Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03B3145
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: QUIRINO SOARES
Descritores: CONVENÇÃO ARBITRAL
CONVALIDAÇÃO
Nº do Documento: SJ200310230031457
Data do Acordão: 10/23/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL ÉVORA
Processo no Tribunal Recurso: 784/02
Data: 03/27/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Sumário : 1. Segundo os termos dos artºs. 2º, 1, e 3º, da Lei 31/86, de 29/8 (Lei da Arbitragem Voluntária), a convenção de arbitragem tem de ser reduzida a escrito, sob pena de nulidade.
2. Uma carta contendo uma inequívoca remissão para a convenção verbal de arbitragem, dirigida a uma das sociedades do grupo a que pertence a contra-parte, ainda que não dirigida directamente a esta, tem o efeito convalidador previsto no citado nº. 2, do artº. 2º, Lei 31/86.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. "A", agravou do acórdão da Relação de Évora que, com fundamento numa convenção de arbitragem realizada entre a recorrente e "B", absolvera esta última da instância, na acção que a agravante moveu à agravada, para pagamento do preço de fornecimentos.
Fundamenta em que, a ter havido qualquer convenção de arbitragem, ela é nula, porque verbal;
e, a ser assim, a norma relevante para a atribuição de competência será a do artº. 5º, da Convenção de Bruxelas (1), segundo o qual a competência é, no caso, da ordem jurisdicional portuguesa.
A parte contrária contra-alegou, defendendo a validade do compromisso arbitral, e, por isso, a confirmação do acórdão.

2. São as seguintes as circunstâncias que a Relação destacou para a resolução do problema:
· a autora é uma sociedade portuguesa, com sede em Faro, e a ré é uma sociedade holandesa, com sede em 2012 ...;
· em 18 de Fevereiro de 1990, autora e ré declararam reciprocamente, e por forma verbal, celebrar o acordo a que denominaram "Contrato de Licença e Distribuição", com o teor de fls. 183 a 203, onde figuram como declarantes a ré e C;
· declararam, também, reciprocamente, em tal documento que: "Todos os pagamentos feitos pela Sociedade (designação da autora) à "B" (designação da ré) deverão ser feitos em dólares americanos e ser-lhe-ão remetidos para 2012 ..."... (cfr. artigo 2º A. 3, do contrato, sob a designação: "Royalties");
· e que: "Todas as disputas que surjam em relação a este contrato e, que não sejam resolvidas por acordo entre as partes serão finalmente resolvidas pela arbitragem. A arbitragem acontecerá na Bélgica e será em idioma inglês de acordo com as regras e procedimentos do CEPANI (Centre pour l'Etude et la Pratique de l'Arbritage National et Internacional)";
"Este contrato será elaborado conforme as leis do Reino da Bélgica, com a excepção do Estatuto de 27 de Julho de 1961, com as alterações de 13 de Abril de 1971 relacionadas com a rescisão de contratos de distribuição" - (cfr. artigo 25º do contrato, sob a designação de: "Arbitragem - Lei Aplicável");
· nos presentes autos, o pedido formulado pela autora é de condenação da ré a restituir-lhe determinada quantia em dinheiro, em virtude de a ré ter procedido à cobrança indevida de valores superiores aos contratualmente fixados por ambas.

3. Segundo os termos dos artº. 2º, 1, e 3º, da Lei 31/86, de 29/8 (Lei da Arbitragem Voluntária), a convenção de arbitragem tem de ser reduzida a escrito, sob pena de nulidade.
O contrato (escrito em inglês), que é um franchising, onde, sob o artº. 25º, consta a alegada cláusula de arbitragem, e no cumprimento do qual, segundo a ré, teriam sido pagas as royalties de que a autora/recorrida pretende, agora, ser restituída, foi subscrito por representantes da ré, como franchisadora, e por C (como franchisado), o qual, em todo o texto do documento, é designado por Company, termo que, em português, significa companhia ou sociedade.
Do que resulta que aquele C actuou por conta de uma entidade colectiva, mas não em nome dela.
Do que resulta, ainda, que, em tais circunstâncias, aquela assinatura nunca poderia vincular a sociedade autora/recorrida, tendo em conta o disposto no artº. 260º, 4, CSC (2), interpretado à luz do AUJ (3) nº. 1/02, de 6/12/01 (4).
Quer isto dizer, para todos os efeitos, que, podendo as partes deste processo ter acordado entre elas, verbalmente, nos mesmos termos que constam do aludido contrato escrito (aceitando, com justificadas reservas, que, a seguir se explicarão, o dado como assente nas instâncias), esse acordo, se poderá valer como um contrato de franchising entre elas, porque o franchising é um contrato atípico e informal (ficando, de qualquer modo, por explicar como é que a posição de franchisado transitou do signatário do escrito, C, para a autora/recorrida), já não valerá, a não ser pela intervenção superveniente de circunstâncias convalidadoras, como convenção de arbitragem, e isso por falta de forma.
Falou-se, agora, em circunstâncias convalidadoras a pensar no disposto no nº. 2, do citado artº. 2º, Lei 31/86, onde se considera "reduzida a escrito a convenção de arbitragem... constante... de troca de cartas... ou outros meios de telecomunicação de que fique prova escrita, quer esses instrumentos contenham directamente a convenção, quer deles conste cláusula de remissão para algum documento em que uma convenção esteja contida".
E, com efeito, a carta da autora/recorrida, junta a fls. 137, dirigida a "S.A. D N.V.", escrita, sem qualquer dúvida, no contexto daquele contrato de distribuição, e já num ambiente litigioso, contém uma inequívoca remissão para o contrato assinado, em 18.02.90, por C, a remissão a que a citada disposição da Lei da Arbitragem Voluntária atribui o mesmo valor formal que o documento escrito e assinado por ambos os contraentes.
Apesar de ter passado desapercebida nas instâncias, tal carta, cuja autoria e emissão não levantam dúvidas, pode e deve ser, aqui, levada em conta, por força do disposto no artº. 729º, 2 e 3, CPC.
É certo que a carta, em cujo cabeçalho impresso a autora/recorrida, significativamente, se proclama "importador e distribuidor exclusivo de "B" (e apetece perguntar a que propósito, se, como afirma no seu articulado de réplica (5), "nunca celebrou qualquer contrato com a "B"), a carta, dizíamos, foi endereçada, não a "B, BV", mas, como se disse, a "S.A. D N.V."
É claro, porém, que se trata de sociedades coligadas, ambas representando, no seu sector de actividade, uma o de marketing e prospecção de mercado, outra no da produção, o mesmo grupo económico que actua sob a aludida designação: "B".
Nestas circunstâncias, a emissão de uma carta com aquele teor não poderia deixar de produzir o efeito previsto no citado nº. 2, do artº. 2º, Lei 31/86, já que se trata de correspondência ostensivamente dirigida ao grupo que, através da sociedade de marketing and research, lhe atribuiu o franchising, correspondência apta a circular de imediato entre todas as sociedades do grupo a quem interessasse, e, por isso, implicando, da parte da subscritora, uma consciente vinculação perante elas.
Logo por aqui se vê que, embora sejam ínvias as razões do acórdão recorrido, ele deve ser confirmado.
As ínvias razões (e é, agora, a ocasião de explicar por que, atrás, se aceitou com reservas um facto dado como provado nas instâncias), as ínvias razões, dizíamos, são o ter sido dado como provado que "autora e ré declararam reciprocamente e por forma verbal (sublinhado nosso), celebrar o acordo a que denominaram "Contrato de Licença e Distribuição", com o teor de fls. 183 a 203, onde figuram como declarantes a ré e C", sem que ninguém tenha alegado a dita declaração meramente verbal e sem que alguma espécie de prova, documental ou testemunhal (e testemunhal não poderia ser, dada a fase em que o processo se encontra) tivesse contrariado a frontal negação que a autora opôs, na réplica, à, pela ré, alegada celebração escrita do contrato de licença e distribuição.
· Ainda, porém, que se não atribuísse à dita carta o valor que lhe foi dado (de confirmação do contrato de franchising e da cláusula de arbitragem que o integra), nem assim a solução poderia ser outra.
Em tal caso, tratar-se-ia, segundo a posição da autora, de um simples contrato de fornecimento.
Nessas circunstâncias, e tal como bem se disse na decisão da 1ª instância, operaria o artº. 2º, da Convenção de Bruxelas de 27.09.68, de acordo com o qual o tribunal internacionalmente competente é o do domicílio do réu.
Certo que o artº. 5º, 1, da mesma Convenção, estatui que, "em matéria contratual" o demandante, em vez do tribunal do lugar do domicílio do réu, pode escolher o daquele em que "a obrigação foi ou deve ser cumprida".
E também é certo que, pretendendo a autora a repetição do indevido com referência ao pagamento de fornecimentos, a questão é de natureza contratual, e, portanto, enquadrável naquela última disposição.
Só que, em boa verdade, a averiguação do lugar onde a obrigação deve ser cumprida depende da prévia determinação da lei nacional aplicável, e, para tanto, o processo não fornece os elementos necessários (nem a escolha das partes - artº. 41º, 1, CC (6), nem o lugar da celebração do contrato - 42º, 2, CC) já que, estando os contraentes domiciliados em países diferentes, não funciona a regra geral supletiva estabelecida no nº. 1, daquele artº. 41º ("lei da residência habitual comum das partes").

4. Pelo exposto, embora por razões diferentes, confirmam a decisão impugnada e negam provimento ao agravo.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 23 de Outubro de 2003
Quirino Soares
Neves Ribeiro
Araújo Barros
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(1) Aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República nº. 34/91, de 24.04.91, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº. 52/91, de 30/10.
(2) Código das Sociedades Comerciais.
(3) Acórdão uniformizador de jurisprudência.
(4) In Diário da República, 1ª série-A, nº. 20, de 24.01.02.
(5) A autora replicou, ao contrário do que é dito no saneador recorrido.
(6) Código Civil.