Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
892/14.6T8GDM.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: NUNES RIBEIRO
Descritores: PRESUNÇÕES JUDICIAIS
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODERES DA RELAÇÃO
MODIFICABILIDADE DA MATÉRIA DE FACTO
PROVA TESTEMUNHAL
SIMULAÇÃO DE CONTRATO
TERCEIRO
IMPUGNAÇÃO PAULIANA
MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 01/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS / PRESUNÇÕES JUDICIAIS / PROVA TESTEMUNHAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / PODERES DE COGNIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
Doutrina:
- ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO e NORA, Manual do Processo Civil, 2.ª ed. revista e actualizada, 502.
- MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 214.
- PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, “Código Civil” Anotado, vol. I, 4.ª ed., 344.
- RODRIGUES BASTOS, in Notas ao “Código de Processo Civil”, 3.ª ed. vol. III, 278.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 351.º, 393.º, N.ºS 1 E 2, 394.º, N.ºS 1 E 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 682.º, N.º1, 674.º, N.º 3.
LEI N.º 62/2013, DE 26-8 (LEI DA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO): – ARTIGO 46.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 01.10.2002, C.J./S.T.J., TOMO III, 65, E DE 11.04.2013, ACESSÍVEL IN WWW.DGSI.PT .
-DE 14.2.2012, PROC. N.º 6823/09.3TBBRG.GI.S1, ACESSÍVEL IN WWW.DGSI.PT .
-DE 05.03.2013, PROC. N.º 3247/06, ACESSÍVEL IN WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - A censura que, em regra, pode ser exercida pelo STJ no domínio da matéria de facto confina-se à legalidade do apuramento dos factos (não se discutindo, pois, a sua ocorrência), formulando-se, se for caso disso, um juízo sobre a existência de um obstáculo legal à convicção que se formou.

II - O uso de presunções judiciais apenas não é admitido quando seja legalmente inviável o recurso à prova testemunhal, pelo que, não sendo aplicável a terceiros a proibição constante dos n.os 1 e 2 do art. 394.º do CC, nada impedia a Relação de, perante a invocação de simulação dos contratos sujeitos a impugnação pauliana, se socorresse daqueles meios de prova para alterar a decisão da matéria de facto.

III - Inexistindo violação das normas legais aplicáveis ao emprego de presunções judiciais, é inviável ao STJ sindicar a decisão da Relação referida em II.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]:


AA, residente na Rua Engenheiro …, nº …, em Paços de Ferreira, intentou acção declarativa com processo comum contra:

1.º- BB e esposa CC, residentes na Rua …, nº …, r/c esqº, em Valongo;

2.º- DD e esposa EE, residentes na Rua …, nº …, em Rio Tinto, Gondomar;

3.º- FF, residente na Rua …, nº …, r/c esqº, em Valongo; e

4.º- GG e esposa HH, residentes na Rua …., nº …, em Rio Tinto, Gondomar, pedindo:

“a) - se reconheça o direito de crédito do A. sobre os 1.º e 2.º RR no montante de € 39.379,88 por força do direito de regresso de que goza em virtude do pagamento que efectuou no montante da livrança, avalisada pelo A. e pelos R.R.;

b) - se reconheça que a referida dívida é comum do casal e se condene o 1.º e 2.ºs RR a pagar ao A. a referida quantia, acrescida dos juros à taxa legal desde a data em que o A pagou a parte que competia aos 1.ºs e 2.ºs RR, até efectivo e integral pagamento;

c) - se declare a compra e venda celebrada entre os 1.ºs RR e a 3.ª Ré, outorgada, em 14.10.2011, na CRP de Valongo, que teve por objecto a raiz ou nua propriedade da fracção autónoma designada pela letra “B” correspondente a uma habitação no rés-do-chão esquerdo, sita na Rua …, n.º 192, da freguesia e concelho de Valongo, inscrita na matriz no artigo 2373-B e descrita na CRP de Valongo sob o n.º 488, simulada e consequentemente nula e de nenhum efeito, e se ordene o cancelamento do registo de aquisição a favor da 3.ª Ré;

d) - se declare as confissões de dívida com constituição de hipoteca celebradas entre os 2.ºs RR e a 4.º R marido, formalizadas pelas escrituras, simuladas, nulas e de nenhum efeito, e se ordene o cancelamento dos registos de constituição de hipoteca a favor do 4.º R marido, com fundamento nas aludidas escrituras de confissão de dívida com hipoteca;

e) - subsidiariamente, para o caso de não ser julgado procedente o pedido de declaração de simulação, relativo à compra e venda celebrada entre os 1.ºs RR e a 3.ª Ré, que por efeito da impugnação pauliana se declare ineficaz em relação ao A. a compra e venda efetuada pelos RR em 14-10-2011, na CRP de Valongo, que teve por objecto a descrita fração autónoma “B” (descrita na CRP de Valongo sob o n.º 488), podendo o A. executar o mesmo imóvel no património da 3.ª Ré, na medida do necessário para recebimento do seu crédito; e

f) - subsidiariamente, para o caso de não ser julgado procedente o pedido de declaração de simulação, relativo às confissões de dívida celebrada entre os 2.ºs RR e a 4.ª R, que por efeito da impugnação pauliana se declare ineficaz em relação ao A. as referidas confissões de dívida com constituição de hipoteca efectudas pelos referidos R.R. e que oneram a fração “B” descrita na CRP de Gondomar sob o n.º 9689-Rio Tinto, podendo o A. executar o mesmo imóvel no património do 4.º R, na medida do necessário para recebimento do seu crédito.”

Alegou, para tanto, em resumo, ser titular do crédito reclamado por direito de regresso contra os co-avalistas RR BB e DD, sendo a dívida comum dos respectivos casais. Mais alegou factos integrantes da simulação da compra e venda realizada entre os 1.ºs e 3.ºs RR e, bem assim, da simulação das confissões de dívida e constituição de hipoteca, realizadas entre os 2.ºs e 4.ºs réus; e, subsidiariamente, terem os RR agido para subtrair os seus bens ao pagamento dos créditos. 

Os 1ºs RR e a 3ª R, e os 2ºs e 4ºs RR apresentaram contestações separadas, pugnando pela improcedência da acção, alegando a inexistência de vícios nos negócios e pondo em causa a validade do aval prestados pelos RR BB e DD.

O processo prosseguiu os seus regulares termos, acabando por ser proferida sentença cuja parte dispositiva é do seguinte teor:

«Pelo exposto, julgando parcialmente procedente a presente ação, decido:

«a) - Reconhecer o direito de crédito do autor sobre os 1.º e 2.º réus (BB e DD) no montante de 39.379,88 euros por força do direito de regresso de que goza o autor em virtude do pagamento que efetuou do montante da livrança, avalisada pelo autor e pelos réus;

b) - Reconhecer que a referida dívida do 1.º e 2.º réus (BB e DD) é comum do casal (BB e CC; e, DD e EE);

c) - Condenar os 1.ºs e 2.ºs réus a pagar ao autor a referida quantia acrescida dos juros à taxa legal desde 25-09-2014, até efetivo e integral pagamento;

d) - Absolver os 1.ºs e 2.ºs réus do demais peticionado;

e) - Absolver a 3.ª e os 4.ºs réus do pedido;

f) - Condenar o autor e os (1.ºs e 2.ºs) réus em custas, na proporção de 2/3, 1/3, respetivamente (sem prejuízo do apoio judiciário)».


Inconformado, o A. apelou para o Tribunal da Relação do Porto que, dando razão ao apelante, por acórdão, de 19-5-2016, para além de manter as condenações constantes da decisão recorrida, declarou ainda «nulos, por simulados:

 - o contrato de compra e venda titulado pela escritura referida em J) outorgada em  14 de outubro de 2011, entre os 1ºs RR  BB e mulher CC e a 3ª R FF, em que os aqueles declaram vender à segunda, a nua propriedade da  fração autónoma nela identificada;  

 - a declaração confessória de divida no montante de € 50000,00, com constituição de hipoteca, titulada pela escritura outorgada em 11.04.2013 e referida em M), em que os RR DD e mulher EE, figuram como devedores e o R GG, como credor, incidindo a hipoteca sobre a fração autónoma nela identificado.

 - Ordena-se o cancelamento dos registos efectuados com base nas referidas escrituras».

Inconformados agora os R.R., interpuseram recurso de revista.

Fizeram-no, na mesma peça processual, os R.R., DD e GG.

E noutra peça distinta, os R.R. BB, CC e FF.

Não obstante a apresentação de recursos separados, os recorrentes não diferem nas questões suscitadas, pois concluem as respectivas alegações sustentando em ambas, sucintamente, que a Relação ao alterar para provada a factualidade dada como não provada pela 1ª instância, utilizando, para tanto, presunções judiciais, violou os art.ºs 349º, 350º e 351º do C. Civil

O A. respondeu, pugnando pelo improvimento das revistas e confirmação do acórdão recorrido.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


**


Objecto do recurso

Como é sabido, são as conclusões da alegação que delimitam o objecto do recurso [art.ºs 635º n.º 4, 639º n.ºs 1 e 3 e 641º nº 2 al. b) todos do novo C.P. Civil], não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.

Assim, é uma única a questão a apreciar e decidir: saber se a Relação ofendeu, concretamente os art.ºs 349º, 350º e 351º do C. Civil, ao socorrer-se de presunções judiciais para, em sede de reapreciação da prova, alterar a decisão de facto da 1ª instância.


*


Fundamentação

1) De facto:

Além dos factos dados como provados pela 1ª instância e que aqui se dão por integralmente reproduzidos, a Relação, em sede de reapreciação da matéria de facto, julgou provados mais os seguintes que aquela instância considerara não provados:

I. - O R BB apercebeu-se que a sociedade II - Acessórios de Automóveis, Lda caminhava para a situação de insolvência e que não ia conseguir pagar o montante devido ao Banco JJ, resultante do contrato de abertura de crédito e que esse montante lhe ia ser exigido pessoalmente pelo Banco;

II. - Apesar das declarações constantes da escritura referida em J) outorgada em 14 de outubro de 2013, nem os 1ºs RR BB e mulher CC, quiseram vender, nem a 3ª R FF, quis comprar, a fracção autónoma nela identificada;

III. - Nem os 1.ºs RR BB e mulher receberam o preço declarado, nem a 3.ª R FF pagou;

IV. - O único objetivo dos 1.ºs RR, em conluio com a 3.ª Ré, foi retirar do nome dos 1.ºs RR a nua propriedade sobre a dita fração, para que os credores dos 1.ºs RR não a pudessem executar para satisfazer os seus créditos;

V. - Os 1ºs RR e 3.ª Ré estavam conscientes, ao procederem à celebração da aludida compra e venda, que causavam prejuízos aos credores dos 1ºs RR.

VI. - O R DD apercebeu-se que a sociedade II - Acessórios de Automóveis, Lda caminhava para a situação de insolvência e que não ia conseguir pagar o montante devido ao Banco JJ, resultante do contrato de abertura de crédito e que esse montante lhe ia ser exigido pessoalmente pelo Banco;

VII. - Apesar das declarações constantes da escritura de confissão de dívida e hipoteca, referida em M) outorgada em 04.11.2013, nem os 2.ºs réus DD e mulher pediram emprestado ao 4.º R GG nem este lhe emprestou, nos anos de 1998 a 2000, a quantia de dez milhões vinte e quatro mil e cem escudos;

VIII. - O único objetivo dos 2ºs RR em conluio com o 4.º R, foi criar a aparência do crédito hipotecário no montante de € 50 000 sobre a fração para garantir esse aparente crédito do 4.º R, de forma a que na hipótese de execução, gozasse de prioridade resultante da hipoteca;

IX. - Os 2ºs e 4.º R estavam conscientes ao procederem à celebração da aludida escritura de 04.11.2013 que causavam prejuízos aos credores dos 2ºs RR.


*

2) De direito:

Como acima se disse, muito embora os recorrentes tenham interposto recursos separados, é a mesma e uma só a questão suscitada em ambos: saber se a Relação violou a lei, concretamente os art.ºs 349º, 350º e 351º do C. Civil, ao servir-se de presunções judiciais para modificar para provada matéria que o tribunal de 1ª instância havia considerado não provada.

É sabido, e decorre especificamente dos art.ºs 46º da Lei nº 62/2013, de 26/8 (Lei da Organização do Sistema Judiciário) e 682º nº 1 do C. P. Civil, que o STJ é um tribunal de revista, conhecendo, por isso, em regra, exclusivamente de questões de direito. Só excepcionalmente funciona como tribunal de 1ª ou 2ª instância incumbido de julgar, tanto matéria de direito, como matéria de facto. E os casos excepcionais em que tal acontece estão previstos no nº 3 do artº 674º do mesmo C. P. Civil: «ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto»; ou ofensa de preceito expresso de lei «que fixe a força de determinado meio de prova».

Por outras palavras, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa só pode ser objecto de recurso de revista, quando o tribunal recorrido tenha dado como provado um facto sem que se tenha produzido a prova que, de acordo com a lei, seja indispensável para a demonstração da sua existência; ou quando tenha desrespeitado normas reguladoras da força probatória dos diversos meios de prova admitidos no nosso sistema jurídico.

Em qualquer dos casos, a censura do Supremo Tribunal de Justiça confina-se à legalidade do apuramento dos factos - e não respeita directamente à existência ou inexistência destes. O Supremo não faz a censura da convicção formada pelas instâncias quanto à prova, limita-se a reconhecer e a declarar a existência de obstáculo legal a que tal convicção se tivesse formado (RODRIGUES BASTOS, in Notas ao Código de Processo Civil, 3ª ed. vol. III, pag. 278).

É também o que invariavelmente tem vindo a proclamar este STJ em diversos arestos:

- O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não é, por regra, objecto do recurso de revista, só o sendo se houver violação expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto, ou que fixe a força de determinado meio de prova. Tendo a Relação, na fixação e reapreciação da matéria de facto, agido tendo em conta os poderes de que dispunha face ao princípio da livre apreciação da prova, está vedado ao Supremo Tribunal de Justiça o uso, nesse âmbito, dos seus poderes de censura (Ac. STJ, de 5.3.2013, proc. 3247/06, acessível in www.dgsi.pt);

- O erro na apreciação das provas e fixação dos factos materiais da causa não pode, em princípio, ser sindicado pelo STJ; apenas o poderá ser se houver ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força a determinado meio de prova (Ac. de 1-10-02, CJSTJ, tomo III, pág. 65 e o Ac. de 11-4-13, acessível in www.dgsi.pt);

- E especificamente, no que ao uso de presunções judiciais concerne, o Ac. de 22-5-12, CJSTJ, tomo II, pág. 90: O Supremo (só) poderá censurar a decisão da Relação quando o uso de presunções tiver conduzido à violação de normas legais, isto é, decidir se, no caso concreto, era ou não era permitido o uso de tais presunções.

Na tese dos recorrentes teria havido violação dos art.ºs 349º, 350º e 351º do C. Civil, por os factos julgados não provados pela 1ª instância terem sido, na sequência da sua impugnação pelo apelante, alterados para provados pela Relação, através do uso de presunções judiciais.

Ora, no caso, como acima se explicitou, o tribunal da Relação deu como provados os seguintes factos que a 1ª instância julgara não provados:

- O R BB apercebeu-se que a sociedade II – Acessórios de Automóveis L.da caminhava para a situação de insolvência e que não ia conseguir pagar o montante devido ao Banco JJ, resultante do contrato de abertura de crédito e que esse montante lhe ia ser exigido pessoalmente pelo Banco;

- Apesar das declarações constantes da escritura referida em J) outorgada em 14 de outubro de 2013, nem os 1ºs RR BB e mulher CC, quiseram vender, nem a 3ª R FF, quis comprar, a fracção autónoma nela identificada;

- Nem os 1.ºs RR BB e mulher receberam o preço declarado, nem a 3.ª R FF pagou;

- O único objetivo dos 1.ºs RR, em conluio com a 3.ª Ré, foi retirar do nome dos 1.ºs RR a nua propriedade sobre a dita fração, para que os credores dos 1.ºs RR não a pudessem executar para satisfazer os seus créditos;

- Os 1ºs RR e 3.ª Ré estavam conscientes, ao procederem à celebração da aludida compra e venda, que causavam prejuízos aos credores dos 1ºs RR.

- O R DD apercebeu-se que a sociedade II - Acessórios de Automóveis, Lda caminhava para a situação de insolvência e que não ia conseguir pagar o montante devido ao Banco JJ, resultante do contrato de abertura de crédito e que esse montante lhe ia ser exigido pessoalmente pelo Banco;

- Apesar das declarações constantes da escritura de confissão de dívida e hipoteca, referida em M) outorgada em 04.11.2013, nem os 2.ºs réus DD e mulher pediram emprestado ao 4.º R GG nem este lhe emprestou, nos anos de 1998 a 2000, a quantia de dez milhões vinte e quatro mil e cem escudos;

 - O único objetivo dos 2ºs RR em conluio com o 4.º R, foi criar a aparência do crédito hipotecário no montante de € 50 000 sobre a fração para garantir esse aparente crédito do 4.º R, de forma a que na hipótese de execução, gozasse de prioridade resultante da hipoteca;

 - Os 2ºs e 4.º R estavam conscientes ao procederem à celebração da aludida escritura de 04.11.2013 que causavam prejuízos aos credores dos 2ºs R.R.».

E é certo que, para tanto, o referido tribunal se socorreu, além do mais, de presunções judiciais. O acórdão di-lo explicitamente, primeiramente, ao afirmar que: «A questão está, pois, na possibilidade de o Tribunal valorar os depoimentos dos RR, na parte não confessória e com base neles, em conjugação, com os referidos indícios e com recurso a presunções judiciais, julgar provados factos».

Depois, quando conclui que «Analisados estes meios de prova, em conjugação com as regras da experiência e com recurso a presunções judiciais, como permitem os art.ºs. 349° e 351° do CC, temos de concluir, que a declarada venda, não correspondeu à efetiva vontade das partes, de logo, por estar comprovado não ter havido pagamento do preço declarado».          

Na verdade, o tribunal recorrido depois de salientar que «O cerne da questão da decisão da matéria de facto nas ações de simulação e de impugnação paulina passa por saber qual o grau de certeza exigível para julgar provado os factos que integram estes institutos, designadamente o acordo simulatório e a intenção de prejudicar os credores, que, em regra, não são atingíveis por prova directa»; e que «a prova de factos do foro interno, como os referidos acordo simulatório e intenção de prejudicar terceiros, constitui uma das mais espinhosas tarefas a cargo da parte sobre quem recai o ónus probatório». De considerar, seguidamente, que «No caso em apreço, como é normal, não foi produzida prova direta dos acordos simulatórios ou da intenção de enganar terceiros», e que «a prova testemunhal produzida é praticamente irrelevante, como se constata da síntese dos depoimentos das testemunhas efectuada na motivação, confirmada na audição das mesmas». E constatando, por outro lado, que o tribunal de 1ª instância só tinha tido em consideração as declarações prestadas pelos RR nos seus depoimentos, na parte confessória. Mas que «quando o depoimento de parte não traduz confissão, as demais declarações da parte são susceptíveis de ser apreciadas e valoradas livremente pelo tribunal, como de resto, expressamente passou a estipular o n.º 3 do art 466º do CPC». Concluiu que, no caso presente, era «essencial a livre apreciação das declarações dos RR BB e mulher CC e a filha de ambos FF quanto à escritura de 14.10.2011 em que os primeiros declararam vender à segunda a propriedade do prédio, com reserva de usufruto, pelo preço de € 25 000», e, por outro lado, «os depoimentos de parte dos RR GG e DD e respetivas mulheres quanto à escritura de 04.11.2013, em que os segundos confessam dever ao primeiro, para além do mais, € 50 000,00, "através de sucessivos mútuos particulares, parcelares, verbais, concedidos entre o ano 1998 e o ano 2000, de valores inferiores a 20.000 euros, cada um, para pagamento de sinal e aquisição de imóvel, aquisição de parte do recheio desse imóvel e (...) constituem a favor do indicado credor (...) hipoteca voluntária sobre o imóvel (...)». Acabando por modificar, nos termos acima expostos, a decisão proferida pela 1ª instância sobre a matéria de facto.

As presunções judiciais ou de facto - como ensinava o Prof. MANUEL DE ANDRADE, in Noções Elementares de Processo Civil, pag. 214 - «são as que  resultam da experiência ( das máximas de experiência), do curso ou andamento natural das coisas, da normalidade dos factos ( regras da vida; quod plerumque accidit), sendo livremente apreciadas  pelo juiz ( artº 351º».

Ou como explicam, por seu turno, ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO e NORA, in Manual do Processo Civil, 2ª ed. revista e actualizada pag. 502: são aquelas que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos. E acrescentam ainda: «É nesse saber de experiência feito que mergulham as suas raízes as presunções continuamente usadas pelo juiz na apreciação de muitas situações de facto».

Ora, a prova por presunções judiciais, como decorre do art.º 351º do C. Civil, é admissível «nos casos e nos termos em que é admitida a prova testemunhal».

O que significa que tal espécie de prova só não é permitida nos casos previstos nos nºs 1 e 2 do art.º 393º do C. Civil e nos casos previstos nos nºs 1 e 2 do art.º 394º do mesmo Código.  

Sendo certo, porém, que a proibição que a lei estabelece neste último preceito não é, no que concerne ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, extensiva a terceiros (nº 3 do citado artº 394º), aplicando-se apenas aos próprios simuladores. Os terceiros esses poderão utilizar a prova testemunhal ou por presunções contra as partes, mesmo no casos em que semelhante recurso está vedado aos simuladores (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, in Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed. pag. 344).

Daí que, no caso em análise, em que o A. ora recorrente é estranho aos negócios alegadamente simulados, nada impedisse a Relação de se socorrer inclusive de presunções judiciais para, em sede de reapreciação da prova e contrariamente ao decidido pela 1ª instância, dar como provados os factos que esta havia declarado não provados.

De modo que, não havendo violação das normas legais invocadas pelos recorrente, obviamente que este Supremo está impedido de sindicar o julgamento que o Tribunal da Relação fez sobre aqueles pontos da matéria de facto que achou por bem dar como provados.

Não obstante, sempre se adiantará, acompanhando o Ac. deste STJ, de 14.2.2012, proc. 6823/09.3TBBRG.GI.S1, acessível in www.dgsi.pt, que «No uso dos poderes relativos à alteração da matéria de facto, conferidos pelo artº. 712º do CPC ( que a reforma de 2013 veio até reforçar no artº 662º), a Relação deverá formar e fazer reflectir na decisão a sua própria convicção, na plena aplicação e uso do princípio da livre apreciação das provas, nos mesmos termos em que o deve fazer a 1ª Instância, sem que se lhe imponha qualquer limitação, relacionada com convicção que serviu de base à decisão impugnada, em função do princípio da imediação da prova».

Decisão

Nos termos expostos, acordam em negar as revistas e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 12 de janeiro de 2017

Nunes Ribeiro (Relator)

Maria dos Prazeres Beleza

Salazar Casanova

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[1] Relator: Nunes Ribeiro
Conselheiros Adjuntos: Dra Maria dos Prazeres Beleza e Dr. Salazar Casanova