Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08B2337
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PEREIRA DA SILVA
Descritores: ACÇÃO DE HONORÁRIOS
ADVOGADO
Nº do Documento: SJ200810020023372
Data do Acordão: 10/02/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE.
Sumário : I - A fixação da justa remuneração, dos honorários, a advogado, constitui matéria de direito.

II - O laudo da Ordem dos Advogados tem natureza não mais que orientadora, consubstanciando um mero parecer sujeito à livre apreciação do julgador.

III - Na predita fixação:
a) Há sempre um espaço de inevitável discricionaridade, no sentido civilístico, que não no que se dá à palavra no contencioso administrativo.
b) os elementos a, sobremaneira, sopesar, são, não o(s) resultado(s) obtido(s), antes o tempo gasto e a dificuldade dos(s) assunto(s).
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I. 1. AA, a 00-08-16 (cfr. carimbo aposto a fls. 2 e art. 267º nº 1 do CPC), intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, ordinário, acção de honorários, contra BB, a qual corre seus termos pelo 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, registada sob o nº 194/00, impetrando, com os fundamentos que fls. 2 a 36 revelam, a condenação do ora recorrido a pagar-lhe:
a) Esc. 16.000.000$00, a título de honorários, montante este acrescido de IVA, à taxa legal, e Esc. 140.472$00, a título de despesas.
b) Juros, à taxa legal, sobre os "quantuns" referidos em a), desde 03-11-98 vencidos e vincendos até integral pagamento, importando os liquidados, caídos até 10-08-00, em Esc. 2.160.281$00.
2. Contestou o réu, por excepção e impugnação, consoante flui de fls. 524 a 530, concluindo no sentido da justeza de decreto de improcedência da acção, com consequente absolvição sua do pedido.
3. Houve réplica, com sustentação do naufrágio da defesa exceptiva e do acerto da condenação do réu e do seu mandatário, como litigantes de má fé, o autor propugnando não dever a indemnização a ser-lhe paga, por via de tal, pelo demandado, inferior a Esc. 5.000.000$00 ser.
4. No despacho saneador, quanto ao demais tabelar, foi relegado para final o conhecimento da excepção peremptória do pagamento.
Seleccionada a matéria de facto considerada como assente, foi organizada a base instrutória.

5. Cumprido o demais de lei, procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, proferida tendo sido sentença:
a) Julgando improcedente a já nomeada excepção.
b) Condenando o réu a pagar ao autor a quantia de 15.000 euros, a título de honorários, acrescida de IVA, bem como juros, à taxa legal, sobre o predito montante, desde a data da prolação da decisão até integral pagamento.
c) "Absolvendo o réu do pedido de condenação como litigante de má fé."

6. Inconformado com a sentença, apelou o réu.
O TRE, por acórdão de 08-01-17, como ressuma de fls. 2614 a 2658, confirmou a decisão impugnada, salvo no tocante a juros de mora, já que condenou o réu a pagá-los desde 30-06-99 até integral pagamento.
7. Irresignados, interpuseram do aludido acórdão revista, o réu, subordinadamente, e o autor.
Por falta de alegação, foi julgada deserta a revista subordinada.

8. Eis as conclusões tiradas por AA, na alegação apresentada, em que se bate pelo acerto, como decorrência da concessão da revista que instalou, da revogação do acórdão sob recurso, com condenação do demandado:
i) No pagamento da quantia de 79.807.66 euros, a título de honorários, acrescida de IVA à taxa legal em vigor e de juros moratórios até efectivo e integral pagamento;
ii) Como litigante de má fé, em multa e indemnização a favor do autor, em valor não inferior a 24.939,89 euros;
iii) Nas "custas do processo, incluindo custas de parte."

a) O Recorrente avoca toda a matéria de alegações e conclusões oferecidas perante o Tribunal "a quo" e que, por meras questões de economia processual aqui dá por reproduzida, em tudo quanto não contende com o âmbito de cognição deste Colendo Supremo Tribunal de Justiça.
b) A decisão encontra-se viciada por nulidade decorrente da falta de especificação dos elementos de facto e de direito que a sustentem, e ainda do facto de o Tribunal a quo ter conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento, consignando-as como fundamento para a decisão que veio a proferir.
c) A concretização do montante devido a título de honorários ao Recorrente pelo Recorrido carece de fundamentação, sendo certo que do teor do aresto sob impugnação não é possível ajuizar sobre a análise crítica efectuada e a substância do raciocínio que conduziu à determinação contenciosa do valor de honorários.
d) Não se conhece, pois, a estrutura e a essência da solução jurídica encontrada pelo Tribunal a quo para fixar o valor da retribuição devida pelas prestações efectuadas pelo Recorrente em benefício do Recorrido.
e) O Tribunal a quo confunde e mistura indevidamente mandatos e prestações, inquinando o seu juízo valorativo sobre a integração dos valores anteriormente pagos a título de outros serviços prestados no seio do processo-crime.
f) O raciocínio expendido pelo Tribunal recorrido não tem qualquer apoio na matéria dada como provada nestes autos, aqui especificamente no que respeita aos serviços prestados pelo Recorrente no domínio exclusivo do processo crime que ficou conhecido como o "processo dos hemodialisados de Évora". E para essa conclusão de nada releva a circunstância de também ter ficado provado que o Recorrido pagou, de facto, outras quantias ao Recorrente, pois que igualmente ficou provado que o Recorrente prestou outros serviços e desenvolveu outras prestações em benefício do Recorrido.
g) Resulta da matéria julgada provada que o Recorrente prestou os serviços especificados na nota de despesas e honorários, e que os mesmos se reportam ao processo-crime, bem como que o Recorrente prestou mais serviços do que os que constam da aludida nota de despesas e honorários.
h) Dos factos provados consta também que o Recorrente nunca recebeu do Recorrido qualquer provisão por conta de honorários relativos ao processo-crime em questão, o que significa que os valores anteriormente liquidados não poderiam reverter para o processo-crime.
i) Ressalta também dos autos que o Recorrido pagou ao Recorrente os honorários devidos pelas fases graciosa e contenciosa do processo disciplinar que lhe foi dirigido na sequência das mortes verificadas na Unidade de Hemodiálise do Hospital Distrital de Évora.
j) Está provado que o Recorrido, após cessarem as prestações do Recorrente, elogiou as suas qualidades profissionais e o empenho pessoal no processo-crime, prestando-se a proceder ao pagamento dos honorários em dívida do referido processo-crime, e não de outro processo, e a liquidar as correspondentes despesas ainda não pagas.
k) Ficou provado que foi devido à estratégia delineada pelo Recorrente, em sede de contestação crime, que o Recorrido veio a ser absolvido.
l) Quer isto dizer que dos autos consta expressamente provado o conteúdo das prestações efectuadas pelo Recorrente em benefício do Recorrido no concreto domínio do processo-crime.
m) Não foram objecto destes autos o efectivo conteúdo das prestações efectuadas pelo Recorrente em benefício do Recorrido no processo disciplinar (quer na sua fase graciosa, quer na sua fase contenciosa), ou no processo que foi despoletado pela Ordem dos Médicos.
n) Estando definido e perfeitamente delimitado o objecto do pedido de pagamento de honorários, impõe-se considerar abusiva e sem qualquer contexto a ligação umbilical que é transporta nas instâncias recorridas entre o processo-crime e os demais processos em que o Recorrente teve intervenção.

o) Por conseguinte, o que releva conhecer nestes autos, e só, é o valor dos serviços prestados pelo Recorrente no processo-crime em que o Recorrido foi arguido, e que se provaram nestes autos (maxime os constantes da nota de despesas e honorários).
p) Sobre a fixação do montante de honorários, o Venerando Tribunal a quo aderiu ao juízo emitido pelo Juiz de primeira instância, reforçando o seu entendimento com algumas notas que em nada contribuem para o preenchimento do dever de fundamentação que legalmente se impõe.
q) Resulta evidente que não se podem conhecer as efectivas razões que levaram o Tribunal a quo a fixar o montante de € 15.000,00 a título de honorários a pagar ao Recorrente, porquanto nada mais existe do que meras conjecturas sobre o teor do laudo de honorários, da comparação com a prestação de serviços forenses por outro mandatário que interveio no processo-crime e da pronúncia sobre a existência de um ou mais mandatos.
r) O Tribunal a quo não balizou a fixação de honorários pelos critérios legais que se impunha ter em conta, designadamente os pertinentes critérios constantes do artigo 65º, nº 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados, nem aditou a devida argumentação, por referência à prova produzida, que permitisse esclarecer como se fixou o montante de € 15.000,00.
s) Em resumo, não se encontram especificados no texto da decisão recorrida os fundamentos de facto e de direito que a justificam, o que gera a sua nulidade, nos termos previstos pelo artigo 668º, nº 1, alínea b), do CPC.
t) A acrescer, o Venerando Tribunal a quo conheceu e pronunciou-se sobre questões de que não podia tomar conhecimento, como é o caso do conteúdo e contexto do patrocínio prestado pelo mandatário do co-arguido CC, porquanto o referido patrocínio forense não foi objecto dos presentes autos, nem sobre ele poderia ter sido prestada prova relevante em face do elenco constante da base instrutória.
u) O Tribunal a quo não conhece, nem pode conhecer, qualquer equivalência de prestações quando apenas exerceu cognição sobre uma das prestações, e não sobre ambas.
v) O princípio d aquisição processual não obnubila o princípio do dispositivo, antes é uma decorrência deste e, nessa estrita medida, ao Tribunal não se permite especular sobre factos cujo conhecimento lhe está vedado, por não ter sido objecto de matéria alegada pelas partes e, assim, sujeito à sua apreciação e crivo.
w) O Tribunal a quo chega a referir que o Conselho Geral da Ordem dos Advogados não teve em conta o valor de prestações pecuniárias anteriormente pagas pelo Recorrido, quando, na verdade, desconhece que este apresentou a sua defesa no processo de laudo (em observância das disposições que regulamentam o laudo de honorários) onde referiu essas prestações e que as mesmas não interferem no laudo, por este respeitar em exclusivo a honorários devidos pela prestação de serviços no âmbito do processo-crime.
x) Novamente, o Tribunal foi mais longe do que processual e legalmente lhe era permitido, assim inquinando a decisão de nova nulidade, nos termos previstos pelo artigo 668º, nº 1, alínea d), do CPC.

y) Por outro lado, o Tribunal Recorrido manifestamente violou a lei substantiva por erro de interpretação e de aplicação dos comandos legais atinentes à fixação do montante de honorários por serviços prestados por profissional do foro, à aplicação do critério da equidade, à omissão de lei substantiva bastante que defina a existência de uma pluralidade de mandatos para situações como aquela sobre que versam estes autos, à prefiguração do conceito e alcance do mandato e à litigância de má-fé, pelo que se encontram violados os comandos normativos constantes dos artigos 65º, nº 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de Março, na redacção em vigor à data dos factos; o artigo 4º e 1158º, nº 2, do Código Civil; o art. 36º, nº 1, do CPC, a que se aduz a concomitante omissão da lei substantiva que se pretendeu aplicar e que é atinente à existência de um ou mais mandatos; e o artigo 456º, nº 2, alíneas b) e d), do CPC.

z) Assim,
aa) O cômputo dos honorários definido pelas instâncias recorridas viola, de forma exuberante, o disposto no artigo 65º do Estatuto da Ordem dos Advogados, normativo esse que o Recorrente observou na quantificação moderada do valor dos seus honorários.
bb) O Recorrente com moderação quantificou os seus honorários, pugnando por uma fixação de valor hora/serviços deveras parcimonioso, valor esse que veio a ser rectificado, com justiça, pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados.
cc) O Recorrente teve em conta o tempo efectivamente despendido (embora sem contabilizar muitos dos serviços que não discriminou na nota de honorários e que foram provados) tempo esse que o acórdão recorrido nem sequer analisa para poder fixar os honorários como fixou, sendo certo que o mesmo configura um dos critérios de fixação. A esse propósito, sublinha-se que, apesar de o número de horas apontado pelo Recorrente não ter sido julgado provado, nem por isso se logrou produzir qualquer contraprova do juízo pericial inserto no laudo de honorários que contabiliza a carga horária em 1.600 horas.
dd) Não tendo o Tribunal recorrido fundamentado, com especial acuidade, a sua posição contrária ao laudo de honorários no que respeita à carga horária necessária para a produção das prestações comprovadamente efectuadas pelo Recorrente, é insofismável que não lhe assiste qualquer fundamento para desperdiçar o conteúdo do laudo e muito menos lhe abona razão quanto ao montante que veio a fixar.
ee) A dificuldade do assunto é notória, evidencia-se nas próprias peças do processo-crime e encontra-se devidamente provada, enquanto que a importância do serviço prestado a um médico de profissão, que surge acusado de 20 (vinte) crimes de homicídio por negligência e que vem a ser absolvido na sequência da estratégia de defesa delineada pelo Recorrente, resulta da experiência comum como sendo inequívoca, em especial atentos os efeitos nefastos de uma eventual condenação na esfera, pessoal, social e profissional, do Recorrido.
ff) O Recorrente, à data da prestação de serviços pelo Recorrente, era médico que exercia a sua actividade no Hospital Dr. José Maria Grande, em Portalegre, e numa empresa multinacional alemã que labora na área de hemodiálise, onde o Recorrido exercia o cargo de responsável médico do Centro de Portalegre, pelo que detinha, pelo menos, posses suficientes para prover ao pagamento dos honorários solicitado pelo Recorrente.
gg) Por último, a praxe do foro e estilo da comarca de Lisboa justificam a fixação de um valor/hora de honorários adequado aos elevados custos de estabelecimento da actividade, sendo uma das comarcas onde o mesmo é mais elevado.
hh) Ao fixar os honorários num montante equivalente a menos de 20% do valor peticionado pelo Recorrente, que observou os critérios constantes do artigo 65º, nº 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados, o Tribunal recorrido violou esse normativo.
ii) O Conselho Geral da Ordem dos Advogados emitiu laudo de honorários, sufragando o montante de honorários impetrado pelo Recorrente, e tendo por base a nota de honorários e despesas que o Recorrente provou integralmente nestes autos.
jj) O juízo nuclear da fixação dos honorários ali vertido, emitido por unanimidade pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados, concatena os critérios legalmente fixados, após um exaustivo apuramento dos serviços, circunstâncias e factores que o sustentam, e encontra-se fundamentado com pormenor e acuidade.
kk) Dos autos ressaltam provados factos mais do que evidentes que permitem a este Colendo Tribunal ajuizar sobre a bondade do valor dos honorários devido pelas prestações efectuadas pelo Recorrente, em benefício do Recorrido, no exclusivo âmbito do processo-crime.
II) Os critérios constantes do artigo 65º, nº 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados, são "pertinentes" na fixação dos honorários profissionais dos advogados e resultam dos usos profissionais, pelo que não cumpre coligir outros critérios para além daqueles que legalmente se impõem apreciar.
mm) Designadamente, não se pode acolher o recurso aos critérios de equidade, porque os mesmos deveriam ceder perante a existência de critérios próprios e objectivos da arte profissional sub judice, e porque tais critérios não têm in casu qualquer cabimento.
nn) O Tribunal a quo ao invocar o critério de equidade para fixar o montante e honorários devido ao Recorrente, para além do artigo 65º, nº 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados (que configura lei especial, a qual será imediatamente aplicável e não se concilia com os juízos de equidade de que o Tribunal recorrido se socorreu), viola também o disposto nos artigos 4º e 1158º, nº 2, ambos do Código Civil (CC).
oo) O referido normativo expressamente estipula que os tribunais só podem resolver segundo a equidade quando haja disposição legal que o permita, quando haja acordo das partes e a relação jurídica não seja indisponível e quando as partes tenham previamente convencionado o recurso à equidade, nos termos aplicáveis à cláusula compromissória, o que não se verifica no caso em apreço.
pp) A sequela de equidade adoptada pelo Venerando Tribunal recorrido ao avocar um putativo paralelismo com o patrocínio exercido por outro mandatário, para além da já alegada nulidade por pretenso conhecimento de factos não sujeitos à cognição do Tribunal, perverte em absoluto a decisão que veio a ser proferida e que ora se censura, porque não consta dos autos o efectivo contexto em que o referido mandato se sucedeu, quais os serviços que o mandatário, de facto, prestou, a importância dos seus serviços, o resultado obtido, as posses do constituinte co-arguido e o número de horas despendido.
qq) O que se sabe é que o referido co-arguido, Dr. CC, foi o único que veio a ser condenado no âmbito do processo crime e que o seu mandatário foi o único que não requereu a abertura de instrução.
rr) A matéria relativa ao referido mandato não permite ajuizar sobre a equivalência das prestações de ambos os advogados, tal como não permite ajuizar sobre a actuação desses mesmos mandatários, e muito menos sobre o contexto processual em que essa actuação se sucedeu.
ss) Não se conhecendo os contornos do patrocínio eleito como termo de comparação, é inequívoco que o mandato em questão não se pode assumir como critério de referência, nem se pode aceitar qualquer afinidade do mesmo com o mandato desenvolvido pelo Recorrente no processo-crime.
tt) No que respeita ao laudo, importa reiterar que o Tribunal recorrido não fundamenta devidamente as razões de discordância do juízo pericial naquele enxertado, como lhe competia e foi reconhecido.
uu) O laudo de honorários configura elemento essencial para promover a fixação dos honorários demandados pelo Recorrente, em face da matéria julgada provada e em que aquele se estribou e não surge inquinado por nenhum dos factos julgados não provados.
vv) Por conseguinte, a margem para uma livre apreciação do laudo de honorários apenas se poderá suceder no domínio da pura arbitrariedade e discricionariedade sendo certo que, tratando-se de um juízo de natureza pericial, deveria o mesmo ter sido respeitado, pugnando-se pela conformação da decisão judicial com o sentido e montante ali fixado, a não ser que se produzisse contraprova hábil à sua ablação - o que, manifestamente, não sucedeu.
ww) Ao não acolher o teor do laudo de honorários, e ao não refutar o seu teor com uma especial e válida fundamentação, o Tribunal a quo claramente viola o disposto no já citado artigo 65º, nº 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados, eivando também a sua decisão de falta de motivação.
xx) Não existe nenhuma norma jurídica que indique que o patrocínio de um mandatário a um cliente, ainda que disperso por diversos processos, apenas configura um mandato.
yy) O Tribunal a quo violou o disposto no artigo 36º, nº 1, do CPC, que prescreve matéria de natureza substantiva, e que prescreve que o mandato atribui poderes ao mandatário para representar a parte em todos os actos e termos do processo principal e respectivos incidentes, mesmo perante tribunais superiores - o que significa que a lei faz coincidir a existência de mandato com a outorga de procuração em cada processo, e não o faz repercutir por uma qualquer comunidade fantasiada de processos (ainda que com factos similares).
zz) Independentemente de se considerar que a existência de um ou mais mandatos conferidos ao Recorrente pelo Recorrido não invalida a prova das prestações que foram efectuadas pelo aqui Recorrente (aí se incluindo os actos próprios de advogado, as deslocações, as comunicações, etc.) em prol do Recorrido no âmbito do processo-crime, e de que tal discussão não se retiram quaisquer consequências para efeitos de quantificação de honorários, o certo é que no caso em apreço estão em causa tantos mandatos quantos os processos distintos em que o Recorrente interveio - nessa medida não há a correlação que o Tribunal a quo estabelece entre a existência de um mandato e a consunção de honorários em processos distintos, porquanto se tratam de prestações também distintas.

aaa) É notória a falta de fundamentação dos honorários arbitrados ao Recorrente nos termos que constam do acórdão recorrido, impondo-se a sua revogação sustentada na prova produzida.
bbb) O Recorrido deve ser condenado como litigante de má fé, porquanto falseou a verdade com o único escopo de entorpecer a acção da justiça, prolongando no tempo o apuramento do valor dos honorários que entendeu contestar.
ccc) Não está, consequentemente, em causa o direito de impugnação que assiste ao Recorrido, por discordar do montante solicitado pelo seu mandatário.
ddd) O Recorrido actuou, pois, com dolo directo e com o exclusivo intuito de se eximir à condenação no pagamento dos honorários peticionados pelo Recorrente, tanto mais que se tratava de factos que, dizendo-lhe directamente respeito, não podia ignorar.
eee) Ao não atentar na concreta postura e actuação do Recorrido nestes autos e o espírito que o animou, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 456º, nº 2, alíneas b) e d), do CPC.
9. Aconteceu contra-alegação, como ressalta de fls. 2755 e 2756.
10. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Não sendo caso para desencadear a aplicação dos art.s 722º nº 2 e 729º nº 3 do CPC (Corpo de Leis a que pertencem os comandos legais que, sem indicação de fonte outra, se vierem a chamar à colação), inocorrendo impugnação da matéria de facto, com justo arrimo no art. 713º nº 6, o qual joga "ex vi" do plasmado no art. 726º, remete-se, no que à mesma tange, para o acórdão impugnado, como "decisão", doravante, tão só, denominado.

III. O DIREITO:
1. Tão só das questões vazadas nas conclusões da alegação do recorrente, retiradas da respectiva motivação, afora as que são de conhecimento oficioso, devendo o tribunal "ad quem" tratar (cfr. art.s 684º nº 3 e 690º nº 1), como, sem dissídio, proclamado na jurisprudência (cfr., entre muitos outros, acórdãos recentes deste Supremo e Secção - 15-05-08 (Revista nº 153/08) e 11-09-08, prolatado na Revista nº 2013/08) e na doutrina (vide, v.g., Alberto dos Reis - "Código de Processo Civil Anotado", Vol. V, pp. 308 e segs. -, Castro Mendes - "Direito Processual Civil (Recursos)", Edição da AAFDL-72, pág. 55 -, Rodrigues Bastos - "Notas ao Código de Processo Civil", Vol. III, pág. 286) e Amâncio Ferreira - "Manual dos Recursos em Processo Civil", 3ª Edição Revista, Actualizada e Ampliada, pág. 136), não obliterado o vertido nos art.s 722º nº 1 c) e 731º nº 1, bem como a boa doutrina, quanto à temática, expendida pelo último processualista evocado, in obra citada, pp. 258 a 260, importa começar por conhecer do mérito da arguição de nulidades da "decisão", decidir se a mesma padece dos invocados vícios de limite.

Assim:
a) Da falta de motivação ou fundamentação (art. 668º nº 1 b) ):
Só a ausência total de fundamentos, quer estes respeitem aos factos, quer ao direito, que não a mera motivação deficiente, medíocre ou errada, integra a nulidade em apreço (Amâncio Ferreira e Alberto dos Reis, in obras citadas, pp. 48 e 48 e 140 (Vol. V), respectivamente, tal como Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in "Manual de Processo Civil", 2ª Edição Revista e Actualizada, pp. 687 a 689), unânime sendo a jurisprudência quanto a tal (cfr. acórdãos deste Tribunal, de 13-1-2000 (Rev. nº 923/99-2ª - "Sumários", Edição Anual de 2000, pág. 33) e 4-3-2004 - Proc. nº 04B522/ITIJ/Neta.).
Lida a "decisão", logo se antolha não se mostrar aquela ferida do vício em dissecação.

Na verdade:
Estão, mas com toda a claridade, concretizados os factos considerados provados e colocados na base da decisão (cfr. fls. 2625 a 2652), bem como, é outrossim indúbio, sem recurso, pura e simplesmente à remissão consentida pelo art. 713º nº 5, explicitadas as razões jurídicas que serviram de apoio ao decidido (vide fls. 2652 e segs.), ora se recordando, sim, que a lei não fulmina com nulidade a "decisão" por, no atinente aos fundamentos de direito, o juiz não citar todos "os textos de lei que abonam o julgado, bastando que aponte a doutrina legal ou os princípios jurídicos em que se baseou", (Alberto dos Reis, in obra e Vol. referidos, pág. 141).
O erro de julgamento, esse, reafirmado, em substância, pelo autor, no segundo recurso interposto, não se confunde com a(s) nulidade(s) da "decisão" ! ...
b) Quanto à pronúncia indevida (2ª parte da al. d) do nº 1 do art. 668º):
Estamos ante vício de limite da "decisão" que resulta da inobservância do dever consignado no 2º período do nº 2 do art. 660º aplicável por força do estatuído nos art.s 713º nº 2 e 726º, a arguição daquele, também, na hipótese vertente, falecendo, como brota límpido se nos lembrarmos que tal nulidade se reporta a questões e não a motivações, ou seja, apenas respeita a pontos essenciais de facto ou de direito em que as partes centralizaram o litígio, incluindo as excepções (cfr., entre plúrimos, acórdão do STJ, de 4-3-2004- Proc. nº 04B522/ITIJ/Net. ).
Na "decisão" não se divisa o invocado "pecado" de defesa pronúncia, ponderado o explanado a fls. 2652 e segs..
Todas as questões colocadas ao Tribunal "a quo" foram, por este, tratadas. Mas só essas, frise-se.
Questões, entenda-se, de que lhe cumpria conhecer, não olvidado o âmbito do recurso.
Insiste AA, em sede de revista, que censura merece, desde logo, o ter-se alicerçado a confirmação do julgado, no que diz respeito ao "quantum" arbitrado, a título de honorários, no explanado na "decisão", aplauso não merecendo a "reincidência".
É um facto que a alegação da revista e conclusões daquela extraídas tal irresignação patenteiam.
Todavia, retorna o tema (!...), estamos no domínio do erro de julgamento, impondo-se separar as águas !...

2. Pelo dilucidado, sem necessidade de considerandos outros, não há que anular a "decisão", assumindo a sua reforma, antes se impondo passar a conhecer do fundamento específico da revista (art. 721º nº 2).
Destarte, prosseguindo:
3. Na avaliação do trabalho prestado pelo autor, na fixação dos honorários, por se tratar de matéria de direito, tem este Tribunal uma palavra a dizer - cfr. acórdãos do STJ, de 16-12-93 (Proc. nº 83.980), 4-11-93 (Proc. 83904), 24-4-93 (Proc. 82844), 31-3-93 (Proc. 82876), 30-11-95 (CJ/STJ-Ano III-tomo, pp. 130 e segs.) e 14-5-96 (CJ/STJ-Ano IV-tomo II, pp. 67 e segs.).
Pois bem:
De acordo com o art. 65º nº 1 do EOA, aprovado pelo DL nº 84/84, de 16 de Março, a ter presente, no caso vertente, o qual consagra critérios ou parâmetros referenciais de carácter deontológico/ estatuário a serem observados pelos advogados na fixação dos respectivos honorários (vide acórdão de 30-3-00 (Revista nº 198/00-2ª), in "Sumários de Acórdãos Cíveis" - Edição Anual de 2000, pág. 126):

" Na fixação dos honorários deve o advogado proceder com moderação, atendendo ao tempo gasto, à dificuldade do assunto, à importância do serviço prestado, às posses dos interessados, aos resultados obtidos e à praxe do foro e estilo da comarca."
Isto enunciado, sopesado, sempre, o âmbito do recurso, impõe-se, a nosso ver, algumas considerações, à guisa de liminares, tecer.
Ei-las:
Como firme se deve haver, assim o cremos, a jurisprudência deste Supremo quanto ao:
a) Em matéria de fixação de honorários a advogado, haver sempre um espaço, um momento, de inevitável, ineliminável, discricionaridade, não no sentido que se dá à palavra no contencioso administrativo (cfr. Freitas do Amaral, in "Direito Administrativo", II, 105 e segs.), antes no sentido civilístico que muito tem a ver com a boa fé que impregna toda a relação contratual e com os inevitáveis poderes do juiz no procedimento das normas contendo conceitos indeterminados (cfr. citados arestos de 30-11-95, 14-5-96, 7-7-99 (CJ/STJ-Ano VII-tomo III, pp. 19 e segs.), 13-1-00 (Revista nº 105/99-7ª ("Sumários" referidos, pág. 35), 16-10-01 (doc. nº SJ20011016002), 14-02-02 (Proc. 01B4388), 20-06-02 (Proc. 02B1631) e 01-03-07 (doc. nº SJ20070301001191, disponível in www.dgsi.pt/jstj).
b) Ter o laudo da Ordem dos Advogados natureza meramente orientadora (ac. citado, de 16-10-01), sendo um mero parecer sujeito à livre apreciação do julgador (aludido ac. de 30-11-95).
c) Importar considerar na fixação dos honorários a advogados os custos fixos, seguramente não desprezíveis, de um escritório e os consabidos riscos do enveredar por uma profissão liberal (cfr. acs. nomeados, de 30-11-95, 14-05-96, 13-01-01, 16-10-01 e 20-06-02).
d) Serem, na tarefa de fixação de honorários a advogado, os mais importantes elementos, o tempo gasto e a dificuldade do assunto, que não, propriamente, o resultado conseguido (acs. invocados de 07-07-99, 16-10-01, 14-02-02, bem como decisões de 09-07-87 - Revista nº 456/87-1ª - e 14-01-98 - Proc. nº 890/97- 2ª).

Em retorno ao "sub judice":
4. Como apodíctico se tem que os honorários peticionados são, mas evidentemente, tão só os radicados no patrocínio judiciário levado a cabo pelo autor, advogado, com domicílio profissional em Lisboa, onde, desde 1985, em regime liberal, exerce a sua profissão, mandante sendo o réu, no domínio exclusivo do processo-crime que ficou conhecido como o "processo dos hemodialisados de Évora", em que arguido foi o agora recorrido, mandato judicial esse exercido desde 4-4-93 até 10-2-97, colhendo o levado às conclusões m) a o) da alegação da revista, em prol, também, da evidenciação do mérito da pretensão recursória, o mesmo se afirmando relativamente ao expresso nas conclusões pp) - 2ª parte -, qq) a ss) de tal peça processual, consigna-se desde já.
A leitura do articulado primeiro evidencia-o à saciedade.
O autor, esse, está provado, efectuou, em benefício do réu, no exercício da sua actividade profissional, todos os serviços actos e diligências especificados na nota de despesas e honorários junta a fls. 386 a 461 ("acto jurídico unilateral receptício, inserido na dinâmica de um contrato, e dirigido à produção dos efeitos próprios de tal contrato" - cfr. acórdão de 06-05-99, proferido na Revista nº 320/99-2ª ("Sumários de Acórdãos Cíveis, Edição Anual de 99, pág. 186) e praticou todos os actos constantes do supracitado processo-crime referidos na "decisão" em II. A) 138 e 139.
Mas não só, uma vez que se apurou o expresso na "decisão" sob o nº 109 de II. A).
E se é certo que mereceu resposta negativa o nº 103 da base instrutória, em que se perguntava se "todo o trabalho realizado pelo Autor, incluindo estudo e investigação, elaboração de peças processuais, emissão de pareceres, comparência a diligências, reuniões e conferências telefónicas, consumiu cerca de 2600 horas de trabalho, ao longo de quatro anos", há-de convir-se que longe, muito longe, de despiciendo se deve ter o tempo gasto, pelo autor, ao longo de quase quatro anos do mandato judicial que importa considerar, na defesa do seu constituinte, o qual, no laudo da Ordem dos Advogados, se teve como razoável computar na ordem das 1600 horas, nesse lapso de tempo se "compreendendo todo o tipo de trabalho desenvolvido, desde o trabalho de natureza intelectual, ao que se poderá reconduzir a tarefas materiais mais típicas de procuradoria, ou de simples perdas de tempo com deslocações e esperas em serviços judiciais."
Aqui se lembra, ainda, o provado, quanto ao parâmetro sob tratamento - tempo gasto -, expresso na "decisão", em II. A) 4.5.23, 26, 30, 32, 33, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42 a 51, 54 a 58, 61 a 71, 73 a 75, 77, a 94, 96, 97, 99, 100, 101, 106 a 108 e 110 a 113.

O Tribunal "a quo", como o de 1ª instância, não estavam, minimamente, vinculados, a ter como provado que no exercício do mandato despendeu o autor 1600 horas, o que se deixa assinalado visto o, "ex adverso", afirmado na alegação da revista, agora se relembrando o explanado em III. 3. b).
Assim, cabido se mostra o recurso à equidade na ponderação do tempo gasto pelo demandante, factor bem relevante na fixação dos honorários de advogado, insiste-se, o que encontra amparo no art. 1158º nº 2 do CC, sem, flagrantemente, a tal constituir óbice o exarado no art. 65º nº 1 do EOA, já trazido à colação.
Quanto à complexidade e importância dos serviços, acompanha-se o constante do citado laudo, o que é corroborado pelo provado (cfr. II. A) 114, 115, 124 e 125 da "decisão"), tal sendo:
...É "irrecusável que estes factores assumem enorme relevância, quer pela especificidade e dificuldade do tema e das questões jurídicas associadas, quer pela novidade e ênfase mediática, determinando um grande esforço de investigação no domínio da ciência e das artes médicas, com auxílio de técnicos especializados, tudo num contexto de grande melindre para a vida pessoal e profissional do seu cliente, envolvido num processo crime de responsabilidades e potenciais consequências muito graves, exigindo um patrocínio particularmente diligente, dedicado e responsável, muito estudo e empenhamento, que se revela, aliás, ter sido timbre da prestação dos serviços em avaliação ao longo de todo o tempo."
No tocante aos resultados obtidos, o provado fala por si - cfr. "decisão" - II. A) 99 a 101.
A respeito das pessoas do réu, o que se apurou é constante da "decisão", sob II. A) 149.
Quanto à praxe do foro e estilo da comarca, Lisboa, onde o autor tem o seu domicílio profissional, como certo se tem, o que é recordado no laudo junto, "... que aí se praticam honorários dos mais elevados do País por reflexo dos custos fixos que os Advogados suportam para aí manterem as suas estruturas profissionais."
Face ao exposto, sem esquecer o apurado, constante da "decisão" - II. A) 136, como ajustado se perfila fixar em 49.000 (quarenta e nove mil) euros o "quantum" a pagar ao autor, por banda do réu, de honorários, com a fonte dita, montante aquele acrescido de IVA, à taxa legal em vigor.

5. Quanto à peticionada condenação do demandado, por sustentada litigância de má fé (conclusões bbb) a eee) da alegação da revista):
Não se acolhe, pelo explanado na "decisão", para a qual se remete, como permitido pelo art. 713º nº 5 (redacção a considerar), atento o prescrito no art. 726º.

IV. CONCLUSÃO:
Termos em que, na parcial concessão da revista, se altera a "decisão", condenando-se o réu a pagar ao autor 49.000 (quarenta e nove mil) euros, a título de honorários, montante esse acrescido de IVA, à taxa legal em vigor, bem como de juros moratórios, até integral pagamento, desde a data referida em I. 6., do demais pedido se absolvendo BB.
Custas, as da revista e as atinentes às 1ª e 2ª instâncias, por recorrente recorrido, na proporção do respectivo decaimento (art. 446º nºs 1 e 2).

Lisboa, 2 de Outubro de 2008

Pereira da Silva (Relator)
Rodrigues dos Santos
João Bernardo.