Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
Relator: | GARCIA CALEJO | ||
Descritores: | ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES DIREITO A ALIMENTOS OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS PRESSUPOSTOS CESSAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 07/13/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário : | I - Excepcionalmente, se no momento em que atingir a maioridade, o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o art. 1879.º do CC – despesas com o sustento, segurança, saúde e educação dos filhos – na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação profissional se complete – art. 1880.º do CC. II - A obrigação excepcional prevista nesta disposição tem um carácter temporário, definido pelo “tempo necessário” para completar a formação profissional do alimentando, obedecendo a um critério de razoabilidade – é necessário que, nas concretas circunstâncias do caso, seja justo e sensato exigir dos pais a continuação da contribuição a favor do filho agora de maioridade. III - No caso de litígio entre os pais e o filho maior que necessite de uma pensão alimentícia para completar a sua formação profissional, compete a este a instauração do pertinente processo judicial, aí fundamentando a sua necessidade e a possibilidade dos progenitores de a prestar. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I- Relatório: 1-1- Nestes autos de alteração da regulação do poder paternal, veio AA, requerer que se ordene à entidade patronal do requerido BB, que proceda aos descontos mensais no seu ordenado, da prestação de alimentos a favor do filho de ambos, CC. Alega, para tanto, que CC atingiu a maioridade no dia 18 de Março de 2007, tendo o pai continuado a pagar-lhe a pensão de alimentos até data recente, embora de modo coercivo. Acrescenta que o filho continua a estudar e a necessitar de alimentos. Em 13.05.2009, em 1ª instância, foi proferido despacho que indeferiu a pretensão da requerente, dizendo-se: “… compulsados os autos verifica-se que CC já intentou a competente acção de fixação de alimentos devidas a filho maior (cfr. apenso F), pelo que já não tem a requerente qualquer legitimidade para requerer a continuação do pagamento dos alimentos ao seu filho, tanto mais que este atingiu a maioridade. Assim sendo, verifica-se que será naquela acção que o filho do requerido terá que pedir, ele próprio, a continuação do pagamento da prestação de alimentos ao seu pai. Termos em que, e sem necessidade de mais considerandos, indefiro o requerido…” Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a requerente de agravo para o Tribunal da Relação de Coimbra, tendo-se aí, por acórdão de 9-03-2010, julgado improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida. 1-2- Irresignada com este acórdão, dele recorreu a requerente para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como agravo, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo. A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões: 1ª- Como se lê no sumário do Acórdão citado (n°3 do art. 8° do C.C.): “I - Os alimentos fixados a menores não cessam pelo simples facto de terem atingido a maioridade, antes se mantendo (nos termos do artigo 1880º do CC), apesar da maioridade, sem que tal assuma a natureza de uma nova obrigação; 2ª- Tal direito à prestação dos alimentos só cessa quando, judicialmente ou por acordo, se declara que o direito cessou (II). 3ª- No funcionamento ou aplicação da cláusula de razoabilidade prevista no citado art. 1880° do C.C., em ordem a saber se é, ou não, exigível o prolongamento do dever de prestar alimentos para além da maioridade do filho, e por quanto tempo, deve atender-se a um critério de razoabilidade, ponderando: primeiro, designadamente as condições económicas dos pais, o relacionamento existente entre pais e filho e condição social e nível cultural dos primeiros; segundo, que essa obrigação de alimentos não pode ser indefinida, pois (ut citado art. 1880°), o seu fim específico é permitir ao filho completar a sua “formação profissional”, sendo este, portanto, o seu terminus ad quem (III)” 4ª- O CC atingiu a maioridade em 18/03/2007, tendo o seu pai, embora de modo coercivo, continuado a pagar-lhe a pensão, acrescida de quantias em falta, até data recente — cfr. Apenso 202-C; 5ª- A situação económica do CC nada mudou pelo facto de ter atingido a maioridade, continuando a estudar, na convivência com sua mãe, vindo o pai a comparticipar nos termos fixados até ao passado mês de Março de 2009; 6ª- O CC - atento ao que fora decidido na Execução apensa — Processo nº 202- C/l991, cujo recurso não fora admitido - formulou tal pedido no Apenso 202- F/199l, cujo conteúdo aqui se dá na íntegra por reproduzido; 7ª- Todavia, entendeu a Mª Juiz que - não obstante todo o procedimento estar pendente neste Tribunal Judicial, nestes autos (principal e diversos apensos) — que a jurisdição competente para a declaração da manutenção da obrigação era da Conservatória do Registo Civil; 8ª- Remetido para a instauração de um novo processo mas a instaurar na Conservatória do Registo Civil, nunca mais recebeu um cêntimo de seu pai; 9ª- O julgador tem meios de ultrapassar tal dificuldade, atento o disposto na legislação aplicável aos processos de jurisdição voluntária especificamente e também ao disposto na lei geral, quer civil — artigos 8°, 9º e 10º, todos do Código Civil, quer processual civil: 265°-A e 292°, ambos do C.P.C. ; É que, 10ª- O CC continua a estudar, em exclusividade, não tendo completado a sua formação profissional, não tendo ocorrido mais nenhuma alteração na sua vida que não seja a mudança de idade e ver-se agora privado de qualquer comparticipação do pai nas suas despesas, voluntária ou coerciva; 11ª- Entendendo-se que continua a obrigação do pai de comparticipar, como o vinha fazendo, com as suas despesas relativas à sua habitação, vestuário, saúde, educação, instrução e alimentação, com a prestação mensal que lhe vinha sendo exigida; 12ª- Uma vez que o mesmo não está de modo algum, em condições de tal suportar, bem pelo contrário, os encargos com ele vão sendo cada vez maiores, como é notório, encontrando-se precisamente na situação configurada no citado artigo 1880º do C.C.; 13ª- O legislado a respeito, o sistema jurídico está concebido de modo a que aos filhos nada chegue a faltar, ou seja, que não haja hiatos no pagamento dos alimentos a que têm direito; 14ª- O nosso sistema jurídico praticamente tudo acautela no sentido da prossecução, da efectivação da ratio legis — veja-se o disposto no artigo 265° - A do Código de Processo Civil que estipula:” Quando a tramitação processual prevista na lei não se adequar às especificidades da causa, deve o juiz oficiosamente, ouvidas as partes, determinar a prática dos actos que melhor se ajustem ao fim do processo, bem como as necessárias adaptações”; vide também o disposto nos artigos 8°, 9° e 10º do Código Civil; 15ª- Sendo que in casu estamos no domínio da jurisdição voluntária, o que tal facilitará; 16ª- O que o legislador não quis de certeza é que em matéria tão sensível, tão melindrosa, se permitisse que de um momento para o outro, uma pessoa nas circunstâncias do CC deixasse de receber os alimentos que vinha recebendo do pai por força de uma sentença, atenta a sua inqualificável atitude para com o filho; 17ª- Está a acontecer no caso concreto ao CC ver-se de um momento para o outro com problemas de sobrevivência, sem justificação plausível; 18ª- A Mª Juiz do Tribunal Judicial de Pombal assim que o pai do menor CC informou nos autos que este seu filho havia atingido a maioridade, ordenou de imediato a suspensão do pagamento - e fê-lo mesmo antes do decurso do prazo de recurso de tal despacho - foi de imediato a entidade patronal notificada para suspender os descontos que vinha fazendo no ordenado deste seu funcionário, que é o pai do CC, o qual só coercivamente vinha pagando os alimentos a seu filho, que deste modo se viu abruptamente privado da prestação de alimentos, essencial para si; 19ª- Ora, o direito à prestação de alimentos só deve cessar quando, judicialmente ou por acordo se declara que o direito cessou — para que se não verifiquem situações de privação grave e súbita, como é o caso; 20ª- Para o Requerido, BB, eventualmente se vir a libertar da obrigação em que se encontra constituído pela sentença transitada ínsita nos autos à margem referenciados, de pagar os alimentos a seu filho CC, teria de fazer instaurar uma acção especial para cessação do pagamento dos alimentos devidamente fundamentada e não limitar-se a dizer, como fez, que o mesmo fez 18 anos — ele bem sabe que o filho necessita dos alimentos — a Justiça deve reconhecer tal pelos amplos meios disponíveis — decidir-se como se decidiu é negar a realidade; 21ª- Não tendo pedido a cessação da sua obrigação, como manifestamente não fez, deve continuar obrigado à sua observância — acção esta sujeita à tramitação do citado artigo 1121º do C.P.C. — o que ainda não aconteceu in casu; o CC não instaurou qualquer procedimento contra o pai por ocasião dos seus 18 anos porque confiou em que a Justiça estava subjacente, acompanhando-o, como, aliás, vinha acompanhando há muitos anos; 22ª- O que bem atesta o constante dos presentes autos e demais apensos; 23ª- A obrigação do seu pai deve manter-se e prolongar-se, apesar da maioridade deste seu filho, sem que tal assuma a natureza de uma nova obrigação; 24ª- Trata-se de um processo de jurisdição voluntária, onde o Tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, como se lê no Acórdão que vem sendo seguido — o julgador deve ser sensível, na aplicação e interpretação das normas aplicáveis, à situação de uma pessoa que, só porque fez 18 anos de idade, mantendo, sem quaisquer alterações, o seu modo e meios de vida, se vê de um momento para o outro abruptamente privado destes últimos, dos referidos meios, que são vitais para a sua subsistência, para a continuação normal da sua vida, da comparticipação de seu pai nos encargos indispensáveis ao seu sustento, habitação, vestuário, saúde, instrução e educação — daí que a lei imponha para a cessação ou o acordo ou o recurso à acção judicial própria, declarando-se que o direito cessou. 25ª- Mas mesmo neste caso a lei permite a renovação da instância — veja-se o disposto no artigo 292° do Código de Processo Civil. 26ª- Decidindo como decidiu, também o douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra violou, entre outros, para cuja aplicação se invoca o douto suprimento, os artigos 8°, 9° e 10º, 1880º, todos do Código Civil e arts. 265°; 265° - A; 292° e 1121°, todos estes do Código de Processo Civil. Termos em que e nos melhores de Direito aplicáveis, para cuja aplicação sempre se invoca o douto suprimento de Vs. Exas., deve o Acórdão em recurso ser revogado, com todas as legais consequências, ou seja, substituindo-se por outro que acautele os legítimos direitos e interesses em presença. O recorrido não contra-alegou. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: II- Fundamentação: 2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil). Nesta conformidade, será a seguinte a questão a apreciar e decidir: - Legitimidade da requerente para deduzir o pedido contra o pai, de continuação do pagamento de alimentos ao filho, depois de este ter atingido a maioridade. 2-2- A Relação considerou assentes as seguintes circunstâncias de facto: 1. CC é filho da requerente AA e do requerido BB. 2. CC atingiu a maioridade no dia 18 de Março de 2007. 3. CC requereu contra o seu pai a continuação do pagamento da prestação de alimentos, formulando tal pedido no apenso 202-F/1991. 4. A requerente (ora Agravante) veio requerer ao Tribunal a quo em 12 de Maio de 2009, que se ordene à entidade patronal do requerido BB, que proceda aos descontos mensais no seu ordenado da prestação de alimentos a favor do filho maior de ambos, CC. ------- 2-3- Verifica-se que o teor das alegações da recorrente para este Supremo Tribunal, na sua essência, são idênticas às efectuadas no recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra. Não existiu, assim, por parte da ora recorrente, um análise crítica ao aresto recorrido, não justificando, portanto, o seu inconformismo em relação a esse acórdão, pelo que estivemos tentados a proferir decisão sumária, até porque, a nosso ver, o recurso é manifestamente infundado (art. 705º do C.P.Civil, ex vi do art. 726º). Entendemos, porém, mandar o processo aos vistos e proferir acórdão porque julgámos oportuno fazer as considerações sintéticas que se seguem. Como se refere no douto acórdão recorrido, em relação à questão debatida de legitimidade activa da requerente/recorrente para deduzir o pedido que realizou, nada de concreto esta refere, tendo-se limitado a tecer considerações sobre o mérito da sua pretensão. De acordo com o disposto nos artigos 1878º nº 1 e 1885º nº 1 e 2, do C.Civil (diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem), incumbe aos pais, no interesse dos filhos, velar pela sua segurança e saúde e prover ao seu sustento, promovendo, de acordo com as suas possibilidades, o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos, proporcionando-lhes adequada instrução geral e profissional. Como decorre do disposto nos arts. 1877º e 1880º, tais obrigações cessam, em regra, quando os filhos atingem a maioridade. Excepcionalmente, porém, se no momento em que atingir a maioridade, o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o art.º 1879º (despesas com o sustento, segurança, saúde e educação dos filhos) na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação profissional se complete (art. 1880º). A natureza excepcional desta obrigação (de prestação de alimentos a filho maior), deriva da formulação condicional da previsão legal do artigo 1880º: “Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação…». Isto é, a obrigação decorrente da disposição, procede da necessidade de auxílio e assistência do filho, até completar a sua formação profissional. A obrigação excepcional prevista nesta disposição tem um carácter temporário, definido pelo “tempo necessário” para completar a formação profissional do alimentando, obedecendo a um critério de razoabilidade – é necessário que, nas concretas circunstâncias do caso, seja justo e sensato, exigir dos pais a continuação da contribuição a favor do filho agora de maioridade. Estes aspectos, segundo cremos, têm vindo a ser ponderados de forma pacífica neste Supremo Tribunal. Veja-se designadamente o acórdão de 31 de Maio de 2007, onde expressamente se refere, em relação ao estipulado no art. 1880º, “os pressupostos de aplicação deste último artigo, conexionado com o disposto no artigo anterior, são a maioridade do filho e a sua necessidade de auxílio e assistência dos pais até completar a sua formação profissional”. No mesmo sentido se pronunciaram os acórdãos de 22 de Abril de 2008 e de 2 de Outubro de 2008, todos acessíveis na internet em www.dgsi.pt/jstj.nsf. Mas como estas decisões reconhecem, em caso de litígio entre os filhos e os pais em relação ao referido auxílio, necessário se torna que eles o requeiram judicialmente justificando a sua necessidade e a possibilidade dos pais de prestarem os alimentos. “Dir-se-á, assim, ser a regra no sentido de que o direito a alimentos do filho menor no confronto dos respectivos progenitores cessa com a respectiva maioridade. Ele tem, porém, direito à manutenção da referida obrigação alimentar, no mesmo ou em diferente montante, conforme as circunstâncias, para completar a sua formação profissional. Mas para tanto importa que o peça em juízo, articulando e provando os factos integrantes da causa de pedir concernente ao direito substantivo previsto no art. 1880º do Código Civil …” (in Acórdão deste STJ de 31 de Maio de 2007, já referido). Isto é, no caso de litígio entre os pais e o filho maior que necessite de uma pensão alimentícia para completar a sua formação profissional, compete a este a instauração do pertinente processo judicial, aí fundamentando a sua necessidade e a possibilidade dos progenitores (neste sentido vide de novo os acórdãos mencionados). É certo que a lei (art. 1880º) fala em manutenção da obrigação. Mas isto não significa que o interessado não deva provar os pressupostos de que depende o reconhecimento da prestação da prestação. O que resulta do dispositivo é que a obrigação da pensão alimentar cessa quando os filhos atingirem a maioridade, a não ser que eles requeiram a sua manutenção. Nesta conformidade já poderemos responder à questão que nos é colocada. A legitimidade activa para o pedido de alimentos de filho maior, pertence exclusivamente a este e não a qualquer dos progenitores (no caso vertente, à mãe). A douta decisão recorrida foi, pois, certa. Só mais umas palavras para responder a mais alguma da argumentação da recorrente no recurso. Em primeiro lugar, a decisão em causa não pode ser entendida como proferida no domínio da jurisdição voluntária, antes se tratando de decisão decorrente de um critério de legalidade. De resto, se fosse entendida como uma decisão proferida segundo preceitos de conveniência e oportunidade (em processo de jurisdição voluntária), o recurso para este Supremo Tribunal não seria possível, de harmonia com o disposto no art. 1411º nº 2 do C.P.Civil. As afirmações da recorrente de que a situação económica do CC nada mudou pelo facto de ter atingido a maioridade, continuando a estudar, na convivência com sua mãe, para além de serem circunstâncias que não constam dos factos dados como assentes (sendo certo que, como se sabe, o Supremo só conhece, em regra, de direito), as mesmas são irrelevantes para a presente decisão, interessando sim, para o mérito da pretensão do requerente de alimentos, assunto arredado da questão ora em debate. O agravo não merece provimento. III- Decisão: Por tudo o exposto, nega-se provimento ao agravo, mantendo-se o douto acórdão recorrido. Custas pela recorrente. Supremo Tribunal de Justiça, 13 de Julho de 2010 Garcia Calejo (Relator) Helder Roque Sebastião Póvoas |