Este é o factor decisivo para apuramento do real valor destas participações.
207. É inclusive, por via das condicionantes do mercado, que vamos poder aferir se os múltiplos para este setor de actividade ronda os 3,7 e os 5,2 como refere a E...
208. Sendo certo que em 2016 e 2017 não eram certamente estes os múltiplos, já que 10% da participação da H... valia € 645.000,00….
209. Pelo exposto, entendemos que o valor atribuído às participações da L... e H... não está correcto, já que assenta em pressupostos estanques que nada levam em consideração as condições de mercado.”.
[12] Acórdão do STJ, de 18-12-2013 (Processo n.º 3061/03.7TTLSB-B.L1.S1), acessível através das Bases Documentais do ITIJ.
[13] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 4.ª edição, Almedina, 2017, pp. 495-496.
[14] Cfr. Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, pp. 226-227; Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 8.ª edição, pp. 310-311; Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Almedina, 2.ª edição, pp. 656-657.
[15] Cfr. entre outros, acórdãos de 27-10-2016 (Processo n.º 741/16.0T8LRA-A.C1.S1) e de 09-06-2021 (Processo n.º 1267/19.6T8STS.P1.S1), acessíveis através das Bases Documentais do ITIJ.
[16] Acórdão do STJ de 25-11-2014 (Processo n.º 414/13.6TYLSB.L1.S1), acessível através das Bases Documentais do ITIJ.
[17] A natureza jurídica do plano de insolvência, Direito da Insolvência, Estudos, Coordenação Rui Pinto, p. 118.
[18] A Transação Civil Na litigância Extrajudicial e Judicial, Almedina, 2018, p. 404.
[19] Lições de Direito da Insolvência, Almedina, 2.ª edição, p. 453.
[20] Constitui a consagração legislativa da responsabilidade pré-contratual por prestação de informações falsas ou inexatas, com respaldo no sétimo princípio da Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2011 (“O devedor deve adoptar uma postura de absoluta transparência durante o período de suspensão, partilhando toda a informação relevante sobre a sua situação, nomeadamente a respeitante aos seus activos, passivos, transacções comerciais e previsões da evolução do negócio.”) – cfr. Menezes Leitão, A responsabilização pela abertura indevida do processo especial de revitalização, II Congresso de Direito da Insolvência, Coord. Catarina Serra, Almedina, p. 144.
[21] Cfr. Gisela Fonseca, obra citada, p. 108 e Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, Almedina, pp. 435 e 453.