Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
902/14.7T8GMR-A.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: PRESCRIÇÃO
QUOTAS DE AMORTIZAÇÃO E JUROS
Data do Acordão: 06/06/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / TEMPO E REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS / PRESCRIÇÃO / PRAZOS DA PRESCRIÇÃO / PRAZO DE CINCO ANOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 310.º, ALÍNEAS E) E G).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 29-09-2016, PROCESSO N.º 2012/13, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - A previsão da al. e) do art. 310.º do CC exige que o vencimento das prestações remuneratórias coincida temporalmente com o vencimento das prestações de amortização do capital – em suma, exige a natureza unitária das prestações –, impondo ao credor um dever de diligência na cobrança dos seus créditos e tutelando, paralelamente, o interesse do devedor em não ser confrontado, a destempo, com a acumulação de dívidas menores mas com vencimentos sucessivos e periódicos.

II - A previsão da al. g) reporta-se unicamente a prestações periodicamente renováveis, usualmente emergentes de contratos de fornecimento de energia, gás e água.

Decisão Texto Integral:
Por apenso à execução comum que AA, intentou contra BB, foi reclamado um crédito pelas herdeiras de CC, DD e EE, no valor de € 101.868,48, e juros vincendos calculados sobre o capital em dívida, crédito esse garantido por hipoteca voluntária sobre o prédio penhorado na execução.

A exequente impugnou tal crédito alegando que, sendo sustentado num contrato de mútuo celebrado em 9-4-99, entre o pai das reclamantes e os pais da executada, no valor de € 35.000,00, está prescrito, nos termos do art. 310º, al. e) do CC.

Acrescenta ainda que, a ser verdade que as datas das quotas de amortização do capital eram 15-6-05, 30-8-05, 20-12-05 e 9-4-06, prescreveram em 2010 e 2011.

Foi proferida despacho saneador-sentença que julgou procedente a exceção da prescrição e não reconheceu a existência do crédito reclamado nos autos.

As reclamantes apelaram, tendo a Relação julgado parcialmente procedente o recurso, considerando verificado o direito de crédito reclamado pelas Reclamantes, com exceção dos juros vencidos há mais de 5 anos que se encontram prescritos.

A exequente interpôs recurso de revista na qual se insurge quanto ao acórdão recorrido por ter pressuposto que eram diferentes as datas de pagamento das prestações de capital e dos juros remuneratórios, matéria que não foi enunciada como provada. De qualquer modo, ainda que a prescrição não pudesse ser sustentada na al. e) do art. 310º (quotas de amortização), concluiu que sempre o seria aplicável a norma residual da al. g) (prestações periodicamente renováveis).

Houve contra-alegações.

Cumpre decidir


II – Factos que as instâncias consideraram provados:

1. A 9-4-99, por contrato de mútuo com hipoteca, celebrado no Cart. Notarial da …, o pai das Reclamantes, CC, emprestou aos pais da Executada, FF e GG, pelo período de 5 anos, a quantia, hoje correspondente a € 35.000,00, conforme doc. nº 2 junto com a reclamação de créditos.

2. Os mutuários, além de se constituírem devedores da referida quantia mutuada, obrigaram-se ainda ao pagamento juros remuneratórios à taxa anual de 10%, a pagar no início de cada ano, a qual, em caso de mora, seria agravada com a sobretaxa de 4% ao ano.

3. Para garantia da restituição do valor emprestado e juros fixados, incluindo os moratórios, os mutuários constituíram uma hipoteca voluntária sobre o prédio identificado no auto de penhora.

4. Decorrido (o) período de 5 anos do empréstimo, os mutuários não procederam à restituição da quantia emprestada, nem ao pagamento de quaisquer juros.

5. Não obstante, o mutuante, embora sem prescindir dos juros remuneratórios, aceitou alargar o prazo de restituição do capital, estabelecendo as datas abaixo, renunciando, assim, aos juros de mora, então, já vencidos:

- € 10.000,00 a 15/06/2005;

- € 5.000,00 a 30/08/2005;

- € 5.000,00 a 20/12/2005;

- € 15.000,00 a 09/04/2006.

6. Porém, apesar de o mutuante ter aceitado alterar a data de restituição do capital mutuado, até à presente data, não lhe foi entregue qualquer quantia para pagamento de capital ou dos juros.


III – Decidindo:

A matéria de facto está fixada e não é objeto de qualquer divergência, sendo, pois, relativamente à mesma que importa aplicar o direito.

Relativamente a um contrato de mútuo celebrado em 1999, pelo prazo de 5 anos, e no qual se estabeleceu que a restituição do capital e dos juros era garantida por hipoteca constituída pelos mutuários, ainda não foi paga qualquer quantia, quer a título de juros, quer por conta do capital mutuado.

Decorrido aquele prazo de 5 anos sem qualquer restituição ou remuneração do capital mutuado, foi acordado pelos outorgantes que o pagamento do capital seria feito em 4 prestações, renunciando o mutuante aos juros moratórios então vencidos, mas não aos juros remuneratórios.

Apesar disso, não foi efetuado o pagamento de qualquer quantia nem há notícias de que a dívida tenha sido judicialmente exigida pelo mutuante.

Estes são, contudo, aspetos que, embora não se enquadrem nos padrões de normalidade, decorrem da matéria de facto que está consolidada e que sobre a qual incide o recurso de revista circunscrito a matéria de direito.

Assim, estabilizada que a decisão que considerou prescrito o direito de crédito na parte referente aos juros vencidos há mais de 5 anos, importa simplesmente verificar se a prescrição deve igualmente ser declarada relativamente ao crédito de capital, por via da al. e) do art. 310º do CC (quotas de amortização do capital pagáveis com os juros) ou por via da al. g) (prestações periodicamente renováveis.


2. A resposta não favorece a recorrente, devendo confirmar-se o acórdão recorrido cuja fundamentação inteiramente se subscreve.

Considerando a primeira vertente das alegações da exequente em que advoga a integração do caso na previsão da al. e) do art. 310º do CC, referente a “quotas de amortização de capital pagáveis com os juros”, é evidente que o acordo dos interessados, após o fim do prazo que fora estabelecido para a devolução do capital mutuado, traduzido no reescalonamento da devolução do capital mutuado em 4 prestações não corresponde à situação que o legislador abstratamente previu.

A norma refere-se a “quotas de amortização do capital pagáveis com os juros”, como sucede com muita frequência nos contratos de financiamento e, mais ainda naqueles que são realizados tendo em vista a aquisição de habitação, em que é corrente a fixação da obrigação de pagamento de sucessivas prestações periódicas que simultaneamente podem englobar os juros remuneratórios e a amortização do capital mutuado.

Ora, no caso concreto, manteve-se inalterada a obrigação de os mutuários efetuarem o pagamento dos juros remuneratórios que, nos termos do contrato inicial, se venciam no início de cada ano. Por outro lado, o novo acordo que foi outorgado previu a devolução do capital em 4 prestações com datas de vencimento distintas, sem qualquer característica que as associe à amortização do capital nos termos enunciados.

Não se verifica, pois, a natureza unitária das prestações (amortização do capital, por um lado, e pagamento de juros remuneratórios, pelo outro), mantendo cada crédito total autonomia.

Como se refere no acórdão recorrido, “o art. 310º do CC consagra uma prescrição de curto prazo (dentro das prescrições extintivas), encontrando a sua razão de ser na proteção do devedor, pela acumulação da sua dívida que, de dívida de anuidades, pagas com os seus rendimentos, se transformaria em dívida de capital suscetível de o arruinar, se o pagamento lhe pudesse ser exigido de um golpe ao cabo de um número demasiado de anos” concluiu o mesmo aresto que “a previsão normativa da al. e) abrange as hipóteses de obrigações periódicas, pagáveis em prestações sucessivas e que correspondam a duas frações distintas: uma de capital e, outra, de juros em proporção variável, a pagar conjuntamente. Cada quota de amortização corresponderá, assim, ao valor somado do capital e dos juros correspondentes, pagáveis conjuntamente”.

Assim resulta também do Ac. do STJ de 29-9-16, 2012/13, em www.dgsi.pt, também mencionado no acórdão recorrido em cujo sumário se refere que:

“I - Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do art. 310º do CC, as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos.

II - Na verdade, neste caso – apesar de obrigação de pagamento das quotas de capital se traduzir numa obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fracionado em prestações - a circunstância de a amortização fracionada do capital em dívida ser realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, determinou, por expressa determinação legislativa, a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição.”

Ora, da factualidade apurada resulta, de uma forma clara, que não estão verificados os requisitos que poderiam permitir o preenchimento da al. e) do art. 310º do CC, aplicável aos casos em que, para além de ser estipulada a amortização do capital através do pagamento de prestações, estas se vençam em simultâneo com o vencimento da prestação de juros remuneratórios.

A al. e) do art. 310º do CC exige que as prestações que representem a amortização do crédito principal coincidam temporalmente com o vencimento da obrigação de pagamento de juros, visando o legislador, com o estabelecimento de uma prescrição com um prazo mais reduzido do que o prazo geral de 20 anos constante do art. 309º do CC, impor ao credor um dever de diligência no sentido da cobrança dos créditos dessa natureza, ao mesmo tempo que tutela os devedores no sentido de não serem confrontados a destempo com uma dívida resultante da acumulação de dívidas menores mas com vencimentos sucessivos e periódicos.


3. Também não se verifica a situação prevista na al. g) que se reporta a prestações periodicamente renováveis.

Nenhuma semelhança se deteta entre a situação dos autos e aquela a que a norma se dirige e que usualmente emergem de contratos de fornecimento de energia elétrica, gás ou água.


IV – Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas da revista a cargo da recorrente.

Notifique.


Lisboa, 6-6-19


Abrantes Geraldes (Relator)


Tomé Gomes


Maria da Graça Trigo